Há dias foram encontrados sem vida mãe e filho, de 92 e 63 anos, que viviam sós. Os vizinhos estranharam a ausência e reportaram a quem de direito.
Tenho setenta anos, o privilégio
de viver com a minha companheira de sempre, família próxima que inclui a magia
da avozice, saúde que permite alguma actividade diversa, contacto com amigos e
colegas, enfim, aquilo me faz sentir tão bem quanto possível.
É sempre com algum sobressalto
que olho para notícias como a que referi, o sozinhismo que afecta muita gente
idosa mesmo se, como era o caso, viviam num meio urbano, um bairro em Lisboa. Algumas notas repescadas
A Operação Censos Sénior realizada
regularmente pela GNR identificou no ano passado mais de 44000 situações de
idosos que vivem sós ou isolados que, naturalmente, são uma amostra de uma
realidade bem mais pesada.
Segundo dados divulgados pela
Pordata, Portugal e a Itália, no âmbito da UE, têm a maior percentagem de
população idosa, por cada jovem temos quase dois idosos. Acresce que cerca de
um milhão de pessoas vivem sozinhas sendo que mais de 500 000 são idosos.
Num tempo em que toda a gente
parece integrar uma ou várias redes sociais parece estranha a referência à
solidão que, como sabemos, se pode tornar numa condição de alto risco. Muitos
trabalhos identificam consequências sérias da solidão, quer na saúde física,
quer na saúde mental.
De facto, a solidão, o
sozinhismo, é uma condição que afecta imensa gente de várias idades, mesmo nos
mais novos, mas que atinge com particular incidência os mais velhos e tem vindo
a acentuar-se na sequência da alteração dos estilos de vida e dos valores que
tecem a vida das comunidades nas quais se vai perdendo as relações de
vizinhança.
No entanto a questão agrava-se
com os muitos que, para além de viverem sós, vivem isolados. São sobretudo
estes que o sozinhismo ataca.
De facto, algumas pessoas, por
condições económicas, dignidade e preservação da autonomia vivem sós, mas não
estão isolados. Outros acumulam, vivem sós e isolados, por impotência, falta de
recursos ou de família.
Apesar do que consta nas
certidões de óbito, especialmente nos tempos do frio, estou convencido que a
verdadeira causa da morte de muitos velhos é o sozinhismo, a doença que ataca
os que vivem sós, isolados, que perderam o amparo. Ataca especialmente os velhos,
mas não só os velhos.
Trata-se de uma doença moderna,
cujas causas são conhecidas, cujo terapia também está encontrada, mas que
parece difícil combater. Estão em queda as relações de vizinhança e a vivência
comunitária, fontes privilegiadas de protecção dos mais velhos.
Quem não vive só, isolado, mais
facilmente resiste às mazelas de diferente natureza que a idade traz quase
sempre. As pessoas são, espera-se, fonte de saúde e calor. E o frio que está neste
tempo aumenta a necessidade desse calor.
Reafirmo que, embora tenha
referido mais em particular a situação dos velhos, o sozinhismo também ataca
crianças e jovens com consequências por vezes devastadoras.
Na verdade, o sozinhismo poderá
ser verdadeiramente a causa ou o gatilho de problemas para muita gente.
No entanto e como sempre, para
além das necessárias políticas sociais emergentes do estado e das instituições
privadas de solidariedade impõe-se a percepção pelas comunidades,
designadamente pelas famílias, do drama da solidão e do isolamento.
É sempre questão de redes
sociais, mas não das virtuais.
Lamentavelmente, boa parte dos
velhos, sofreu para chegar a velho e sofre a velhice.
Este país não estando a ser para
jovens vai ter de ser para velhos.
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