Bom Natal. Dos simples. Com Tempo, com Afecto.
Atenta Inquietude
"E o mundo ..., sou eu que o contemplo, é ele que me contempla, ou trocamo-nos? ..." Herberto Helder
segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
TEMPO DE NATAL. QUANDO EU FUI AO ESPÍRITO NATALÍCIO
Continuando no tempo do Natal.
Estando aqui no sossego do Monte
no Meu Alentejo lembrei-me de que há alguns anos e contrariamente ao que é meu hábito,
num destes dias próximos do Natal fui ao espírito natalício mais
impactante, como agora se fala, que existe na zona onde moro, o Almada Fórum. É um dos maiores e está perto. Na altura escrevi sobre esta ida e recupero a
experiência que não mais repeti.
Eu pensava que estava perto, mas
logo para chegar, não foi fácil, acho que toda a gente resolveu ir ao espírito
natalício ao mesmo tempo que eu.
Não foi tarefa simples conseguir
um lugar para o carrito, parece que é difícil estacionar no espírito natalício,
os parques estão completos, gostamos muito do nosso espírito natalício, é tão
bonito, ou mais, que os outros.
Logo no parque se via, se sentia,
se ouvia, o Natal. Os carros com as luzes e piscas ligados e a apitar
freneticamente pareciam um enfeite daqueles que as autarquias instalam para
nosso contentamento. Muito bonito e as pessoas estavam, de facto, com um ar
contente, a entrar ou sair cheias de embrulhos de espírito natalício, até
pareciam indiferentes às dificuldades da lida diária que nestas alturas, é
claro, sempre se esquecem um pouco.
Lá dentro do espírito natalício
havia gente que vou-vos contar. Mas estava um ambiente tão simpático e
aconchegante com o aquecimento no máximo e as pessoas ao colo umas das outras,
que se deseja que o Natal não acabe. Foi uma experiência fantástica, como agora
se diz. Para terem uma ideia da passagem pelo espírito natalício, deixo-vos uns
fragmentos do que fui captando.
“Ó Cajó não tesqueças que
temos que ir ao JUMBO buscar os camarões que são mais baratos que no LIDL. Tá
bem Micas, aproveita-se e levamos as bejecas.”
“Crise? Qual crise? Crise é
para mim que não me sai o Euromilhões.”
“Vanessa não insistas. Inda em
Agosto, pelos anos, te comprei um telemóvel, não te vou já comprar outro. Na
tua idade não precisas de uma banda muito larga, essa chega muito bem.”
“É sempre a mesma coisa e eu
não aprendo. A tua mãe está lá dentro da loja há uma hora, na volta não compra
nada nesta e temos que apanhar outra seca.”
“Crise? Qual crise? Crise é
para mim que não me sai o Euromilhões.”
“Não me chateies com os
livros. Ainda não leste todos os que estão lá em casa.”
“Não André, já te disse, não
te compro isso do drone. Para andar no ar chega a tua cabeça.”
“Tatiana, por amor de Deus, 12
prendas chegam. Queres mais alguma coisa pede à tua avó.”
“Não Miguel, é ao contrário, o
Natal é que passas com a mãe e na passagem de ano é que vais com o teu pai.”
“Crise? Qual crise? Crise é
para mim que não me sai o Euromilhões.”
“Ó mãe deixa-me pôr outra
moeda na máquina. Ainda só andei seis vezes. Vá lá.”
“Inda vou ali comprar umas calças
daquelas que vêm rotas, são fixes, O people tem todo.”
“Eu bem te disse que não era
boa ideia trazer a velhota. Nunca mais vamos sair daqui.”
Logo que me apanhei com os livros
que só naquele dia pude ir buscar ao espírito natalício ... fugi.
Não, não gosto particularmente do
espírito natalício, deste espírito natalício, mas … é difícil contrariar a
tradição.
domingo, 22 de dezembro de 2024
O TEMPO DO NATAL, O ESPÍRITO NATALÍCIO
Continuando no tempo do Natal.
Como sempre e já há algum tempo
está aberta a época de caça própria do espírito natalício. A publicidade nos
“ecrãs” com o apoio desinteressado das redes sociais e de outros meios
disponíveis vai direccionar-se em força para os miúdos estimulando o consumo a
que os pais dificilmente resistem.
Será ingénuo pensar que quem
produz e promove produtos para crianças e quem gere os “ecrãs” com inteligência
natural ou artificial, assuma uma preocupação com o equilíbrio entre o natural
interesse dos mais novos por brinquedos e a natural vontade dos pais de
proporcionarem prendas aos filhos, sobretudo numa época, o Natal, que está
transformada num centro comercial decorado a vermelho e com barbas e num tempo
em que cada vez mais “só se é o que se tem” e “ter mais é ser mais”.
Contudo, acredito que podemos
fazer alguma coisa junto dos pais e dos putos para tentar atenuar os efeitos
deste cenário. As escolas poderiam ter um trabalho interessante debatendo, se
tivesse tempo e recursos, com os miúdos, de todas as idades e de forma
adequada, o papel da publicidade nas escolhas e nos gostos deles promovendo uma
atitude mais consciente e crítica destes processos. Talvez caiba nos conteúdos
na disciplina de que não se pode dizer o nome.
Poderia também ser interessante
conversar com os pais sobre o papel dos “presentes” nas relações familiares,
isto é, mais prendas não é igual a gostar mais, sobre o papel da publicidade e
a forma de lidar com a pressão desencadeada pelos filhos depois de verem “os
ecrãs”.
Talvez não seja claro, mas a
minha ideia não é estragar o Natal, é ter um Natal por medida em vez de um
Natal pronto a consumir.
Bom Natal.
sábado, 21 de dezembro de 2024
A LER
Os dispositivos de avaliação
escolar de natureza interna e externa para além da sua qualidade e calendário adequado,
devem ser coerentes com os modelos curriculares.
Sendo certo que por diversas razões, evidência de suporte, crenças ou representações diferenciadas ou distorções de natureza ideológica os entendimentos são difíceis, também não parecem ser desejáveis por alguns o que, naturalmente, os torna menos prováveis.
O texto de Carlos Ceia no Público, “Os rankings e a avaliação pedagógica que temos” parece um bom contributo para a reflexão necessária. Assim ela se realize.
quinta-feira, 19 de dezembro de 2024
TEMPO ROUBADO
O tempo é um bem muito escasso e de primeira necessidade. Todos nos queixamos de que não temos tempo. A propósito, recupero uma história que já aqui apareceu.
Com certeza, contra quem?
Contra muita gente.
Será, portanto, contra
incertos. E apresenta queixa porquê?
Por roubo, roubaram-me tempo.
Muito bem, então roubaram-lhe
tempo. Por favor, pode explicar um pouco melhor para eu poder registar a
situação.
Eu já não tinha muito tempo
porque nunca fui uma pessoa muito rica de tempo, mas o pouco que tinha
roubaram-me. Fiquei sem tempo para estar com os meus filhos e brincar com eles.
Este tempo faz-me muita falta, os miúdos andam tristes porque desde que me roubaram
o tempo não consigo mesmo. Já não tenho tempo para descansar ou ler qualquer
coisa como gostava de fazer. Não tenho tempo descansado para a minha mulher que
também precisava do tempo que eu tinha e que partilhava com ela. No meu
trabalho não tenho tempo para parar um minuto sem que alguém venha logo chamar
a atenção. Fiquei sem o tempo que tinha para beber um copo com os meus amigos e
trocar umas lérias que serviam para aliviar das coisas da vida.
Eu percebo o seu problema, mas
como deve calcular não tenho tempo para queixas como as que apresenta.
Não tem tempo? Não me diga que
também lhe roubaram o tempo. Até às autoridades, é demais.
quarta-feira, 18 de dezembro de 2024
QUANTO TEMPO É QUE TE FALTA?
Ontem o DN noticiava que desde 2013
que não se verificava um número tão elevado de professores a aposentar-se. Este
ano passara à situação de aposentado 3981 docentes o ano com mais desde 2013,
sendo que em Dezembro se registaram 506 pedidos.
É certo que não é um problema
exclusivo do nosso sistema educativo, mas como tantas vezes tem sido afirmado,
este cenário estava estudado e previsto há já alguns anos, mas as políticas
públicas negligentes ou incompetentes seguidas de há uns anos para cá
contribuem para o actual quadro. Embora haja quem assobie para o ar, não esquecemos
os discursos sobre “professores a mais”, as sugestões para emigrar dirigidas a
docentes em início de carreira, como também não esquecemos tempos severo de
desvalorização dos professores em termos sociais, modelo de carreira e salarial
com impacto fortíssimo na atractividade da carreira por gente jovem que a
rejuvenescesse e alimentasse.
Aliás, as políticas seguidas em
matéria de educação também contribuíram para o cansaço e mal-estar, desencanto
e desejo de abandono da profissão que se foi instalando em muitos docentes.
A propósito, relembro que, há já
uns anos largos, uma professora, na altura minha aluna de doutoramento, me
perguntava, com um ar meio sério, meio a brincar, se podia desenvolver a sua
tese a partir de uma questão que considerava a mais ouvida nas salas de
professores, quando no meio da burocracia e das actividades ainda havia tempo
para passar na sala de professores, “quanto tempo é que te falta?”. A sua ideia
não foi para a frente enquanto doutoramento, mas o que lhe está subjacente é
bem claro e bem preocupante. O resultado está à vista.
Na verdade, ser professor é uma
das funções mais bonitas do mundo, ver e ajudar os miúdos a ser gente, mas é
seguramente uma das mais difíceis e que mais valorização nas diferentes
dimensões e apoio deveria merecer. Do seu trabalho competente e valorizado
depende o nosso futuro, (quase) tudo passa pela educação e pela escola.
