sábado, 30 de dezembro de 2017

AS NOVAS QUALIDADES DAS FAMÍLIAS

No Público encontra-se um trabalho interessante sobre as mudanças na configuração das famílias. Em 2016 17.1% dos bebés nasceram sem que os pais coabitem. Esta situação não parece decorrer de motivos como emigração mas de uma opção para alguns casais, manter relações “estáveis e duradoras” mas vivendo em casas separadas constituindo na expressão da demógrafa Maria João Valente Rosa, as “famílias solitaristas”. Esta opção é já mais frequente noutras paragens sob a designação “living apart together”.
Como se tem vindo a verificar a parentalidade deixou de se associar ao casamento, 52% dos bebés nascem fora do casamento e, parece, começa a não estar associada à partilha da mesma casa.
São regulares na imprensa as referências às emergentes e diferentes dinâmicas de constituição, organização e funcionamento dos “novos” agregados familiares acentuando as alterações observadas, algumas das quais desencadeando enorme discussão, como é o exemplo da co-adopção por casais homossexuais em que se misturam valores e ciência para sustentar diferentes entendimentos.
No entanto, do meu ponto de vista, quase sempre me parece que as diferentes abordagens não valorizam, por vezes nem referem, um aspecto que entendo relevante e que considero dos mais complexos desafios sociais que actualmente enfrentamos, a educação familiar, ou seja, o que é, o que deve ser, como deve ser a educação familiar em contextos altamente diferenciados e em mudanças permanentes.
Esta minha questão releva do entendimento de que independentemente da configuração a família, a educação familiar, é um bem de primeira necessidade para todas as crianças.
A verdade é que as enormes alterações que temos vindo a constatar no universo das famílias implicam uma séria reflexão sobre as suas implicações e impacto na educação familiar. O paradigma clássico, a família educativa e a escola instrutiva, mudou substantivamente o que não significa, obviamente, a alienação do papel educativo da família, mas sim atentar nas novas qualidades que esse papel vai assumindo, parafraseando Camões.
Desde logo porque, por questões de logística e funcionalidade, o tempo familiar para as crianças encolheu de forma dramática, os miúdos passam tempos infindos na escola sob um princípio a que até o MEC se lembrou de chamar de forma infeliz “Escola a tempo inteiro”. As famílias expressam uma enorme dificuldade em compatibilizar o que ainda entendem ser o seu papel educativo com a pressa e o pouco tempo que assumem ter para o realizar. Tenho conhecido dezenas de pais que se sentem culpados e fragilizados por entenderem que não têm a disponibilidade de tempo e atitude que julgam necessária para os filhos. Esta culpa e fragilidade é, com frequência, a base inconsciente que impede alguns pais de serem consistentes e firmes na definição de regras e limites imprescindíveis às crianças, pois “temem estragar” o pouco tempo que têm com elas devido a um eventual conflito.
Uma outra questão prende-se com o modo e a dificuldade que muitos pais me referem sentir quando lidam com as crianças em situação de “duas famílias” mesmo em separações não litigiosas e com níveis de agressividade por vezes inquietantes. Mais uma vez, as inseguranças e algum sentimento de culpa estão presentes e contribuem para embaraços que levam os pais a pedir alguma ajuda. Como sempre digo, é preferível uma boa separação a uma má família, mas alguns pais sentem-se inseguros para construir cenários de educação familiar com qualidade quando têm a guarda das crianças repartida.
Tem vindo a crescer o número de situações de casais que apesar de separados continuam a coabitar o mesmo espaço ou que nem sequer assumem a separação, criando uma situação de "casados por fora" e "descasados por dentro", poderá implicar, quando existem filhos, algumas ansiedades e inquietações nos pais sobre a forma de lidar com um contexto em que aparentemente existe uma família, quando na verdade já são duas com uma ou mais crianças entre elas.
As crianças são resilientes e acomodam melhor eventuais dificuldades quando estão com adultos que delas cuidam e lhes dedicam afecto.
A experiência mostra, como referi acima, que a educação familiar se constitui como uma área extremamente complexa, não existem dois contextos familiares iguais sendo que, para além de tudo, se trata de um universo extremamente sensível a valores e convicções.
Assim sendo, importa estarmos atentos e procurar disponibilizar apoios e orientações nas situações em que os pais revelam e exprimem mais insegurança e dificuldades e que muitas vezes são fonte de grande sofrimento para todos os envolvidos. Estas situações são bem mais frequentes e graves do que julgamos.
E envolvem famílias de diferentes configurações, umas mais “velhas” outras mais “novas”.

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