Leio no Público que o Governo vai lançar um projecto para capacitar os alunos na área da inteligência artificial. O projecto decorrerá em dez municípios durante as férias e abordará matérias como programação, robótica e conteúdos relacionados com a inteligência artificial.
Não é surpresa. De uma necessária
transição digital vamos passando para uma espécie de deslumbramento digital que
me faz ficar cada mais convencido da necessidade de reflexão sobre esta
questão.
Para auxiliar esta parece-me interessante
um Relatório de 2023 da Unesco, “Technology in education: A tool on whose terms?”. Também se registam iniciativas e análises em diferentes sistemas
educativos que pretendem repensar a utilização dos recursos digitais. Mais
perto, volto a sugerir estimulante texto de Francisco Laranjo, “Regresso ao futuro da escola: dos ecrãs aos livros” divulgado no Público há algum tempo e
que aqui reflecti retomando as notas da altura.
Apesar do seu enorme potencial as
ferramentas digitais não são a poção mágica para o ensino e aprendizagem. Os
computadores ou tablets na sala de aula, os smart boards, não promovem sucesso
só pela sua existência. A forma como são utilizados por professores e alunos é
que pode potenciar a qualidade e os resultados desse trabalho. Aliás, o mesmo
se pode dizer de qualquer outro recurso ou actividade no âmbito dos processos
de aprendizagem.
É certo que múltiplos estudos e
experiências valorizam a integração destes recursos nos processos de ensino e
aprendizagem pelo que é importante garantir o acesso pela generalidade dos
alunos, mas, não podem passar a ser o tudo no trabalho escolar. Acresce que
como sabemos, alunos e professores experimentam diariamente enormes
dificuldades com equipamentos e acesso, quer na quantidade, quer na qualidade.
Neste contexto e como já tenho
afirmado, considerando o que se sabe em matéria de desenvolvimento das crianças
e adolescentes, dos processos de ensino e aprendizagem e da sua complexa teia
de variáveis, das experiências e dos estudos neste universo, mesmo quando
aparentemente contraditórios alguns tópicos:
1 – O contacto precoce com as
tecnologias digitais é, por princípio, uma experiência positiva para os alunos,
para todos os alunos, se considerarmos o mundo em que vivemos e no qual eles se
estão a preparar para viver. Nós adultos ainda estamos a pagar um preço elevado
pela iliteracia, os nossos miúdos não devem correr o risco da iliteracia
informática. Os tempos da pandemia mostraram isso mesmo.
2 – O computador/tablet, kits
robóticos, smart boards, etc., na sala de aula são mais uma ferramenta, não são
A ferramenta, não substituem a escrita manual e a leitura em papel, não
substituem a aprendizagem do cálculo, não substituem coisa nenhuma, são “apenas”
mais um meio, muito potente sem dúvida, ao dispor de alunos e professores para
ensinar e aprender e agilizar o acesso a informação e conhecimento.
3 - O que dá qualidade e eficácia
aos materiais e instrumentos que se utilizam na sala de aula não é a tanto a
sua natureza, mas, sobretudo, a sua utilização, ou seja, incontornavelmente, o
trabalho dos professores é uma variável determinante. Posso ter um computador
para fazer todos os dias a mesma tarefa, da mesma maneira, sobre o mesmo tema,
etc. Rapidamente se atinge a desmotivação e ineficácia, é a utilização adequada
que potencia o efeito as capacidades dos materiais e dispositivos.
4 - Para alguns alunos com
necessidades especiais o computador pode ser mesmo a sua mais eficiente
ferramenta e apoio para acesso ao currículo.
5 – Para além de garantir o
acesso dos miúdos aos materiais é obviamente imprescindível promover o acesso a
formação e apoio ajustados aos professores sem os quais se compromete a
qualidade do trabalho a desenvolver bem como, evidentemente, assegurar as condições
exigidas para que o material possa ser rentabilizado. São por demais conhecidas
as dificuldades sentidas nas escolas com os recursos e acessibilidade.
6 – Finalmente, como em todo o
trabalho educativo, são essenciais os dispositivos de regulação e avaliação do
trabalho de alunos, professores e escolas. Estes dispositivos devem incluir
avaliação externa.
Como referi acima, não existem
poções mágicas em educação por mais desejável que possa parecer a sua
existência. Não deixemos que o fascínio deslumbrado pelo que se julga ser as
"salas de aula do futuro" faça esquecer os problemas das salas de aula
do presente.
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