Há uns dias no Expresso noticiava-se que Portugal está a servir de placa giratória para o tráfico de crianças. As crianças são “vendidas” pelas famílias na esperança de um futuro melhor na Europa. O destino pode ser França, Bélgica ou Suíça nos quais as famílias que as “compram” podem beneficiar de significativos apoios sociais e posteriormente essas crianças podem ser colocadas na prostituição, servidão doméstica ou noutras situações de exploração.
De acordo com o último “Relatório
Anual de Segurança Interna”, em 2024 foram registados 24 casos de menores
vítimas de tráfico, a maioria rapazes, entre os 2 meses e os 17 anos. Quatro
desses casos envolvendo bebés destinavam-se a adopções ilegais. As outras
situações como destino a exploração de diversas formas.
Parece estranha a existência de
tráfico de seres humanos e situações de exploração e escravatura no Sec. XXI,
mas os tempos vão feios e duros, muito duros. Na verdade, são frequentes as
referências na imprensa a situações de tráfico de pessoas que se realiza em
Portugal envolvendo, fundamentalmente, mulheres no mundo da prostituição ou
pessoas em situação pessoal e social de vulnerabilidade para "trabalho
escravo" na agricultura, em Portugal ou, muitas vezes, em explorações
agrícolas espanholas, mas também envolvendo crianças. Acresce que os casos
identificados serão apenas uma parte do que realmente se passa.
Este cenário, o tráfico de
pessoas, grandes e pequenas, e a escravatura, tal como a pobreza, a fome e a
exclusão, é das matérias que maior embaraço pode causar em sociedades actuais,
deveria ser algo de improvável no séc. XXI em sociedades desenvolvidas.
A exploração e escravatura parece
algo “fora do tempo” e de impossível existência nos nossos países. Mas existe e
é sério o problema que, como não podia deixar de ser, atinge os mais
vulneráveis, como as crianças, sem abrigo ou mulheres.
Este negócio, o tráfico de
pessoas, um dos mais florescentes e rentáveis em termos mundiais, alimenta-se
da vulnerabilidade social, da pobreza e da exclusão o que, como sempre,
recoloca a imperiosa necessidade de repensar modelos de desenvolvimento económico
que promovam, de facto, o combate à pobreza e, caso evidente em Portugal, as
ainda excessivas assimetrias na distribuição da riqueza.
Estes tempos, marcados por
competição, diminuição de direitos e apoios sociais, pressão sobre a
produtividade, tudo isto submetido a um deus mercado que não tem alma, não tem
ética e é amoral, podem alimentar algumas formas de exploração e escravatura
mais "leves" ou, sobretudo em casos de particular fragilidade dos
envolvidos, bastante pesadas.
As pessoas, muitas pessoas,
apenas possuem como bem, a sua própria pessoa, o seu corpo, e o mercado
aproveita tudo, por isso, compra e vende as pessoas dando-lhe a utilidade que
as circunstâncias, a idade, e as necessidades de "consumo" exigirem.
O que parece ainda mais
inquietante é o manto de silêncio e negligência, quando não cumplicidade, que
frequentemente cai sobre este drama tornando transparentes as situações de
escravatura, não se vêem, não se querem ver.
Neste universo não conseguimos
ouvir o coro dos escravos, não têm voz, são coisas.
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