quinta-feira, 30 de novembro de 2023

UM TELEMÓVEL COMO COMPANHIA

 Quando caminhamos para velho tendemos a pensar que o risco de nos surpreendermos com a realidade é menor pois, talvez seja por isso, já vimos muito.

A verdade é que não passa de uma crença, a realidade, no melhor e no pior, não pára de nos surpreender.

Hoje viajámos de comboio para o Alentejo, foi necessário, mas é sempre uma viagem bonita de se fazer, embora dispensasse uma paragem demasiado prolongada numa estação intermédia.

No banco atrás de nós no lado contrário viajavam, presumo, mãe e filho, um gaiato que não teria mais de quatro anos.

Durante toda a viagem até onde saímos, quase duas horas, a criança esteve com um telemóvel na mão e mãe com outro, bem concentrados.

Não demos conta de diálogo entre a mãe e o gaiato, apenas fomos ouvindo o som que os sucessivos jogos do telemóvel da criança produziam.

Ainda me lembro de uma história que aqui contei de numa conversa com pais de crianças a frequentar o pré-escolar, uma mãe me perguntar a que idade eu entendia ser apropriada para oferecer um telemóvel à filha. Perguntei a idade, quatro anos, e, talvez pela minha reacção, a mãe acrescentou qualquer coisa como, muitas crianças da sala já têm.

Já muitas vezes aqui tenho abordado esta questão, o “peso” do uso do telemóvel pelos mais novos e os riscos diversos do excesso de tempo e a desadequação da utilização prolongada.

Importa referir que as preocupações relativas ao uso excessivo de telemóveis ou de tablets e smartphones como “baby sitters” para as crianças, desde muito novas e, frequentemente, sem controlo parental, bem como o também excessivo uso destes dispositivos por parte de adolescentes e adultos contaminando negativamente a sua disponibilidade para os mais novos, não visam diabolizar a sua utilização.

Pretendem apenas que essa utilização obedeça tanto quanto possível a regras de bom senso e adequação e que não corra o risco de substituir a mais importante e potente das ferramentas educativas em contexto familiar, a relação, comunicação, entre pais e filhos e o tempo que as permita.

Acresce ainda que os estilos e circunstâncias de vida actuais são poderosos inimigos do tempo disponível para esta relação o que mais sublinha a necessidade de o usar da melhor forma.

Voltando à situação de hoje, o que se via pela janela apesar do mau tempo, a própria viagem de comboio, histórias ou outro tipo de jogos, poderiam ser alternativas mais interessantes e contributivas para a construção e reforço da comunicação entre pais e filhos que, frequentemente, esbarra no telemóvel que cada um tem na mão.

De qualquer forma, os verdes campos do Alentejo, carregados de água e ainda debaixo de chuva, continuam lindos.

Sem comentários: