sexta-feira, 20 de junho de 2025

VAI CORRER BEM

 Realiza-se hoje em dois turnos o exame final de Matemática do 9.º ano, seguir-se-á o de Português dia 25.

A avaliação externa é uma ferramenta imprescindível de regulação dos sistemas educativos em diversos patamares.

No entanto e como tenho escrito, parece-me crítica a decisão de realização do exame em formato digital, fruto do “deslumbramento digital”, perdão, da transição digital.

Nas provas ensaio realizadas foram detectados problemas e dificuldades que a tutela afirma estarem solucionadas. Esperemos que se realize o “mantra” que herdámos dos tempos da pandemia, “vai correr bem”.

Na verdade, tinha alguma esperança de que o bom senso e a reflexão sobre o que se passa noutros sistemas educativos que desencadearam uma reflexão e tomadas de decisão relativamente à introdução em termos excessivos dos recursos digitais, pudesse contribuir para um maior equilíbrio e prudência na utilização destes recursos, designadamente nos primeiros anos de escolaridade. Sabemos também que se prepara uma restrição mais exigente relativa aos telemóveis nas escolas e, global e felizmente, se está a reconsiderar a forma de utilização dos recursos digitais.

Por outro lado, continuam a ser conhecidas com demasiada frequência queixas relativas ao acesso a equipamentos por parte dos alunos, à qualidade dos equipamentos, que, de acordo com os directores de escolas e agrupamentos, a insuficiência dos recursos necessários à adequada utilização dos equipamentos, nas escolas, mas em particular nas salas de aulas, infra-estruturas eléctricas e rede de net eficientes, por exemplo. Acontece ainda que existe uma enorme diversidade na literacia digital dos alunos.

Deste cenário, apesar do esforço que vai ser realizado recorrendo ao apoio dos docentes de informática, podem decorrer situações sérias de desigualdade entre escolas e entre alunos e todos conhecemos múltiplas situações que evidenciam a enorme disparidade de recursos e da sua utilização. A proficiência da escrita e realização em formato digital será na esmagadora maioria dos alunos de natureza e nível diferente o que pode contaminar os resultados.

Voltando ao início, sei que nem sempre é fácil “fazer as coisas certas e fazer certas as coisas”, mas neste caso não me parecia muito difícil.

Foi mesmo uma opção, uma má opção.

quinta-feira, 19 de junho de 2025

A DANÇAS DAS COBRAS

 Não é muito habitual colocar duas publicações no mesmo dia, mas hoje assim será.

Há pouco escrevi sobre a tarefa que estava a realizar aqui no monte num dia de abafura. Na continuação dei com uma surpresa que partilho. Com muita frequência aqui "tropeçamos" com cobras, os meus netos adoram ver e pegar quando conseguimos agarrar alguma.

Mas encontrar duas cobras grandes em plena dança ainda não me tinha acontecido nestas décadas de lida nesta terra encantada.

Acho que as cobras gostaram de mostrar a sua capacidade, não fugiram nem se perturbaram. Fica o registo.

São assim os dias do Alentejo.



DIAS DE ABAFURA

 Dia estranho o de hoje aqui neste canto do Alentejo. Um dia quente, muito quente, de abafura como por aqui se fala, céu carregado de nuvens, a trovada a ouvir-se ao longe. Ainda caíram por pouco tempo umas pingas grossas que libertaram o perfume inconfundível que a terra nos oferece quando depois um tempo de secura recebe água vinda lá do céu.

Regressei à tarefa de hoje, juntar num moitão a palha que ficou no pasto depois da passagem da enfardadeira. No fim do Inverno teremos um composto que enriquecerá a terra da horta.

Também está bonito o Alentejo com as cores que o Verão traz. Não adianta pintá-lo de verde com as culturas superintensivas de olival ou amendoal que irresponsavelmente e criminosamente vão aumentando, a terra por baixo vai morrendo e a seguir irá morrer por cima.

Se não atalharmos caminho, ainda estamos a tempo assim queiram os homens, vamos ficar com o deserto, com uma terra nua por cada vez mais tempo. E nessa altura que terão os nossos netos?

Desculpem lá o desabafo pouco optimista, se calhar foi por causa do calor, mas … o Alentejo é sempre lindo, também com o amarelo e castanho do tempo do calor.

Não quero imaginá-lo um deserto

quarta-feira, 18 de junho de 2025

EXAMES FÁCEIS? EXAMES DIFÍCEIS? EXAMES ADEQUADOS? EXAMES DESADEQUADOS? DEIXEM LÁ VER

 Por estes dias e em matéria de educação é difícil fugir ao tema exames, estamos em plena época alta.

Como sempre, uma das grandes questões em apreço será a maior ou menor dificuldade ou adequação dos exames.

Como é reconhecido, o presidente do Conselho Científico do Instituto de Avaliação Educativa admitiu em tempos numa entrevista que os exames têm sido uma arma privilegiada na gestão política do sistema educativo. Daí a necessidade de que a avaliação externa fosse da responsabilidade de uma estrutura verdadeiramente independente do poder político.

Neste contexto, através da "modulação", por assim dizer, da sua dificuldade, poder-se-á influenciar os resultados no sentido esperado e mais favorável a interesses de circunstância. Este entendimento minimiza o impacto das análises comparativas. Veja-se, por exemplo, a discussão recorrente e raramente consensual sobre o grau de dificuldade e adequação dos exames. Esta discrepância acontece, sem estranheza, até na apreciação do mesmo exame como repetidamente tem acontecido com os exames de Matemática ou de Português, já está a acontecer no deste ano, registando-se diferentes opiniões entre Associações de Professores, ou nas redes sociais em que o universo de especialistas alarga e diversifica a discussão.

Parece claro que resultados escolares mais positivos sustentam o entendimento de venham mostrar que “alunos e professores corresponderam com o seu trabalho” o que contribui para ratificar a “bondade das políticas educativas”, mas os resultados menos positivos alimentam apreciações mais diferenciadas, políticas publicas, aspectos curriculares, tipologia do exame, etc.

Estes discursos aparecerão, evidentemente, sempre embrulhados em referências a rigor e a exigência.

Como dizia o meu estimado Mestre Marrafa aqui no Alentejo, “Deixe lá ver”. Vamos ver como se segue a época de exames.

Em princípio, nada de novo, tudo de velho.

terça-feira, 17 de junho de 2025

AOS ALUNOS E ALUNAS DO SECUNDÁRIO

 Caros alunos e alunas,

 Tinham de chegar. Com a disciplina de Português inicia-se hoje a época de exames nacionais do secundário e durante algum tempo o vosso programa está assegurado, exames, um caderno de encargos bem preenchido.

O trabalho realizado durante os últimos anos vai ser testado. Alguns de vós sentir-se-ão relativamente tranquilos enquanto outros, a maioria, vão começar a sentir a ansiedade a subir. É normal, afinal trata-se de realizar um exame e alguma ansiedade ajuda-nos a estar mais atentos.

Os resultados serão importantes pois permitirão aceder ao ensino superior e na escola e curso que vos interessam, e, desculpem o atrevimento, mas tomaram a decisão correcta, continuar a estudar. A qualificação superior é uma boa ferramenta para a construção de um projecto de vida mais sustentado e com maior potencial de realização. Os tempos não estão fáceis, mas estudar ainda compensa, acreditem.

Alguns de vós vão sentir-se pressionados para a obtenção de muito bons resultados, porque as médias de acesso nos cursos que desejam frequentar são habitualmente elevadas ou porque vos dizem que para se ser gente tem que se ser excelente. Irão perceber que, felizmente, tal não é verdade, é fundamental tentar fazer o melhor possível, mas não é essencial ser o melhor. Acresce ainda que, muitas vezes, essa pressão não ajuda, antes pelo contrário, atrapalha, … há que ter calma.

Muita gente, pais, professores, psicólogos, psiquiatras, nutricionistas, especialistas em “coaching” em múltiplas áreas, colegas, vos dá conselhos nesta altura, “estuda mais”, “descansa um pouco”, “devias fazer assim”, “era melhor desta maneira”, “não te esqueças de nada”, “toma atenção”, “começa pelas mais fáceis”, “revê no fim”, “cautela com a alimentação”, “é bom espairecer um pouco”, etc., etc. É normal e importa alguma tranquilidade. A presença nas redes sociais e a partilha da experiência com colegas vai certamente ajudar a dissipar o stresse, dividido por muitos pode dar menos para cada um.

A verdade é que não existem receitas infalíveis para o sucesso que não passem por trabalho sério, organização do tempo e das tarefas, percepção das dificuldades e da forma de as minimizar, partilhar dúvidas e pedir ajuda a professores ou colegas, entre outros aspectos que saberão identificar. Cada um de vós encontrará um caminho para lidar com os exames, é normal, somos diferentes.

Como é de prever, alguns acharão os exames mais fáceis e outros mais difíceis, depende sempre do que cada um sabe e dos conteúdos do exame, aquela história clássica de “ainda bem que saiu isto, sabia bem” ou, pior, “logo havia de sair isto que não estava bem preparado”, nada a fazer, são as circunstâncias e em toda a nossa vida iremos deparar com situações mais favoráveis ou menos favoráveis. Todos sabemos que a vossa tarefa não é fácil, mas estou convencido que para muitos de vós as coisas vão correr bem. O vosso trabalho e dos professores e o apoio dos pais merecem.

Como já disse, os próximos exames serão a última etapa antes do ensino superior, mas isso é uma outra narrativa. Um dia destes falaremos disso, cada coisa de sua vez.

Boa sorte e divirtam-se, se possível.

segunda-feira, 16 de junho de 2025

OS TRATOS DOS VELHOS

 Ontem o calendário das consciências assinalou o Dia Internacional de Sensibilização para a Prevenção da Violência Contra as Pessoas Idosas. 

Foi divulgado o estudo realizado pela APAV, “Estatísticas APAV | Pessoas idosas vítimas de crime e violência 2021-2024”, e os indicadores, lamentavelmente, são preocupantes.

A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima disponibilizou apoio a 136 idosos por mês, 5 por dia, totalizando 6523 em quatro anos. As situações de apoio envolvem violência de diferente tipologia, psicológica, física, sexual, financeira, negligência ou abandono.

Diferenciando, 9462 sofreram violência doméstica, 78.2%, 468 foram alvo de ameaça ou coacção, 3.9%, 388 de difamação ou injúria 3.2%, 386 de ofensas à integridade física, 3.2%, 227 de burla, 1.9% e 1175 foram vítimas de outros crimes e formas de violência, 9,6%.

É um cenário inquietante.

Quer no seio das famílias, quer em instituições para onde alguns velhos são enviados compulsivamente como tem sido denunciado pela APAV, algumas encerradas por determinação legal, tal é a gravidade das situações, multiplicam-se as referências à forma inaceitável como os velhos estão a ser tratados.

Começam por ser desconsiderados pelo sistema de segurança social que com pensões miseráveis, transforma os velhos em pobres, dependentes e envolvidos numa luta diária pela sobrevivência.

Continua com um sistema de saúde que deixa muitos milhares de velhos dependentes de medicação e apoio sem médico de família.

Em muitas circunstâncias, as famílias, seja pelos valores, seja pelas suas próprias dificuldades ou alterações nos estilos de vida, não se constituem como um porto de abrigo, sendo parte significativa do problema e não da solução. As situações muito complicadas em que milhares de famílias estão envolvidas com o retornar de várias gerações à mesma casa e a tentação de aproveitar os baixos rendimentos dos velhos potenciam o risco de maus tratos.

Finalmente, as instituições, muitas delas, subordinam-se ao lucro e escudam-se numa insuficiente fiscalização além de que, com frequência, os equipamentos de qualidade são inacessíveis aos rendimentos de boa parte dos nossos velhos.

Lamentavelmente, boa parte dos velhos, sofreu para chegar a velho e sofre a velhice.

Não é um fim bonito para nenhuma narrativa, entende o velho que escreve estas letras.

domingo, 15 de junho de 2025

DOS CONTINGENTES ESPECIAIS NO ACESSO AO ENSINO SUPERIOR

 No âmbito do Programa do Governo está contemplada a possibilidade de alargamento do contingente especial previsto no acesso ao ensino superior para alunos de famílias com carências económicas.

Actualmente, o contingente, definido no ano de 23/24, é de 2% das vagas e destina-se a alunos beneficiários do escalão A dos Apoios Sociais.

Um trabalho, “Avaliação de Impacto do Contingente Prioritário para Beneficiários de Acção Social Escolar (ASE-A)", do Edulog, Fundação Belmiro de Azevedo, refere que em 2023 41% dos alunos do escalão A não teriam conseguido o acesso pois a sua nota de candidatura era inferior à nota mínima de entrada através do regime geral de acesso.

No entanto, considerando os 3367 candidatos elegíveis, apenas 43% optaram por se candidatar através do contingente especial.

Como já aqui tenho escrito, é habitual considerar-se recorrer a quotas ou contingentes especiais para minimizar exclusão ou desigualdade, não sendo o ideal, pode ajudar a minimizar os problemas. A título de exemplo e atentando num outro grupo com contingente definido e considerando dados de 2017/2018, frequentaram o ensino superior 1644 alunos com necessidades especiais, 0,5% do total dos matriculados no ensino superior, sendo que apenas 14% das vagas do contingente especial para estes estudantes foram ocupadas.

Neste contexto, levanta-se uma questão crítica, o caminho só por aqui é demasiado estreito.

Importa sublinhar que o combate à desigualdade e a promoção de igualdade de oportunidades se exige desde a educação pré-escolar e em todo o trajecto escolar com a existência de dispositivos de apoio suficientes e competentes.

A decisão de continuar para o ensino superior é construída durante todo o trajecto do básico e secundário. Percursos com mais sucesso promovem expectativas mais elevadas de alunos e famílias, valorizam o conhecimento e a qualificação e, portanto, são mais potenciadores da intenção de continuar a estudar. Donde, é imprescindível um forte investimento em recursos e dispositivos de apoio que sustentem mais sucesso para todos os alunos de todas as escolas.

Com maior frequência que noutros grupos demográficos, as famílias mais vulneráveis expressam também expectativas mais baixas ou nulas sobre o sucesso escolar dos seus filhos e sobre a importância de estudar.

Neste contexto seria desejável trabalho de mediação com recursos competentes e adequados no trabalho com as famílias no sentido de reajustar expectativas e reconstruir a atribuição importância ao estudo e à qualificação. As pessoas com baixas expectativas acomodam mais facilmente o insucesso, é o “destino”, aprendem a viver com essa “fatalidade” o que lhes tranquiliza a forma como olham para si e para os seus filhos.

As famílias portuguesas enfrentam um dos mais caros sistemas de ensino superior da UE e da OCDE apesar do abaixamento das propinas. Donde, é crítica a questão dos apoios à frequência, tipologia, número de bolsas e critérios de acesso a essas bolsas, para lá da existência ou não de contingentes ou quotas.

Embora já seja feito em muitas escolas, sobretudo no final e durante o pós-básico, seria desejável que os dispositivos de orientação vocacional tivessem os recursos necessários para de forma alargada providenciarem informação clara sobre a natureza da oferta formativa, das suas características e solicitações, a que áreas de desempenho permitem aceder no mundo profissional, etc. Por outro lado, esse apoio também envolve o trabalho com os alunos no sentido de ajudar a um processo de tomada de decisão que seja base para procurar qualificação, de natureza diversa, no ensino superior.

Já no ensino superior e para todos os alunos é importante que existam dispositivos de apoio institucionais e também formas de mentoria desenvolvidas já por alunos a frequentar os estabelecimentos que contribuam para melhores e mais rápidos processos de adaptação a novas rotinas, métodos de trabalho, dificuldades de adaptação, etc. O nível de desistência da frequência é alto e mais alto nas populações mais vulneráveis.

Uma nota final para o óbvio, as mudanças mais estruturais requerem investimentos e os recursos são finitos, nenhuma dúvida. No entanto, as políticas públicas exigem opções e, também por isso, são avaliadas.

sábado, 14 de junho de 2025

PROIBIÇÃO DE TELEMÓVEIS NA ESCOLA (1.º E 2.º CICLO)

 Lê-se na imprensa que no Programa do Governo entregue hoje na Assembleia da República se contempla a proibição de telemóveis no 1.º e 2.º ciclo e no 3.º ciclo define um uso limitado.

Face à sua utilização desregulada pelos mais novos (mas não só) desde muito cedo e que importa contrariar em nome da saúde e bem-estar, a proibição é tentadora, mas pode não ser a decisão mais adequada.

Muitas vezes aqui tenho tratado esta questão e recupero a referência a um trabalho publicado pela The Lancet relativo a uma investigação realizada pela Universidade de Birmingham envolvendo mais de mil alunos de 30 escolas secundárias. O estudo teve como objectivo avaliar o impacto da proibição de utilização de telemóveis nas escolas no comportamento dos estudantes, na saúde mental e no desempenho escolar.

Os resultados “sugerem que as políticas escolares restritivas actuais não influenciam significativamente a utilização do telemóvel e das redes sociais nem se traduzem em melhores resultados ao nível dos domínios mentais, físicos e cognitivos”,

Verifica-se ainda que não diminui o tempo de exposição a ecrãs, boa parte dos alunos “compensam” a restrição da escola com mais tempo em casa.

Também abordei esta questão em muitas sessões de trabalho com pais com filhos de diferentes idades e tenho sustentado que, ainda que se possam compreender as razões que sustentam as proibições, o uso excessivo e desregulado, as decisões de proibição não me parecem consensuais. Aliás, também não tenho a convicção de que uma estratégia de proibição, só por si, devolva crianças e adolescentes à interacção pessoal e a outros hábitos comportamentais mais interessantes embora, obviamente, seja imprescindível a regulação do seu uso o que não significará, necessariamente, uma “lei seca” para telemóveis.

Por outro lado, também não é rara a utilização de telemóveis associada a actividades de aprendizagem.

Do meu ponto de vista seria importante também colocar a questão a montante, a utilização que todos damos a estes dispositivos. Seria muito interessante e desejável que se discutisse a sério (incluindo crianças e jovens) nas comunidades educativas a regulação dos comportamentos e definição de regras e limites, sem “superpais”, sem “superfilhos” ou “superprofessores”. No entanto, esta discussão tem de ser acompanhada pela nossa, adultos, pais e/ou profissionais, regulação da sua utilização. Se olharmos para muitas famílias em “convívio” ou para muitos contextos profissionais em “reunião” verificaremos os ecrãs que muitos terão à sua frente e perceberemos o que está por fazer, comportamento gera comportamento. A sobreutilização por parte dos adultos parece-me ser uma variável crítica desta equação.

Como também tenho referido, creio que este movimento deve ser enquadrado na mudança que felizmente também parece estar a emergir refreando o deslumbramento pela “transição digital” que, enquadrando de forma ajustada a inevitabilidade de incorporar estas ferramentas nos processos educativos, também volta a defender a importância de abordagens metodológicas ou didácticas “antigas”, “conservadoras”, tais como escrever à mão, desenhar, brincar na rua, ler em suporte papel, interagir presencialmente ou promover relações afectivas literalmente mais próximas, tudo ferramentas importantes de desenvolvimento e aprendizagem.

A ver vamos com a coisa evoluirá por cá, mas não me parece que a proibição de telemóveis nas escolas venha a ter o efeito regulador que todos desejamos. A regulação do uso por parte dos adultos, pais em particular, poderia ter um efeito mais positivo minimizando a tentação dos mais novos de “compensar” em casa a “companhia” do telemóvel que não têm na escola.

sexta-feira, 13 de junho de 2025

A HISTÓRIA DO GOZADOR

 Era uma vez um rapaz chamado Gozador. Andava na escola e tinha uns doze anos. O Gozador era um miúdo um bocado estranho, parecia que estava sempre a gozar.

Tinha um sorriso permanentemente pendurado na cara e as pessoas ficavam um bocado incomodadas porque ele embora não falasse muito, antes pelo contrário, passava muito tempo calado, mas com aquele ar de gozador.

Os professores então sentiam-se mesmo sem saber muito bem o que fazer, ele não perturbava as aulas, estava tranquilo, mas aquele sorriso de quem estava a troçar incomodava.

Os colegas não se davam muito com ele e o Gozador também não se aproximava muito, mantinha-se no seu canto e compunha o sorriso habitual. Um dia, um dos professores falava do Gozador com o Professor Velho aquele que já não dá aulas, está na biblioteca e fala com os livros. Depois de ouvir a descrição do Gozador o Velho disse para o professor.

Ainda bem que me falas no Gozador, também estou um bocado preocupado com ele, acho que ele ri de tristeza, mas ainda não consegui perceber porque está sempre tão triste. Quando descobrir digo-te.

Velho, rir de tristeza?!

quinta-feira, 12 de junho de 2025

NOTÍCIAS DA CHAMADA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

 O Movimento por uma Inclusão Efectiva, envolvendo pais de crianças e jovens com necessidades educativas especiais, desculpem a insistência nesta terminologia promoveu no início do ano um inquérito a pais nesta situação para conhecer a sua percepção de como decorre o processo educativo dos filhos ao abrigo do quadro legal definido pelo decreto-lei 54/2018. Alguns indicadores.

Considerando as 1036 respostas válidas, 73% entendem a situação nas escolas não melhorou desde a entrada em vigor do DL 54/2028. A maioria dos pais, 58%, refere que as terapias necessárias não estão a ser realizadas e as que se realizam são consideradas insuficientes por 96%.

Uma outra questão considerada crítica prende-se com a sobrelotação das turmas levando sobrelotação com reflexos negativos no tempo de permanência das salas de aula e no tempo para apoio directo.

