quinta-feira, 31 de outubro de 2024

ESTUDO - CURSOS PROFISSIONAIS

 

As práticas e as políticas públicas em educação, e não só, devem ser sustentadas por trabalhos e análises sólidas e pertinentes.

A Unidade de Investigação e Desenvolvimento em Educação e Formação do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa está a desenvolver um trabalho que me parece pertinente sobre uma área que me parece carecer de estudo, o universo dos cursos profissionais. O objectivo é conhecer de forma robusta as percepções dos docentes de cursos profissionais e o exercício da profissão docente.

A colaboração será através da resposta ao questionário:

https://forms.gle/RUz3onq9pGqLgVDs5

A HISTÓRIA DE UM SEM-ABRIGO

 A ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social divulgou no Parlamento que o número de pessoas em situação de sem-abrigo aumentou 23% em 2023.

Uma história que pode ser de uma dessas pessoas.

Nasceu sem o abrigo de um colo que o esperasse.

Cresceu numa família que nunca foi um porto de abrigo.

Entrou numa escola de onde, passados muitos anos, saiu sem nunca ter encontrado abrigo.

Foi abrigar-se na rua onde encontrou outros desabrigados da vida.

Nunca encontrou o abrigo de um afecto.

Abrigava-se, quando podia e conseguia, nas sobras dos poucos que reparavam nos olhos tristes por desabrigo.

Arrastou-se, sem abrigo, até ao fim de uma vida feita de ruas desabrigadas em noites de Inverno.

Encontrou, finalmente, abrigo num anónimo pedaço de chão.

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

DA FALTA DE PROFESSORES. DAS RESPOSTAS CONJUNTURAIS ÀS RESPOSTAS ESTRUTURAIS

 

De acordo com o estudo do Edulog, o think tank da Fundação Belmiro de Azevedo da área da Educação, “Reservas de Professores Sob a Lupa – Antevisão de professores necessários e disponíveis” coordenado por Isabel Flores, em 2026 e 2027, se não se realizarem alterações no quadro actual, não existirão muito provavelmente professores em número suficiente nos grupos das Humanidades que possam substituir quem se aposenta ou adoece. O mesmo problema se verificará para Geografia e História.

Como tantas vezes aqui tenho escrito este gravíssimo problema era conhecido de há muito e irresponsavelmente tratado por sucessivas equipas ministeriais.

As medidas lançadas no âmbito do “Plano + Aulas, + Sucesso” cativando para a função docente estudantes dos mestrados de educação, bolseiros de doutoramento, docentes em fim de carreira que a queiram prolongar e docentes já aposentados que queiram regressar à sala de aula, o subsídio de deslocação aos professores e a realização de um concurso extraordinário de vinculação têm feito baixar o número de alunos sem aulas pelo menos a uma disciplina, mas a situação continua crítica.

Continuo a pensar que, apesar de compreender a urgência da situação e a forte probabilidade de continuarmos a ter muitos alunos sem aulas gerando, a necessidade de em muito curto prazo minimizar os problemas, só uma abordagem estrutural pode ter potencial de mudança sustentada.

Nesta perspectiva, julgo absolutamente necessário que as políticas públicas de educação assumissem como um eixo nuclear a valorização da carreira docente, dos professores.

É claro que mudanças estruturais têm custos e relembro a necessidade de investimento sério em educação, 6% do Produto Interno Bruto o que está definido pela UNESCO como meta para 2030.

Parece clara e urgente a necessidade de reforçar a capacidade de resposta das instituições de ensino superior que formam professores e importa que a formação dos professores resista ao risco de “deskilling” ou “desprofissionalização” através de mudanças nas exigências da habilitação para a docência

Parece claro que só a sua valorização pode tornar a carreira docente atractiva e com um potencial de retenção e satisfação dos que nela se integram.

Esta valorização passa, evidentemente, pela valorização salarial, mas importa considerar também dimensões como a definição de modelos de carreira e de avaliação justos, simplificados e transparentes e promotores de estabilidade.

Importa que a valorização dos professores resista ao risco de “deskilling” ou “desprofissionalização” através de mudanças nas exigências da habilitação para a docência.

Importa que se definam dispositivos de apoio ao exercício profissional em contextos mais exigentes.

É crítico que se desburocratize o exercício da docência com gastos brutais de tempo e esforço sem retorno pertinente.

Conhecendo o que acontece em muitos territórios educativos talvez seja de começar a reflectir sobre o modelo de governança das escolas e agrupamentos que parece excessivamente dependente da competência de cada direcção criando assimetrias profissionais e climas institucionais menos favoráveis ao trabalho de alunos, professores e técnicos. Sucessivas equipas do ME não consideram esta questão e percebe-se a razão, a gestão política do sistema.

Julgo claro que mudanças neste sentido não são fáceis e que será sempre difícil um caminho de concordância generalizado, mas também tenho a convicção de que medidas conjunturais, mais positivas ou menos ajustadas, concebidas por ciclos políticos continuarão, apesar, de alguns ajustamentos, a “mexer” na conjuntura e a não alterar substantivamente a estrutura que alimenta … as conjunturas.

terça-feira, 29 de outubro de 2024

DAS MUDANÇAS CURRICULARES

 Conforme anunciado pelo MECI estará em preparação mais uma alteração curricular que, de acordo com Alexandre Homem Cristo, secretário de Estado Adjunto e da Educação e reconhecido especialista no complexo mundo da educação, envolverá a revisão do currículo de todas as disciplinas ainda que “umas mais profundas que outras”. Provavelmente a grande mudança ocorrerá nessa fonte do mal, a disciplina “Cidadania e Desenvolvimento.

Como várias vezes tenho dito sou dos que entendo a necessidade de mudanças em matéria de currículo e também muitas vezes tenho afirmado as razões para tal entendimento pelo que as deixo de lado.

A história recente mostra que as dezenas de alterações que em matéria de currículo se foram produzindo sempre aconteceram sem que se assegurasse a avaliação séria do que está em vigor e qual o sentido da mudança. A experiência mostra ainda que as sucessivas alterações foram produzidas sem que se procurasse, não digo um consenso pois sei que em educação e em Portugal é quase impossível face a agendas e corporações de interesses, mas o envolvimento e participação dos diferentes actores intervenientes nos processos educativos na construção das alterações.

Finalmente, mostra ainda que os calendários e a metodologia das mudanças raramente permitiram que se processassem sem sobressaltos e com um mínimo de estabilidade.

Este acervo de experiência deveria ajudar a que um novo processo de mudança contrariasse a fatalidade do “sempre se fez assim”.

Por outro lado, de há uns anos para cá tem vindo a engordar, a engordar, e regularmente continuam a surgir iniciativas e projectos com impacto curricular para desenvolver, claro, na escola.

É verdade que os alunos, passam, muitos deles, oito, dez horas, por vezes mais, na escola cumprindo o equívoco de uma Escola a Tempo Inteiro. Em resposta às necessidades das famílias de guarda das crianças em horário laboral parece mais fácil alongar o tempo escolar.

Não está, evidentemente, em discussão a importância de que a educação de crianças e jovens envolva as diversas questões presentes na vida das comunidades, antes pelo contrário. A questão é que haver uma tendência que suscita reservas de que a escola ensina e resolve. Não, não a escola não ensina nem resolve tudo.

Em diversas ocasiões tenho manifestado a minha reserva face ao entendimento de que tudo o que de alguma forma possa envolver os mais novos e a sua formação deva ser ensinado/trabalhado na escola. Esta visão obesa da escola não funciona, nem tudo pode ou deve ser transformado em disciplinas, conteúdos escolares, projectos, … para além de que a escola tem um conjunto de funções incontornáveis que tornam finita a sua capacidade de responder. Sabemos, aliás, as dificuldades que a escolas e os professores sentem no cumprimento dessas funções.

Sabemos que, independentemente das opções e visões ideológicas, uma das questões que no universo da educação estarão sempre em aberto é a que envolve os conteúdos e organização curricular. De facto, a velocidade de produção e acesso ao conhecimento e ao desenvolvimento, as mudanças nos sistemas e no quadro de valores das comunidades determinam a regular reflexão e ajustamento sobre o que a escola deve ensinar e trabalhar, sobretudo durante a escolaridade obrigatória.

Por outro lado, o tempo da escola e a competência da escola são finitos, isto é, a escola não tem tempo nem pode ou deve ensinar tudo. Lembram-se certamente das discussões sobre se matérias como educação sexual, educação cívica, literacia económica e financeira, educação para a saúde, para citar apenas alguns exemplos, deverão, ou não, constituir-se como "disciplinas", conteúdos ou mesmo se devem integrar os currículos escolares.

E acontece que perdemos a conta de planos, projectos, programas, experiências inovadoras que chegam às escolas para a educação científica, aprendizagem emocional, promover a expressão artística e a criatividade, promover comportamentos saudáveis e actividades desportivas, literacia financeira e também a mediática, promover a inovação e as novas tecnologias, aprender a andar de bicicleta, para não falar de iniciativas mais "alternativas", por assim dizer, e que têm poderes mágicos, parece. A lista enunciada é apenas exemplificativa.

Em princípio, independentemente de os conteúdos poderem ser mais ou menos pertinentes, vejo sempre com alguma reserva as propostas de introdução de mais uma disciplina, mais conteúdos, mais um manual, mais umas orientações, mais um programa de formação, perdão, de capacitação, de professores, como se a escola, o currículo escolar, os conteúdos, as suas competências, pudessem continuar a engordar indefinidamente. E não se trata de um problema de recursos ainda, actualmente, seja uma questão muito séria.