Qual é parte que não se percebe?
terça-feira, 17 de dezembro de 2024
PAIS E ESCOLA
Nos últimos tempos e sem estranheza tem-se desenvolvido uma outra forma de relacionamento entre pais e escola. Estou a referir-me à proliferação de grupos de pais na aplicação WhatsApp.
Aquilo que vou conhecendo parece,
sem estranheza, mas com alguma inquietação, reproduzir o que genericamente se
pode afirmar relativamente às redes sociais, podem constituir-se como
excelentes redes de comunicação e conhecimento ou, lado B, tornarem-se formas
intrusivas de relação, veicularem ruído e de desinformação, para ser simpático
na descrição. No fundo, o que poderia fazer parte da solução para uma melhor e
imprescindível melhoria na relação entre pais e escola, agilizando contactos
entre pais e entre pais e escola, pode acabar por criar problemas acrescidos a
professores, alunos e, por tabela, também aos pais e à sua função educativa.
Os recursos digitais podem e
devem ser ferramentas que integrem os dispositivos de relação entre pais e
entre pais e escolas, tal como entre a relação entre pessoas ou entre grupos e
instituições. No entanto, como todos os dispositivos de relação solicitam
regulação na sua utilização.
Se tal não acontecer, será mais
um problema que entra na escola que tantas dificuldades ainda sente na
operacionalização eficaz da relação entre pais e escola.
Do meu ponto de vista a questão
central continua a ser que relação regular se estabelece entre pais e
encarregados de educação e a escola. Trata-se de uma necessidade que se
verifica na generalidade os sistemas educativos. Parece dispensável sublinhar a
sua importância e na situação mais particular de alunos com necessidades
especiais este envolvimento é crítico e, muitas vezes, não acomodado da melhor
forma, para recorrer a um termo em moda.
No entanto, neste universo, a
relação entre os pais e a escola devem considerar-se outros aspectos e que,
provavelmente, envolvem os pais que menos integrarão grupos no WhatsApp. Para
além dos pais negligentes que existem e requerem outra abordagem, creio que os
pais e encarregados de educação que apesar de o poderem fazer vão pouco à
escola ou nunca vão, se podem dividir em dois grupos, os pais que não alcançam
a escola e os pais que a escola não alcança.
Os primeiros são os que entendem,
consciente ou inconscientemente, que a sua presença é irrelevante, não sabem
discutir a escola, a escola é que sabe e decide sobre os filhos e deve resolver
os seus problemas. Os outros, são os pais a quem o discurso produzido com
alguma frequência pela escola sobre os seus filhos os leva a afastarem-se
progressivamente. A experiência mostra que quando as crianças são mais
pequenas, pré-escolar e 1º ciclo, os pais vão aparecendo e começam a afastar-se
sobretudo a partir do 2º ciclo.
Neste quadro, creio que se o
desejo de maior envolvimento dos pais na vida escolar dos filhos for mais do
que uma retórica, o sistema, através dos modelos de funcionamento, autonomia
real e recursos das escolas, deverá introduzir alguns ajustamentos no sentido
que algumas boas práticas sustentam.
Redefinição urgente do papel dos
Directores de Turma e das condições de exercício da função pois são peças
nucleares nos processos educativos e estão muitas vezes entregues a tarefas
quase administrativas, criação de dispositivos com professores motivados,
existem muitos, que possam ir ao encontro dos pais que a escola não alcança.
Talvez da carga burocrática que rouba tantas horas de professores se pudessem
recuperar algumas para outro tipo de trabalho não docente, mais útil e mais
motivador.
Mudança nas formas e suporte do
contacto, relação, comunicação entre a escola e a família, por exemplo,
repensar a tipologia e conteúdos das reuniões de pais. Será neste contexto que
os recursos digitais podem ser úteis se utilizados de forma regulada, não
tóxica.
Parece também importante a
existência de estruturas de mediação entre a escola e a família o que implica a
existência de recursos humanos qualificados e disponíveis.
Recurso concertado às Associações
de Pais como mediadores entre a escola e os pais que não vindo à escola, também
não são dos que integram as Associações.
O tempo é curto, os recursos são
insuficientes, o clima não é o mais amigável, mas creio que pode ser possível ir
um pouco mais longe na tentativa imprescindível de maior envolvimento dos pais
na vida escolar dos miúdos, questão em mudança, sempre, e que obriga a uma
contínua reflexão sobre os papéis e os processos e formas de envolvimento.
O risco da inacção é, por
exemplo, dar asas ao que acontece, por vezes, com o funcionamento de grupos de
pais no WhatsApp, que se transforma em mais um problema.
segunda-feira, 16 de dezembro de 2024
DESEMPENHO ESCOLAR E RETENÇÃO
Foi divulgado o habitual relatório da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência relativo desempenho dos alunos do 1º ciclo considerando o designado “percurso de sucesso”, a conclusão do ciclo no número de anos previsto, no caso, quatro anos.
Depois de um trajecto de subida
nos últimos anos, verifica-se uma ligeira descida, de 92% em 21/22 para 91% em
22/23. Dito de outra maneira, como no texto do Público se refere, aumenta a retenção no 1º ciclo.
Algumas notas pedindo desculpa pela extensão do texto.
Considerando como indicador de
sucesso concluir o ciclo no tempo esperado, coloca-se uma questão que já aqui
tenho abordado. Poderemos interpretar a transição de ano como sucesso na
aprendizagem de competências e conhecimentos ou teremos de considerar que ter
sucesso é a “a passagem de ano” na velha fórmula de “transita, mas não
progride”? Conhecem-se relatos de escolas em que se verifica alguma “pressão”
para a “transição”.
Esta questão é sustentada pelas
discrepâncias sérias entre os resultados dos percursos de sucesso, as
avaliações internas e os resultados dos nossos alunos em estudos internacionais
ou nas provas de aferição e exames nacionais, a avaliação externa. Como exemplo,
temos o recentemente divulgado estudo “Trends in International Mathematics and
Science Study” (TIMSS), relativo 2023
Dito isto, também quero com muita
clareza que levantar esta questão não significa a defesa da retenção como
ferramenta de sucesso e qualidade. Não é, sabemos que o “chumbo”, só por si,
não gera sucesso e qualidade. Nenhuma dúvida sobre isto. No entanto, basta
olhar para as caixas de comentários a textos da imprensa sobre esta matéria, para
perceber como esta crença está instalada.
Vejamos algumas referências. Recordo
um Relatório do CNE de 2017 no âmbito do Projecto aQeduto em parceria com a
Fundação Francisco Manuel dos Santos, em que se realizou uma análise ao custo
de medidas de combate ao insucesso escolar. Parece-me perfeitamente actual do
ponto de vista da reflexão necessária.
Em termos económicos e recorrendo aos estudos
já desenvolvidos o impacto económico da retenção é estimado em cerca de 6000€
por aluno em cada ano. Adaptando o modelo desenvolvido pela Education Endowment
Foundation, o Projecto aQeduto identifica o grau de eficácia e custo económico
de um elenco de medidas de combate ao insucesso. Das medidas analisadas, a
retenção tem o custo mais elevado e a eficiência é negativa, promove um atraso
de 4 meses. Ensinar a estudar é a medida mais económica, 87€, e mais eficiente,
promove um ganho de 8 meses de aprendizagem.
Estes dados são importantes, mas a sua substância não é nova.
Também no Relatório
“Low-Performing Students - Why They FallBehind and How To Help Them Succeed”
divulgado pela OCDE em 2017 se referia que o “chumbo”, a retenção, é para os
alunos portugueses o principal factor de risco para os resultados na avaliação
posterior, dito de outra maneira, os alunos chumbam … mas não melhoram.
De facto, definitivamente, não
adianta discutir se o chumbo transforma o insucesso em sucesso. Não transforma,
repetir só por repetir não produz sucesso, aliás gera mais insucesso conforme
os estudos mostram.
Confesso sempre alguma surpresa e
dificuldade em compreender quando ao discutir-se os efeitos pouco positivos da
retenção algumas vozes, mesmo dentro do universo da educação, clamam que se
está a promover o "facilitismo" ou a defender que "então passam
sem saber".
Nesta conformidade e do meu ponto
de vista, a questão central não é o chumba, não chumba, e quais os critérios ou
o número de exames, mas sim que tipo de apoios, que medidas e recursos devem
estar disponíveis para alunos, professores e famílias desde o início da
percepção de dificuldades com o objectivo de evitar a última e genericamente
ineficaz medida do chumbo.
Este discurso não tem
rigorosamente a ver com "facilitismo" e, muito menos, com melhoria
"administrativa" das estatísticas da educação, uma tentação a que nem
sempre se resiste. Pelo contrário, “facilitismo” é acreditar que a retenção
resolve o problema do insucesso.
É essencial promover e tornar
acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos adequados e
competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do
chumbo. É fundamental não esquecer que o insucesso continua a atingir fundamentalmente
os alunos oriundos de famílias com pior condição económica e social pelo que
inibe o objectivo da mobilidade social. A associação entre o insucesso e a
pobreza em Portugal é, aliás, a mais forte entre os países europeus. Em
Portugal os bons alunos são os que mais trabalham em casa, TPCs e explicações,
dado a que, evidentemente, não é alheio ao nível de escolaridade dos pais e ao
estatuto económico.
É claro que mudanças estruturais
têm custos pelo que será de considerar a necessidade de investimento sério em
educação, 6% do Produto Interno Bruto o que está definido pela UNESCO como meta
para 2030.
Uma primeira referência à
dimensão associada aos professores, modelo de carreira valorizada, justa e
atractiva.
É imprescindível é dotar as
escolas de forma continua e estável dos recursos necessários para minimizar
tanto e tão rápido quanto possível as dificuldades que identificam.
É necessário promover a
desburocratização asfixiante e reflectir sobre modelos de governança das
escolas mais adequados, competentes e participados.
