terça-feira, 10 de dezembro de 2013

OS DESABRIGADOS DO MUNDO

A Misericórdia de Lisboa está montar uma operação para tentar identificar a população sem abrigo nas ruas de Lisboa. Na verdade, segundo afirmações recorrentes não é conhecido ao certo o número de pessoas que em Lisboa (sobre)vivem nesta condição.
Em Maio, a Vereadora do Desenvolvimento Social da Câmara de Lisboa, Helena Roseta, afirmava que a população sem abrigo em Lisboa "está a aumentar", estimando-a em 2.000 pessoas.
"Está a verificar-se um aumento significativo da população sem abrigo, por razões de desorganização das suas vidas. Não tem só a ver com habitação, mas também por desemprego, problemas familiares, adições, tudo misturado. Cada vez mais, mesmo por penúria económica, incapacidade de pagar, e algumas pessoas fazem parte de uma pobreza envergonhada", disse na altura.
Também algum tempo antes, a Directora da Acção Social da Misericórdia de Lisboa afirmava que o perfil das pessoas sem abrigo em Lisboa se tem vindo a alterar envolvendo pessoas mais jovens e sem problemas de saúde mental ou toxicodependência, surgindo com progressiva frequência casais ou famílias. Devido à reserva dos próprios e à instabilidade da sua luta pela sobrevivência é difícil ter uma estimativa realista do número de pessoas nesta situação. Aliás, essa dificuldade já se tinha feito sentir com a realização dos Censos de 2011 cujo apuramento, peca, de acordo com as instituições, por defeito.
Esta gente que vai caindo na rua não teve tempo de se entusiasmar com a expectativa do regresso aos mercados e mostra de forma muito evidente as suas características de resistência e os limites, o melhor povo do mundo é assim, dando suporte ao modelo de Fernando Ulrich e tornando-se alguns dos mais bem preparados cidadãos para os tempos que atravessamos, vivem do nada.
Na verdade, não têm nada, aguentam tudo e só são notícia quando chegam as vagas de frio ou quando aparecem gratos e contentes naqueles jantares oferecidos no Natal que quase sempre compõem indecorosos espectáculos mediáticos.
Continuam os tempos de chumbo, os tempos da indignidade.
Por outro lado e voltando à dificuldade em contabilizar o universo dos sem abrigo, apesar da tentativa de rigor e empenhamento dos procedimentos, essa dificuldade decorre de várias razões como há algum tempo escrevi.
São muitos, os sem abrigo num porto que os acolha, uma casa, um espaço a que possam dar vida e que lhes apoie a vida, uma família.
São muitos, os sem abrigo, mesmo em famílias e em instituições.
São muitos, os sem abrigo no afecto, nos afectos, sem um coração que os abrigue.
São muitos, os sem abrigo em mundos que não são seus. São muitos, os sem abrigo em culturas que não entendem.
São muitos, os sem abrigo num corpo que seja aconchego para o seu corpo.
São muitos, os sem abrigo em valores que predominam mas não reconhecem.
São muitos, os sem abrigo em vidas que lhes não pertencem mas carregam. São muitos, os sem abrigo no aceder e no gostar das coisas de que a vida também se tece.
Muitos destes sem abrigo vivem à nossa beira, sem abrigo, não contabilizados, nem contabilizáveis.

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