quarta-feira, 29 de maio de 2013

A INDIGNIDADE DA FOME

"Quase 40% dos participantes num inquérito da Federação dos Bancos Alimentares Contra a Fome confessaram ter passado um dia sem comer por falta de dinheiro e mais de metade disseram que o rendimento familiar “nunca é suficiente para viver”", no Público.
Este tipo de informação constitui um fortíssimo murro no estômago na maioria de nós e na consciência ética, se existisse, de gente como o Secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro Adjunto da Troika, o geniozinho Carlos Moedas que há dias afirmou que as pessoas “só acabam com os maus hábitos quando enfrentam choques”, para exemplificar o que está a ser feito na economia portuguesa.
Recordemos alguns indicadores do que está a ser feito em Portugal com resultados como o que a notícia traduz.
Dados do Eurostat confirmam aquilo que só os que entendem que a realidade é a projecção os seus desejos negam, os níveis insustentáveis de pobreza que afligem os portugueses, designadamente crianças e idosos. Segundo dados de 2011, Portugal apresenta um risco de pobreza e exclusão social nas crianças e nos idosos acima da média da UE. Mais precisamente, 28,6% das crianças portuguesas estavam em risco de pobreza e exclusão social face a 27% da UE e para os idosos, mais de 65 anos, os indicadores são 24,5% entre os portugueses e uma média de 20,5% na UE. A situação agravou-se como os dados conhecidos mostram.
Temos 17.7% de desemprego oficial, que se sabe ser superior em termos reais e que se estima continuar a crescer. Este cenário representa cerca de 1,8 milhões de portugueses sem emprego ou com função laboral a tempo inteiro com a terceira mais alta taxa de precariedade na Europa. No escalão mais jovem o desemprego está nos 42.1% e mais de metade dos desempregados, cerca de 560 000, são de longa duração e, portanto, sem expectativa realista de voltar a entrar no mercado de trabalho. Também apenas 44 % dos desempregados acedem a subsídio de desemprego.
Continua, pois, um devastador cenário do qual releva o aumento brutal de situações de pobreza, bem acima das estatísticas oficiais, o aumento fortíssimo do desemprego e do número de pessoas desempregadas sem subsídio de desemprego, o abaixamento dos apoios sociais, a pobreza a afectar crianças e idosos, sempre os grupos mais vulneráveis. Relembro o recentemente divulgado Relatório da Cáritas Europa que também referia o aumento da pobreza infantil em Portugal e a manutenção de simetrias gritantes na distribuição da riqueza.
Este é o resultado de uma persistência cega e surda no “custe o que custar", no cumprimento dos objectivos do negócio com a troika e dos objectivos de uma política "over troika", atingindo claramente o limite do suportável e afectando gravemente as condições de vida de milhões. Estamos a falar de pessoas, não de políticas, ou melhor estamos a falar do efeito das políticas na vida das pessoas. Talvez isto fosse de considerar em pleno período de avaliação com a presença dos administradores do país por cá, assim os feitores que nos governam assumissem um "basta" que tarda.
Contrariamente ao que nos querem fazer acreditar, como o geniozinho Moedas insiste, a maioria das famílias portuguesas não viviam ou vivem acima das suas possibilidades, mas cada vez mais famílias estão a viver abaixo das suas necessidades, com fome, pobres, sem apoio e em risco de exclusão. Os sucessivos Governos, desta e de outras terras, é que subscreveram políticas públicas que assentes em modelos económicos sem alma nem ética produziram o inferno em que vivemos, não foram as famílias, na sua maioria que o produziram. As famílias é que sofrem o choque de que fala este burocrata sem alma mas não foram elas que têm ou tiveram a maior responsabilidade pela situação criada.
Com este terramoto social e económico ainda insistem em que temos de empobrecer, sofrer um choque, expressão que indigna até à raiva. NÓS JÁ ESTAMOS POBRES, NÃO PODEMOS FICAR MAIS POBRES, entendam isto de uma vez por todas.
Nós não precisamos de empobrecer, falar de empobrecer é insulto e terrorismo social como já afirmei. Nós precisamos de combater a assimetria da distribuição da riqueza e produzir mais riqueza, precisamos de combater mordomias e desperdício de recursos e meios ineficientes e muitas vezes injustificados que alimentam clientelas e interesses outros. Nós precisamos de combater a teia de protecção legal e política aos interesses dos mercados e dos seus empregados, como o geniozinho Moedas, que conflituam com os interesses das pessoas. Nós não precisamos de empobrecer, nós já somos um dos países mais pobres e assimétricos da Europa com perto de um terço da sua população pobre ou em risco de pobreza, com miúdos a chegar às escolas com fome, com gente sem trabalho e sem apoio social.
O que precisamos é de coragem e visão sem subserviência ao ditado dos mercados e dos seus agentes para definir modelos económicos, sociais e políticos destinados a pessoas e não a mercados ou a grupos minoritários de interesses mesmo que mascarados em malditos planos de "ajustamento", de "resgate" ou ainda e de forma ofensiva de "ajuda".
Há discursos com os quais não podemos deixar de nos sentir ofendidos e indignados, chocados, por assim dizer.
O das pessoas com fome ofende-nos ela indignidade da situação, o do geniozinho Moedas pela despudorada e delinquente insensibilidade.

2 comentários:

não sei quem sou... disse...

Discurso que assentava na perfeição proferido num qualquer palanque de comício político ou no hemiciclo da Assembleia da República na bancada da Esquerda.

Esta Esquerda a que me refiro não inclui o partido que se diz de esquerda e tem sido responsável por muitos anos de má governação.

Estou INTEIRAMENTE DE ACORDO com a sua explanação sobre actual situação. SUBSCREVO!

Estes senhores não passam de LACAIOS TROIKIANOS que se servem do povo como cobaias de modelos governativos todos eles para conveniência do grande capital.

Requisição civil para o Senhor Professor José Morgado. Para Assembleia da República, JÁ !


VIVA!

Anónimo disse...

E que tal acabarmos com a pobreza através de um "Rendimento Básico"? Já ouviram falar? É uma prestação paga mensalmente pelo estado a todas as pessoas incondicionalmente. É independente da idade, do género ou da situação económica e tem um um valor que permite a todas as pessoas individualmente, assegurarem as suas necessidades básicas como alimentação, habitação, roupa, saúde e educação. Parece irrealista? Pois ficam a saber que isto vai ir a referendo na Suíça e está em discussão amena na restante Europa.