Como é evidente, pode dizer-se sempre que muitas destas questões podem integrar o trabalho escolar considerando até que os alunos passam um tempo imenso, diria excessivo, nas escolas. Aliás, tal acontece em muitas escolas e agrupamentos.

A questão central, do meu ponto de vista, é que as competências da escola, os conteúdos que nela são trabalhados, integrando ou não formalmente os currículos, não podem mesmo aumentar continuamente. Urge uma reflexão serena, participada e com tempo sobre o ajustamento dos conteúdos, a sua integração e organização, a forma como podem acomodar a diversidade dos alunos e a necessidade de diferenciação dos professores, a formação global dos alunos e não exclusivamente a promoção de competências instrumentais, etc.

Somar conteúdos e competências à escola sem ajustamento dos conteúdos e organização existentes, pode promover problemas e não soluções, de tanto que lhe exigem corre risco de não providenciar o que lhe compete.

Na verdade, nem tudo o que pode ser interessante ou importante saber ou conhecer terá de caber numa disciplina ou num conteúdo escolar e nem tudo o que se pode saber e conhecer se aprende na escola.

Tenho uma visão da escola centrada no TODO do aluno, mas não no "ensino" do TUDO que o aluno deve saber ou conhecer.

A questão é que os alunos estão muito tempo na escola e a tentação é óbvia e grande, a escola que faça.

segunda-feira, 28 de outubro de 2024

A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. É PRECISO INSISTIR

 Li no DN há uns dias que, até 30 de Setembro, a GNR deteve 1074 pessoas por violência doméstica, no âmbito de 11.076 crimes registados sendo que são dados transitórios. Até à mesma data foi finalizada a investigação de 3.810 processos no âmbito de intervenção dos Núcleos de Investigação a Vítimas Específicas, como crianças, mulheres e idosos em situações de vulnerabilidade.

É preciso insistir e vou repetir-me.

Recupero indicadores da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género. Entre Janeiro e Setembro de 2023 se registaram 18 mortes em contexto de violência doméstica, 14 mulheres, três homens e uma criança. Também aumentou de forma significativa o número de pessoas colocadas com medidas de coacção.  O número de pessoas em situação de teleassistência, 5110 é o mais elevado desde que existem registos e também se registou um aumento do número de reclusos por violência doméstica, 1322 com 998 em prisão efectiva e 324 em prisão preventiva.

Acresce que o mundo da violência doméstica é bem mais denso e grave do que a realidade que conhecemos, ou seja, aquilo que se conhece, apesar de recorrentemente termos notícias de casos extremos, é "apenas" a parte que fica visível de um mundo escuro que esconde muitas mais situações que diariamente ocorrem numa casa perto de nós.

Por outro lado, para além da gravidade e frequência com que continuam a acontecer episódios trágicos de violência doméstica e como recorrentemente aqui refiro, é ainda inquietante o facto de que alguns estudos realizados em Portugal evidenciam um elevado índice de violência presente nas relações amorosas entre gente mais nova mesmo quando mais qualificada. Muitos dos intervenientes remetem para um perturbador entendimento de normalidade o recurso a comportamentos que claramente configuram agressividade e abuso ou mesmo violência.

Importa ainda combater de forma mais eficaz o sentimento de impunidade instalado, as condenações são bastante menos que os casos reportados e comprovados, bem como alguma “resignação” ou “tolerância” das vítimas face à situação de dependência que sentem relativamente ao parceiro, à percepção de eventual vazio de alternativas à separação ou a uma falsa ideia de protecção dos filhos que as mantém num espaço de tortura e sofrimento. Felizmente este cenário parece estar em mudança, mas demasiado lentamente. Os sistemas de valores pessoais alteram-se a um ritmo bem mais lento do que desejamos e estão, também e obviamente, ligados aos valores sociais presentes em cada época.

Torna-se criticamente necessário que nos processos de educação e formação dos mais novos possamos desenvolver esforços que ajustem quadros de valores, de cultura e de comportamentos nas relações interpessoais que minimizem o cenário negro de violência doméstica em que vivemos. A educação, a cidadania e o desenvolvimento que sustentam constituem a ferramenta de mudança mais potente de que dispomos.

É uma aposta que urge e tão importante como os conhecimentos curriculares. Percebe-se, também por estas questões, a importância da abordagem do universo da “Cidadania e Desenvolvimento” na educação escolar e para todos os alunos. Seria ainda desejável que a ignorância, o pré-conceito e, também, o preconceito não inquinassem a discussão.

Entretanto, torna-se fundamental a existência de dispositivos de avaliação de risco e de apoio como instituições de acolhimento suficientes e acessíveis para casos mais graves, um sistema de protecção e apoio eficiente aos menores envolvidos ou testemunhas destes episódios, e, naturalmente, um sistema de justiça eficaz e célere.

A omissão ou desvalorização desta mudança é a alimentação de um sistema de valores que ainda “legitima” a violência nas relações amorosas, que a entende como “normal”. Tudo isto tem como efeito a continuidade dos graves episódios de violência que regularmente se conhecem, muitos deles com fim trágico.

Apesar da natureza estranha e complexa dos dias que vivemos, é fundamental não esquecer questões como estas que devastam o quotidiano ou a vida de muita gente. Pode estar a acontecer numa casa ao lado.

Neste contexto, é também de registar a iniciativa há tempo divulgada de criar um primeiro instrumento legal de âmbito europeu para combater a violência doméstica e contra as mulheres.

domingo, 27 de outubro de 2024

OS DIAS DO ALENTEJO

 Quem por aqui passa sabe que para além da paixão pela psicologia da educação e pela escola, universo no qual entrei aos seis anos pela mão da D. Beatriz e de que não mais saí, o Alentejo é outra das paixões de que me alimento. Começou em 1975 quando namorava, lá está, outra paixão até hoje, com uma então jovem professora do 1º ciclo que iniciou a sua carreira em Panóias, perto de Ourique. Acabámos por, há pouco mais de trinta anos e num tempo em que o Alentejo ainda não estava em moda, adquirir um pedaço de paraíso onde não falta nada do que é o Alentejo, incluindo o trabalho.

Desejo muito que o Alentejo sobreviva à ameaça do amendoal e olival superintensivos à mercê do engodo dos lucros imediatos e com a complacência de políticas públicas que hipotecam o futuro.

Enquanto não … trabalhamos, dizem que o trabalho dá saúde. Então que assim seja, os meus setenta precisam de saúde. Falta o Mestre Zé Marrafa que não merecia o que está a passar, mas vem o Carlos, rapaz vontadeiro e amigo que dá uma ajuda.

Nos últimos dias chegaram as primeiras chuvas bem “chuvidas” ao Alentejo.

A terra gretada e desesperada por água agradeceu e já está a mudar de cor. É uma terra milagrosa, uns dias de chuva e o pasto já está a nascer, vai ganhando um verde que é vida e rapidamente irá substituindo o castanho.

Deu para fabricar um bom bocado de terra, acabei há pouco, para a renovar, semear pasto e preparar a horta, as diferentes espécies de couve que compõem os pratos de Inverno e algumas alfaces já estão na terra. O cheiro da terra molhada a ser fabricada é redentor e assinala um novo começo. Seria desejável que este novo começo fosse mais amplo, tanta coisa da nossa vida a precisar de um novo começo.

E são assim os dias do Alentejo, hoje um dia cheio de Sol.

sábado, 26 de outubro de 2024

DA IRRESPONSABILIDADE (2)

 O MECI afirmou ontem no Parlamento que “é um ano lectivo marcado por 54 mil alunos que em algum momento dos dois meses de aulas já decorridos tiveram falhas a pelo menos uma disciplina e neste momento ainda há cerca de 23 mil crianças e jovens com professores em falta”.

Apesar de a situação estar melhor que no ano passado, eram 45 000 os alunos sem aulas, uma turma já seria um problema. Sim, também sei que conseguir no imediato resolver a falta de docentes é uma tarefa impossível.

A questão é que há décadas que a falta de docentes estava escrita nas estrelas e sucessivas equipas ministeriais, para além de más políticas públicas que afastaram milhares de professores das escolas, ainda negavam a evidência e ouvimos o mantra dos “professores a mais”. Maria de Lurdes Rodrigues e Nuno Crato foram dois exemplos de incompetência e irresponsabilidade nesta matéria e nem um rasgo de seriedade na assunção do que é óbvio, falharam.

O resultado está à vista, o atropelo a um direito fundamental, o direito à educação, e o desempenho escolar de muitos alunos prejudicado pala falta de docentes.

As famílias com mais recursos recorrem ao ensino privado ou a explicações externas, as outras … lamentam.

A questão é que cada vez se torna mais difícil falar de responsabilidade. Entrámos no mundo da irresponsabilidade.

Com que preço? Pago por quem?

E não acontece nada?

sexta-feira, 25 de outubro de 2024

AGORA JÁ GOSTO DA ESCOLA

 Ontem abordei aqui o clima de escola numa perspectiva preocupante, o mal-estar que muitos alunos e professores sentem no seu dia por diversas razões.

Hoje achei que é preciso relembrar a escola tal como a imaginamos e desejamos. Vou recorrer a um texto que aqui deixei relativo à entrada na escola do meu neto pequeno, o Tomás em 2022.

Escrevi assim:

O meu neto pequeno, o Tomás, está a iniciar a longa estrada da escolaridade obrigatória, até já aprendeu as letras O, A do nome. Os primeiros dias na escola nova não foram fáceis, a vontade era ficar em casa. Tivemos até uma tentativa de ajuda do Simão, já está no 4º ano, é muita experiência, que quando o Tomás lhe disse que não queria ir para escola, respondeu, “mano, tem de ser, são as leis da física”. Ainda estamos a tentar compreender a abordagem.

