Na agenda das consciências cabe hoje o Dia Escolar da Não Violência e da Paz. Por coincidência tinha pensado alinhar umas notas a propósito dos recentes e graves episódios de violência ocorridos numa escola da Moita envolvendo a agressão a uma auxiliar e uma grave agressão a um aluno com autismo realizada por um aluno mais velho e, como habitualmente, filmada por testemunhas que, ao que se sabe e sem surpresa, só filmaram. Estas cenas passam bem num qualquer ecrã perto de si.
Lamentavelmente, não é surpresa,
dados divulgados pela PSP relativos ao Programa Escola Segura, no último ano
lectivo foram registadas 4044 ocorrências, mais 5,5% que no ano anterior, sendo
que 2915 são de natureza criminal e 1129 não criminais. A subida está em linha
com o aumento registado em 22/23, 9%.
A maioria dos casos reportados,
2873, ocorreram no interior do espaço escolar e maioritariamente fora da sala
de aula.
Mantém-se o perfil já verificado
em anos anteriores em termos de maior prevalência, ofensas à integridade física
(1332), injúrias/ameaças (937) e furtos (468).
Retomo algumas notas que há pouco
aqui deixei sobre esta questão que sendo, talvez, mais um sinal dos tempos que
vivemos é preocupante.
Uma primeira nota para registar
que também noutros países se verifica um trajecto da mesma natureza. No final
de Janeiro, o Expresso referia a problemática crescente de violência e
delinquência entre jovens associada às novas tecnologias que se verifica em
Espanha. Fala-se de novos padrões de delinquência e dimensões como bullying,
violência sexual ou mal-estar psicológico são grandes áreas de preocupação.
Como também aqui escrevi, no
início de Fevereiro de 2024 o Instituto de Apoio à Criança propôs a criação de um Plano
Nacional de Prevenção e Combate a Violência nas escolas.
De facto, trata-se de uma questão
que merece séria reflexão e intervenção e recupero outros indicadores.
A UTAD realizou um trabalho
relativo à violência escolar divulgado em 2023, desenvolvido entre 2018 e 2022
que envolveu 7139 alunos(as) dos 12 aos 18 anos, de 61 estabelecimentos do 2.º
e 3.º ciclo do ensino básico e secundário do Continente e Açores.
Considerando alguns divulgados,
68% dos alunos (4837) revelaram ter sido vítima de algum comportamento de
agressão. Num outro olhar, 64%, (4634) assume afirma já ter praticado alguma
forma de violência para com um colega.
Deixem-me insistir em duas ou
três questões que retomo de reflexões anteriores. Os estilos de vida, as
exigências de qualificação têm tornado gradualmente a escola mais presente e
durante mais tempo na vida de crianças e adolescentes e, consequentemente, com
reflexos na educação em contexto familiar.
Importa também acentuar que fora
dos contextos escolares, o padrão relacional entre adultos, de todas as
condições, exprime também com demasiada frequência violência e descontrolo de
diferente natureza e efeito. O comportamento agressivo, verbal, físico,
psicológico, etc., tornou-se quase, um novo normal em múltiplos contextos.
Sabemos também que a ideia de que
a “família educa e a escola instrói” já não colhe e espera-se que a escola não
forme “apenas” técnicos, mas cidadãos, pessoas, com qualificações ao nível dos
conhecimentos em múltiplas áreas.
Um sistema público de educação
com qualidade, desde há muito de frequência obrigatória e progressivamente mais
extenso, é uma ferramenta fundamental para a promoção de igualdade de
oportunidades, de equidade e de inclusão. Uma educação global de qualidade é de
uma importância crítica para minimizar o impacto de condições sociais,
económicas e familiares mais vulneráveis.
Parece-me importante que as
matérias integradas na "Educação para a Cidadania" façam parte do
trabalho desenvolvido na educação em contexto escolar o que é também abordado
pelo IAC ainda que não tenham que ser “disciplinarizadas”. Com o mesmo objectivo
será importante o desenvolvimento de programas de natureza comunitária
envolvendo diferentes áreas das políticas públicas. Como tenho referido,
precisamos e devemos discutir sempre como fazer, com que recursos e objectivos
e promover a autonomia das escolas, também nestas questões. Por outro lado,
insisto, não acredito na “disciplinarização” destas matérias, julgo mais
interessantes iniciativas integradas, simplificadas e desburocratizadas em
matéria de organização e operacionalização.
Acresce que julgo poder dizer que
parece germinar em muitos adolescentes uma “disfunção” em termos de empatia, as
agressões a colegas são frequentes envolvendo com regularidade mais novos com
condições de vulnerabilidade sem que, aparentemente, esta fragilidade imponha
contenção.
Sei que os tempos também não vão
de feição em termos de empatia para com os mais vulneráveis, mas não podemos
aceitar uma espécie de “normalização” em particular no decurso de processos
educativos e formativos no saber e no ser.
Sabemos que a prevenção e
programas de natureza comunitária, socioeducativa, têm custos, mas importa
ponderar entre o que custa prevenir e os custos posteriores da pobreza,
exclusão, delinquência continuada e da insegurança.
Esta é a grande responsabilidade
das políticas públicas e os resultados parecem mostrar alguma falência que nos
custa caro.
Não é possível que a leitura
regular da imprensa escrita, sobretudo nos últimos tempos e no que respeita à
educação tenha na terminologia de boa parte dos trabalhos publicados e sem
qualquer ordenação de frequência ou preocupação, alunos desmotivados, agressões
a professores, agressões a alunos, agressões a funcionários, “bullying”,
violência escolar, humilhações, falta de autoridade dos professores, imagem
social degradada dos professores, professores desmotivados, famílias
incompetentes, pais negligentes, demissão familiar, indisciplina, recusa,
contestação, insucesso, facilitismo, burocracia, currículos desajustados,
insegurança, medo, receio, etc.
Intencionalmente não referi a
onda de informação relativa à situação vivida pelos professores que, também,
não pode ser dissociada de todo o universo da educação.
No entanto, apesar de reconhecer
a gravidade de muitas situações insisto na necessidade de uma palavra de
optimismo.
A verdade é que, apesar de todos
os constrangimentos e dificuldades bem conhecidas e nem sempre reconhecidas, do
que ainda está por fazer e dos incidentes que se registam, o trabalho
desenvolvido por professores, técnicos, funcionários e alunos é bem-sucedido na
maioria das situações e em termos globais, apesar dos incidentes que se
registam e isso deve ser sublinhado. Na sua esmagadora maioria, professores,
técnicos, funcionários e alunos fazem a sua parte.
Uma comunidade não pode conviver
com o medo diário de deixar os seus filhos sair de casa para a escola, tal como
não pode conviver com o mal-estar persistente dos profissionais. Mantendo um
realismo lúcido, é preciso que se aborde e converse sobre o tudo da escola e
não apenas sobre o mau da escola. A insistência exclusiva neste discurso terá
um efeito devastador na confiança e expectativas de alunos, famílias e
professores face ao presente e ao futuro.
Sim, não é tudo, mas os miúdos
precisam de se sentir seguros.
Tal como os pais.
Tal como os professores.
Tal como os técnicos.
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