Foi divulgado o habitual relatório da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência relativo desempenho dos alunos do 1º ciclo considerando o designado “percurso de sucesso”, a conclusão do ciclo no número de anos previsto, no caso, quatro anos.
Depois de um trajecto de subida
nos últimos anos, verifica-se uma ligeira descida, de 92% em 21/22 para 91% em
22/23. Dito de outra maneira, como no texto do Público se refere, aumenta a retenção no 1º ciclo.
Algumas notas pedindo desculpa pela extensão do texto.
Considerando como indicador de
sucesso concluir o ciclo no tempo esperado, coloca-se uma questão que já aqui
tenho abordado. Poderemos interpretar a transição de ano como sucesso na
aprendizagem de competências e conhecimentos ou teremos de considerar que ter
sucesso é a “a passagem de ano” na velha fórmula de “transita, mas não
progride”? Conhecem-se relatos de escolas em que se verifica alguma “pressão”
para a “transição”.
Esta questão é sustentada pelas
discrepâncias sérias entre os resultados dos percursos de sucesso, as
avaliações internas e os resultados dos nossos alunos em estudos internacionais
ou nas provas de aferição e exames nacionais, a avaliação externa. Como exemplo,
temos o recentemente divulgado estudo “Trends in International Mathematics and
Science Study” (TIMSS), relativo 2023
Dito isto, também quero com muita
clareza que levantar esta questão não significa a defesa da retenção como
ferramenta de sucesso e qualidade. Não é, sabemos que o “chumbo”, só por si,
não gera sucesso e qualidade. Nenhuma dúvida sobre isto. No entanto, basta
olhar para as caixas de comentários a textos da imprensa sobre esta matéria, para
perceber como esta crença está instalada.
Vejamos algumas referências. Recordo
um Relatório do CNE de 2017 no âmbito do Projecto aQeduto em parceria com a
Fundação Francisco Manuel dos Santos, em que se realizou uma análise ao custo
de medidas de combate ao insucesso escolar. Parece-me perfeitamente actual do
ponto de vista da reflexão necessária.
Em termos económicos e recorrendo aos estudos
já desenvolvidos o impacto económico da retenção é estimado em cerca de 6000€
por aluno em cada ano. Adaptando o modelo desenvolvido pela Education Endowment
Foundation, o Projecto aQeduto identifica o grau de eficácia e custo económico
de um elenco de medidas de combate ao insucesso. Das medidas analisadas, a
retenção tem o custo mais elevado e a eficiência é negativa, promove um atraso
de 4 meses. Ensinar a estudar é a medida mais económica, 87€, e mais eficiente,
promove um ganho de 8 meses de aprendizagem.
Estes dados são importantes, mas a sua substância não é nova.
Também no Relatório
“Low-Performing Students - Why They FallBehind and How To Help Them Succeed”
divulgado pela OCDE em 2017 se referia que o “chumbo”, a retenção, é para os
alunos portugueses o principal factor de risco para os resultados na avaliação
posterior, dito de outra maneira, os alunos chumbam … mas não melhoram.
De facto, definitivamente, não
adianta discutir se o chumbo transforma o insucesso em sucesso. Não transforma,
repetir só por repetir não produz sucesso, aliás gera mais insucesso conforme
os estudos mostram.
Confesso sempre alguma surpresa e
dificuldade em compreender quando ao discutir-se os efeitos pouco positivos da
retenção algumas vozes, mesmo dentro do universo da educação, clamam que se
está a promover o "facilitismo" ou a defender que "então passam
sem saber".
Nesta conformidade e do meu ponto
de vista, a questão central não é o chumba, não chumba, e quais os critérios ou
o número de exames, mas sim que tipo de apoios, que medidas e recursos devem
estar disponíveis para alunos, professores e famílias desde o início da
percepção de dificuldades com o objectivo de evitar a última e genericamente
ineficaz medida do chumbo.
Este discurso não tem
rigorosamente a ver com "facilitismo" e, muito menos, com melhoria
"administrativa" das estatísticas da educação, uma tentação a que nem
sempre se resiste. Pelo contrário, “facilitismo” é acreditar que a retenção
resolve o problema do insucesso.
É essencial promover e tornar
acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos adequados e
competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do
chumbo. É fundamental não esquecer que o insucesso continua a atingir fundamentalmente
os alunos oriundos de famílias com pior condição económica e social pelo que
inibe o objectivo da mobilidade social. A associação entre o insucesso e a
pobreza em Portugal é, aliás, a mais forte entre os países europeus. Em
Portugal os bons alunos são os que mais trabalham em casa, TPCs e explicações,
dado a que, evidentemente, não é alheio ao nível de escolaridade dos pais e ao
estatuto económico.
É claro que mudanças estruturais
têm custos pelo que será de considerar a necessidade de investimento sério em
educação, 6% do Produto Interno Bruto o que está definido pela UNESCO como meta
para 2030.
Uma primeira referência à
dimensão associada aos professores, modelo de carreira valorizada, justa e
atractiva.
É imprescindível é dotar as
escolas de forma continua e estável dos recursos necessários para minimizar
tanto e tão rápido quanto possível as dificuldades que identificam.
É necessário promover a
desburocratização asfixiante e reflectir sobre modelos de governança das
escolas mais adequados, competentes e participados.
Com real autonomia, com mais
recursos e com modelos organizativos mais adequados e desburocratizados as
escolas poderiam certamente fazer mais e melhor. que quem vem de fora numa
passagem transitória, mais ou menos longa, mas transitória. Sim, tudo isto deveria
ser objecto de escrutínio, regulação e avaliação também externa, naturalmente.
Escolas com mais auxiliares,
auxiliares informados e formados podem ter um papel importante em diferentes
domínios.
Directores de turma com mais
tempo para os alunos e professores com menos alunos poderiam desenvolver
trabalho útil em múltiplos aspectos do comportamento e da aprendizagem.
Psicólogos e outros técnicos em
número mais adequado poderiam acompanhar, promover e desenvolver múltiplas
acções de apoio a alunos, professores, técnicos e pais.
Mediadores que promovessem
iniciativas no âmbito da relação entre escola, pais e comunidade seriam, a
experiência mostra-o, um investimento com retorno. Repetindo e sintetizando, os
professores sabem como avaliar e identificar as dificuldades dos alunos.
Uma nota final para sublinhar a
necessidade de estabilização curricular e da questão da avaliação e percurso
escolar dos alunos e reafirmo a importância da avaliação externa como
reguladora do trabalho realizado.
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