A verdade é que rapidamente a situação se alterou e o Tomás vai muito contente para escola e a forma como dela fala mostra que se sente muito bem.

Um destes dias quando ia a caminho da escola, interpela o pai mais ou menos nestes termos, “lembras-te quando no segundo dia eu não queria ir para escola, queria ir para casa da avó? Era porque ainda não tinha pessoas que gostassem de mim. Agora já tenho”.

É verdade, a educação escolar, a acção do professor, tem esse princípio fundador, assenta na relação que se operacionaliza na comunicação e se tempera com a emoção. Também por isso são também preocupantes os tempos que vivemos, os professores têm pouco tempo para comunicar, para conversar com os alunos e as emoções, por vezes, entram em turbulência e descontrolo.

Também a pressão para os resultados, a natureza dos conteúdos e gestão curriculares, o número de alunos por turma e o número de turmas ou a burocracia, dificultam essa relação. O professor “fala com o programa”, a maioria dos alunos entende, outros não e com esses é preciso falar, mas … para os mandar calar ou até sair. Há pouco tempo para conversar, para “cativar”, como diria Saint-Exupéry.

Por isso tantas vezes afirmo que os professores, tanto ou mais do que ensinar o que sabem, ensinam o que são. Quando nos lembramos com ternura e admiração de alguns professores é pelo que eles eram e nem sempre pelo que nos ensinaram apesar da importância que tenha tido.

Pensemos no tempo e no modo para que nas salas de aula os professores e os alunos, todos os alunos, tenham o tempo e a circunstância que lhes permita comunicar, entre si, com a razão e com a emoção. Irão aprender e ser.

E mais provavelmente gostarão da escola, onde estão pessoas que gostam deles.

Recordo uma história que já aqui contei. Há uns tempos, num trabalho com professores numa cidade do interior, um Professor, dos grandes, contava que tinha uma experiência muito interessante com uma turma CEF, as dos "alunos de segunda" como muitas vezes são vistas. O Professor comentava com os miúdos como estava satisfeito com as mudanças positivas que eles apresentavam e perguntava a que se deviam.

Um dos miúdos, o "chefe", respondeu "sabe, boceses gostam da gente, falam com a gente e a gente gosta de boceses". Quando nos contou isto o professor não escondeu a emoção.

E eu nunca esqueci e sei que a escola, felizmente, também é isto.

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

CLIMA DAS ESCOLAS

Há poucos dias foram divulgados dados de um inquérito realizado pelo movimento Escola Pública que mostram um retrato preocupante do clima das escolas. Mais de metade dos docentes inquiridos, 55,4%, refere que já foi “vítima de agressões físicas ou verbais por parte dos alunos”. A indisciplina é considerada como o factor com mais impacto no quotidiano dos professores e o que mais afecta o seu bem-estar seguido da carga burocrática associada ao seu trabalho, 26,4% das respostas.

Na mesma linha um levantamento efectuado recentemente pela Federação Nacional da Educação mostra que os casos de indisciplina em ambiente escolar aumentaram em cerca de 5% a 6% no último ano lectivo face ao anterior.

Os tempos vão duros para toda a comunidade e, naturalmente, também se repercutem na escola. Como muitas vezes aqui abordo, a escola, a instituição escola, vive ela própria tempos complicados, envelhecimento, desencanto e cansaço em muitos docentes que interage com a falta de professores, climas institucionais nem sempre amigáveis e fonte de apoio e tranquilidade, falta de recursos, de auxiliares de educação e técnicos, um modelo de governança que, demasiadas vezes faz parte dos problemas das escolas e nõ das soluções, um caminho de “municipalização”  que levanta dúvidas, alterações nos quadros de valores e representações das comunidades que se traduzem na relação com  a escola e com os professores com frequentes episódios de hostilidade e agressão, algumas dimensões inadequadas das políticas públicas de educação, etc., etc.

No entanto, é esse o ponto que queria sublinhar, apesar de como aqui tantas vezes tenho referido considerar urgente a reflexão e intervenção adequada relativamente aos problemas dos alunos, aprendizagens e comportamentos, às questões sérias que envolvem os professores incluindo as de natureza profissional, às relações interpessoais e clima social ou de organização, ao funcionamento e governação das escolas, não simpatizo com a alimentação da ideia de que todos os que diariamente chegam às escolas entram no inferno.

Sublinho, no entanto, que este entendimento não invalida o saber que para alguns professores, funcionários e alunos a escola será mesmo … o inferno.

A verdade é que, apesar de todos os constrangimentos e dificuldades e do que ainda está por fazer, o trabalho desenvolvido por professores, técnicos, funcionários e alunos é bem-sucedido na maioria das situações e isso deve ser sublinhado. De uma forma geral, professores, técnicos, funcionários e alunos, quase todos, fazem a sua parte.


quarta-feira, 23 de outubro de 2024

VELHICE CLANDESTINA E MAL TRATADA

 Leio  no Público que entre o início do ano e o fim de Agosto, o Departamento Central de Investigação e Acção Penal iniciou 219 processos por suspeitas de crime em lares de idosos. Acrescentando os que transitaram de 2023 estavam 318 processos em investigação de acordo com dados Procuradoria-Geral da República. Neste período foram ainda encerradas 13 instituições.

É também sabido que a insuficiência da fiscalização e a impunidade dos responsáveis leva a que alguns "empresários", depois de verem encerradas algumas instalações, "deslocalizam-nas" e abram outros espaços por vezes bem próximos ou até nas antigas instalações.

As instituições para idosos são um mercado em crescimento, teremos perto de um milhão de portugueses acima dos 75 anos e dado o envelhecimento progressivo, o futuro do negócio parece assegurado. Aliás, sabe-se que muitas das instituições para idosos têm longas listas de espera.

Este universo, o acolhimento, institucional ou familiar dos velhos é uma questão complexa, tão complexo e difícil como é, muitas vezes, viver na condição de velho.

Recordo que já num relatório de 2013, creio, a OMS identificava Portugal como um dos cinco países europeus em que os velhos sofrem mais maus-tratos. Cerca de 39,4% dos velhos sofriam alguma forma de maus-tratos, que envolvem, por exemplo extorsão, abuso psicológico, físico ou negligência.

De facto, nos últimos tempos têm sido recorrentes as notícias sobre os maus tratos aos velhos, aos seniores, como agora se diz. Regularmente, surgem na imprensa referências à forma inaceitável como os velhos estão a ser tratados.

Começam por ser desconsiderados pelo sistema de segurança social que com pensões miseráveis, transforma muitos velhos em pobres, dependentes e envolvidos numa luta diária pela sobrevivência. Continua com um sistema de saúde que deixa muitos milhares de velhos dependentes de medicação e apoio, sem médico de família.

Em muitas circunstâncias, as famílias, seja pelos valores, seja pelas suas próprias dificuldades e estilos de vida, não se constituem como um porto de abrigo, sendo parte significativa do problema e não da solução produzindo cada vez mais situações de solidão e isolamento entre os velhos, com consequências que têm feito manchetes, muitos velhos morrem de sozinhismo, de solidão.

Estão em extinção as relações de vizinhança e a vivência comunitária, fontes privilegiadas de protecção dos mais velhos.

É certo que existe, felizmente, um pequeno número de idosos que além do apoio familiar, ainda possuem meios que lhes permitem aceder a bens e equipamentos que contribuem para uma desejável e merecida qualidade de vida no fim da sua estrada.

Finalmente, as instituições, muitas delas, subordinam-se ao lucro e escudam-se numa insuficiente fiscalização não oferecendo a qualidade exigida. Por outro lado, os equipamentos de qualidade são inacessíveis aos rendimentos de muitos dos nossos velhos.

Lamentavelmente, boa parte dos velhos, sofreu para chegar a velho e sofre a velhice.

Não é um fim bonito para nenhuma narrativa.

terça-feira, 22 de outubro de 2024

FAMÍLIA PRECISA-SE. É URGENTE

 Há dias foi divulgado o Relatório CASA 2023 (Relatório de Caracterização Anual da Situação de Acolhimento das Crianças e Jovens) pelo Instituto da Segurança Social.

Um dado global mostra que aumentou o número de crianças e jovens em situação de acolhimento

Em 2023 registaram-se 2415 casos de novo acolhimento o que significa mais 8% que em 2022. Destes novos casos, 80% já estavam em acompanhamento, mas a identificação de situações de perigo sustentou processos de retirada urgente, situação que está a aumentar.

É um quadro preocupante e alimenta o que o relatório "Caminhos para uma melhor protecção: Balanço da situação das crianças em estruturas de acolhimento na Europa e na Ásia Central" realizado pela Unicef divulgado em Janeiro mostrava, segundo qual, entre 42 países da Europa e da Ásia Central, Portugal o país com mais crianças a viverem em instituições. Do universo de crianças acolhidas pelo sistema de protecção, 95% estão em instituições.

Mantém-se a acrescida dificuldade de processos de adopção de crianças mais velhas, mais vulneráveis por alguma condição de saúde, crianças com necessidades especiais ou adolescentes e jovens.

É consensual que em nome do bem-estar das crianças e jovens seria desejável que se conseguisse até ao limite promover a desinstitucionalização das crianças por múltiplas e bem diversificadas razões.

Recordo um estudo de Paulo Delgado do Instituto Politécnico do Porto, creio que divulgado em 2018, refere que as crianças evidenciam uma percepção de bem-estar significativamente diferente consoante estejam em família tradicional, 9.05 numa escala de 0 a 10, em famílias de acolhimento, 8.69 e em instituições, 7.61.