Foi também realizado um inquérito a profissionais que acompanham as crianças, 453 respostas, sendo que 58% consideram também que a situação não melhorou com a mudança de legislação.

Apesar de entender que a leitura e interpretação destes dados deve ser prudente, também entendo que merecem atenção e reflexão. Com uma carreira profissional de quase 50 anos ligada a este universo é inevitável a reflexão sobre estas matérias.

Lamentavelmente são recorrentes as vozes de pais, professores, técnicos ou directores escolares e algumas referências na imprensa relativamente a essas dificuldades e, como se dizia há uns anos, … a luta continua.

Algumas notas retomadas, não vale a pena inventar.

Segundo dados da DGEEC, no ano lectivo passado, estavam cerca de 90000 alunos ao abrigo de medidas selectivas e/ou adicionais de acordo com o DL 54/2018.

Recordo que em 2018, a entrada em vigor do novo enquadramento normativo, o ME decidiu que já não podíamos referir alunos com “necessidades educativas especiais” porque a designação não era conforme a “educação inclusiva”, categorizava alguns alunos o que não é uma boa prática. Assim, determinou que os alunos que revelavam algum tipo de dificuldade eram objecto de medidas educativas arrumadas em três categorias, as medidas “universais”, as medidas “selectivas” e as medidas “adicionais”. Isto parece que é uma outra forma de categorizar, mas não é. Na educação inclusiva é assim que se faz.

Também acontece que temos alguma dificuldade em interpretar os dados que vão sendo divulgados, aumenta o número de alunos com dificuldades de alguma natureza ou aumenta o número de alunos com medidas aplicadas. E quais as dificuldades dos alunos que se inscrevem nas medidas “universais” uma vez que são … “universais”.

São habituais as preocupações com a insuficiência preocupante dos recursos humanos, professores e técnicos, designadamente psicólogos e terapeutas, auxiliares educativos bem como o crescimento significativo do número de alunos sinalizados com algum tipo de dificuldade. Aliás, também se conhecem situações em que professores com funções de apoio assumem outro trabalho minimizando a falta de professores.

 Deste quadro resulta a impossibilidade de assegurar a muitos alunos aquilo que é “apenas” um direito e não um privilégio, uma resposta educativa de acordo com as suas necessidades. Sim, eu sei que não é fácil, mas também sei que existem responsáveis pelas políticas públicas de diversos sectores envolvidas nestas questões.

A verdade é que torturar a realidade não a obriga a confessar. Muitos alunos não, não estão incluídos nem sequer integrados, estão “entregados” com as consequências que professores e pais bem conhecem. E não estou a considerar apenas os “Selectivos”, os “Adicionais” ou os “Universais” do 54/2018.

Este cenário de insuficiência de recursos tem sido referenciado em trabalhos diversos incluindo da Inspecção-Geral de Educação e Ciência.

Como tenho afirmados e escrito inúmeras vezes, acompanhei com esperança e expectativa a mais do que necessária, reafirmo, mudança legislativa desencadeada no âmbito da Educação Inclusiva que se traduziu no DL 54/2018 ele próprio associado a todo um quadro de mudança envolvendo, designadamente a definição do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, das Aprendizagens Essenciais ou o Decreto-Lei n.º 55/2018 relativamente ao currículo. Todo este edifício potenciaria a inovação, a mudança de paradigma, de vários paradigmas aliás, e alguns falavam mesmo da revolução que estava em marcha e anunciavam os amanhãs que cantam.

Com confiança em algumas virtudes do novo quadro aguardei expectante pela revelação da anunciada escola inclusiva de 2ª geração. No entanto, para meu desconforto e cansaço, o que fui conhecendo e vai sendo divulgado não me ajudou a perceber o que seria.

Continuo a verificar que, tal como aconteceu com o velho 319/91, (nesta altura eu já trabalhava neste universo há 15 anos), quer com o 3/2008 e depois com o actual 54/2018 existiam e existem professores, técnicos e escolas a realizar trabalhos notáveis que devem ser conhecidos e reconhecidos.

A avaliação dos alunos, a definição dos apoios nas diferentes tipologias (já usadas como categorização uma vez que a outra categorização já não existe), o funcionamento das Equipas, os recursos disponíveis, a organização da intervenção, os papéis ou a articulação dos intervenientes continuam com inúmeros sobressaltos. Recebo muitos testemunhos e, como referi, os dados conhecidos também não são particularmente animadores.

Apesar de agora estar já desligado em termos profissionais, o interesse e a paixão por este universo não se reforma, mantêm-se e apesar do cansaço, sempre me animo quando conheço situações muito positivas que, felizmente, acontecem todos os dias em tantas escolas.

No entanto, nem tudo vai bem, muito longe disso. Insisto, não torturem a realidade que ela não vai confessar, alterem-na, é o que espera de políticas públicas e de promoção de direitos inalienáveis.

Há muito que fazer, muito para caminhar.

 PS – Já agora e mais uma vez, talvez já vá sendo tempo de não insistir no uso da designação "educação inclusiva" para referir a educação dos alunos que têm algum tipo de dificuldade e que se encaixam nas novas "categorias", os "universais", os "selectivos" e os "adicionais" criadas pelo DL 54, a educação inclusiva é de todos e, portanto, deveria ser “apenas” educação.

quarta-feira, 11 de junho de 2025

VÁ LÁ, LÊ RÁPIDO

 Está em curso a realização da anunciada prova Diagnóstico da Fluência Leitora da responsabilidade do IAVE e destinada a medir a velocidade de leitura dos alunos do 2.º ano.

Estão a realizar-se em todas escolas do 1.º ciclo públicas e privadas em colaboração com a Rede Bibliotecas Escolares e Filinto Lima assegura, naturalmente, que as escolas estão preparadas. Como sabemos, as escolas estão preparadas para tudo.

Os alunos lerão um de dois textos em utilização durante um minuto e teremos um resultado que será devolvido às escolas no início do ano lectivo e, lá está, as escolas estarão preparadas para desenvolver a intervenção e as estratégias adequadas aos alunos que conduzam as letras do papel para a linguagem a uma velocidade mais lenta.

Costumo dizer que no fim de quase cinco décadas a trabalhar no mundo da educação, mais os anos de estudante, poucas coisas me surpreendem, mas senhores, uma prova de velocidade da leitura?!!!

É óbvia a importância e o impacto da leitura no conjunto das aprendizagens, como também são preocupantee os indicadores relativos às competências de leitura em diferentes dispositivos de avaliação externa.

No entanto, avaliar a competência de leitura apenas com uma prova de rapidez de leitura de palavras é pouco e esquece dimensões essenciais como compreensão e prosódia.

Quantas vezes, apesar de sermos leitores competentes e experientes precisamos de diminuir o ritmo de leitura para tornar mais sólida a compreensão do que estamos a ler. Por outro lado, a experiência diz-nos que ler mais devagar pode prejudicar num teste de velocidade e não significar menor competência de leitura.

Quem acompanha o escrevo e afirmo, sabe que os dispositivos de avaliação na sua diferente tipologia, formativa, sumativa, diagnóstica, interna ou externa, são ferramentas imprescindíveis a processos educativos de qualidade.

Dito isto, também entendo que medir muitas vezes a febre não faz com que ela baixe ainda que necessitemos de saber se existe febre e tratá-la, esta sim a grande questão, como melhorar os resultados e com que recursos.

