quinta-feira, 13 de março de 2014

DOIS PAIS, DUAS MÃES. De novo

Amanhã será discutida e votada na Assembleia da República a proposta relativa à co-adopção de crianças por parte de casais homossexuais. O sentido da votação está em aberto pelo que se gera alguma expectativa. Vamos portanto aguardar este novo passo que ainda não envolve a adopção plena.
No entanto, creio que se justifica retomar algumas notas já muitas vezes aqui referidas.
Esta matéria é um bom exemplo do tipo de questões que estarão permanentemente em aberto na medida em que mais do que considerações de natureza científica envolve valores.
Na verdade, para além dos discursos anónimos ou identificados, mais ou menos equilibrados, mais ou menos boçais, mais ou menos ignorantes, mais ou menos sofisticados e assentes, aparentemente, em ciência, ficarão sempre os valores e a forma como se olha o mundo. Não é grave, pelo contrário, parece-me normal e legítimo mas importa assumir que se trata de valores e não de ciência.
Se estão recordados, há alguns meses a Ordem dos Advogados divulgou um parecer contra a proposta de permitir a co-adopção  e adopção fundamentando na ideia de "família natural" o que faz pressupor para a Ordem dos Advogados que numa situação em que uma mãe jovem fique viúva e decida viver com a sua mãe, ficando assim a sua filha ou filho a viver com duas mulheres, teremos uma família "não natural" que, eventualmente, colocará a criança em risco. É fraco o argumento que aliás motivou uma tomada de posição de alguns advogados pouco confortáveis com a pobreza da argumentação e posição da Ordem. Um artigo do Bastonário posteriormente divulgado no JN é uma peça antológica no que respeita a preconceito e desinformação.
Há alguns meses, foi referenciado por alguma imprensa em Portugal uma decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos que entendeu que a Áustria violou a Convenção Europeia dos Direitos do Homem por não ter permitido a adopção co-parental a um casal homossexual. Na sua decisão, o Tribunal citou Portugal como um dos países com o mesmo entendimento que a Áustria.
Parece-me de referir que o Tribunal Europeu considerou que o Governo austríaco não apresentou provas sólidas de que seria “prejudicial para uma criança ser adoptada por um casal homossexual ou ter legalmente duas mães ou dois pais”.
Vale a pena retomar o argumentário contra a adopção e que se organiza em torno de três grandes ideias, e que são a eventual dificuldade da criança em lidar com a sua orientação sexual, a vulnerabilidade psicológica e o risco de problemas de comportamento e também o risco acrescido de serem alvo de discriminação, por exemplo, em contextos escolares.
Como foi afirmado há algum tempo numa conferência realizada em Lisboa sobre a homoparentalidade, uma revisão de algumas dezenas de estudos sobre este conjunto de razões realizada pela Associação Americana de Psicologia, motivou uma resolução da Associação, em 2004, que não confirma nenhuma destas preocupações o que também transpareceu em alguns testemunhos expressos num trabalho que o Público realizou na altura. Parece ainda de registar que em 2010, a Associação Americana de Psiquiatria afirmava "apoiar as iniciativas que permitam a casais do mesmo sexo adoptar e co-educar crianças". Também já este ano a Ordem dos Psicólogos de Portugal referiu em parecer que "os resultados das investigações psicológicas apoiam a possibilidade de co-adopção por parte de casais homossexuais, uma vez que não encontram diferenças relativamente ao impacto da orientação sexual no desenvolvimento da criança e nas competências parentais". Na mesma linha foi hoje divulga mais uma revisão de estudos sobre esta matéria mostrando que a homoparentalidade não afecta o desenvolvimento das crianças.
Podemos também lembrar que a maioria das pessoas homossexuais terá sido educada em famílias heterossexuais, que existem muitas crianças com sérios problemas emocionais e vulnerabilidade psicológica, a experimentarem condições de mal-estar devastador integrando situações familiares heterossexuais ou, finalmente, que existem múltiplos casos de crianças discriminadas por variadas razões em contexto escolar o que não nos faz retirar, por princípio, as crianças da escola mas, pelo contrário, combater a discriminação sejam quais forem as circunstâncias.
Do meu ponto de vista e de uma forma propositadamente simples, a questão central é que o que faz com toda a certeza mal às crianças, é serem maltratadas e os maus tratos não decorrem do tipo de famílias, mas da competência humana e educativa, por assim dizer, de quem delas cuida, pais, mães ou educadores. Quando as crianças são bem tratadas e crescem com adultos que gostam delas, as protegem e as ajudam a crescer, elas encontram caminhos para lidar com dois pais ou com duas mães.
Insisto, o que as crianças quase sempre não sabem como resolver é quando têm por perto adultos, heterossexuais ou homossexuais, que não gostam delas, que as maltratam, negligenciam, abandonam, etc. Isso é que faz mal às crianças.
O resto é uma discussão não conclusiva, assente em valores de que não discuto a legitimidade, mas que não podem ser confundidos com um discurso de defesa das crianças de males que estão por provar.
Parece bem mais importante defendê-las dos males comprovados e que todos os dias desfilam aos nossos olhos.

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