A PSP iniciou ontem a operação "Bullying é para fracos" que ocorrerá até dia 25 de Outubro, com a promoção de sensibilização junto de alunos, pais e encarregados de educação, professores e auxiliares das escolas do 1.º ciclo do básico ao secundário
Recordo que há pouco tempo foi divulgada
pela ministra da Juventude e Modernização a criação de um Grupo de Trabalho
para combater o bullying escolar. O Grupo apresentará os primeiros
resultados(?!) em Dezembro.
Relativamente ao fenómeno do
bullying e em particular do cyberbullying, não há muito de novo a dizer,
continua a ser fonte de sofrimento para muitas crianças e jovens e,
naturalmente, uma enorme preocupação para famílias, professores e técnicos.
No ano lectivo 22/23 a GNR registou 140 crimes
de bullying e cyberbullying no ano lectivo 22/23. No entanto, esta será apenas
uma parte pequena do volume de episódios, muitos dos quais sem divulgação.
Dados da PSP revelam que em 23/24
foram registadas pelas Equipas de Proximidade da Escola Segura 2956 ocorrências
criminais, 134 estão relacionadas com situações de bullying (4,5% das
ocorrências totais) e 30 estão relacionadas com situações de cyberbullying (1%
das ocorrências totais).
Dada a frequência e sofrimento
envolvido nas situações de bullyingnas suas diferentes variantes retomo algumas
notas.
Um relatório da Agência dos
Direitos Fundamentais da União Europeia divulgado em Maio afirmava que cerca de
66% dos alunos portugueses da comunidade LGBTIQ sofreram bullying ou foram
humilhados na escola.
Um trabalho que aqui referi,
“Global estimates of violence against children with disabilities: an updated
systematic review and meta-analysis”, divulgado em 2022 na The Lancet Child
& Adolescent Health, mostrou com indicadores alarmantes, mas,
lamentavelmente, não surpreendentes. Cerca de uma em cada três crianças ou
adolescentes com deficiência é vítima de algum tipo de violência, física,
emocional, sexual ou negligência. No caso mais particular do bullying
verifica-se um significativo nível de vitimização, cerca de 40% das crianças
com deficiência terá sido alvo deste tipo de comportamento. O bullying
presencial, violência física, verbal ou social como bater, pontapear, insultar,
ameaçar ou excluir é mais comum, 37%, do que o cyberbullying (23%).
O estudo recorreu a dados
relativos a mais de 16 milhões de crianças de 25 países, recorrendo ao
tratamento de 98 estudos, realizados entre 1990 e 2020, de que 75 respeitam a
países de mais elevados rendimentos e 23 relativos a sete países de baixo ou médio
rendimento.
Os dados conhecidos no que
respeita ao bullying e considerando que não correspondem ao universo de
ocorrências, mostram a necessidade de uma séria reflexão e intervenção nos
contextos educativos que chegue a todos os alunos e que promova a qualidade das
relações interpessoais, a empatia, solidariedade e inteligência emocional, etc.
O cyberbullying parece ser
actualmente a variante de bullying mais preocupante. Contrariamente ao bullying
presencial o cyberbullying não tem “intervalos”, normalmente os fins-de-semana,
pois ocorrem predominantemente nos espaços escolares. Não sendo presencial o(s)
agressor(es) não tem, ou não têm, uma percepção clara do nível de sofrimento
infringido o que em algumas circunstâncias pode funcionar como “travão” e
inibir o comportamento agressivo. Esta situação é potenciada quando se junta a
um menor nível de empatia pelo outro o que ficou muito claro no primeiro
trabalho citado acima e que merece leitura.
Também por estas razões é
fundamental uma atitude ajustada face a este tipo de comportamentos.
Em termos globais e como já
referi, a ocorrência de situações de bullying é bem superior ao número de casos
que são relatados. Uma das características do fenómeno, nas suas diferentes
formas, incluindo o cyberbullying, é justamente o medo e a ameaça de represálias
a vítimas e assistentes que, evidentemente, inibem a queixa pelo que ainda mais
se justifica a atenção proactiva e preventiva de adultos, pais, professores,
técnicos ou funcionários.
Este cenário determinaria, só por
si, um empenhado investimento em recursos e dispositivos que procurassem
minimizar o volume de incidências, algumas das quais de gravidade severa.
Neste contexto e dada a gravidade
e frequência com que ocorrem estes episódios, é imprescindível que lhes
dediquemos atenção ajustada a sinais dados por crianças e adolescentes, nem
sobrevalorizando, nem tudo é bullying, o que promove insegurança e ansiedade,
nem desvalorizando, o que pode negligenciar riscos e sofrimento.
Neste universo e mais uma vez
importa considerar dois eixos fundamentais de intervenção por demais
conhecidos, a prevenção e a intervenção depois dos problemas ocorrerem. Esta
intervenção pode, por sua vez e de forma simplista, assumir uma componente mais
de apoio e correcção ou repressão e punição, sendo que podem coexistir. Com
alguma demagogia e ligeireza a propósito do bullying, as vozes a clamar por
castigo têm do meu ponto de vista falado mais alto que as vozes que reclamam
por dispositivos de prevenção, intervenção e apoio para além da óbvia punição,
quando for caso disso.
Esta utilização mostra a
necessidade de dispositivos de apoio e orientação absolutamente fundamentais
para que pais, professores e alunos possam obter informação e suporte.
Entretanto estão criados vários portais e estão disponíveis alguns canais de
denúncia e procura de orientação e suporte dirigido a pais, professores,
técnicos e, naturalmente, alunos.
Lamentavelmente, parte importante
das entidades e iniciativas de apoio e suporte é exterior às escolas e ilustra
a falta de resposta estruturada e global do sistema educativo, para além das
insuficiências de recursos e na formação de técnicos e de professores sobre
esta complexa questão, desde logo para o seu reconhecimento e identificação.
A existência de dispositivos de
apoio sediados nas escolas, com recursos qualificados e suficientes,
designadamente no que respeita aos assistentes operacionais com funções de
supervisão dos espaços escolares, é uma tarefa urgente.
Do meu ponto de vista, o
argumento custos não é aceitável porque as consequências de não mudar ou não
fazer são incomparavelmente mais caras. Depois das ocorrências torna-se sempre
mais fácil dizer qualquer coisa, mas é necessário. Muitas crianças e adolescentes
evidenciam no seu dia-a-dia sinais de mal-estar e sofrimento a que, por vezes,
não damos ou não conseguimos dar atenção, seja em casa, ou na escola.
Estes sinais não devem ser
ignorados ou desvalorizados. O resultado pode ser trágico.
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