Insisto, a qualidade promove-se, é certo, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, naturalmente, mas também com a avaliação do trabalho dos professores, com a definição de currículos e metodologias adequadas, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados de organização e funcionamento das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.,

Como escrevi na altura do anúncio da realização desta prova, gostava que não lessem este texto de forma demasiado rápida para que possa ficar mais claro o que pretendi reflectir.

terça-feira, 10 de junho de 2025

DIA DE PENSAR PORTUGAL

 Cumpre-se hoje o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, um dia em que se pensa Portugal.

Talvez possamos pensar Portugal e o seu futuro a partir de duas áreas críticas, a Educação e a Cultura.

Comecemos pela Educação e pensar os tempos que a Educação, a Escola, vivem e na forma como estamos a gerir o presente e futuro da nossa maior ferramenta de desenvolvimento, a escola pública, não esquecendo e também, naturalmente, o ensino privado.

Recordando a Constituição que alguns parecem querer rever vale a pena sublinhar:

(…)

Artigo 73.º

Educação, cultura e ciência

1. Todos têm direito à educação e à cultura.

2. O Estado promove a democratização da educação e as demais condições para que a educação, realizada através da escola e de outros meios formativos, contribua para a igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida colectiva.

(…)

Artigo 74.º

Ensino

1. Todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar.

2. Na realização da política de ensino incumbe ao Estado:

a) Assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito;

b) Criar um sistema público e desenvolver o sistema geral de educação pré-escolar;

(…)

É “apenas” isto que está em causa nos dias de hoje, defender a existência de uma escola pública de qualidade que cubra as necessidades de toda a população.

Só a educação e a rede pública de qualidade podem promover equidade e igualdade de oportunidades.

Só a educação e a rede pública de qualidade podem ser verdadeiramente inclusivas e receber todos os alunos.

Só a educação e rede pública pode chegar a todos os territórios educativos e a todas as comunidades.

Só a educação e rede pública de qualidade promovem mobilidade social em circunstâncias de equidade no acesso.

Para que possam cumprir a Constituição a educação e a rede pública precisam de recursos materiais e recursos humanos valorizados e competentes.

Os custos da educação e rede pública de qualidade não são despesa, são investimento.

A políticas públicas de educação têm em cada momento histórico a suprema responsabilidade de garantir que assim seja.

É isso que hoje se exige. Em defesa da Educação e da Escola Pública. Em nome dos nossos filhos, dos filhos dos nossos filhos ...

No que respeita à Cultura creio que vale a pena atentar no texto de António Carlos Cortez no DN, “Um Governo sem cultura ou a ascensão da mediocridade, que começa assim:

É triste que em Portugal a cultura seja sempre desprezada, minimizada, olhada de soslaio, posta no canto das grandes decisões políticas. Não admira. Para quantos - do cinema ao teatro, das artes performativas à literatura, dos museus às associações culturais, da música (a de qualidade e não a música de contrafacção cultural) à dança - vivem numa autêntica sobrevivência existencial, a inexistência de um Ministério da Cultura apenas vem confirmar a lógica de mediocridade que este Governo irá implementar nas mais diversas áreas e sectores. (…)

A Educação e a Cultura são, na verdade, a base e o sustento para o desenvolvimento e a forma de cumprir Portugal.

segunda-feira, 9 de junho de 2025

"A GUERRA É A GUERRA" - 9/6/2018

 Tinha pensado voltar às provas de velocidade de leitura que hoje se iniciam, mas as memórias do Facebook mostraram-me um texto de 9 de Junho de 2018, “A guerra é a guerra” que me pareceu de retomar. Dizia assim:

 Boa parte do que a imprensa e muitos opinadores tudólogos têm produzido sobre educação nos últimos dias, para além da indignação pela falta de seriedade intelectual, (não acredito na ignorância), tem-me causado alguma tristeza.

A questão da carreira dos professores é uma situação complexa sobretudo pelo impacto da reposição dos efeitos de congelamento verificado. Não estranho, pois, a discussão que tem gerado e a dificuldade de encontrar compromissos.

O que me parece mais curioso é que esta discussão seja alimentada também por uma agenda que dela se serve para diabolização dos professores, as pessoas a quem entregamos os nossos filhos todos os dias.

A discussão serve também para que se possa atacar a escola pública e o esforço e a competência da esmagadora maioria dos que nela trabalham.

Continuam a aparecer na comunicação social nos seus vários formatos intervenções que produzidas pelos “falcões” habituais ou caceteiros de ocasião são intelectualmente desonestas, escondendo realidades sobre os professores e o seu trabalho e o trabalho de alunos e escolas e recorrendo às tão em moda “fake news”, factos alternativos.

Como escrevi vejo muita gente ligada à educação considerar como ignorantes as afirmações de muitos desses opinadores. Não sejamos ingénuos, não é ignorância, é guerra política pura e dura.

Como cantava o Fausto, “a guerra é a guerra”.

A educação e a sua qualidade são ferramentas essenciais de desenvolvimento. Apesar do que falta fazer e de situações que não deveriam acontecer, de políticas de sinal errado, alunos e professores têm evoluído positivamente no seu trabalho e constroem saber, ou seja, constroem o futuro.

Como diz Ordine no estimulante ”A utilidade do inútil”, “Só o saber pode desafiar uma vez mais as leis do mercado. Eu posso comungar com os outros os meus conhecimentos sem empobrecer…. Ensinar é um processo virtuoso que enriquece. Ao mesmo tempo, quem dá e quem recebe”.

Não, não é um discurso ingénuo ou romântico, estes anos todos de estrada dão-me alguma lucidez, creio. Os Professores e Educadores e de uma forma geral quem passou pela escola e não tem preconceitos ou agendas implícitas reconhece que é verdade.

No entanto, sei também que acontecem verdadeiros atropelos no quotidiano escolar. Entendo de há muito que um dos pecados estruturais do sistema é justamente a falta de dispositivos de regulação o que permite que coexistam na mesma escola a excelência e a mediocridade sem sobressaltos aparentes.

É assim triste que tantos e tão manhosamente ataquem quem, na sua esmagadora maioria, lhes leva os filhos ao futuro e os trouxe ao presente que têm.

Uma comunidade que não valoriza os seus professores e o seu trabalho é uma comunidade certamente mais pobre e menos desenvolvida. A Educação, o Conhecimento, a Formação são ferramentas de construção e distribuição de riqueza. Os professores e os alunos, futuros adultos, são os obreiros desta empresa. Respeitem-nos!”

domingo, 8 de junho de 2025

DA EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR

 No Expresso encontra-se uma peça elucidativa da enorme dificuldade que muitas famílias sentem no acesso a creches para colocação dos filhos. Apesar do Programa Creche Feliz mantém-se a insuficiência de vagas como também acontece no acesso a salas de Jardim de Infância. Ainda não conseguimos atingir o objectivo definido para 2025, uma taxa de frequência de 90%, estava em 83% em 2024.

Apesar deste cenário, Portugal é um dos países com taxas mais elevadas de crianças a frequentar a educação pré-escolar, obviamente, com um esforço enorme das famílias. Ainda de acordo com o Education at a Glance 2024, em Portugal, à semelhança da maioria dos países da OCDE, sem surpresa são as famílias com menor rendimento que a creche no período até aos 2 anos. A diferença para as famílias com maior rendimento é de 25%, de 45 para 70%. Também esta diferença é superior à média que é de 19%.

