Foi divulgado o mais recente inquérito realizado pela Fenprof direccionado para a resposta aos alunos com necessidades especiais.
Responderam ao inquérito 147
directores de agrupamentos e escolas, 18% do total no continente, e envolveu
9252 turmas, 188 262 alunos e 19 231 docentes, 1 303 de educação especial. Alguns
dados.
No conjunto das turmas envolvidas,
15 437 alunos beneficiam de apoio específico, 8,2% do total, sendo que 12 237
são abrangidos por medidas selectivas e 3 200 por medidas adicionais. A estes
alunos acrescem 17 132 estudantes, 9%, que recebem "apoio
indirecto", sem intervenção directa do professor de educação especial,
apenas orienta o professor da turma. que que o docente de educação especial dá
orientações ao docente titular da turma sobre como trabalhar com os alunos, mas
não trabalha directamente com eles.
De acordo com os directores 47,6%
das turmas envolvidas no estudo deveriam ser reduzidas, deveriam ter menos de
20 estudantes e, no máximo, dois alunos com necessidades especiais. Das 9252
turmas examinadas, 27,1% das turmas com alunos com necessidades educativas está
sobrelotada, 12,4% tinha mais de 20 alunos, 8% tinha mais de dois alunos com NE
e 6,7% tinha mais de 20 alunos e mais de dois alunos com NE considerando a
legislação.
No que respeita a recursos
humanos, 82,3% dos directores referem "não ter os recursos necessários
para aplicar uma educação efectivamente inclusiva, ou seja, o que está
previsto" na legislação.
De forma mais fina, 74,3% refere
a insuficiência de professores de educação especial suficientes e 71,6% afirmaram
ter ficado com horários por preencher sem qualquer candidato. No entanto, 8,1%
dos docentes com esta especialização, na sua maioria dos quadros dos
agrupamentos, tiveram de assumir turmas.
Acresce que 76,9% dos directores
refere a falta de assistente operacionais e 79,6% a insuficiência de técnicos
especializados, psicólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas,
mediadores sociais e culturais ou assistentes sociais.
É um quadro preocupante, mas
expectável face ao resultado de anos anteriores e, naturalmente, da situação
global do nosso sistema educativo, falta de recursos humanos, professores e técnicos
e a questão de fundo, políticas públicas de educação no sentido correcto e com
os meios necessários.
Nada de novo, mas umas notas que
espero breves. Muitas vezes aqui tenho abordado esta questão, vou repetir
algumas ideias mas esta área foi a minha vida profissional, quase 50 anos.
Comecei a trabalhar no universo da educação, em particular da educação para
alunos com necessidades especiais, (à época os alunos com deficiência) em 1976
e aposentei-me definitivamente em 2024, sempre nesta área, a educação. Como as
pessoas ligadas à educação sabem ou irão saber, de professor e de pai nunca nos
reformaremos por mais longa que seja a nossa vida. Também é curioso que a minha
companheira de estrada tenha sido professora de educação especial no 1.º ciclo
durante a quase totalidade da carreira, achando eu que tive alguma
responsabilidade nessa opção.
Dito isto, comecei no tempo das
escolas especiais organizadas por deficiência (eu ligado à primeira CERCI que
se constituiu, a de Lisboa), trabalhei no tempo da educação especial, no tempo
da integração e das equipas de professores de ensino especial e, finalmente, no
tempo da inclusão.
Sempre com esperança, acompanhei
a mudança de quadro conceptual e legal que enquadrava este trabalho, ah, já me
esquecia, também acompanhei as mudanças de paradigma, como sabem as coisas só
mudam quando muda o paradigma, passei do paradigma da escola especial, para um
paradigma combinado já com salas de ensino especial (salas de apoio) na escola
regular, passei depois para o paradigma da integração, os alunos passaram a
estar fundamentalmente integrados em turmas de ensino regular com
acompanhamento dos professores de educação especial e, finalmente, o paradigma
da inclusão, os alunos, todos os alunos, estão incluídos, já não são estigmatizados
como alunos com necessidades educativas especiais. Assim, os alunos que
revelavam algum tipo de dificuldade passaram a ser objecto de medidas
educativas arrumadas em três categorias, as medidas “universais”, as medidas
“selectivas” e as medidas “adicionais”. Isto parece que é uma outra forma de
categorizar, mas não é. No paradigma da educação inclusiva é assim que se faz.
