segunda-feira, 6 de novembro de 2023

DAS PROVAS DE AFERIÇÃO E DO DESLUMBRAMENTO DIGITAL

 O ME divulgou a decisão de manter a realização das provas de aferição do 2.º ano em formato digital. Não me surpreende, o deslumbramento tolda a reflexão. Retomo algumas notas relativas às provas de aferição e a sua realização em formato digital, sobretudo nos primeiros anos de escolaridade.

Dado que ainda não foi alterada, a Lei de Bases do Sistema Educativo define que o ensino básico se organiza numa lógica de ciclos e não de disciplinas como o secundário. Assim, parece claro que uma avaliação externa de aferição deveria ser realizada no ano final de cada ciclo e não nos anos intermédios, 2º, 5º e 8º ano, quando os alunos estão a meio do seu caminho de um ciclo. Acresce que no 4º e no 6º não existem exames finais pelo que não temos a imprescindível avaliação externa.

A argumentação para a sua realização nestes anos, assenta na ideia de que a identificação de dificuldades e a devolução de resultados permitiriam a correcção de trajectórias futuras dos alunos. Certo, assim sendo e neste caso a avaliação não é de aferição, mas de diagnóstico. No entanto, espera-se que diariamente nas salas de aula os professores realizem, mais formal ou mais informalmente, avaliações desta natureza, mais formativa, pois é a mais sólida ferramenta que possuem de regulação do trabalho dos alunos e do seu próprio trabalho.

O deslumbramento com o novo mantra, transição digital, sustentou a decisão apressada de que as provas serão realizadas de forma digital. O ME reforçou agora que as provas deste ano lectivo, no 2º ano continuarão em formato digital.

Tinha alguma esperança de que o bom senso e a reflexão sobre o que se passa noutros sistemas educativos que desencadearam uma reflexão e tomadas de decisão relativamente à introdução em termos excessivos dos recursos digitais pudesse contribuir para um maior equilíbrio e prudência na utilização destes recursos, designadamente nos primeiros anos de escolaridade.

Por outro lado, são conhecidas com demasiada frequência queixas relativas ao acesso a equipamentos por parte dos alunos, à qualidade dos equipamentos, que, de acordo com os directores de escolas e agrupamentos, a insuficiência dos recursos necessários à adequada utilização dos equipamentos, nas escolas, mas em particular nas salas de aulas, infra-estruturas eléctricas e rede de net eficientes, por exemplo. Acontece ainda que existe uma enorme diversidade na literacia digital dos alunos. Deste cenário podem decorrer situações sérias de desigualdade entre escolas e entre alunos e todos conhecemos múltiplas situações que evidenciam a enorme disparidade de recursos e da sua utilização.

Acresce que, para além da disparidade de recursos e competências e pensando sobretudo nos alunos do 2º ano, mas não esquecendo todos os outros, a aprendizagem da escrita é realizada, e bem, com o recurso predominante à escrita manual. Existem razões advindas da evidência, como agora se diz, que sustentam este caminho. Assim sendo, a proficiência da escrita em formato digital será na esmagadora maioria dos alunos de natureza e nível diferente o que pode contaminar os resultados ainda que, de acordo como o IAVE na amostra estudada as diferenças não sejam significativas.

Acompanho de perto a experiência do meu neto no 2.º e é muito clara a importância que para ele e para o seu desenvolvimento assumem, designadamente a escrita manual e a leitura embora, naturalmente, se interesse pelos recursos digitais a que também tem acesso.

A Associação Nacional de Professores de Informática referiu há algum tempo as dificuldades existentes e também o Presidente do IAVE afirmou já em 2023 que não estavam reunidas as “condições ideais”.

A tutela, que parece entender que a realidade é a projecção dos seus desejos, insiste na digitalização, na base do “vai correr bem” habitual e, por deslumbramento ou por intenção menos clara insiste nas provas digitais no 2º ano.

De facto, o processo de realização das provas de aferição em formato digital tem decorrido em modo, ia escrever “cada tiro, cada melro”, mas como não sou dado às coisas da cinegética e para prevenir alguma reacção, escrevo, “cada cavadela, cada minhoca”.

Como já aqui escrevi, este processo não podia correr assim ou então … será mesmo para ser assim, no fundo, no fundo, as provas não serão assim tão relevantes e reparamos menos noutras questões.

É mau, muito mau.

Sem comentários: