segunda-feira, 7 de outubro de 2024

"NÃOS", REGRAS E LIMITES, UM BEM DE PRIMEIRA NECESSIDADE

 No Público encontra-se um texto de Elsa de Barros, “As crianças anseiam por limites”, a propósito do qual recupero algumas reflexões já por aqui divulgadas.

Considerando os actuais estilos de vida, muitas famílias parecem sentir uma enorme dificuldade em compatibilizar o que ainda entendem ser o seu papel educativo com a pressa e o pouco tempo que assumem ter para o realizar. Tenho contactado com muitos pais que se sentem culpados e fragilizados por entenderem que não têm para os filhos a disponibilidade de tempo e atitude que julgam necessária. Esta culpa e fragilidade é, com frequência, a base inconsciente que impede alguns pais de serem consistentes e firmes na definição de regras e limites imprescindíveis às crianças, pois “temem estragar” o pouco tempo que têm com elas devido a um eventual conflito.

Também sei que apesar da proliferação de materiais que parecem querer assumir este papel não existem, nem irão existir e ainda bem “manuais de instrução” para a educação familiar.

Também sabemos que as famílias vão assumindo novas configurações que colocam novos desafios à parentalidade.

E sabemos que existem muitas famílias que, transversalmente aos patamares sociais, sentem enormes dificuldades e inquietações no dia-a-dia com os filhos.

A estas famílias, a estes pais e a estas crianças e adolescentes, também nós que profissionalmente ou de outra qualquer forma nos relacionamos com este universo, precisamos de estar mais atentos, de ler, de perceber comportamentos, discursos ou omissões que sejam sinais de mal-estar para crianças e pais.

Considerando todo este universo e não acreditando na educação perfeita da criança perfeita acredito num princípio fundador da educação familiar, a promoção da autonomia e da auto-regulação desde bebé, sim desde bebé, até …  sempre.

É muito frequente ouvir dizer que, actualmente, as crianças têm muitos mimos, é corrente a expressão “mimo a mais”. Estes discursos, que alguns profissionais destas áreas também subscrevem, merecem-me alguma reserva pois assentam, do meu ponto de vista, num equívoco.

De uma forma geral, as crianças não terão afecto, mimos, a mais, poderão, isso sim, ser objecto de “mau afecto” ou se quiserem, de "maus mimos". É essa falta de qualidade que lhes poderá ser prejudicial. Não é mau por ser muito, é mau porque asfixia, é tóxico, não deixa que os miúdos cresçam, distorce a percepção da criança de si própria e do seu funcionamento, não permite o estabelecimento de uma relação saudável, protectora e promotora da autonomia das crianças, uma condição fundamental para o seu desenvolvimento positivo.

Insisto, as crianças não têm elogios ou mimos a mais. Na verdade, oque se passa mais frequentemente é que recebem “nãos” de menos. Na verdade, muitos adultos, pais, sendo quase sempre capazes de dar os mimos, mostram-se muitas vezes incapazes de dar os “nãos”, de estabelecer os limites e as regras que, como sempre digo, são tão necessárias às crianças como respirar e alimentar-se. Estes “nãos” e para utilizar a mesma terminologia, são outros mimos imprescindíveis na educação de crianças e adolescentes nos seus diferentes contextos de vida.

As regras e os limites são bens de primeira necessidade. Tal como com os afectos, nenhuma dieta educativa pode prescindir de regras e limites.

Ficando sem “nãos” muitas crianças, a coberto da ideia dos “mimos a mais”, transformam-se em pequenos ditadores que infernizam a vida de toda a gente, a começar pela sua própria vida. Não crescem saudavelmente.

Neste cenário complexo da educação familiar, continuo a afirmar a necessidade de que os pais falem entre si sobre as suas experiências, sem receio de que os julguem maus pais. Importa inda que na relação com os técnicos ligados à educação as conversas não incidam quase que exclusivamente sobre "se está bem ou mal na escola", mas que se abordem as questões educativas também no contexto familiar de forma aberta e serena. Os "manuais de instruções" não são a solução, são, alguns, apenas mais uma ajuda.

Pais atentos, pais confiantes, são pais que educam sem especiais problemas. Paradoxalmente, alguns "manuais" e alguns discursos "científicos" podem aumentar a insegurança e a ansiedade de alguns pais.

Desculpem o texto tão longo.


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