Com real autonomia, com mais
recursos e com modelos organizativos mais adequados e desburocratizados as
escolas poderiam certamente fazer mais e melhor. que quem vem de fora numa
passagem transitória, mais ou menos longa, mas transitória. Sim, tudo isto deveria
ser objecto de escrutínio, regulação e avaliação também externa, naturalmente.
Escolas com mais auxiliares,
auxiliares informados e formados podem ter um papel importante em diferentes
domínios.
Directores de turma com mais
tempo para os alunos e professores com menos alunos poderiam desenvolver
trabalho útil em múltiplos aspectos do comportamento e da aprendizagem.
Psicólogos e outros técnicos em
número mais adequado poderiam acompanhar, promover e desenvolver múltiplas
acções de apoio a alunos, professores, técnicos e pais.
Mediadores que promovessem
iniciativas no âmbito da relação entre escola, pais e comunidade seriam, a
experiência mostra-o, um investimento com retorno. Repetindo e sintetizando, os
professores sabem como avaliar e identificar as dificuldades dos alunos.
Uma nota final para sublinhar a
necessidade de estabilização curricular e da questão da avaliação e percurso
escolar dos alunos e reafirmo a importância da avaliação externa como
reguladora do trabalho realizado.
domingo, 15 de dezembro de 2024
DAS PESSOAS SEM-ABRIGO
É claro que não é por muito falar dos problemas que eles se resolvem ou minimizam. No entanto, também me parece que não insistir pode contribuir para uma menor atenção a situações muito séria e atentatórias do direito das pessoas. É o caso das pessoas em situação de sem-abrigo. Assim, voltemos a insistir.
De acordo com os dados do
Inquérito de Caracterização das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo em 2023 integrado
na Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo,
foram identificadas 13 128 pessoas nesta situação, um aumento face às 10 773
situações detectadas no ano anterior.
Os concelhos de Lisboa, Beja, Porto
e Moura têm os dados mais elevados. Vamos aguardar que as iniciativas em desenvolvimento e em projecto no âmbito da Estratégia Nacional para a
Integração das Pessoas em Situação de Sem Abrigo 2025-2030 possam ter um
impacto positivo. A ver vamos.
No entanto, parece-me que não
devemos esquecer que continua a ser muito grande o mundo dos sem-abrigo. São
muitos, demasiados, os sem-abrigo do mundo, boa parte integra aquela
percentagem que a sondagem nunca mostra de que fala Sam The Kid.
São muitos, os sem-abrigo num
porto que os acolha, uma casa, uma família, um espaço a que dêem vida e que
lhes apoie a vida.
São muitos, os sem-abrigo, mesmo
com família ou em instituições.
São muitos, os sem-abrigo no
afecto, nos afectos, sem um coração que os abrigue.
São muitos os sem-abrigo em
escolas onde não cabem.
São muitos, os sem-abrigo em
mundos que não são seus. São muitos, os sem-abrigo em culturas que não entendem
e que não querem entendê-los.
São muitos, os sem-abrigo num
corpo que seja aconchego para o seu corpo.
São muitos, os sem-abrigo em
valores que cada vez mais predominante e que não os reconhecem.
São muitos, os sem-abrigo em
vidas que lhes não pertencem, mas carregam. São muitos, os sem-abrigo no aceder
e no gostar das coisas de que a vida também se tece.
Como referi, muitos destes sem
abrigo vivem à nossa beira, sem-abrigo, não contabilizados, nem
contabilizáveis.
sábado, 14 de dezembro de 2024
DO DESLUMBRAMENTO DIGITAL, PERDÃO, TRANSIÇÃO DIGITAL
Leio no Público que o Governo vai lançar um projecto para capacitar os alunos na área da inteligência artificial. O projecto decorrerá em dez municípios durante as férias e abordará matérias como programação, robótica e conteúdos relacionados com a inteligência artificial.
Não é surpresa. De uma necessária
transição digital vamos passando para uma espécie de deslumbramento digital que
me faz ficar cada mais convencido da necessidade de reflexão sobre esta
questão.
Para auxiliar esta parece-me interessante
um Relatório de 2023 da Unesco, “Technology in education: A tool on whose terms?”. Também se registam iniciativas e análises em diferentes sistemas
educativos que pretendem repensar a utilização dos recursos digitais. Mais
perto, volto a sugerir estimulante texto de Francisco Laranjo, “Regresso ao futuro da escola: dos ecrãs aos livros” divulgado no Público há algum tempo e
que aqui reflecti retomando as notas da altura.
Apesar do seu enorme potencial as
ferramentas digitais não são a poção mágica para o ensino e aprendizagem. Os
computadores ou tablets na sala de aula, os smart boards, não promovem sucesso
só pela sua existência. A forma como são utilizados por professores e alunos é
que pode potenciar a qualidade e os resultados desse trabalho. Aliás, o mesmo
se pode dizer de qualquer outro recurso ou actividade no âmbito dos processos
de aprendizagem.
É certo que múltiplos estudos e
experiências valorizam a integração destes recursos nos processos de ensino e
aprendizagem pelo que é importante garantir o acesso pela generalidade dos
alunos, mas, não podem passar a ser o tudo no trabalho escolar. Acresce que
como sabemos, alunos e professores experimentam diariamente enormes
dificuldades com equipamentos e acesso, quer na quantidade, quer na qualidade.
Neste contexto e como já tenho
afirmado, considerando o que se sabe em matéria de desenvolvimento das crianças
e adolescentes, dos processos de ensino e aprendizagem e da sua complexa teia
de variáveis, das experiências e dos estudos neste universo, mesmo quando
aparentemente contraditórios alguns tópicos:
1 – O contacto precoce com as
tecnologias digitais é, por princípio, uma experiência positiva para os alunos,
para todos os alunos, se considerarmos o mundo em que vivemos e no qual eles se
estão a preparar para viver. Nós adultos ainda estamos a pagar um preço elevado
pela iliteracia, os nossos miúdos não devem correr o risco da iliteracia
informática. Os tempos da pandemia mostraram isso mesmo.
2 – O computador/tablet, kits
robóticos, smart boards, etc., na sala de aula são mais uma ferramenta, não são
A ferramenta, não substituem a escrita manual e a leitura em papel, não
substituem a aprendizagem do cálculo, não substituem coisa nenhuma, são “apenas”
mais um meio, muito potente sem dúvida, ao dispor de alunos e professores para
ensinar e aprender e agilizar o acesso a informação e conhecimento.
3 - O que dá qualidade e eficácia
aos materiais e instrumentos que se utilizam na sala de aula não é a tanto a
sua natureza, mas, sobretudo, a sua utilização, ou seja, incontornavelmente, o
trabalho dos professores é uma variável determinante. Posso ter um computador
para fazer todos os dias a mesma tarefa, da mesma maneira, sobre o mesmo tema,
etc. Rapidamente se atinge a desmotivação e ineficácia, é a utilização adequada
que potencia o efeito as capacidades dos materiais e dispositivos.
4 - Para alguns alunos com
necessidades especiais o computador pode ser mesmo a sua mais eficiente
ferramenta e apoio para acesso ao currículo.
5 – Para além de garantir o
acesso dos miúdos aos materiais é obviamente imprescindível promover o acesso a
formação e apoio ajustados aos professores sem os quais se compromete a
qualidade do trabalho a desenvolver bem como, evidentemente, assegurar as condições
exigidas para que o material possa ser rentabilizado. São por demais conhecidas
as dificuldades sentidas nas escolas com os recursos e acessibilidade.
6 – Finalmente, como em todo o
trabalho educativo, são essenciais os dispositivos de regulação e avaliação do
trabalho de alunos, professores e escolas. Estes dispositivos devem incluir
avaliação externa.
Como referi acima, não existem
poções mágicas em educação por mais desejável que possa parecer a sua
existência. Não deixemos que o fascínio deslumbrado pelo que se julga ser as
"salas de aula do futuro" faça esquecer os problemas das salas de aula
do presente.
sexta-feira, 13 de dezembro de 2024
DO SOZINHISMO
Há dias foram encontrados sem vida mãe e filho, de 92 e 63 anos, que viviam sós. Os vizinhos estranharam a ausência e reportaram a quem de direito.
Tenho setenta anos, o privilégio
de viver com a minha companheira de sempre, família próxima que inclui a magia
da avozice, saúde que permite alguma actividade diversa, contacto com amigos e
colegas, enfim, aquilo me faz sentir tão bem quanto possível.
É sempre com algum sobressalto
que olho para notícias como a que referi, o sozinhismo que afecta muita gente
idosa mesmo se, como era o caso, viviam num meio urbano, um bairro em Lisboa. Algumas notas repescadas
A Operação Censos Sénior realizada
regularmente pela GNR identificou no ano passado mais de 44000 situações de
idosos que vivem sós ou isolados que, naturalmente, são uma amostra de uma
realidade bem mais pesada.
Segundo dados divulgados pela
Pordata, Portugal e a Itália, no âmbito da UE, têm a maior percentagem de
população idosa, por cada jovem temos quase dois idosos. Acresce que cerca de
um milhão de pessoas vivem sozinhas sendo que mais de 500 000 são idosos.
Num tempo em que toda a gente
parece integrar uma ou várias redes sociais parece estranha a referência à
solidão que, como sabemos, se pode tornar numa condição de alto risco. Muitos
trabalhos identificam consequências sérias da solidão, quer na saúde física,
quer na saúde mental.
De facto, a solidão, o
sozinhismo, é uma condição que afecta imensa gente de várias idades, mesmo nos
mais novos, mas que atinge com particular incidência os mais velhos e tem vindo
a acentuar-se na sequência da alteração dos estilos de vida e dos valores que
tecem a vida das comunidades nas quais se vai perdendo as relações de
vizinhança.
No entanto a questão agrava-se
com os muitos que, para além de viverem sós, vivem isolados. São sobretudo
estes que o sozinhismo ataca.
De facto, algumas pessoas, por
condições económicas, dignidade e preservação da autonomia vivem sós, mas não
estão isolados. Outros acumulam, vivem sós e isolados, por impotência, falta de
recursos ou de família.
Apesar do que consta nas
certidões de óbito, especialmente nos tempos do frio, estou convencido que a
verdadeira causa da morte de muitos velhos é o sozinhismo, a doença que ataca
os que vivem sós, isolados, que perderam o amparo. Ataca especialmente os velhos,
mas não só os velhos.
Trata-se de uma doença moderna,
cujas causas são conhecidas, cujo terapia também está encontrada, mas que
parece difícil combater. Estão em queda as relações de vizinhança e a vivência
comunitária, fontes privilegiadas de protecção dos mais velhos.
Quem não vive só, isolado, mais
facilmente resiste às mazelas de diferente natureza que a idade traz quase
sempre. As pessoas são, espera-se, fonte de saúde e calor. E o frio que está neste
tempo aumenta a necessidade desse calor.
Reafirmo que, embora tenha
referido mais em particular a situação dos velhos, o sozinhismo também ataca
crianças e jovens com consequências por vezes devastadoras.
Na verdade, o sozinhismo poderá
ser verdadeiramente a causa ou o gatilho de problemas para muita gente.
No entanto e como sempre, para
além das necessárias políticas sociais emergentes do estado e das instituições
privadas de solidariedade impõe-se a percepção pelas comunidades,
designadamente pelas famílias, do drama da solidão e do isolamento.
É sempre questão de redes
sociais, mas não das virtuais.
Lamentavelmente, boa parte dos
velhos, sofreu para chegar a velho e sofre a velhice.
Este país não estando a ser para
jovens vai ter de ser para velhos.
quinta-feira, 12 de dezembro de 2024
MIÚDOS E JOVENS COM SONO
Ainda umas notas a propósito dos dados divulgados pelo Observatório da Saúde Psicológica e do Bem-Estar, da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência relativo a 2024, coordenado pela Professora Margarida Gaspar de Matos, que envolveu 6112 alunos, do pré-escolar ao secundário.
Um aspecto preocupante e
associado aos estilos de vida actuais é os hábitos de sono, dos mais novos, mas
não só.
Perto de metade dos alunos dormem menos de oito horas por dia durante a semana ainda que ao
fim-de-semana 76,9% afirme dormir oito ou mais. Sabemos que as crianças e
jovens necessitam de entre oito e nove horas de sono de qualidade e dormir mais
ao fim-de-semana não compensa. Como afirma Margarida Gaspar de Matos, “Quando
há uma diferença de mais de três horas entre as horas de sono à semana e ao
fim-de-semana, consideramos que a criança ou o adulto está em privação de sono.
E está muito ligado ao insucesso escolar, ao desinteresse pela escola, ao
consumo de substâncias, à violência, às dores de cabeça.”
Também é reconhecido que o número
de horas de sono está fortemente associado ao tempo de ecrã que constitui um
outro problema com impacto para além da privação de sono. O meu neto, com onze
anos, fala-me de colegas que passam algum tempo durante a noite a jogar no
telemóvel, certamente sem controlo parental.
Umas notas mais centradas na
questão do sono, um problema sério associado ao bem-estar dos mais novos, que
já tenho abordado e muitas vezes objecto de conversas com grupos de pais.
Em 2021 foi publicado na
"Sleep Medicine" o estudo, “Home vs. bedroom media devices:
socioeconomic disparities and association with childhood screen-and
sleep-time”, realizado Centro de Investigação em Antropologia e Saúde da U. de
Coimbra.
A investigação envolveu 8.430
crianças, entre os 3 e os 10 anos de escolas públicas e privadas e evidenciou,
em linha com o que já se conhece, que a presença de dispositivos electrónicos
no quarto das crianças ou a sua utilização diária prolongada provocam uma
diminuição significativa no tempo de sono das crianças.
Um dado relevante é que, apesar
de serem as famílias com mais elevado estatuto socioeconómico as que detêm mais
recursos digitais é nas famílias menos favorecidas que predomina o seu uso no
quarto. Uma hipótese explicativa, segundo os autores, remeterá para uma menor
literacia digital destas famílias e menor conhecimento dos riscos associados à
utilização excessiva.
A qualidade e higiene do sono
são, de facto, matérias de grande importância no bem-estar e qualidade de vida
das pessoas e em todas as idades. No entanto nem sempre têm a atenção devida,
sobretudo no que respeita aos mais novos.
Recordo um estudo, já de 2016,
realizado pela Universidade do Minho que sugere que cerca de 72% de mais de
quinhentas crianças e adolescentes inquiridos, dos 9 aos 17, dormem menos do
que seria recomendável para as suas idades. Aliás, estudos liderados pela
Professora Teresa Paiva, uma conhecida especialista nesta área, vão no mesmo
sentido tal como os dados agora conhecidos do Obervatório
E, de uma forma geral, para além
das questões ligadas aos estilos de vida e às rotinas, uma das causas apontadas
é a presença de aparelhos como computadores, tablets ou smartphones no quarto
que continua a acentuar-se.
Em 2013, um trabalho da
University College of London mostrava o impacto negativo que a ausência de
rotinas como deitar à mesma hora podem ter no bem-estar e saúde das crianças
afectando, por exemplo, o processamento da aprendizagem.
Esta questão, os padrões e hábitos de sono das crianças e dos adolescentes, é algo de importante que nem sempre parece devidamente considerada como se constata nos discursos e práticas de muitos pais e encarregados de educação.
A falta de qualidade do sono e do
tempo necessário acaba, naturalmente, por comprometer a qualidade de vida das
crianças e adolescentes, incluindo o rendimento e comportamento escolar. Todos
nos cruzamos frequentemente nos Centros Comerciais, por exemplo, com crianças,
mais pequenas ou maiores, a horas a que deveriam estar na cama e que, penosa,
mas excitadamente, deambulam atreladas aos pais.
Alguma evidência sugere que parte
das alterações verificadas nos padrões e hábito relativos ao sono remete para
questões ligadas a stresse familiar e sublinha o aumento das queixas relativas
a sonolência e alterações comportamentais durante o dia.
As situações de stresse familiar
serão importantes, mas parece-me necessário não esquecer alguns aspectos
relacionados com os estilos de vida, com as rotinas ou com a utilização nem
sempre regulada das novas tecnologias. Muitos trabalhos mostram também que boa
parte das crianças e adolescentes que acedem a computador ou smartphone o fazem
no quarto.
Assim, acontece que durante o
período que seria dedicado ao sono, sem regulação familiar muitas crianças e
adolescentes continuam diante de um ecrã. Como é óbvio, este comportamento não
pode deixar de implicar consequências nos comportamentos durante o dia,
sonolência e distracção, ansiedade e, naturalmente, o risco de falta de
rendimento escolar num quadro geral de pior qualidade de vida.
Creio que, com alguma frequência,
alguns comportamentos e dificuldades escolares dos miúdos, sobretudo nos mais
novos que por vezes, sublinho por vezes, são de uma forma aligeirada remetidos
para problemas como hiperactividade ou défice de atenção, podem estar
associados aos seus estilos de vida ou aos modelos educativos, universo onde se
incluem os hábitos e padrões de sono como, aliás, alguns estudos e a
experiência de muitos profissionais parecem sugerir.
Considerando as implicações
sérias na vida diária importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada
aos pais para estas questões e que apesar a utilização imprescindível e útil
destes dispositivos seja regulada e protectora da qualidade de vida das
crianças e adolescentes.
A experiência diz-me que muitos
pais desejam e mostram necessidade de alguma ajuda ou orientação nestas
matérias.
quarta-feira, 11 de dezembro de 2024
A EDUCAÇÃO EM ALERTA VERMELHO
O cenário é complicado, o universo da educação está em alerta vermelho. Considerando os dados mais recentes resultantes de avaliação externa, verifica-se um abaixamento significativo do desempenho dos alunos portugueses no PISA (Programme for International Student Assessment) de 2022 e também no TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study) de 2023 que aqui abordei.
Agora a OCDE divulgou os
resultados do “Inquérito às Competências dos Adultos de 2023” integrado no Programme
for the International Assessment of Adult Competencies (PIAAC) que avalia
competências de adultos (dos 16 aos 65 anos) nas dimensões de literacia,
numeracia e resolução de problemas adaptativos e nas três áreas obtivemos resultados
abaixo da média da OCDE, em considerando dos 16 aos 65 anos.
Também nos três domínios tivemos
uma percentagem bem acima da média verificada para os dois níveis inferiores de avaliação.
Como já aqui referi, e exceptuando
os dados o PIAAC por não ser comparável, verifica-se um contraste importante
com os dados das avaliações internas traduzida nos dados sobre percursos de
sucesso, completar os diferentes ciclos no número de anos previsto para cada
um.
Não há muito dizer, temos uma
montanha por escalar e, obviamente, não escalável, a curto prazo.
Preocupante é não conseguirmos um
entendimento sobre políticas públicas de educação, mas não só, que possam ter
um impacto significativo num processo de mudança.
É o futuro que está em causa.
terça-feira, 10 de dezembro de 2024
DO MAL-ESTAR DOS DOCENTES
Foram divulgados dados do estudo do
Observatório da Saúde Psicológica e do Bem-Estar, da Direção-Geral de
Estatísticas da Educação e Ciência relativo a 2024, coordenado pela Professora Margarida
Gaspar de Matos, que envolveu 6112 alunos, do pré-escolar ao secundário. Teve
também a participação de mais de 900 elementos adultos das comunidades
escolares, professores, psicólogos, assistentes técnicos e operacionais ou
encarregados de educação.
Dada a dimensão dos resultados, uma primeira abordagem aos indicadores dos docentes que parecem preocupantes
apesar de alguma prudência dada a dimensão da amostra, 390 professores.
Ainda assim, importa que numa
escala de 1 a 10 62% dos docentes referem portam uma satisfação com a vida
igual ou superior a sete. No entanto, metade afirma sentir-se nervoso, 50,4%,
triste, 48,4%, irritado ou de mau humor, 49,2%, pelo menos uma vez por semana. É
ainda de considerar que 18,3% refere frequentemente está tão triste que parece
não aguentar.
Como sinais de mal-estar, 45,6%
refere dificuldades em adormecer, dois terços dizem que recentemente sentiram
agitação, dificuldade em relaxar, assumindo ter reagido excessivamente a
determinadas situações e sentido irritabilidade.
A propósito, recordo um trabalho
divulgado em Agosto realizado pela FNE com a participação de 3750 docentes.
Em termos globais, quase 90%
entendem que a profissão não é socialmente reconhecida, 53,1% afirmam gostar
muito de ser professor, mas apenas 12% se sentem valorizados. Dos inquiridos,
89% identificam como dimensões críticas, as pouco ou nada atractivas
perspectivas de carreira que 95% consideram não estar ao nível das competências
e qualificações que lhes são exigidas.
É ainda referido por 86% o
excesso de trabalho e a carga burocrática. A avaliação de desempenho constitui
uma preocupação para dois terços dos respondentes e três em cada quatro
afirmam-se preocupados ou muito preocupados com a progressão na carreira.
Como tantas vezes aqui tenho
abordado e recuperando notas já escritas, os problemas que envolvem a classe
docente e as suas consequências a curto e médio prazo, sendo conhecidos de há
muito, são agora claramente reconhecidos apesar de algumas tentativas de torcer
a realidade. Nos últimos anos têm sido recorrentes as referências, relatórios e
estudos evidenciando a preocupante falta de professores, o envelhecimento da
classe, os níveis de cansaço e de exaustão emocional, a baixa atracção dos mais
jovens pela profissão associada a modelos de carreira, contratação e
valorização pouco motivadores e justos. Os professores passam por dispositivos
de avaliação pouco transparentes e competentes que desmotivam, causam mal-estar
e climas institucionais pouco amigáveis, para ser simpático na adjectivação.
O modelo de governança das
escolas é também apontado com frequência como motivo de mal-estar e
desmotivação.
Por outro lado, existem algumas
sombras que podem sugerir um parece ter-se desenhado um processo questionável e
preocupante de “desprofissionalização”. No entanto, também é de registar que de
uma forma geral continuam a merecer a confiança das comunidades.
Este quadro, de um mal-estar
reconhecido, não pode deixar de ter impacto. Como muitas vezes afirmo,
crianças, enquanto grupo social, e professores, enquanto grupo profissional,
constituem dois grupos nucleares nas sociedades contemporâneas. Os mais novos
porque são o futuro e os professores porque, naturalmente, o preparam, tudo
(quase) passa pela escola e pela educação. Entre nós, este entendimento ainda
me parece mais justificado porque, devido a ajustamentos na organização social
e familiar e, é minha convicção, devido a políticas públicas sociais e
educativas inadequadas, os miúdos passam tempo excessivo na escola, alterando a
dinâmica educativa familiar o que sobrevaloriza o papel da escola através dos
professores.
Raramente a profissão professor
tem estado tanto em foco como nos últimos anos bem como a necessidade de
defender a qualidade da escola pública. Os tempos que vivemos sublinham uma
questão e outra de forma crítica.
Múltiplas acções e decisões
políticas, bem como alguma imprensa e "opinion makers" têm
contribuído para degradar a sua função, fragilizar a sua imagem social e
comprometer o clima e a qualidade do trabalho desenvolvido nas escolas apesar
dos professores continuarem a ser uma das classes profissionais em que os
portugueses mais confiam.
A atenção que tem estado centrada
nos professores advém de boas e más razões. Não cabe aqui um balanço, e entendo
que, tal como os miúdos, os professores não têm sempre razão, os discursos dos
seus representantes são, por vezes parte do problema e não parte da solução e
também sei que existem alguns professores que o não deviam ser. No entanto, a
verdade é que a esmagadora maioria dos docentes são ... Professores, muito bons
Professores.
A valorização social e
profissional dos professores em diferentes dimensões é uma ferramenta
imprescindível a um sistema educativo com mais qualidade. A valorização e
reconhecimento passam também pela necessidade de modelos de carreira e de
avaliação justos e transparentes que sustentem, reconheçam e promovam
competência, empenho e atracção pela profissão.
Estamos num novo ciclo e urge o ajustamento
nas políticas públicas de educação, e não só. Este caminho está a esgotar-se e
o futuro parece comprometido, atentemos nos resultados mais recentes da
avaliação dos alunos. Não vale a pena negar a realidade.
E o futuro não pode esperar.
segunda-feira, 9 de dezembro de 2024
OS NOMES QUE NOS CHAMAM
Um dos produtos informativos sazonais é a divulgação no final de cada ano realizada pelo Instituto dos Registos e do Notariado dos nomes que os pais entendem "oferecer", chamar, aos que vão nascendo considerando o início de Dezembro. Tal como tem acontecido nos últimos seis anos, em 2024 os nomes mais escolhidos são Maria e Francisco. Depois temos Alice, Benedita, Matilde e Leonor, nas raparigas e Lourenço, Vicente, Tomás e João nos rapazes.
Apesar desta recente estabilidade
e para quem como eu lidou durante muito tempo com sucessivas gerações de alunos
são evidentes e curiosas as mudanças têm vindo a ser registadas e bem evidentes
ao fim de alguns anos.
Devo dizer que tenho vindo a
ficar um pouco inquieto com o rumo que a coisa tem vindo a tomar e parece
persistir.
Um mundo sem “Sónias Andreias”,
sem “Cátias Vanessas”, sem “Sandras Cristinas”, sem “Tatianas”, sem “Fábios”,
sem “Mauros”, é certamente um mundo diferente. Também em trabalhos
anteriores sobre esta matéria se registava já a tentativa de sofisticar um
pouco as escolhas, mantém-se o popular Maria, João e Francisco mas temos o
Santiago, o Lourenço, o Rodrigo, o Martim, o Tomás, o Santiago, o Afonso, a Mariana, a
Matilde, a Beatriz, entre outras, que nos garantem, enfim, outra apresentação.
Mas o que me deixou mais
apreensivo face a esta questão, é que, recordando um trabalho também sobre esta
matéria há algum tempo divulgado, parece notar-se que o povo está mesmo a
voltar as costas aos nossos mais gloriosos nomes, sobretudo nos rapazes, nomes
como Manuel, António, José, Paulo, Carlos, etc., estão em queda. Será que vamos
deixar de ter um Carlos Jorge, um António Manuel, um Manuel Carlos, um José
Manuel, um António João, um Paulo Jorge, tudo nomes na nossa melhor tradição?
Para dar um exemplo, os meus
nomes, José e António desapareceram dos dez primeiros há já alguns anos.
Até nos nomes! A nossa identidade
está em mudança.
É certo que existem uns nomes que
todos os dias, em voz mais alta ou mais baixa, chamamos a alguém e que se
mantêm e manterão, aí a tradição ainda é o que era, felizmente.
Por outro lado, existe um outro
lado dos nomes que se chamam e de que as pessoas e de que as pessoas não
gostam. Uma pequena história que há tempos aqui deixei.
"Gosto quando me chamam. Às
vezes, muitas vezes, não me chamam.
Outras vezes chamam-me nomes que
não são meus. Os crescidos chamam-me preguiçoso, distraído, parvo, bebé,
coitadinho e outros nomes, sempre nomes que não são meus.
Os outros miúdos chamam-me
badocha, gordo, bolacha, caixa de óculos, def e outros nomes, sempre nomes que
não são meus.
Eu acho que as pessoas, todas as
pessoas, só deviam ter um nome, o seu."
Seja ele qual for, acrescentaria
eu, José.
domingo, 8 de dezembro de 2024
DO PRECISAR E DO GOSTAR
Estamos a aproximarmo-nos do Natal. Já vai sendo tempo de pensar nos incontornáveis presentes. E estando os futuros tão incertos, os presentes ganham ainda mais relevância. Para todos.
A escolha dos presentes, estou a
pensar sobretudo nos mais novos, nem sempre é fácil. Para além da consideração
dos custos, há que escolher o presente e muitas vezes balançamos entre o que
gostam e o que precisam.
De uma forma geral, as crianças,
independentemente das suas capacidades de comunicação, dizem-nos e mostram mais
facilmente o que gostam do que aquilo que precisam o que parece claro. No
entanto, se estivermos atentos, as crianças também mostrem o que precisam, às
vezes até de formas menos positivas.
Por outro lado, também acontece
que gostem do que precisam, mas ... nem sempre é assim, muitas vezes não é
assim.
Muitos adultos sabem do que elas
precisam, mas dão-lhes quase só o que elas gostam querendo acreditar que as
crianças serão capazes de construir por si sós o que precisam. Às vezes, muitas
vezes, não é assim e é arriscado acreditar.
Muitos adultos, sabendo o que
elas precisam tentam e frequentemente conseguem que elas também gostem.
sábado, 7 de dezembro de 2024
AINDA O ACORDO DO NOSSO DESCONTENTAMENTO
Hoje, felizmente, tropecei com o excelente texto de António Jacinto Pascoal no Público, “A língua e o sofá: o paraíso beatífico do acordo ortográfico”. Não sendo um especialista entendo que o artigo é uma notável defesa da Língua Portuguesa e, mais uma vez, se a evidencia que a transformação do Português pelo “acordês” é absolutamente insensata.
Será porventura uma tarefa sem
sucesso, mas enquanto for possível reverter a situação criada pelo AO90, ou,
pelo menos, atenuar danos, vale a pena insistir, importa que não nos resignemos.
É uma questão de cidadania, de defesa da Cultura e da Língua Portuguesa. Aliás,
os que por aqui passam notarão a manutenção do Português e a recusa do “acordês”.
É importante recordar que apenas
Portugal, S. Tomé e Príncipe, Brasil e Cabo Verde procederam à ratificação.
Como tantas vezes tenho escrito,
desculpem a insistência e não inovar, entendo, evidentemente, que as línguas
são estruturas vivas, em mutação, pelo que requerem ajustamentos, por exemplo,
a introdução de palavras novas ou mudanças na grafia de outras, o que não me
parece sustentação suficiente para o que o Acordo Ortográfico estabelece como
norma.
Não sou, evidentemente, um
especialista, mas parece-me que o cerne da questão reside, de facto, no
entendimento, cito o presidente da Academia das Ciências de Lisboa, de que
“Qualquer tentativa de uniformização ortográfica nos diversos países que usam a
língua portuguesa como oficial é utópica” e que “o normal é o respeito pelas
ortografias nacionais".
É esta perspectiva que informa o
que se passa, por exemplo, com o inglês ou o castelhano/espanhol que têm
algumas diferenças ortográficas ou na linguagem oral nos diferentes países em
que são língua oficial, sem que daí advenha qualquer perturbação ou drama mas
isto dever-se-á, certamente, a ignorância minha e à pequenez irrelevante
daquelas comunidades anglófonas ou com língua oficial castelhano/espanhol.
Acresce que as explicações que os
defensores, especialistas ou não, adiantam não me convencem da sua bondade,
antes pelo contrário, acentuam a ideia de que esta iniciativa não defende a
Língua Portuguesa. O seu grande defensor Malaca Casteleiro refere até
"incongruências" no AO, o que, aliás, me parece curioso, para ser
simpático. Dito de outra maneira, desencadeamos um acordo com esta amplitude e
implicações para manter "incongruências e imperfeições" que
abastardam a ortografia da Língua Portuguesa.
Por outro lado, a grande razão, a
afirmação da língua portuguesa no mundo, também não me convence. Voltando ao
exemplo do inglês e do castelhano/espanhol que têm diferenças ortográficas nos
diferentes países em que são língua oficial, não parece sejam conhecidas
particulares dificuldades na sua afirmação, seja lá isso o que for.
O que na verdade conhecemos com
exemplos extraordinários é a transformação da Língua Portuguesa numa mixórdia
abastardada, numa confusão impossível de concertar dadas as diferenças entre o
Português falado e escrito pelos diferentes países da Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa.
Era importante que fossem
revertidos alguns dos maus-tratos dados à Língua Portuguesa com o AO90.
Enquanto o corrector me permitir
e eu conseguir tentarei evitar o “acordês”, birra de velho, evidentemente.
sexta-feira, 6 de dezembro de 2024
OS CANTOS DOS MIÚDOS
Um dia destes, lida profissional terminada, netos na escola, aqui sentado no meu canto dei por mim a pensar como os cantos estão presentes na vida dos miúdos, umas vezes pela positiva, outras nem por isso e algumas mesmo pelas piores razões. A ver se vos consigo falar desta ideia esquisita.
Com os estilos de vida e valores
presentes nas comunidades actuais temos muitas crianças e adolescentes que
vivem ao canto, muitas delas num canto onde cabe pouco mais que um ecrã, no
qual também aparecem outros como eles, fechados num qualquer canto de outra
qualquer família. No entanto, na quase totalidade das famílias, os miúdos não
vivem ao canto, ocupam um lugar bem ao centro. Ainda bem, pelas famílias e,
naturalmente, por eles.
Muitos de nós, sobretudo nas
gerações mais novas, passaram pelo jardim de infância, cujas salas estão
frequentemente estruturadas em cantinhos que, por sua vez, nos organizam nas
primeiras tarefas, o cantinho dos brinquedos, cantinho dos livros, o cantinho
das pinturas, etc., dando uma primeira visão de um mundo aos cantinhos,
organizado e à nossa espera.
Uns anos mais tarde, muitas
crianças e adolescentes andam nos cantos das nossas escolas, como figuras
transparentes que quase nem notamos, a menos que os comportamentos desajustados
os tirem dessa invisibilidade.
Felizmente, a maioria dos miúdos
passa por situações de bem-estar e vive com a tranquilidade própria de quem
conhece os cantos à casa, como diz o povo. Neste caso é um canto, é um encanto.
Finalmente, o espaço é curto, a
referência para aquelas crianças que ainda antes de nascer e ao longo de toda a
sua vida, às vezes curta, vão compondo um canto triste.
Existem demasiadas crianças a
viverem a um canto que, por estranho que pareça, com alguma frequência está no
meio de uma qualquer sala, na escola, em casa ou … no mundo.
quinta-feira, 5 de dezembro de 2024
A MATEMÁTICA É DIFÍCIL E CHATA. SERÁ DESTINO?
Foram divulgados os resultados do Trends in International Mathematics and Science Study (TIMSS), relativo 2023. Alguns indicadores.
Sem surpresa, já se tinha
verificado com o PISA, verificou-se uma descida nos resultados de 2023. Considerando
a Matemática, no 8.º ano os alunos portugueses obtiveram 475 pontos,
ligeiramente abaixo da média, 478 pontos representando, no entanto, uma descida
de 25 pontos. Em 42 territórios analisados Portugal está em 25.º Os alunos do
4.º ano obtiveram 517 pontos, 14 acima da média e menos 8 que em 2019 ocupando
o 26.º lugar em 58 participantes.
Em Ciências, verifica-se uma
desci no 8.º ano, 13 pontos e um posicionamento de 28 pontos acima da média,
17.º.
Também como seria de esperar, os
alunos com frequência mais prolongada de educação pré-escolar e com contextos socioeconómicos
mais favoráveis revelaram melhor desempenho.
Professores reclamam um currículo
mais exigente para inverter queda dos alunos a Matemática
É também de considerar que 58%
dos alunos portugueses inquiridos “não gostam” de aprender Matemática e 13% afirmam
“gostar muito”, menos 8% que a média.
Como é natural e considerando a
Matemática, o domínio com mais escrutínio, surgem sempre algumas leituras. No
Público refere-se a análise da Sociedade Portuguesa de Matemática e da
Associação dos Professores de Matemática que, mais uma vez, divergem no
discurso produzido.
A SPM sobrevaloriza a questão da
alteração curricular, a passagem das “metas curriculares” para as
“aprendizagens essenciais” e a APM considera as “aprendizagens essenciais” são
de manter e alerta para outras variáveis como, por exemplo, os efeitos da falta
de docentes.
Não sou especialista em questões
curriculares, mas parece-me curioso que a Sociedade Portuguesa de Matemática e
a Associação dos Professores de Matemática, não sei com que dimensão
representativa dos professores de matemática têm habitualmente entendimentos
diferentes com um argumentário que em alguns aspectos que me são mais
familiares, o funcionamento dos alunos por exemplo, me levantam dúvidas e, por
vezes, me parecem fruto de agendas para além da Matemática.
Lembro-me, por exemplo, de Nuno
Crato, de há muito ligado à SPM e sempre com “base na evidência” ter, enquanto
ministro, proclamado a existência de professores a mais e a “inevitabilidade da
redução”. Sabemos o que se tem verificado.
Continuo a entender que
estruturas curriculares demasiado extensas, normativas e prescritivas são pouco
amigáveis para o bom desempenho da generalidade dos alunos, pouco amigáveis
para acomodar a diversidade.
Por outro lado, e como aqui tenho
escrito, o desempenho a Matemática pode ainda ser influenciado, não numa
relação de causa-efeito, por múltiplas variáveis como número de alunos por
turma, tipologia das turmas e das escolas e dos contextos, dispositivos de
apoio às dificuldades de alunos e professores ou questões de natureza didáctica
e pedagógica.
Acresce a esta complexidade um
conjunto de outras variáveis menos consideradas por vezes, mas que a
experiência e a evidência mostram ter também algum impacto.
São variáveis de natureza mais
psicológica como a percepção que os alunos têm de si próprios como capazes de
ter sucesso associada a contextos familiares de natureza diversa, por exemplo.
É também conhecido e os
resultados do PISA sublinham, que os pais com mais qualificação e de mais
elevado estatuto económico têm expectativas mais elevadas sobre o desempenho
escolar dos filhos o que se repercute na acção educativa e nos resultados escolares
e, naturalmente, mais facilmente mobilizam formas de ajuda para eventuais
dificuldades, seja nos TPC, seja através de ajuda externa.
Finalmente uma outra variável
neste âmbito, a representação sobre a própria Matemática. Creio que ainda hoje
existe uma percepção passada nos discursos de muita gente com diferentes níveis
de qualificação de que a Matemática é uma “coisa difícil” e ainda de que só os
mais “inteligentes” têm “jeito” para a Matemática. Esta ideia é tão presente
que não é raro ouvir figuras públicas afirmar sem qualquer sobressalto e até
com bonomia que “nunca tiveram jeito para a Matemática, para os números”. É
claro que ninguém se atreve a confessar uma eventual “falta de jeito” para a
Língua Portuguesa e, por vezes, bem que parece. A mudança deste cenário é uma
tarefa para todos nós e não apenas para os professores e seria importante que
acontecesse.
De facto, este tipo de discursos
não pode deixar de contaminar os alunos logo desde o 1º ciclo convencendo-se
alguns que a Matemática vai ser difícil, não vão conseguir ser “bons” e a
desmotivar-se.
Não fica fácil a tarefa dos
professores, mas no limite e como sempre será a escola o braço operacional da
comunidade a fazer a diferença.
Parece ainda claro e é uma
questão central claro que para promover mais sucesso e não empurrar os alunos
para os anos seguintes sem nenhuma melhoria nas suas competências ou saberes é
essencial, como referia acima, criar e tornar acessíveis a alunos, professores
e famílias apoios e recursos adequados e competentes de forma a evitar a última
e genericamente ineficaz medida do chumbo.
Sabemos também que a escola pode
e deve fazer a diferença, em muitas escolas isso acontece. Mas para que isto
seja consistente e não localizado também sabemos que o sucesso se constrói
identificando e prevenindo dificuldades de forma precoce, com a definição de
currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio eficazes,
competentes e suficientes a alunos e professores, com a definição de políticas
educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos
adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento desburocratizado
das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, com a
valorização do trabalho dos professores, com práticas de diferenciação que não
sejam "grelhodependentes", com expectativas positivas face ao
trabalho e face aos alunos, com melhores níveis de trabalho cooperativo e
tutorial, quer para professores quer para alunos, etc.
Uma nota final para a importância
da avaliação externa como forma imprescindível de regulação. No entanto, não
entendo que só por existirem e serem muitos, os exames finais, só por si,
insisto, só por si, melhorem a qualidade. É como esperar que só por medir
muitas vezes a febre irá baixar. A qualidade é promovida considerando o que
escrevi em cima e regulada em termos globais pela avaliação externa que permite
análises necessárias, nacionais ou internacionais como, por exemplo, … o TIMSS.
É com a escola, por dentro da
escola e integrado em sólidos projectos de autonomia e responsabilidade e com
recursos adequados que o caminho se constrói.
Sabemos tudo isto. Nada é novo.
Só falta um pequeno passo.
quarta-feira, 4 de dezembro de 2024
VARIAÇÕES EM TORNO DE ANTÓNIO
Ontem passaram 80 anos do nascimento de António Variações que partiu demasiado cedo, em 1984. A Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa promove nos próximos dois dias um Colóquio, “Variações em torno de António”, para celebração do seu legado.
É centrado no trabalho de António
Variações que partiu em 1984 e no envolvimento cultural da época. Variações, produziu uma obra curta, mas, também do meu ponto
de vista, inovadora e de grande qualidade.
Em 2017, também a Universidade de
Coimbra promoveu uma iniciativa valorizando a obra de Variações.
Sublinho a iniciativa, agora da
FCSH da U. Nova, que é mais um contributo para um reconhecimento que é justo.
Não é muito habitual entre nós que da academia surjam iniciativas sobre as
expressões artísticas mais “pop” designadamente na área da música.
Era um homem inquieto e atento,
como habitualmente são os criadores.
Dizia ele em “Estou além”:
(…)
Vou continuar a procurar o meu
mundo,
o meu lugar
Porque até aqui eu só
Estou bem
Aonde não estou
(…)
terça-feira, 3 de dezembro de 2024
DIA INTERNACIONAL DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Passou mais um ano e a agenda das consciências determina que hoje se cumpra o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência. Como sempre, umas notas que de forma substantiva não se desactualizam, lamentavelmente.
Como tem sido hábito, poderão
surgir algumas referências na comunicação social, ouvir-se-á alguma da retórica
política aplicável à matéria em apreço com referência a iniciativas ou
intenções, eventualmente teremos até alguns testemunhos, positivos e negativos,
de pessoas com deficiência ou de entidades que "operam" nesta área.
Aliás, a inclusão ou a promoção de um qualquer entendimento de inclusão
constitui-se como um nicho de mercado promissor em diversas vertentes.
Poderão ter lugar alguns eventos
realizados por instituições e movimentos que operam nesta área, referir-se-ão
alguns avanços de natureza tecnológica, como se sabe as tecnologias mudam mais
depressa que as pessoas e amanhã o mundo volta-se para outra questão que a
agenda das consciências determine. Nos dias que correm será ainda mais rápido.
Em primeiro lugar deve dizer-se
que, como acontece em outras áreas, a legislação portuguesa é globalmente
positiva, embora a sua operacionalização mereça quase sempre um estudo de caso.
Na sua definição é promotora dos direitos das pessoas, mas a sua falta de
eficácia e operacionalização é bem evidenciada na tremenda dificuldade que
milhares de pessoas experimentam no dia-a-dia.
Como exemplo, é notória a falha
na fiscalização e cumprimento das disposições legais relativas às questões das
acessibilidades e barreiras nos edifícios, mobiliário urbano e acessibilidade
em geral. As normas de construção não são respeitadas, mantendo-se em edifícios
novos a ausência de rampas ou a sua existência com desníveis superiores ao
estabelecido, constituindo, assim, um obstáculo e um risco.
O resultado é a existência de
muitos serviços públicos e outro tipo de equipamentos de prestação de serviços
com barreiras arquitectónicas intransponíveis, a que os cidadãos com
deficiência só podem aceder com ajuda de terceiros e, mesmo assim, com dificuldade.
Os transportes públicos de
diferente natureza também colocam enormes problemas na acessibilidade por parte
de pessoas com mobilidade reduzida.
Para além deste quadro,
suficientemente complicado, ainda há que contar com a prestimosa colaboração de
muitos de nós que estacionamos o belo carrinho em cima dos passeios,
complicando ou proibindo, naturalmente, a circulação de cadeiras de rodas. Os
passeios, nem sempre com as medidas determinadas por lei, são, por vezes ainda
ocupados com esplanadas que, claro, são só mais uma dificuldade para muita
gente.
A vida de muitas pessoas com
deficiência é uma constante e infindável prova de obstáculos, muitas vezes
intransponíveis, que ampliam de forma inaceitável a limitação na mobilidade que
a sua condição, só por si, pode implicar. No entanto, muitos dos obstáculos não
têm a ver com barreiras físicas, remetem para a falta de senso, incompetência
ou negligência com que gente responsável(?) lida com estas questões.
Na verdade, boa parte dessas
dificuldades decorre do que as comunidades e as suas lideranças, políticas por
exemplo, entendem ser os direitos, o bem comum e o bem-estar das pessoas, de
todas as pessoas.
Também para as crianças com
necessidades especiais e respectivas famílias a vida é muito complicada face à
qualidade e acessibilidade aos apoios educativos e especializados necessários
apesar do empenho e profissionalismo da maioria dos profissionais que trabalham
nestas áreas.
Como é evidente, existem muitas
outras áreas de dificuldades colocadas às pessoas com deficiência,
designadamente apoios sociais, qualificação profissional e emprego, em que a
vulnerabilidade e os riscos de exclusão e pobreza são elevados traduzido em taxas
de desemprego entre pessoas com deficiência muitíssimo superiores à verificada
com a população sem deficiência.
Uma referência ainda ao que deve
ser um princípio não negociável, a inclusão em todos os domínios da vida das
comunidades.
É verdade que a questão da
inclusão, em particular da inclusão em educação, é presença regular nos
discursos actuais. É objecto de todas as apreciações, ilumina todas as
perspectivas e acomoda todas as práticas, incluindo a “entregação” que
manifestamente não promove inclusão, antes pelo contrário. Apesar do bom
trabalho que existe e deve ser sublinhado, por vezes, demasiadas vezes,
confunde-se colocação educativa, crianças com necessidades especiais na sala de
aula regular, com inclusão. Aliás, até a exclusão de muitos alunos da sala de
aula e das actividades comuns é frequentemente realizada … em nome da inclusão.
E não acontece nada. A situação dura e já longa que atravessamos veio agudizar
a situação.
O termo está tão desgastado que
já nem sabemos bem o que significa. Não esqueço o que positivo se faz, mas
também se conhecem tantas práticas e tantos discursos que alimentam exclusão e
que são desenvolvidas e enunciados ... em nome da inclusão. Tantas vezes me
lembro do Mestre Almada Negreiros que na "Cena do Ódio" falava da
"Pátria onde Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga de
Camões".
A inclusão assenta em cinco
dimensões fundamentais, Ser (pessoa com direitos), Estar (na comunidade a que
se pertence da mesma forma que estão todas as outras pessoas), Participar
(envolver-se activamente da forma possível nas actividades comuns), Aprender
(tendo sempre por referência os currículos gerais) e Pertencer (sentir-se e ser
reconhecido como membro da comunidade). A estas cinco dimensões acrescem dois
princípios inalienáveis, autodeterminação e autonomia e independência.
As pessoas com deficiência não
precisam de tolerância, não precisam de privilégios, não precisam de caridade,
precisam só de ver os seus direitos considerados. Os direitos não são de
geometria variável cumprindo-se apenas quando é possível.
Este é o caderno de encargos que
nos convoca a todos, todos os anos, todos os dias.
segunda-feira, 2 de dezembro de 2024
REDES SOCIAIS PROIBIDAS. SERÁ QUE FUNCIONA?
Mais uma vez aqui retomo a questão crítica da utilização das redes sociais por parte dos mais novos.
A Austrália é, creio, o primeiro
país a estabelecer a proibição de acesso de menores de 16 anos às redes sociais
como o TikTok, Facebook, Snapchat, Reddit e X. A lei prevê multas elevadas às
entidades que se revelem incapazes de vedar o acesso de crianças e adolescentes
a estas plataformas. É certo que em alguns países já estão definidas algumas
restrições, mas não com esta dimensão.
Não tenho conhecimento suficiente
para saber se a proibição é possível ou facilmente contornada com dados
incorrectos.
Por outro lado, a experiência diária e, como agora se diz, a evidência mostram de forma cada vez mais clara como o excesso de tempo que crianças e adolescentes (mas não só) passam “trancados” em ecrãs, em particular envolvidos nas redes sociais, têm impacto negativo no seu bem-estar e saúde mental, no desenvolvimento de competências e capacidades cognitivas, sociais e emocionais e, naturalmente, na aprendizagem. São conhecidos muitos exemplos de situações graves ocorridas no contexto de utilização das redes sociais.
Em muitos sistemas educativos e
também por cá, vão surgindo iniciativas, sobretudo nos espaços escolares, no
sentido de minimizar esse tempo incluindo a redução da utilização dos recursos
digitais na aprendizagem, sobretudo em particular com os mais pequenos.
Certamente mais difícil será a mudança nos contextos familiares e comunitários. O próprio comportamento dos adultos não parece favorável a esse trajecto de mudança. Creio, aliás, a absoluta desregulação da utilização por parte dos adultos será um enorme obstáculo à auto-regulação por parte dos mais novos. Lembro-me estar numa conversa com pais de crianças no básico a falar sobre esta questão e referir as orientações das associações de pediatria ofalmológica relativas ao tempo aceitável de exposição a ecrãs em diferentes idades. Um pai comentou, "são opiniões". Pois, o problema é esse mesmo, as opiniões.
Muitas vezes aqui tenho abordado
esta questão tal como a abordei em muitas conversas com pais e encarregados de
educação e é clara a dificuldade de mudança dos comportamentos,
independentemente dos discursos de concordância com a preocupação ou a expressão
de dificuldades.
Continuo com dúvidas sobre a
bondade e eficiência de estratégias essencialmente proibicionistas, entendo que
será sempre mais eficaz e sustentado ainda que mais difícil, o incremento de
comportamentos de auto-regulação ajustados às diferentes idades.
No entanto, com alguma frequência
se alimenta o equívoco de que não proibir significa a ausência de regras e
limites. De todo, como tantas vezes afirmo, as regras e os limites são bens de
primeira necessidade no bem-estar global e no desenvolvimento saudável de
crianças e adolescentes.
É o bem-estar dos mais novos e a
qualidade global dos processos educativos que estão em jogo.
É uma questão demasiado
importante.
domingo, 1 de dezembro de 2024
DA ESCOLA MÁGICA E OMNIPOTENTE
Os discursos sobre a educação e sobre a escola produzidos quer por muitos actores deste universo, quer por opinantes profissionais ou amadores, referem sistematicamente um conjunto de problemas, desafios como muitas vezes lhes chamam, com que a educação, enquanto sistema e em particular as escolas, se confrontam.
Em poucos anos passámos de uma
escola percebida como mais direccionada para a instrução para uma escola à qual
parece exigir-se a responsabilidade e competência para responder a todos as
necessidades dos alunos.
De facto, aumentando até ao
inaceitável o tempo de presença dos miúdos na escola, os problemas que os
afectam são transportados para a escola, mas será que podemos ou devemos esperar que a escola seja responsável e capaz de gerir todos os problemas que
os miúdos carregam na mochila?
Não creio, pelos menos com o
modelo de escola e de organização da acção educativa que temos e, sobretudo, porque
não me parece ser esse o caminho adequado.
Como pode ser a escola a gerir a
pobreza e a exclusão que afectam as famílias de origem dos meninos que batem à
porta da escola?
Numa sociedade de relações
interpessoais pouco reguladas, muitas vezes violentas e desrespeitadoras, das
elites ao cidadão comum, como resolve a escola os problemas do impacto deste
clima nos comportamentos de crianças e jovens?
Numa sociedade, em particular em
Portugal, em que os tempos da família para o exercício da parentalidade vão
baixando por razões que se prendem com a organização do trabalho, mas também
por opções e estilos de vida assumidos pelas famílias como pode a escola
acomodar esta realidade?
Será que a escola é uma realidade
mágica e omnipotente que tudo resolve? Qual deve ser a formação dos professores
e a organização da escola para que, além de lidarem com construção do
conhecimento os saberes, respondam a tudo o resto que afecta os alunos? E que
outros profissionais devem estar na escola? Todos os que de alguma forma
intervêm em problemas de crianças e jovens? Acho difícil, aliás, parece-me
errado admitindo que isso seria possível.
Creio que o caminho passa por uma
redefinição do sentido de comunidade educativa, na qual, mesmo fora da escola,
devem existir recursos e dispositivos eficazes, sejam sociais, na área da saúde
ou em qualquer outra que, em rede, possam a pedido da escola intervir a tempo e
eficazmente.
Enquanto o discurso for no
sentido de responsabilizar a escola por tudo e a própria escola assumir essa
responsabilidade, por exemplo reclamando recursos para tal, a mudança, do meu
ponto de vista, ficará mais difícil.
sábado, 30 de novembro de 2024
SÓ APRENDE QUEM SE RI
São preocupantes os dados sobre as circunstâncias sociais e económicas em que vivem muitas, demasiadas, crianças em Portugal. Apesar de frequentemente aqui abordar estas questões, é preciso insistir.
Num relatório da Direcção-Geral
de Estatísticas da Educação e da Ciência, “Assimetrias entre Escolas: Ensinos Básico e Secundário, 2022/23”, agora divulgado, evidenciam-se assimetrias muito
significativas entre escolas no que se refere ao contexto de vida dos alunos. A
situação é mais grave no 1.º ciclo, mas verifica-se em todos os ciclos, bem
como no secundário e no ensino profissional.
Sem surpresa os maiores
contrastes verificam-se nas regiões de Lisboa e Porto. Relativamente a Lisboa, considerando
82 escolas de 1.º ciclo analisadas, em metade existem mais de 50% de alunos que
beneficiam da Acção Social Escolar e em pelo menos cinco o número é superior a
80%.
Considerando a escolaridade das
mães, variável utilizada em estudos desta natureza, 85% das mães de alunos com
ASE não têm o ensino secundário face a 3% de mães de alunos sem apoios sociais
No Porto a situação é da mesma
natureza, a percentagem de alunos do 1.º ciclo com apoio da ASE varia entre 77%
e 7% e das 46 escolas analisadas, em 37% metade ou mais dos alunos beneficia da
ASE sendo que seis destas escolas têm taxas superiores a 70%.
É na verdade preocupante, precisamos de insistir e repito o que há pouco aqui escrevi.
Há pouco tempo diversas
organizações da sociedade civil divulgaram e chamaram a atenção para o aumento
do risco de pobreza entre as crianças portuguesas requerendo a atenção das
políticas públicas sectoriais. De acordo com os dados mais recentes do INE
referentes a 2023 verifica-se "um aumento da taxa de pobreza infantil com
347 mil crianças em risco de pobreza monetária". "São mais 44 mil do
que no ano anterior", de referem os subscritores desta iniciativa.
É ainda de registar que a
"taxa de risco de pobreza infantil em 2023 foi de 20,7%",
correspondendo a um regresso aos valores de 2017, o que coloca as crianças como
o "grupo etário que regista a maior taxa de risco de pobreza e também
aquele em que se observa uma evolução mais desfavorável deste indicador",
Parece, assim, que estamos longe
de conseguir minimizar os riscos de pobreza e exclusão importa insistir e
apelar a que estas matérias constituam preocupações sérias das políticas
públicas em diversas áreas.
Sabemos que a educação tem um
papel crítico neste processo. Retomando notas que aqui recentemente deixei,
recupero o relatório, “Portugal, Balanço Social 2023”, realizado pela Nova SBE
Economics for Policy. De acordo com o trabalho, 82% das crianças pobres com
três anos ou menos não frequentam pelo menos 30h de creche. Também no intervalo
entre 4 e 7 anos são também as crianças mais pobres que não frequentam educação
pré-escolar.
Apesar da gratuitidade da
frequência da creche em 2022, a insuficiência de vagas dificulta o acesso das
famílias de menor rendimento apesar de alguns efeitos decorrentes do Programa
Creche Feliz.
Está bem estudada a relação entre a situação económica, laboral e nível de literacia familiar no trajecto pessoal. E também sabemos que situações de "guetização da pobreza" são um obstáculo à sua minimização.
Também sabemos que a pobreza tem
claramente uma dimensão estrutural e intergeracional, as crianças de famílias
pobres demorarão até cinco gerações a aceder a rendimentos médios, um indicador
acima da média europeia.
A escola é certamente uma ferramenta poderosa de promoção de mobilidade social, mas, por si só, dificilmente funciona como elevador social. Muito menos o fará em circunstâncias em que a maioria vive em piores condições.
O impacto das circunstâncias de
vida no bem-estar das crianças e em aspectos mais particulares como o
rendimento escolar ou o comportamento é por demais conhecido e essas
circunstâncias constituem, aliás, um dos mais potentes preditores de insucesso
e abandono quando são particularmente negativas, como é o caso de carências
significativas ao nível das necessidades básicas.
Algumas vezes, quando penso
nestas matérias não resisto a recuperar uma história que conto muitas vezes,
coisas de velho como sabem, e que foi umas das maiores e mais bonitas lições
sobre educação que já recebi. E mais uma vez.
Aconteceu há já uns anos em
Inhambane, Moçambique, também conhecida por Terra da Boa Gente. Num início de
manhã, eu o Velho Carlos Bata, um homem velho e sem cursos, meu anjo da guarda
durante as semanas que lá estive em trabalho, íamos a passar por uma escola
para gaiatos pequenos e o Velho Bata, parou a olhar. Não estranhei, era um
homem que não conhecia o significado de pressa.
Um tempinho depois disse-me que
se tivesse “poderes de mandar” traria um camião de batata-doce para aquela
escola. Perante a minha estranheza, explicou que aqueles miúdos teriam de comer
até se rir, “só aprende quem se ri”, rematou o Velho Bata.
Pois é Velho, miúdos com fome e
que passam mal não aprendem e vão continuar pobres. E infelizes, não se riem.
Ontem, hoje e amanhã. Não podemos falhar.