A garantia do acesso à educação pré-escolar em Portugal é aos 3 anos, uma posição intermédia no contexto europeu. No entanto, a escolaridade obrigatória inicia-se aos seis anos tal como na maioria dos países europeus e como sabemos existem fortes dificuldades e assimetrias na resposta pública na educação pré-escolar o que explica os custos elevadíssimos suportados pelas famílias.

Sou dos tenho alguma reserva face à obrigatoriedade da frequência do jardim-de-infância aos três anos, mas defendo a universalidade do acesso. Dito de outra maneira, nenhuma criança com três anos deve ser obrigada frequentar jardim-de-infância, mas qualquer família que precise de aceder a esta resposta deve ter acesso e em condições acessíveis e com qualidade.

Assim, mais do que discutir sobre o alargamento da escolaridade obrigatória a partir dos três anos importa, isso sim, assegurar, a universalidade e acessibilidade da resposta o que ainda está longe de ser conseguido.

Sabemos que existem listas de espera de creches e jardins-de-infância no chamado sector social em que as mensalidades são indexadas aos rendimentos familiares. Esta situação afecta sobretudo zonas mais urbanas e a alternativa da resposta privada é inacessível para muitas famílias.

Acresce que para além da dificuldade de encontrar respostas os custos elevados do acesso aos equipamentos, boa parte privada ou da rede social, são dos mais altos no contexto europeu de acordo com o relatório "Starting Strong 2017" da OCDE e reforçados com o Education at a Glance 2024. Aliás esta questão é contributiva para a baixa natalidade tal como vários outros aspectos das políticas públicas, designadamente as políticas de família.

Reafirmo as dúvidas sobre a obrigatoriedade da frequência, mas tenho a maior convicção na necessidade de garantir a universalidade do acesso à educação pré-escolar aos três anos criando uma rede de oferta com respostas de qualidade, acessíveis, logística e economicamente.

Sabemos todos e a evidência sustenta que o desenvolvimento e crescimento equilibrado e positivo dos miúdos, bem como o seu trajecto educativo e escolar são fortemente influenciados pela qualidade das experiências educativas familiares e institucionais nos primeiros anos de vida. De pequenino é que ...

Assim, existem áreas na vida das pessoas que exigem uma resposta e uma atenção que sendo insuficiente ou não existindo, se tornam uma ameaça muito séria ao futuro, a educação de qualidade universalmente acessível para os mais pequenos é uma delas.

No entanto e mais uma vez, a educação pré-escolar é bastante mais que a “preparação” para a escola, não deve ser entendida como uma etapa na qual os meninos se preparam para entrar na escola embora se saiba do impacto positivo que assume no seu trajecto escolar.

sábado, 7 de junho de 2025

BRINCAR É UMA ACTIVIDADE MUITO SÉRIA, DESCULPEM A INSISTÊNCIA

 Peço desculpa de voltar à questão do brincar, mas é um tema sério e de relevo no desenvolvimento dos mais novos.

Há dias foi divulgado um estudo realizado pelo IAC em 2024 com indicadores interessantes e a merecer reflexão. Cerca de 52% das crianças brincam menos de uma hora por dia e se procurar quem brinca de duas a três horas diárias são apenas 9%.

Acresce que os pais participam pouco nas brincadeiras das e com as crianças e 40,4% aponta o cansaço “devido à carga de trabalho!”, valor que tem vindo a crescer desde 2018.

O estudo, “Portugal a Brincar” envolveu mais de 1100 famílias e cuidadores de crianças com idades até aos dez anos. 36% dos pais inquiridos desejava que os filhos brincassem pelo menos cinco horas por dia. Metade das famílias entende o tempo livre como factor necessário para permitir o brincar.

No entanto, 47% dos inquiridos reconhecem o brincar como actividade para a imaginação e criatividade e 21,5% como forma de promoção do desenvolvimento emocional.

Quem por aqui passa dá conta da frequência com que aqui abordo a questão do brincar, a actividade mais séria que as crianças realizam e na qual põem tudo o que são e o que virão a ser.

A última vez foi a propósito da entrevista ao Público Jenny Gibsond, professora da Faculdade de Educação da Universidade de Cambridge e também centrada na importância do brincar no desenvolvimento e na aprendizagem das crianças sublinhando o impacto em crianças problemáticas específicas também no domínio do desenvolvimento.

Não é novo este entendimento nem os resultados do estudo do IAC que, tal como múltiplos outros trabalhos, apontam a necessidade de reflectirmos sobre os estilos de vida e a organização em contextos educativos, escolares e familiares.

 Assim e mais uma vez retomo notas que por aqui tenho escrito.

Durante os últimos anos, provavelmente associada às mudanças nos estilos de vida e quadro de valores, foi-se instalando a ideia de que o brincar é supérfluo, é perda de tempo, o foco deve ser em trabalhar, em rendimento e resultados, em nome da competitividade e da produtividade, condição para a realização e felicidade. Felizmente, nos últimos tempos começam a ouvir-se muitas vozes contrariando este entendimento como agora se regista ma entrevista de Jenny Gibsond. Os que por aqui vão passando reconhecerão a frequência com que aqui refiro esta questão e esta não será certamente a última.

Progressivamente foi-se retirando aos miúdos o tempo e o espaço que muitos de nós na sua idade tínhamos e empregam-nos horas sem fim nas fábricas de pessoas, escolas, chamam-lhes. Aí os miúdos trabalham a sério, a tempo inteiro, dizem, pois só assim serão grandes a sério, dizem também.

Às vezes, alguns miúdos ainda brincam de forma escondida, é que brincar passou a uma actividade quase clandestina que só pais ou professores “românticos”, “facilitistas”, “eduqueses” ou “incompetentes” acham importante.

Muitos outros miúdos vão para umas coisas a que chamam “tempos livres” e que, com frequência, de livres têm pouco, onde, frequentemente, se confunde brincar com entreter e, outras vezes, acontece a continuação do trabalho que se faz na fábrica de pessoas, a escola.

Numa história que já aqui contei ouvi uma mãe que se mostrava muito aborrecida com o Atelier de Tempos Livres em que o filho, gaiato de uns 10 anos, passa boa parte das férias, porque os técnicos responsáveis "dão poucas actividades às crianças e depois elas põem-se a brincar umas com as outras".

Também são encaixados em dezenas de actividades fantásticas, com nomes fantásticos, que promovem competências fantásticas e fazem um bem fantástico a tudo e mais alguma coisa.

É inquietante perceber alguma visão que, de mansinho, se foi instalando também em muitos pais.

O brincar da infância vai-se encurtando, algum dia os miúdos vão nascer crescidos para já não precisarem de brincar. Importa ainda lembrar que também existem crianças, muitas, em que a infância é encurtada, diria roubada, porque são mão-de-obra barata e coisificada.

Era bom escutar os miúdos. Se lhes perguntarem, (das diferentes formas de fazer perguntas e ouvir respostas), vão ficar a saber, como disse acima, que brincar é a actividade mais séria que realizam, em que põem tudo o que são, sendo ainda a base de tudo o que virão a ser e a saber.

Em 2018 a Academia Americana de Pediatria recomendou aos pediatras que na sua prática clínica prescrevam “tempo para brincar”, um bem de primeira necessidade para o bem-estar dos mais novos com impacto em diferentes dimensões.

Insistem que não se trata de uma ideia “frívola” e os actuais estilos de vida de muitas famílias, por diferentes razões, tornam ainda mais importante que se reafirme a importância de brincar.

No caso mais particular, mas também essencial do brincar na rua sabemos que as questões da segurança e, sobretudo dos estilos de vida e a mudança verificada nos valores e nos equipamentos, brinquedos e actividades dos miúdos, o brincar na rua começa a ser raro.

Embora consciente das questões como risco, segurança e estilos de vida das famílias, creio que seria possível alguma oportunidade de “devolver” aos miúdos o circular e brincar na rua, talvez com a supervisão de velhos que estão sozinhos, as comunidades e as famílias conseguissem alguns tempos e formas de ter as crianças por algum tempo fora das paredes de uma casa, escola, centro comercial, automóvel ou ecrã.

Como muitas vezes tenho escrito e afirmado, o eixo central da acção educativa, escolar ou familiar, é a autonomia, a capacidade e a competência para “tomar conta de si” como fala Almada Negreiros. A brincadeira, a rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente, os desafios, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de desenvolvimento e promoção dessa autonomia.

Curiosamente, se olharmos às nossas condições climatéricas, Portugal é um dos países com valores mais baixos no tempo dedicado a actividades de ar livre, situação com implicações menos positivas na qualidade de vida, nas suas várias dimensões, de miúdos e crescidos.

Talvez, devagarinho e com os riscos controlados, valesse a pena trazer os miúdos para a rua, mesmo que por pouco tempo e não todos os dias.

É, pois, importante que todos os que lidam com crianças, em particular, os que têm “peso” em matéria de orientação, pediatras, professores, psicólogos, etc. assumam o brincar como uma das “guide lines” para a sua intervenção.

Os mais novos vão gostar e faz-lhes bem.

Desculpem a insistência e a extensão, mas brincar é mesmo uma coisa séria.

sexta-feira, 6 de junho de 2025

A ESCOLHA ACERTADA

 Lê-se Público que não se verificará no 1.º e 2.º ciclo a utilização de manuais digitais. A decisão decorre da avaliação da experiência do projecto-piloto em curso desde 20/21 e também considerando as experiências de outros países. Para os restantes ciclos continua em análise a utilização dos manuais digitais.

Anda bem o Ministério ao assumir esta decisão. Repetindo-me, continuo cada vez mais convencido da necessidade de inflexão relativa à utilização precoce de manuais digitais. reflexão sobre esta questão. Um Relatório da Unesco divulgado em 2023, “Technology in education: A tool on whose terms?” é um bom contributo para sustentar esta decisão assim como o que vai conhecendo de iniciativas e análises em diferentes sistemas educativos que pretendem repensar a utilização dos recursos digitais casos da Noruega e Suécia.

Na verdade, parece em perda o inquietante “deslumbramento digital” e alguma evidência robusta sugere a maior prudência relativa à “transição digital” que, enquadrando de forma ajustada a inevitabilidade de incorporar estas ferramentas nos processos educativos, também volta a defender a importância de abordagens metodológicas ou didácticas “antigas”, “conservadoras”, tais como escrever à mão, desenhar, brincar na rua, ler em suporte papel, interagir presencialmente ou promover relações afectivas literalmente mais próximas, tudo ferramentas importantes de desenvolvimento e aprendizagem.

Apesar do seu enorme potencial as ferramentas digitais não são a poção mágica para o ensino e aprendizagem. Os computadores ou tablets na sala de aula, os smart boards, não promovem sucesso só pela sua existência. A forma como são utilizados por professores e alunos é que pode potenciar a qualidade e os resultados desse trabalho. Aliás, o mesmo se pode dizer de qualquer outro recurso ou actividade no âmbito dos processos de aprendizagem.

É certo que múltiplos estudos e experiências valorizam estes recursos nos processos de ensino e aprendizagem pelo que é importante garantir o acesso pela generalidade dos alunos, mas, não podem passar a ser o tudo no trabalho escolar.

Neste contexto e como já tenho afirmado, com base no que se sabe em matéria de desenvolvimento das crianças e adolescentes, dos processos de ensino e aprendizagem e da sua complexa teia de variáveis, das experiências e dos estudos neste universo, mesmo quando aparentemente contraditórios parece de considerar:

1 – O contacto precoce com as tecnologias digitais é, por princípio, uma experiência positiva para os alunos, para todos os alunos, se considerarmos o mundo em que vivemos e no qual eles se estão a preparar para viver. Nós adultos ainda estamos a pagar um preço elevado pela iliteracia, os nossos miúdos não devem correr o risco da iliteracia informática. Os tempos da pandemia mostraram isso mesmo.

2 – O computador/tablet, kits robóticos, smart boards, etc., na sala de aula são mais uma ferramenta, não são A ferramenta, não substituem a escrita manual e a leitura em papel, não substituem a aprendizagem do cálculo, não substituem coisa nenhuma, são “apenas” mais um meio, muito potente sem dúvida, ao dispor de alunos e professores para ensinar e aprender e agilizar o acesso a informação e conhecimento. Reafirmo a importância atribuída à leitura em papel e à escrita manual em termos de desenvolvimento e aprendizagem.

3 - O que dá qualidade e eficácia aos materiais e instrumentos que se utilizam na sala de aula não é a tanto a sua natureza, mas, sobretudo, a sua utilização, ou seja, incontornavelmente, o trabalho dos professores é uma variável determinante. Posso ter um computador para fazer todos os dias a mesma tarefa, da mesma maneira, sobre o mesmo tema, etc. Rapidamente se atinge a desmotivação e ineficácia, é a utilização adequada que potencia o efeito as capacidades dos materiais e dispositivos.

4 - Para alguns alunos com necessidades especiais o computador pode ser mesmo a sua mais eficiente ferramenta e apoio para acesso ao currículo.

5 – Para além de garantir o acesso dos miúdos aos materiais é obviamente imprescindível promover o acesso a formação e apoio ajustados aos professores sem os quais se compromete a qualidade do trabalho a desenvolver bem como, evidentemente, assegurar as condições exigidas para que o material possa ser rentabilizado. São por demais conhecidas as dificuldades sentidas nas escolas com os recursos e acessibilidade.

6 – Finalmente, como em todo o trabalho educativo, são essenciais os dispositivos de regulação e avaliação do trabalho de alunos, professores e escolas. Estes dispositivos devem incluir avaliação externa.

Como referi acima, não existem poções mágicas em educação por mais desejável que possa parecer a sua existência. Não deixemos que o fascínio deslumbrado pelo que se julga ser as "salas de aula do futuro" faça esquecer os problemas das salas de aula do presente.

quinta-feira, 5 de junho de 2025

O MESTRE ZÉ MARRAFA PARTIU

 Contrariamente ao que é habitual, o meu Alentejo tem um dia triste, partiu o Mestre Zé Marrafa. Depois de mais de trinta anos a ajudar-nos aqui no monte e após três anos em que o Mestre Zé já não era o Mestre Zé.

É impossível não recordar as lérias, a histórias da vida de um Homem que começou a trabalhar aos nove anos guardando porcos e tinha 85 anos.