E pronto, chegámos à educação
inclusiva, somos um exemplo para muitos países que se organizam nos velhos
paradigmas, ainda não chegaram à educação inclusiva. Esperemos que lá cheguem,
mas os ventos não vão de feição para os mais vulneráveis.
No entanto, a maldita realidade
nem sempre colabora. Eu reconheço e conheço, sempre conheci,
excelentes e inspiradores trabalhos de professores, técnicos, pais, escolas ou
instituições ao longo destas quase cinco décadas de paradigmas diferentes. No
entanto, também importa reconhecer, veja-se os dados acima e outros, por
exemplo de relatórios da IGEC, que propagandear discursos sobre inclusão
assentes em “wishful thinking” ou torturar a realidade para que se mostre
diferente não é assim muito eficaz. Não, muitos alunos não estão incluídos nem
sequer integrados, estão “entregados” com as consequências que professores,
técnicos e pais bem conhecem. E importa considerar que não estou apenas a
referir-me aos alunos “categorizados” pelas "não categorias", os “Selectivos”, os “Adicionais” ou os
“Universais”. De facto, existem ainda muitos outros alunos que, lembrando Sam the Kid, fazem parte de uma percentagem que a sondagem nunca mostra.
Desculpar-me-ão a heresia ou
descrença, mas uma escola inclusiva é algo que não existe e, provavelmente, não
existirá nos tempos mais próximos. Os modelos e estilos de vida actuais,
económicos, políticos, sociais, culturais, as assimetrias brutais que se mantêm
são pouco compatíveis com “uma escola inclusiva”. São brutalmente inquietantes
os tempos que vivemos. Existem escolas, isso sim, que desenvolvem excelente
trabalho com alguns alunos, o que é diferente de “uma escola inclusiva”.
Eu sei e gosto de acreditar que a
escola é, também, uma alavanca de mudança, mas a verdade é que a escola, de uma
forma ou de outra, é sobretudo um reflexo da sociedade que serve no tempo
histórico em que vive.
No entanto, em nome dos meus
netos e de todos os netos que serão o futuro, bem como das minhas convicções e
como disse acima, acredito numa escola que possa, quanto possível, promover
educação, a relação diária entre quem está na escola, assente em princípios de
educação inclusiva. E neste sentido em todas escolas existirá educação
inclusiva, há sempre quem a promova mesmo em contextos menos favoráveis.
A designação está tão desgastada
que já nem sabemos bem o que significa. No entanto e de uma forma simples, entendo
que a inclusão assenta em cinco dimensões fundamentais, Ser (pessoa com
direitos), Estar (na comunidade a que se pertence da mesma forma que estão
todas as outras pessoas), Participar (envolver-se activamente da forma possível
nas actividades comuns), Aprender (tendo sempre por referência os currículos
gerais) e Pertencer (sentir-se e ser reconhecido como membro da comunidade). A
estas cinco dimensões acrescem os princípios inalienáveis da autodeterminação,
autonomia e independência.
Finalizo voltando ao início, as
políticas públicas são onerosas, a política pública de educação é onerosa, a
suficiência de recursos será sempre uma questão problemática, mas é, também,
por aqui que se avaliam a competência e adequação das… políticas públicas. E,
fazendo bem as contas, a exclusão tem custo bem mais elevados.
Reafirmo que não esqueço o que
positivo se faz, mas conheço tantas práticas e tantos discursos que alimentam
exclusão, mas que são desenvolvidas e enunciados ... em nome da inclusão.
Sempre recordo o Mestre Almada Negreiros na "Cena do Ódio" quando
falava da "Pátria onde Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga
de Camões".
Desculpem a extensão do texto.