segunda-feira, 2 de junho de 2008

A CARTA

Meu amigo José,

Em primeiro lugar desejo que esta te vá encontrar de boa saúde, assim como todos os teus e que, de resto, estejam bem. Os teus netos já devem estar crescidos. Da última vez que me escreveste estavas muito contente porque era verão e ias passear com eles para o parque. Ainda continuas a fazer aquela voltinha de todos os dias, com sol ou com chuva, com frio ou com calor? Ainda me lembro. O jornal na papelaria do Jacinto, dois dedos sobre futebol com o Manel da farmácia, grande fanático do Sporting, a bica no Central e a conversa com a rapaziada do nosso tempo. Depois ainda começaste a ir buscar os netos à escola. Gostava também de saber se tens visto a Maria e se ela está bem. Há muito tempo que não sei dela e, como sabes, sempre lhe tive um fraquinho. Quando me escreveste, disseste que ias passar uns dias com a tua filha Sara que está no estrangeiro, na Inglaterra, se bem me lembro. Sempre foste? E gostaste?
Olha José, se por acaso vieres para estes lados, vem fazer-me uma visita. Bom, já fico contente quando me escreves.
Sabes José, sobre a minha vida, para além de perceberes que ainda estou vivo, não tenho muito a dizer-te. Desde que fiquei só e velho e me trouxeram para este lar, a minha vida é coisa nenhuma, uns dias encadeados nos outros. À espera.
Recebe um abraço deste teu amigo de sempre,
João
PS – José, se vires alguém dos meus, diz-lhes que estou muito feliz, não os quero incomodar.

3 comentários:

Elfrida Matela disse...

A solidão que pesa sobre os idosos é uma coisa que me magoa, particularmente quando resulta do facto de os próprios familiares os marginalizarem como se de um trapo velho e inútil se tratasse. Penso que a escola deve ter um importante papel na mudança destas mentalidades: valorizar, junto dos mais novos, a sabedoria e a experiência dos avós, convidar estes a irem à sala de aula conversar sobre a sua vivência, ensinar a fazer coisas que já cairam no esquecimento e que fazem parte da cultura de todos nós...

Anónimo disse...

(...) Agora, quase todos os fins de semana visito o meu pai e, invariavelmente, a primeira coisa que me pergunta é: "É hoje que me vens buscar?". De qualquer das formas, à entrada apercebemo-nos rapidamente quando chega o fim do mês...o parque está cheio!

Unknown disse...

Não tenho sido um filho exemplar, longe disso.
Amo os meus pais, mas nem sempre tenho sabido exprimir o meu afecto e a minha disponibilidade.
Em meu abono, apenas poderei dizer que nunca me afastei mais do que dois meses (em férias) e que tudo tenho feito para que não saiam de casa, da sua casa.
Que a solidão nunca os esmague.