O título pode parecer estranho, mas vou tentar clarificar. O feriado de hoje, 1 de Maio, Dia do Trabalhador, foi estabelecido para homenagear os trabalhadores de Chicago, nos Estados Unidos, que em 1886 começaram uma greve para reivindicar o dia de trabalho com oito horas, semana de trabalho de 40 h, constituída como regra em muitos países. Sabemos ainda em vários grupos profissionais o número de horas de trabalho é já menor e que parece desenhar-se uma perspectiva de encurtamento assim como se equaciona a redução dos dias de trabalho.
No entanto, para os alunos mais
novos e de acordo com o que está definido legalmente, considerando o horário
curricular, as Actividades de Enriquecimento Curricular e a Componente de Apoio
à Família, a estadia dos alunos na escola pode atingir bem mais de 40 horas semanais
se os pais necessitarem. Muitos alunos estão mesmo nas escolas 50h ou mais por
semana.
Esta situação acontece âmbito de
uma iniciativa, a “Escola a Tempo Inteiro”.
Sabemos como os estilos de vida
actuais têm colocado graves dificuldades às famílias para assegurarem a guarda
das crianças em horários não escolares. A resposta tem sido prolongar a estadia
dos miúdos nas instituições escolares alimentando o que considero um dos vários
equívocos no universo da educação, a afirmação de uma visão de “Escola a Tempo
Inteiro” em vez de “Educação a Tempo Inteiro”. O modelo é bem recebido por
muitos pais e tolerado por muitos outros por falta de alternativas. No entanto
e tal como o faço desde 2006, algumas notas a pensar, sobretudo, nos miúdos e
nas respostas.
Para além da reflexão sobre o que
acontece nesse tempo de permanência na escola e tal como se verifica noutros
países, seria imperioso que se alterassem aspectos como a organização do
trabalho, verificada em muitos países, que minimizassem as reais dificuldades
das famílias recorrendo, por exemplo e quando possível, a teletrabalho ou à
diferenciação nos horários de trabalho que em alguns sectores e profissões é
possível.
É preciso um esforço enorme,
equipamentos e recursos humanos suficientes e qualificados para que não se
corra o risco de transformar a escola numa “overdose” pouco amigável para
muitos miúdos. As dúvidas relativamente a esta questão são muitas.
É verdade que existem boas
práticas neste universo, mas também todos conhecemos situações em que existe a
dificuldade óbvia e esperada de encontrar recursos humanos com experiência e
formação em trabalho não curricular. Acresce que boa parte das escolas, como é
natural, têm os seus espaços estruturados (e por vezes saturados) sobretudo
para salas de aula. Espaços para prática de actividades desportivas ou de ar
livre, expressivas, biblioteca, auditórios, etc., etc., a existirem,
dificilmente poderão ser suficientes para uma ocupação da população escolar
alternativa à sala de aula.
Esta questão é também relevante
no que respeita à qualidade e adequação da resposta a alunos com necessidades
especiais.
Este obstáculo acaba por resultar
com demasiada frequência na réplica de actividades de natureza escolar com
baixo ou nulo benefício e um risco a prazo de desmotivação, no mínimo.
Por outro lado, tanto quanto o
tempo excessivo de estadia na escola merece reflexão o risco e as implicações
da natureza muitas vezes “disciplinarizada” desse trabalho, ou seja, organizado
por tempos, de forma rígida próxima do currículo escolar.
A enorme latitude de práticas que
se encontra actualmente, desde o muito bom ao muito mau, sustenta que também
neste aspecto os dispositivos de regulação devam ser robustos e eficientes.
Recordo que em muitas circunstâncias as AEC são desenvolvidas por entidades
externas à escola pelo que importa assegurar a competência e responsabilidade
da escola bem como a sua autonomia.
Na verdade, embora compreendendo
a necessidade da resposta seria desejável que, tanto quanto possível se
minimizasse o risco de em vez de tentarmos estruturar um espaço que seja
educativo a tempo inteiro com qualidade, preenchido na escola ou em espaços e
equipamentos da comunidade, e aqui sim, importante o envolvimento das
autarquias, assistirmos à definição de uma pesada agenda de actividades que
pode motivar situações de relação turbulenta e reactiva com a escola.
Ao escrever estas notas
lembrei-me que em 2007 participei num debate sobre as AEC na Vidigueira em que
uma professora presente referiu um episódio elucidativo. Nesse ano e na sua
escola tinha sido preparado um espaço para as crianças jogarem futebol. Um dos
seus alunos fez a seguinte observação. “Quando eu tinha tempo para brincar não
tinha um campo. Agora tenho um campo e não tenho tempo para jogar”.
Os miúdos andavam mal-habituados
é o que é. Então a escola é sítio para jogar à bola mesmo havendo campo? Não, a
escola é para trabalhar.
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