Também há algum tempo um trabalho da Universidade do Minho evidenciou que as crianças institucionalizadas revelam, sem surpresa, mais dificuldade em estabelecer laços afectivos sólidos com os seus cuidadores nas instituições. Esta dificuldade pode implicar alguns riscos no desenvolvimento dos miúdos e no seu comportamento.

A conclusão não questiona, evidentemente, a competência dos técnicos cuidadores das instituições, mas as próprias condições de vida institucional e aponta no sentido da adopção ou outros dispositivos como forma de minimizar estes riscos e facilitar os importantes processos de vinculação afectiva dos miúdos. Também deve acentuar-se o trabalho de grande qualidade que muitas instituições procuram desenvolver. Além disso, sabemos todos, que existem contextos familiares que por razões de ordem variada não devem ter crianças no seu seio, fazem-lhes mal, pelo que a retirada pode ser uma necessidade que o superior interesse da criança justifica sendo um princípio estruturante das decisões neste universo.

Uma família é, de facto, um bem de primeira necessidade.

segunda-feira, 21 de outubro de 2024

IDEOLOGIA E EDUCAÇÃO

 No congresso do PSD, o primeiro-ministro anunciou algumas medidas a tomar pelo Governo. No que respeita à educação, em linha com o que o reconhecido especialista em educação, secretário de Estado Adjunto e da Educação, Alexandre Homem Cristo, já tinha referido, Luís Montenegro retomou a intenção de "rever os programas do ensino básico e secundário e explicitamente referiu a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento para "reforçar o cultivo dos valores constitucionais" e garantir que seja liberta “das amarras de projectos ideológicos ou de facção”.

Já aqui abordei a referida revisão global de todos os programas, agora umas notas mais dirigidas para a questão da disciplina Cidadania e Desenvolvimento.

Os estilos de vida, as exigências de qualificação têm tornado gradualmente a escola mais presente e durante mais tempo na vida de crianças e adolescentes e, consequentemente, com reflexos na educação em contexto familiar.

Importa também acentuar que fora dos contextos escolares, o padrão relacional entre adultos, de todas as condições, exprime também com demasiada frequência descontrolo e conflitualidade. O comportamento agressivo, verbal, físico, psicológico, etc., tornou-se quase, um novo normal em múltiplos contextos.

Sabemos também que a ideia de que a “família educa e a escola instrói” já não colhe e espera-se que a escola não forme “apenas” técnicos, mas cidadãos, pessoas, com qualificações ao nível dos conhecimentos em múltiplas áreas.

Um sistema público de educação com qualidade, desde há muito de frequência obrigatória e progressivamente mais extenso, é uma ferramenta fundamental para a promoção de igualdade de oportunidades, de equidade e de inclusão. Uma educação global de qualidade é de uma importância crítica para minimizar o impacto de condições sociais, económicas e familiares mais vulneráveis.

Não é possível que a leitura regular da imprensa escrita, sobretudo nos últimos tempos e no que respeita à educação tenha na terminologia de boa parte dos trabalhos publicados e sem qualquer ordenação de frequência ou preocupação, alunos desmotivados, agressões a professores, agressões a alunos, agressões a funcionários, “bullying”, violência escolar, humilhações, falta de autoridade dos professores, imagem social degradada dos professores, professores desmotivados, famílias incompetentes, pais negligentes, demissão familiar, indisciplina, recusa, contestação, insucesso, facilitismo, burocracia, currículos desajustados, insegurança, medo, receio, etc. São ainda preocupantes indicadores relativos a violência nas relações de namoro entre jovens, sendo que muitos a entendem como “normal”, tal como inquietam os padrões de consumo de álcool ou droga.

Neste contexto parece-me claro a que a abordagem de matérias como Direitos Humanos; Igualdade de Género; Interculturalidade; Desenvolvimento Sustentável; Educação Ambiental; Saúde; Sexualidade; Media; Instituições e Participação Democrática; Literacia Financeira e Educação para o Consumo; Segurança Rodoviária; Risco, Empreendedorismo; Mundo do Trabalho, Segurança defesa e paz, Bem-estar animal e Voluntariado são fundamentais ao longo do processo de formação de crianças, jovens e adultos.

No entanto, também entendo que a abordagem a estas matérias não tem necessariamente de ser “disciplinarizada”, mas esta é ainda uma outra questão.

Nas sociedades contemporâneas um sistema público de educação com qualidade, desde há muito de frequência obrigatória e progressivamente mais extenso, é uma ferramenta fundamental para a promoção de igualdade de oportunidades, de equidade e de inclusão. É através de uma educação global de qualidade que se minimiza o impacto de condições sociais, económicas e familiares mais vulneráveis.

Dito isto deixem-me olhar para a fonte do mal, a “ideologia”.

Acho sempre curiosas as discussões em torno das “questões ideológicas” designadamente no universo da educação. Tenho para mim que não existem políticas públicas de educação, ou de outra área, que sejam neutras, assépticas, imunes, etc. em matéria de valores sociais ou ideologia, seja tudo isto o que for.

Ao defender, por exemplo, princípios de educação inclusiva, já me tem acontecido ser “acusado” de produzir um discurso ideológico. Muito provavelmente, os meus interlocutores esperariam que me procurasse “defender” através da evidência científica. No entanto, a minha resposta começa habitualmente com algo como, “ainda bem que fui claro, o meu discurso corresponde a uma visão de sociedade, de educação e de escola. Agora vamos à evidência científica que a sustenta". Provavelmente, nas mais das vezes, ficamos na mesma, cada qual com a sua visão ideológica, pois claro.

Acontece ainda que, com frequência se confunde ideologia com partidarismo. Como já afirmei, tenho uma visão ideológica o mundo que me rodeia, mas não consigo encaixar-me numa visão partidária o que, naturalmente, será uma limitação da minha parte.

A verdade é que já cansa a forma habilidosa como muitas questões são abordadas em função da “ideologia”.

Boa parte das pessoas que contestam o que afirmam constituir uma visão ideológica entende que o que defendem não tem carga ideológica, é asséptico, sendo que as ideias contrárias, essas sim, são sustentadas pela ideologia e devem ser combatidas.

Tantas e tantas vezes tropeço com este entendimento que envolve uma outra dimensão menos explicitada, a ética. Tantos interlocutores me dizem com a maior tranquilidade que quando os estudos ou a experiência não vão ao encontro das suas ideias, certas e pragmáticas, os estudos são mal feios e contaminados pela ideologia ou que a experiência não serve de argumento. Quando discordo, o meu discurso é ideológico e o do interlocutor é correcto, asséptico do ponto de vista ideológico, obviamente, suportado com a evidência científica que ao meu é negado porque os estudos … são ideológicos. Sim, como disse, o que penso tem uma carga ideológica, é assim que entendo o mundo.

Na verdade, não acredito em visões de sociedade sem arquitectura ideológica e ética. Isso não existe, só por desonestidade intelectual se pode afirmar tal.

Como disse e reafirmo, há décadas que não tenho qualquer espécie de filiação partidária, não me orgulho nem me queixo, é assim que penso. No entanto, tenho posições que são de natureza ideológica sobre o que me rodeia e o que respeita à vida da gente.

Não as entendo como únicas, imutáveis ou exclusivas, aliás, gosto mais de discutir e aprender com alguém que também assim se posiciona, sem manha, sem a falsidade do “não tenho ideologia” como se isso fosse uma fonte de autoridade.

domingo, 20 de outubro de 2024

DO DIA MUNDIAL DE COMBATE AO BULLYING

 Peço desculpa pela insistência, mas existem demasiadas situações de sofrimento vividas por crianças e adolescentes. O calendário das consciências determina para hoje o Dia Mundial de Combate ao Bullying. Esta questão é seguramente umas das que mais frequentemente aqui abordo, mas os dados conhecidos no que respeita ao bullying e mais recentemente a variante cyberbullying que nem sequer correspondem ao universo de ocorrências, mostram a necessidade de uma séria reflexão e intervenção nos contextos educativos que chegue a todos os alunos e que promova a qualidade das relações interpessoais, a empatia, solidariedade e inteligência emocional, etc.

Uma das características do fenómeno, nas suas diferentes formas, incluindo o cyberbullying, é justamente o medo e a ameaça de represálias a vítimas e assistentes que, evidentemente, inibem a queixa pelo que ainda mais se justifica a atenção proactiva e preventiva de adultos, pais, professores, técnicos ou funcionários.

Neste contexto e dada a gravidade e frequência com que ocorrem estes episódios, é imprescindível que lhes dediquemos atenção ajustada a sinais dados por crianças e adolescentes, nem sobrevalorizando, nem tudo é bullying, o que promove insegurança e ansiedade, nem desvalorizando, o que pode negligenciar riscos e sofrimento.

Este cenário determinaria, só por si, um empenhado investimento em recursos e dispositivos que procurassem minimizar o volume de incidências, algumas das quais de gravidade severa.

Lamentavelmente, parte importante das entidades e iniciativas de apoio e suporte é exterior às escolas e ilustra a falta de resposta estruturada e global do sistema educativo, para além das insuficiências de recursos e na formação de técnicos e de professores sobre esta complexa questão, desde logo para o seu reconhecimento e identificação. Recentemente a ministra da Juventude e Modernização anunciou a criação de um Grupo de Trabalho para combater o bullying escolar. O Grupo apresentará os primeiros resultados(?!) em Dezembro.

A existência de dispositivos de apoio sediados nas escolas, com recursos qualificados e suficientes, designadamente no que respeita aos assistentes operacionais com funções de supervisão dos espaços escolares, é uma tarefa urgente.

Depois das ocorrências torna-se sempre mais fácil dizer qualquer coisa, mas é necessário. Muitas crianças e adolescentes evidenciam no seu dia-a-dia sinais de mal-estar e sofrimento a que, por vezes, não damos ou não conseguimos dar atenção, seja em casa, ou na escola.

Estes sinais não devem ser ignorados ou desvalorizados. O resultado pode ser trágico.

sábado, 19 de outubro de 2024

POBREZA E EDUCAÇÃO

 Existem matérias que apesar de muitas vezes abordadas não podem sair da agenda das preocupações e da urgência e prioridade nas medidas e recursos. É preciso insistir.

Lê-se no Expresso que, de acordo com dados da Pordata, a taxa de risco de pobreza subiu pela primeira vez em sete anos, 16,4% em 2021 para 17% em 2022.

Acresce que é no grupo de crianças e jovens e na s famílias com crianças dependentes que se verifica maior agravamento. Também se regista "o maior aumento da taxa de intensidade de pobreza da última década".

Recordo que dados do Eurostat que aqui referi em Junho, em Portugal, no final de 2023 viviam 339 mil crianças em risco de pobreza ou de exclusão social, cerca de 22,6% da população com menos de 18 anos. Relativamente a 2022 verifica-se um aumento de 1,9%. Se considerarmos a primeira infância, até aos 6 anos, a taxa de risco é de 21,6%, um aumento de 4%, mais 25 mil crianças.

Parece, assim, que estamos longe de conseguir minimizar os riscos de pobreza e exclusão.

Sabemos que a educação tem um papel crítico neste processo. No entanto, recupero o relatório “Portugal, Balanço Social 2023”, realizado pela Nova SBE Economics for Policy. De acordo com o trabalho, 82% das crianças pobres com três anos ou menos não frequentam pelo menos 30h de creche. Também no intervalo entre 4 e 7 anos são também as crianças mais pobres que não frequentam educação pré-escolar.

Apesar da gratuitidade da frequência da creche em 2022, a insuficiência de vagas dificulta o acesso das famílias de menor rendimento apesar de alguns efeitos decorrentes do Programa Creche Feliz.

Está bem estudada a relação entre a situação económica, laboral e nível de literacia familiar no trajecto pessoal.

Também sabemos que a pobreza tem claramente uma dimensão estrutural e intergeracional, as crianças de famílias pobres demorarão até cinco gerações a aceder a rendimentos médios, um indicador acima da média europeia.

A escola é certamente uma ferramenta poderosa de promoção de mobilidade social, mas, por si só, dificilmente funciona como elevador social.

O impacto das circunstâncias de vida no bem-estar das crianças e em aspectos mais particulares como o rendimento escolar ou o comportamento é por demais conhecido e essas circunstâncias constituem, aliás, um dos mais potentes preditores de insucesso e abandono quando são particularmente negativas, como é o caso de carências significativas ao nível das necessidades básicas.

Quando penso nestas matérias não resisto a recuperar uma história que conto muitas vezes, coisas de velho como sabem, e que foi umas das maiores e mais bonitas lições sobre educação que já recebi. Aqui fica outra vez e não será a última.

Aconteceu há já uns anos em Inhambane, Moçambique, também conhecida por Terra da Boa Gente. Num início de manhã, eu o Velho Carlos Bata, um homem velho e sem cursos, meu anjo da guarda durante as semanas que lá estive em trabalho, íamos a passar por uma escola para gaiatos pequenos e o Velho Bata, parou a olhar. Não estranhei, era um homem que não conhecia o significado de pressa.

Um tempinho depois disse-me que se tivesse “poderes de mandar” traria um camião de batata-doce para aquela escola. Perante a minha estranheza, explicou que aqueles miúdos teriam de comer até se rir, “só aprende quem se ri”, rematou o Velho Bata.

Pois é Velho, miúdos com fome e que passam mal não aprendem e vão continuar pobres. E infelizes, não se riem.

Ontem, hoje e amanhã. Não podemos falhar.

sexta-feira, 18 de outubro de 2024

MEMÓRIA - "Se houvera quem me ensinara ... quem aprendia era eu"

 Talvez seja da velhice, hoje olhei para trás e lembrei-me que há 10 anos fiz uma intervenção num evento, TEDxLisboaED, a que dei o título “Se houvera quem me ensinara … quem aprendia era eu”. 

Foi uma experiência interessante e diverti-me. Recordo ainda que foi a única circunstância na minha vida profissional em que realizei um ensaio geral antes da apresentação o que produziu uma sensação estranha.

A conversa girou em torno de uma escola em que professores, técnicos e auxiliares, na sua grande maioria, com competência, com visão, e esforço assentes em princípios de educação inclusiva procuram diariamente combater os riscos e as situações de exclusão que muitas crianças pelas mais variadas razões correm ou vivem. É da responsabilidade das políticas públicas promover que assim seja. Como diz Biesta, a história da inclusão é a história da democracia. Os tempos negros que vivemos mostram que assim é.

E foi assim:



quinta-feira, 17 de outubro de 2024

ELE E ELA NÃO FALAM COMO A GENTE

 No Público encontram-se dois trabalhos sobre uma questão com um peso que tem vindo a aumentar significativamente no nosso sistema educativo, o trajecto escolar e o aumento do número de alunos filhos de pais estrangeiros.

De acordo com dados da DGEEC, “Perfil Escolar de Alunos Filhos de Pais com Nacionalidade Estrangeira 22/23", os alunos com pais estrangeiros têm uma taxa de retenção genericamente três vezes superior à dos alunos com pais de origem portuguesa. No ensino básico é de 10,3% e 3,2% respectivamente.

Considerando o 3.º ciclo, a diferença é maior, 16,4% dos alunos com pais estrangeiros que não terminam o ciclo no tempo previsto para 5,2% de alunos com origem portuguesa e no secundário 26,8% para 8,5%.

Há algum tempo o MECI anunciou algumas medidas no âmbito do Programa Aprender Mais Agora para minimizar este problema.

O objectivo será ter 75% dos alunos recém-chegados apoiados por mais 272 mediadores linguísticos e culturais.

A disciplina Português Língua Não Materna (PLNM) irá ser objecto de revisão instituindo um “nível zero” para os alunos que expressam maior dificuldade, promoção de diferenciação em matéria de avaliação e nas decisões de retenção no básico e avaliação no secundário.

É ainda previsto que as escolas tenham maior autonomia na colocação dos alunos nos anos curriculares considerando a sua origem e trajecto escolar.

Recordo ainda dados do estudo do CNE, “Estado da Educação 2022”, em 2021/2022 9,3% dos alunos matriculados no ensino básico e 7,9% no secundário eram de origem estrangeira. 

Este número tem aumentado, em 2021/2022 tivemos mais 17,5% de estudantes estrangeiros inscritos no ensino básico e 15,5% no ensino secundário, com alunos oriundos de 235 nacionalidades no básico e de 246, no secundário.

Considerando dados do Infoescola, em 2021/2022 e como exemplo, o Agrupamento de Escolas Eduardo Gageiro, com cerca de 2300 alunos de todos os níveis, tinha 30% de estudantes estrangeiros, de 42 nacionalidades diferentes. De forma mais diferenciada o pré-escolar e o 1.º ciclo têm 36% de crianças estrangeiras, e só no 1.º ciclo essa percentagem é de 44%.

Por outro lado e em termos genéricos, verifica-se uma baixa de frequência da Disciplina de Português Língua Não Materna, 2% de todos os alunos estrangeiros inscritos no 1.º ciclo, 12,5% dos que frequentam o 2.º ciclo, 15% no 3.º ciclo e apenas 5,1% dos que estão no ensino secundário.

Apesar dos indicadores não serem propriamente uma surpresa, pois tem vindo a aumentar a vinda para Portugal de cidadãos de outros países importa considerar que, contrariamente ao que as narrativas xenófobas que se vão escutando afirmam, é importante esta vinda de pessoas de outras paragens que se radiquem por cá através de projectos de vida bem-sucedidos e contributivos para o desenvolvimento das nossas comunidades. Minimiza-se o efeito do Inverno demográfico que vivemos levando ao envelhecimento significativo da população portuguesa rejuvenescendo-se as populações.

Como é evidente este movimento implica a existência de crianças e a necessidade da sua educação escolar, certamente, a mais potente ferramenta contributiva para a sua boa integração na comunidade.

Esta cenário, como se demonstra na peça do Público, não pode deixar de constituir o um enorme desafio para muitas escolas.

Há algum tempo foi criada a disciplina de Português Língua Não Materna, mas que só é constituída com um número mínimo de 10 alunos e os recursos disponíveis são manifestamente insuficientes como directores e professores tem regularmente referido.

Está, pois, criada uma dificuldade acrescida para promover de forma eficiente o domínio da língua de aprendizagem, o português, e o impacto negativo que tal terá no seu trajecto escolar. Aliás, são bem conhecidas as enormes dificuldades que muitas comunidades portuguesas de emigrantes portugueses sentiram e sentem no processo de escolarização dos seus filhos em diferentes países da Europa.

Sabemos da enorme dificuldade de conseguir que em cada escola se consiga responder de forma eficaz às necessidades específicas da população que a frequenta, nenhuma dúvida sobre isto.

No entanto, também sabemos, o domínio proficiente da língua de aprendizagem, escrita e falada, é imprescindível a um trajecto escolar com sucesso.

Não existe normativo ou discurso em educação que não sublinhe as ideias de educação inclusiva, equidade, a diversidade, etc. A questão são as políticas públicas e os recursos de diferente natureza que este desafio exige, a retórica, não chega.

Estes alunos, tal como outros, enfrentam sérias dificuldades e um risco grande de insucesso como os dados evidenciam.

E é bom não esquecer que o seu sucesso será um forte contributo para as comunidades onde se integram, assim como poderemos ter que pagar um preço elevado pelo seu insucesso e exclusão.

quarta-feira, 16 de outubro de 2024

NOTÍCIAS DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

 No DN encontra-se uma peça sobre a designada educação inclusiva cujo título é curioso, mas, como se espera de um título, indiciador do conteúdo, “Inclusivo, mas pouco. Escolas têm cada vez mais dificuldade em garantir Ensino Especial”.

Segundo dados da DGEEC estão cerca de 90000 alunos ao abrigo de medidas selectivas e/ou adicionais de acordo com o DL 54/2018.

Recordo que em 2018 o ME decidiu que já não podíamos referir alunos com “necessidades educativas especiais” porque a designação não era conforme a “educação inclusiva”, categorizava alguns alunos o que não é uma boa prática. Assim, determinou que os alunos que revelavam algum tipo de dificuldade eram objecto de medidas educativa arrumadas em três categorias, as medidas “universais”, as medidas “selectivas” e as medidas “adicionais”. Isto parece que é uma outra forma de categorizar, mas não é. Na educação inclusiva é assim que se faz.

Também acontece que temos alguma dificuldade em interpretar os dados que vão sendo divulgados, aumenta o número de alunos com dificuldades de alguma natureza ou aumenta o número de alunos com medidas aplicadas. E quais as dificuldades dos alunos que se inscrevem nas medidas “universais” e assim ficam incluídos.

Na peça divulga-se o testemunho de pais e do presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos de Escolas Públicas que referem insuficiência preocupante dos recursos humanos, professores e técnicos, designadamente psicólogos e terapeutas, um crescimento significativo do número de alunos sinalizados com algum tipo de dificuldade. Aliás, também se conhecem situações em que professores com funções de apoio assumem outro trabalho minimizando a falta de professores.

 Deste quadro resulta a impossibilidade de assegurar a muitos alunos aquilo que é “apenas” um direito e não um privilégio, uma resposta educativa de acordo com as suas necessidades. Daí o título da peça.

Na verdade, muitos alunos não, não estão incluídos nem sequer integrados, estão “entregados” com as consequências que professores e pais bem conhecem. E não estou a considerar apenas os “Selectivos”, os “Adicionais” ou os “Universais”.

Este cenário de insuficiência de recursos tem sido referenciado em trabalhos diversos incluindo da Inspecção-Geral de Educação e Ciência e da OCDE.

Como tenho afirmados e escrito inúmeras vezes, acompanhei com esperança e expectativa a mais do que necessária, reafirmo, mudança legislativa desencadeada no âmbito da Educação Inclusiva que se traduziu no DL 54/2018 ele próprio associado a todo um quadro de mudança envolvendo, designadamente a definição do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, das Aprendizagens Essenciais ou o Decreto-Lei n.º 55/2018 relativamente ao currículo. Todo este edifício potenciaria a inovação, a mudança de paradigma, de vários paradigmas aliás, e alguns falavam mesmo da revolução que estava em marcha e anunciavam os amanhãs que cantam.

Com confiança em algumas virtudes do novo quadro aguardei expectante pela revelação da anunciada escola inclusiva de 2ª geração. No entanto, para meu desconforto e cansaço, o que fui conhecendo e vai sendo divulgado não me ajudou a perceber o que seria.

Continuo a verificar que, tal como aconteceu com o velho 319/91, (nesta altura eu já trabalhava neste universo há 15 anos), quer com o 3/2008 e depois com o actual 54/2018 existiam e existem professores e escolas a realizar trabalhos notáveis que devem ser conhecidos e reconhecidos.

A avaliação dos alunos, a definição dos apoios nas diferentes tipologias (já usadas como categorização uma vez que a outra categorização já não existe), o funcionamento das Equipas, os recursos disponíveis, a organização da intervenção, os papéis ou a articulação dos intervenientes continuam com inúmeros sobressaltos. Recebo muitos testemunhos e, como referi, os dados conhecidos também não são particularmente animadores.

Apesar de agora estar mais desligado em termos profissionais, o interesse e a paixão por este universo mantêm-se e apesar do cansaço, sempre me animo quando conheço situações muito positivas que, felizmente, acontecem todos os dias em tantas escolas.

No entanto, nem tudo vai bem, muito longe disso. Não torturem a realidade que ela não vai confessar.

Há muito que fazer, muito para caminhar.

 

PS – Já agora e mais uma vez, talvez já vá sendo tempo de não insistir no uso da designação "educação inclusiva" para referir a educação dos alunos que têm algum tipo de dificuldade e que se encaixam nas novas "categorias", os "universais", os "selectivos" e os "adicionais" criadas pelo DL 54, a educação inclusiva é de todos e, portanto, deveria ser “apenas” educação.

terça-feira, 15 de outubro de 2024

DO BULLYING. É PRECISO INSISTIR

 A PSP iniciou ontem a operação "Bullying é para fracos" que ocorrerá até dia 25 de Outubro, com a promoção de sensibilização junto de alunos, pais e encarregados de educação, professores e auxiliares das escolas do 1.º ciclo do básico ao secundário

Recordo que há pouco tempo foi divulgada pela ministra da Juventude e Modernização a criação de um Grupo de Trabalho para combater o bullying escolar. O Grupo apresentará os primeiros resultados(?!) em Dezembro.

Relativamente ao fenómeno do bullying e em particular do cyberbullying, não há muito de novo a dizer, continua a ser fonte de sofrimento para muitas crianças e jovens e, naturalmente, uma enorme preocupação para famílias, professores e técnicos.

 No ano lectivo 22/23 a GNR registou 140 crimes de bullying e cyberbullying no ano lectivo 22/23. No entanto, esta será apenas uma parte pequena do volume de episódios, muitos dos quais sem divulgação.

Dados da PSP revelam que em 23/24 foram registadas pelas Equipas de Proximidade da Escola Segura 2956 ocorrências criminais, 134 estão relacionadas com situações de bullying (4,5% das ocorrências totais) e 30 estão relacionadas com situações de cyberbullying (1% das ocorrências totais).

Dada a frequência e sofrimento envolvido nas situações de bullyingnas suas diferentes variantes retomo algumas notas.

Um relatório da Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia divulgado em Maio afirmava que cerca de 66% dos alunos portugueses da comunidade LGBTIQ sofreram bullying ou foram humilhados na escola.

Um trabalho que aqui referi, “Global estimates of violence against children with disabilities: an updated systematic review and meta-analysis”, divulgado em 2022 na The Lancet Child & Adolescent Health, mostrou com indicadores alarmantes, mas, lamentavelmente, não surpreendentes. Cerca de uma em cada três crianças ou adolescentes com deficiência é vítima de algum tipo de violência, física, emocional, sexual ou negligência. No caso mais particular do bullying verifica-se um significativo nível de vitimização, cerca de 40% das crianças com deficiência terá sido alvo deste tipo de comportamento. O bullying presencial, violência física, verbal ou social como bater, pontapear, insultar, ameaçar ou excluir é mais comum, 37%, do que o cyberbullying (23%).

O estudo recorreu a dados relativos a mais de 16 milhões de crianças de 25 países, recorrendo ao tratamento de 98 estudos, realizados entre 1990 e 2020, de que 75 respeitam a países de mais elevados rendimentos e 23 relativos a sete países de baixo ou médio rendimento.

Os dados conhecidos no que respeita ao bullying e considerando que não correspondem ao universo de ocorrências, mostram a necessidade de uma séria reflexão e intervenção nos contextos educativos que chegue a todos os alunos e que promova a qualidade das relações interpessoais, a empatia, solidariedade e inteligência emocional, etc.

O cyberbullying parece ser actualmente a variante de bullying mais preocupante. Contrariamente ao bullying presencial o cyberbullying não tem “intervalos”, normalmente os fins-de-semana, pois ocorrem predominantemente nos espaços escolares. Não sendo presencial o(s) agressor(es) não tem, ou não têm, uma percepção clara do nível de sofrimento infringido o que em algumas circunstâncias pode funcionar como “travão” e inibir o comportamento agressivo. Esta situação é potenciada quando se junta a um menor nível de empatia pelo outro o que ficou muito claro no primeiro trabalho citado acima e que merece leitura.

Também por estas razões é fundamental uma atitude ajustada face a este tipo de comportamentos.

Em termos globais e como já referi, a ocorrência de situações de bullying é bem superior ao número de casos que são relatados. Uma das características do fenómeno, nas suas diferentes formas, incluindo o cyberbullying, é justamente o medo e a ameaça de represálias a vítimas e assistentes que, evidentemente, inibem a queixa pelo que ainda mais se justifica a atenção proactiva e preventiva de adultos, pais, professores, técnicos ou funcionários.

Este cenário determinaria, só por si, um empenhado investimento em recursos e dispositivos que procurassem minimizar o volume de incidências, algumas das quais de gravidade severa.

Neste contexto e dada a gravidade e frequência com que ocorrem estes episódios, é imprescindível que lhes dediquemos atenção ajustada a sinais dados por crianças e adolescentes, nem sobrevalorizando, nem tudo é bullying, o que promove insegurança e ansiedade, nem desvalorizando, o que pode negligenciar riscos e sofrimento.

