quarta-feira, 30 de abril de 2025

O SILÊNCIO DO CORO DOS ESCRAVOS

 Há uns dias no Expresso noticiava-se que Portugal está a servir de placa giratória para o tráfico de crianças.  As crianças são “vendidas” pelas famílias na esperança de um futuro melhor na Europa. O destino pode ser França, Bélgica ou Suíça nos quais as famílias que as “compram” podem beneficiar de significativos apoios sociais e posteriormente essas crianças podem ser colocadas na prostituição, servidão doméstica ou noutras situações de exploração.

De acordo com o último “Relatório Anual de Segurança Interna”, em 2024 foram registados 24 casos de menores vítimas de tráfico, a maioria rapazes, entre os 2 meses e os 17 anos. Quatro desses casos envolvendo bebés destinavam-se a adopções ilegais. As outras situações como destino a exploração de diversas formas.

Parece estranha a existência de tráfico de seres humanos e situações de exploração e escravatura no Sec. XXI, mas os tempos vão feios e duros, muito duros. Na verdade, são frequentes as referências na imprensa a situações de tráfico de pessoas que se realiza em Portugal envolvendo, fundamentalmente, mulheres no mundo da prostituição ou pessoas em situação pessoal e social de vulnerabilidade para "trabalho escravo" na agricultura, em Portugal ou, muitas vezes, em explorações agrícolas espanholas, mas também envolvendo crianças. Acresce que os casos identificados serão apenas uma parte do que realmente se passa.

Este cenário, o tráfico de pessoas, grandes e pequenas, e a escravatura, tal como a pobreza, a fome e a exclusão, é das matérias que maior embaraço pode causar em sociedades actuais, deveria ser algo de improvável no séc. XXI em sociedades desenvolvidas.

A exploração e escravatura parece algo “fora do tempo” e de impossível existência nos nossos países. Mas existe e é sério o problema que, como não podia deixar de ser, atinge os mais vulneráveis, como as crianças, sem abrigo ou mulheres.

Este negócio, o tráfico de pessoas, um dos mais florescentes e rentáveis em termos mundiais, alimenta-se da vulnerabilidade social, da pobreza e da exclusão o que, como sempre, recoloca a imperiosa necessidade de repensar modelos de desenvolvimento económico que promovam, de facto, o combate à pobreza e, caso evidente em Portugal, as ainda excessivas assimetrias na distribuição da riqueza.

Estes tempos, marcados por competição, diminuição de direitos e apoios sociais, pressão sobre a produtividade, tudo isto submetido a um deus mercado que não tem alma, não tem ética e é amoral, podem alimentar algumas formas de exploração e escravatura mais "leves" ou, sobretudo em casos de particular fragilidade dos envolvidos, bastante pesadas.

As pessoas, muitas pessoas, apenas possuem como bem, a sua própria pessoa, o seu corpo, e o mercado aproveita tudo, por isso, compra e vende as pessoas dando-lhe a utilidade que as circunstâncias, a idade, e as necessidades de "consumo" exigirem.

O que parece ainda mais inquietante é o manto de silêncio e negligência, quando não cumplicidade, que frequentemente cai sobre este drama tornando transparentes as situações de escravatura, não se vêem, não se querem ver.

Neste universo não conseguimos ouvir o coro dos escravos, não têm voz, são coisas.

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