Neste universo e mais uma vez importa considerar dois eixos fundamentais de intervenção por demais conhecidos, a prevenção e a intervenção depois dos problemas ocorrerem. Esta intervenção pode, por sua vez e de forma simplista, assumir uma componente mais de apoio e correcção ou repressão e punição, sendo que podem coexistir. Com alguma demagogia e ligeireza a propósito do bullying, as vozes a clamar por castigo têm do meu ponto de vista falado mais alto que as vozes que reclamam por dispositivos de prevenção, intervenção e apoio para além da óbvia punição, quando for caso disso.

Esta utilização mostra a necessidade de dispositivos de apoio e orientação absolutamente fundamentais para que pais, professores e alunos possam obter informação e suporte. Entretanto estão criados vários portais e estão disponíveis alguns canais de denúncia e procura de orientação e suporte dirigido a pais, professores, técnicos e, naturalmente, alunos.

Lamentavelmente, parte importante das entidades e iniciativas de apoio e suporte é exterior às escolas e ilustra a falta de resposta estruturada e global do sistema educativo, para além das insuficiências de recursos e na formação de técnicos e de professores sobre esta complexa questão, desde logo para o seu reconhecimento e identificação.

A existência de dispositivos de apoio sediados nas escolas, com recursos qualificados e suficientes, designadamente no que respeita aos assistentes operacionais com funções de supervisão dos espaços escolares, é uma tarefa urgente.

Do meu ponto de vista, o argumento custos não é aceitável porque as consequências de não mudar ou não fazer são incomparavelmente mais caras. Depois das ocorrências torna-se sempre mais fácil dizer qualquer coisa, mas é necessário. Muitas crianças e adolescentes evidenciam no seu dia-a-dia sinais de mal-estar e sofrimento a que, por vezes, não damos ou não conseguimos dar atenção, seja em casa, ou na escola.

Estes sinais não devem ser ignorados ou desvalorizados. O resultado pode ser trágico.

segunda-feira, 14 de outubro de 2024

"TRANCADOS" NOS ECRÃS

A experiência diária e, como agora se diz, a evidência mostram de forma cada vez mais clara como o excesso de tempo que crianças e adolescentes (mas não só) passam “trancados” em ecrãs têm impacto negativo no seu bem-estar e saúde mental, no desenvolvimento de competências e capacidades cognitivas, sociais e emocionais e, naturalmente, na aprendizagem.

Em muitos sistemas educativos e também por cá, vão surgindo iniciativas, sobretudo nos espaços escolares, no sentido de minimizar esse tempo incluindo a redução da utilização dos recursos digitais na aprendizagem, sobretudo em particular com os mais pequenos.

Certamente mais difícil será a mudança nos contextos familiares e comunitários. O próprio comportamento dos adultos não parece favorável a esse trajecto de mudança.

Muitas vezes aqui tenho abordado esta questão tal como a abordei em muitas conversas com pais e encarregados de educação e é clara a dificuldade de mudança dos comportamentos, independentemente dos discursos de concordância com a preocupação ou a expressão de dificuldades.

Não sou apologista de estratégias essencialmente proibicionistas, mas sim do incremento de comportamentos de auto-regulação ajustados às diferentes idades.

No entanto, com alguma frequência se alimenta o equívoco de que não proibir significa a ausência de regras e limites.

Como tantas vezes digo, as regras e os limites são bens de primeira necessidade no bem-estar global e no desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes.

É o bem-estar dos mais novos e a qualidade global dos processos educativos que estão em jogo.

É uma questão demasiado importante.


domingo, 13 de outubro de 2024

DA IRRESPONSABILIDADE

 Lê-se no Público que cerca de 34 mil alunos estão sem professor a pelo menos uma disciplina um mês depois do início das aulas. Apesar de a situação estar melhor que no ano passado, eram 45 000 os alunos sem aulas, uma turma já seria um problema.

Há décadas que a falta de docentes estava escrita nas estrelas e sucessivas equipas ministeriais, para além de más políticas públicas que afastaram milhares de professores das escolas e ainda negavam a evidência e ouvimos o mantra dos “professores a mais”. Maria de Lurdes Rodrigues e Nuno Crato foram dois exemplos de incompetência e irresponsabilidade nesta matéria e nem um rasgo de seriedade na assunção do que é óbvio, falharam.

O resultado está à vista, o atropelo a um direito fundamental, o direito à educação, e o desempenho escolar de muitos alunos prejudicado pala falta de docentes.

As famílias com mais recursos recorrem ao ensino privado ou a explicações externas, as outras … lamentam.

A questão é que cada vez se torna mais difícil falar de responsabilidade. Entrámos no mundo da irresponsabilidade.

Com que preço? Pago por quem?

E não acontece nada?

sábado, 12 de outubro de 2024

O "TROCA-TINTISMO"

 Uma rápida viagem pela imprensa fez-me lembrar o que aqui escrevi em Maio. Peço desculpa, mas vou repetir.

Nos meus tempos de gaiato, a avó Leonor, uma das mulheres mais extraordinárias que conheci, com a mais-valia de ser minha, a minha avó, quando nós caíamos em alguma asneira e tentávamos as esfarrapadas desculpas que a imaginação, ou a falta dela, ditavam ou ainda, quando as pequenas ou grandes mentiras não saíam bem, tentava compor um ar severo, desmentido por uns olhos claros infinitamente doces, e dizia, “não sejam troca-tintas”.

Não me lembro se alguma vez lhe perguntei se sabia a origem da expressão, mas nestes tempos que vamos vivendo lembrei-me da avó Leonor e dos troca-tintas.

É grande a preocupação, o cansaço e o desânimo que o contexto social e político dos dias que correm provocam. O acompanhamento regular dos discursos e comportamentos de boa parte das lideranças políticas, sociais ou económicas são elucidativos do “troca-tintismo” que os informa, vale tudo sem limites éticos ou o respeito mínimo pela verdade. Insultam-nos com a desconsideração com que somos percebidos. Haverá certamente excepções, mas são isso mesmo, excepções.

É neste “troca-tintismo” que se sustenta e promove a eclosão do ovo da servente, dos ovos da serpente.

Vão feios os tempos.

sexta-feira, 11 de outubro de 2024

DOIS MÁGICOS

 Por aqui está um tempo cabaneiro, chuva e vento, que convida a estar em casa. Aproveito para preparar as folhinhas dos orégãos que colhi e deixei a secar. Mais logo será a vez dos poejos. O gosto que põem é indispensável em muito do que se come cá em casa.

A chuva já fazia falta, precisamos de começar a fabricar terra e a azeitona ainda vai beneficiar desta chuva embora o vento também leva a que alguma caia e se perca. É o campo, como se costuma dizer.

Enquanto lidava com os orégãos pensava na despedida de “Rafa” Nadal que, por coincidência, quase coincide com o anúncio do final de carreira de Andrés Iniesta, por acaso dois espanhóis e dois mágicos no desporto a que se dedicaram, o ténis e o futebol.

Acontece que ténis e futebol foram desportos que pratiquei durante décadas, até que joelhos e coluna o permitiram e era impossível não acompanhar o desempenho de Nadal e Iniesta.

Com estilos pessoais diferentes e com a substancial diferença entre um desporto colectivo e um desporto individual, foram e serão duas figuras inspiradoras e que muito nos deram, pelo fazer e pelo ser.

E a verdade preocupante é que nos tempos que correm não existem muitas figuras inspiradoras no sentido em que seria necessário.

São muitas, demasiadas e perigosas as que nos inspiram receio, repulsa, desencanto e inquietação com o futuro.

Obrigado, Rafa e obrigado, Iniesta.

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

DIA MUNDIAL DA SAÚDE MENTAL

 No calendário das consciências assinala-se hoje o Dia Mundial da Saúde Mental. Vários trabalhos na imprensa abordam esta matéria o que, relativamente ao que se passava há alguns anos, representa uma diferença significativa de tratamento e importância atribuída apesar do muito que ainda precisamos de caminhar pela saúde mental e bem-estar das pessoas, grandes e pequenas.

Começando pelos mais novos, recordo o trabalho realizado pelo Observatório de Saúde Psicológica e Bem-Estar Social com a coordenação da Professora Margarida Gaspar de Matos em que dados divulgados 2022 envolvendo 8.067 crianças e adolescentes do pré-escolar ao 12.º ano mostravam sinais preocupantes de mal-estar..em mostravam níveis preocupantes de mal-estar.

Um segundo estudo realizado através de um inquérito a 60 agrupamentos realizado entre Março e Abril de 2023, com o objectivo de com vista a “identificar, antecipar, alertar e recomendar acções necessárias a curto, médio e longo prazo” no que respeita à saúde mental e bem-estar na escola. Os indicadores relativos sinais de depressão e ansiedade agravaram-se em particular nas raparigas e nos alunos do secundário. É referido que “Também nestes grupos foram descritas dificuldades ao nível físico e psicológico, menor tolerância à frustração, maior desinteresse, desmotivação e inércia.”

Também nos estudantes do ensino superior os sinais de mal-estar são inquietantes.

Dados do Inquérito às Condições Socioeconómicas e Académicas dos Estudantes do Ensino Superior coordenado pelo ISCTE com respostas de 10600 alunos do ensino superior público e privado no ano lectivo 22/23 revelaram que 9% dos alunos referiram ter um problema de saúde mental o que duplica o resultado, 4,4%, do inquérito realizado em 20/21.

Também um inquérito realizado pela Universidade de Lisboa entre Abril e Junho de 2022 abrangendo 7756 alunos dos cerca de 52 000 de todas as faculdades da Universidade que também já tinha dados que mostravam níveis elevados de mal-estar.

Apenas 36,4% dos alunos refere sentir "engagement académico" pelo menos uma vez por semana. A equipa que promoveu o estudo definia este quadro como “estado psicológico de bem-estar cognitivo-afectivo positivo".

Mais pesado se torna o cenário se considerarmos que apenas 14,5% diz sentir este bem-estar na maior parte do tempo. No que respeita a indicadores de saúde mental, 15,3% revelam sintomas burnout, 25% dos estudantes revelam níveis severos ou muito severos de stress, 26,4% apresenta níveis de ansiedade e 25,2% de depressão. Desde 2015 aumentaram 300% os serviços de apoio psicológico.

Um estudo coordenado pela Escola Superior de Enfermagem de Coimbra durante o ano lectivo 21/22 envolvendo 5.440 jovens, com uma idade média de 14 anos e de mais de 150 escolas do Continente e Madeira encontrou sintomas de depressão em 42% dos adolescentes. Este este aumento está em linha com outros estudos, nacionais e internacionais.

Os dados não são surpreendentes, estão em linha com outros estudos, nacionais ou internacionais, mas são preocupantes, muito preocupantes.

Numa abordagem mais geral, em 2023 venderam-se em Portugal cerca de 12 milhões de embalagens de antidepressivos, o valor mais alto de sempre, sendo que entre 2013 e 2023 se verificou um aumento de 80%. Também a venda de antipsicótico subiu 75% entre 2013 e 2023, cerca de 5 milhões em 2023.

Este número pode ser explicado por maior atenção aos problemas de saúde mental, mas também, se verifica, de acordo com alguns especialistas um excesso de prescrição ou de prescrição inadequada.

Em Maio de 2023 a imprensa divulgou alguns dados de um inquérito realizado Lundbeck Portugal, farmacêutica especializada em doenças neurológicas e psiquiátricas, 33,6% dos inquiridos refere que já teve um diagnóstico de depressão, 62,1% já terá sentido sintomas de depressão em algum momento e 77,3% têm um familiar ou amigo com diagnóstico de depressão. São, na verdade, dados preocupantes, mas não surpreendentes.

A generalidade dos estudos sobre saúde mental em Portugal sugere uma alta incidência de problemas e a tendência de subida mantém-se.

Aos dados divulgados relativos venda dos psicofármacos faltará o volume de situações de mal-estar não abordadas através dos fármacos, as não tratadas e o contributo da automedicação apesar da exigência de prescrição médica para este consumo. Este quadro levará a que o número de consumidores seja superior às prescrições e número global de situações de mal-estar seja bem superior aos indicadores de consumo.

Também aqui referi na altura um trabalho divulgado em 2021 realizado pelo investigador na área da economia da saúde da Nova SBE, Pedro Pita Barros, “Acesso a cuidados de saúde - As escolhas dos cidadãos 2020, em que se referia que 10% dos portugueses não vão ao médico quando sentem algum mal-estar e que desta população, 63% recorre à automedicação.

Como defende Miguel Xavier, coordenador nacional das políticas da Saúde Mental “Os problemas de Saúde Mental previnem-se antes de aparecerem. Através de bons programas de parentalidade, bons programas sociais, como os programas de apoio às populações vulneráveis”, o que envolve a necessidade de políticas integradas, mas também a importância dos recursos adequados.

Esperemos que o processo de reforma dos serviços de saúde mental que está em curso possa ter um impacto positivo. A saúde mental tem sido o parente pobre das políticas públicas de saúde.

Existe muita gente a passar mal, pode ser na casa ao lado.

No entanto, como agora se diz, somos resilientes e queremos viver, seremos capazes de continuar.

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

EMPREGO E DEFICIÊNCIA

 Em Julho referi aqui que a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) iria desenvolver uma iniciativa de fiscalização e controlo envolvendo mais de 5000 empresas das empresas para verificar o cumprimento das quotas de emprego para pessoas com deficiência.

Recordo que em Fevereiro de 2023 entrou em funcionamento o sistema de quotas existente para a função pública desde 2001, alargada ao universo privado em 2019 com um período de transição até 2023 para empresas com até 100 trabalhadores e até 2024 para empresas com entre 75 e 100 trabalhadores.

De acordo com a lei, as médias empresas, com 75 a 249 trabalhadores, “devem admitir trabalhadores com deficiência em número não inferior a 1 % do pessoal ao seu serviço”. Para as maiores empresas, com 250 ou mais trabalhadores, a quota definida é de pelo menos 2%.

Lê-se no Expresso que, de acordo com dados da ACT, verificar-se-ão indícios de possível incumprimento da lei em 3445 empresas, cerca de 60% de um universo total de 5770 empresas obrigadas ao cumprimento da lei.

Os dados serão analisados, mas  recordo que dados do Observatório da Deficiência e Direitos Humanos, em 2019, altura da alteração legal, a percentagem de pessoas com deficiência no total de recursos das empresas privadas com mais de 10 trabalhadores era de 0,58%, (13 702 pessoas), um número altamente significativo.

Na administração pública as quotas estabelecidas não estão a ser cumpridas e são conhecidos casos de fraccionamento de concursos como método para o seu não cumprimento.

De acordo com os dados de 2021 do relatório “Pessoas com Deficiência em Portugal – Indicadores de Direitos Humanos 2021”, ainda do Observatório da Deficiência e Direitos Humanos, entre 2011 e 2021 o desemprego registado aumentou 63,1% nas mulheres com deficiência e 9,8% nos homens com deficiência.

O mesmo estudo refere que em 2020 a taxa de risco de pobreza ou exclusão social em agregados de pessoas com deficiência (16-64 anos) era 11,7% superior ao dos agregados da população em geral na mesma faixa etária (28,5% vs. 16,8%)”. Um outro indicador revela que os agregados de mulheres com deficiência, 26,5%, e os agregados de pessoas com deficiência grave, 31,5%, eram os grupos que enfrentavam o maior risco de pobreza ou exclusão social.

Como frequentemente aqui refiro e volto a insistir, a questão do emprego é crítica para muitos milhares de pessoas e suas famílias e com pouco eco no espaço mediático. Como sempre as vozes das minorias soam baixo.

Por princípio, não simpatizo com o recurso ao estabelecimento de quotas para solução ou minimização de problemas de equidade ou desigualdade. As razões parecem-me óbvias, justamente no plano dos direitos, da equidade e na igualdade de oportunidades.

No entanto, também aceito que o estabelecimento de quotas seja um passo e um contributo para minimizar a discriminação neste caso por deficiência. Por outro lado, viver há muitos anos por cá permite também perceber que a legislação tende a ser vista como indicativa e não como imperativa.

E na verdade a questão do emprego de pessoas com deficiência é uma questão de enorme relevância. Apesar de evidente recuperação nos níveis de desemprego as pessoas com deficiência continuam altamente vulneráveis a este problema.

Neste universo o caderno de encargos ainda é extenso e exigente.

terça-feira, 8 de outubro de 2024

DA TUDOLOGIA

 De há uns tempos para cá tem-se verificado uma espécie de inundação da comunicação social por uma nuvem de opinadores e comentadores das mais variadas origens e sendo mais ou menos conhecidos. É verdade que existem os “do costume”, os que sempre tiveram tempo de antena, Marcelo Rebelo de Sousa é uma das figuras marcantes desta arte, mas surgiram muitíssimos outros.

Sobre todas as matérias que constituem ou podem constituir a agenda temos assim opiniões e explicações para todos os gostos e paladares. Temos até, frequentemente, opiniões e explicações que dizem nada, não acrescentam nada, são “ruído”, desinformação ou cumprem outras agendas que não a informação. Esta gente integra inúmeros “painéis de comentadores” que de uma forma conclusiva, definitiva, sem qualquer espécie de dúvida, iluminam o que devemos todos pensar sobre o que quer que esteja em discussão.

Refiro-me aos tudólogos, isso mesmo, os que sabem de tudo. É vê-los a emitir os seus "achismos" ou numa variante semântica também frequente os seus "Para mim...", “Do meu ponto de vista”, por todo o lado onde apareça um microfone, uma câmara ou uma página de jornal ou revista.

O espectáculo é, por vezes, arrasador para a auto-estima de um cidadão que ao longo de uma laboriosa vida de estudo e reflexão procura ir conhecendo uma qualquer área do saber. Eles, sempre os mesmos, falam, "acham", sobre não importa o quê, saúde, política (externa ou interna), educação, economia, arte, etc. (uff!!). Estranhamente, por vezes, aparecem também acompanhados por pessoas de facto conhecedoras das áreas em discussão e de quem esperam, ou arrogantemente exigem, a caução da sua óbvia ignorância mascarada de "opinião esclarecida".

Curiosamente, a comunicação social ou, para ser justo, parte dela também mal preparada deleitando-se com a exibição despudorada de um umbigo tão grande quanto a ignorância, subscreve e amplia as maiores banalidades ou disparates que, diletantemente, os tudólogos emitem.

Atentem nessas figuras e vejam se conseguem identificá-las.

Então não é que para além dos já habituais “tudólogos” que falam sobre qualquer assunto como uma desenvoltura que me põe a auto-estima de rastos, emergiu outra espécie que completa a primeira e nos alarga os horizontes a qual vou designar por “palpitólogos”, ou seja, uma sub-espécie de “tudólogos que se especializa em “palpites” sobre tudo. Esta sua extraordinária capacidade permite-lhes com a maior das facilidades criar cenários, antecipar acontecimentos ou situações, interpretar sem qualquer ponta de hesitação o mais complexo quadro, imaginar o inimaginável, tudo isto recorrendo a palpitantes discursos. Trata-se de uma questão de coerência, para suportar uns “palpites” nada melhor que um discurso palpitante.