Até aos oitenta e dois sempre esteve com agente aqui na lida e muitas vezes me “envergonhei” com a resistência e capacidade. O que aprendi sobre o campo, os calendários, a utilização do tractor, as tradições deram-me um mundo de encantamento com o Alentejo. O Mestre Zé fazia parte de um dos Coros de Viana e cultivava o Cante, a alma do Alentejo.

Era um artesão uma vez, pelo Natal, apareceu no Monte com dois presentes. Duas miniaturas em madeira feitas por ele, um chambaril, dispositivo que se usa na época da matança para pendurar o porco para desmanchar e uma bota de ceifeira alentejana. Ainda ali estão a lembrá-lo.

 Era um Homem vontadeiro, um dos muitos termos que aprendi com ele, e com um sentido de humor fino que lhe fazia brilhar os olhos pequenos. Dois exemplos.

Lembro-me de uma vez, num dia quente com os deste tempo, ele se queixar de uma dor no joelho, queixas que nele eram raras. Sem saber como ajudar e para me meter com ele fiz aquele comentário inteligente e habitual em situações em que a queixa provém de alguém já com uma estrada longa, por assim dizer, "é da idade Mestre Zé".

O Velho Marrafa olhou para mim e no seu jeito de sempre decretou:

“Não Sô Zé, isto não é da idade, o outro joelho não me dói e eles são os dois da mesma idade”.

Noutra ocasião também em tempo de calor lhe disse que estava anunciado um alerta vermelho. O Mestre Zé olhou para mim e comenta, “alerta por causa de calor no Verão?! Se viesse muito frio é que deviam avisar, no Verão do Alentejo querem o quê”.

Pois é Mestre Zé, já não vamos cumprir o que combinámos.

Lembra-se que plantámos uns sobreiros em 2011 que deveriam dar cortiça 25 anos depois e nós cá estaríamos para tirar a primeira cortiça e eu já não faria golpes no tronco por mau uso do machado.

E agora Mestre Zé? Um dia vou ter consigo.

Até lá obrigado pelo que foi para nós, pela ajuda, pelo exemplo, pelo ensino … por ser o nosso Mestre Zé.

Até esse dia.

quarta-feira, 4 de junho de 2025

SEMENTES DE MAL-ESTAR

 É impossível não ficar impressionado com o grave episódio agora conhecido envolvendo um jovem de Santa Maria da Feira, com 17 anos, que através de uma rede social conseguiu convencer vários menores no Brasil a realizar atrocidades incluindo um massacre escolar que motivou a morte de uma aluna e a tortura de animais de companhia. Estão também em causa a partilha de vídeos de abuso sexual de menores, incluindo bebés, divulgando cenários de violência e brutalidade impressionantes.

É ainda causa de grande perplexidade a ocorrência de uma situação desta natureza desencadeada por alguém com 17 anos.

Dito isto, também sabemos que nos tempos que correm o clima social, relacional e emocional nas comunidades de que fazemos parte nem sempre é muito amigável e cria caldos de cultura relacional em que o clima nas comunidades é ele próprio menos favorável ao bem-estar. Acresce o mundo que se esconde nos alçapões da net, designadamente nas redes sociais

Apesar de em Portugal estes casos de violência extrema serem menos frequentes e de menor gravidade que noutros países, levam-nos a questionar os nossos valores, modelos educativos, códigos e leis pela perplexidade que nos causam.

Esta perplexidade exige a necessidade de tentarmos perceber um processo que designo como "incubação do mal" que se instala nas pessoas, muitas vezes logo na infância e adolescência, a partir de situações de mal-estar que podem passar relativamente despercebidas, mas que insidiosamente começam a ganhar um peso interior insuportável cuja descarga apenas precisa de um gatilho, de uma oportunidade e, cada vez mais, a net está ali à mão, discreta e potente ferramenta para acções em múltiplos sentidos, neste caso o pior.  

A fase seguinte pode passar por duas vias, uma mais optimista em que alguma actividade, socialmente positiva, possa drenar esse mal-estar, nessa altura já desregulação de valores, ódio e agressividade. Uma outra via em que aumenta exponencialmente o risco de um pico que pode ser um ataque numa escola ou noutro espaço público ou uma investida contra alguém arriscando a entrada numa espiral de violência cheia de "adrenalina", em nome de coisa nenhuma a não ser de um "mal-estar" que destrói valores e gente.

Um caminho mais difícil de rastrear, percorre-se à frente de um ecrã, com acesso a um sem fim de oportunidades para alimentar, criar e desencadear comportamentos incontroláveis de profunda e múltipla violência.

É evidente que a detenção constitui um importante sinal de combate à sensação de impunidade perigosamente presente na nossa comunidade, mas é minha forte convicção de que só punir e prender não basta para minimizar o risco de episódios desta dimensão trágica.

Sabendo que prevenção e programas comunitários e de integração têm custos, importa ponderar entre o que custa prevenir e os custos posteriores da violência, de delinquência continuada ou de insegurança.

Importa ainda estratégias mais proactivas e eficientes de minimizar, a exclusão, o abandono e insucesso educativos, o “mal-estar” psicológico e problemáticas de saúde mental, a guetização e "quase total" e, muitas vezes, a desocupação de quem não estuda, nem trabalha. Para esta gente, o futuro passa por onde, por quem e porquê?

Finalmente, a importância de uma precoce e permanente atenção às pessoas, ao seu bem-estar, tentando detectar, tanto quanto possível, sinais que indiciem o risco de enveredar por um caminho que se percebe como começa, mas nunca se sabe como acaba.

terça-feira, 3 de junho de 2025

O AVESSO DOS MIÚDOS

 Uma das questões que com alguma frequência me dá que pensar é a constatação de que, com excepções evidentemente, boa parte dos discursos que produzimos sobre crianças e adolescentes são muitas vezes formulados pela negativa, ou seja,  referem-se quase sempre a dificuldades ou características percebidas com negativas e menos vezes com conteúdos positivos.

Este comportamento observa-se tanto em pais como em professores, sobrevalorizamos o que nos parece de menos bom e não referimos como seria desejável o que de positivo observamos nos mais novos.

É verdade que entre adultos tendemos a funcionar da mesma forma, recordo o enunciado de Marguerite Yourcenar no imperdível Memórias de Adriano, "O nosso grande erro é querer encontrar em cada um, em especial, as virtudes que ele não tem e desinteressarmo-nos de cultivar as que ele possui." Dito de outra maneira, o nosso olhar direcciona-se sobretudo para o que de menos bom aos nossos olhos os outros parecem ter, olhamos para o seu avesso e não para o seu direito, por assim dizer.

Voltando às crianças, adolescentes e jovens, isto traduz-se no recurso a uma adjectivação e apreciação muitas vezes negativas sobre eles, "não sabem", "não se interessam", são "distraídos" ou desatentos, "desajeitados", "teimosos", "mal educados", "mal comportados", "ignorantes", etc.

Como é evidente, esta minha conversa não significa um entendimento idealizado e ingénuo sobre os mais novos, apenas significa que, como toda a gente, têm direito e avesso, a minha questão é porque tendemos a ver apenas o avesso.

Tenho ainda a convicção de que qualquer de nós, pequeno ou grande, só aprende a partir do que sabe, só é mais pessoa a partir da pessoa que já é, só cresce a partir do que já cresceu, só faz mais e melhor a partir do que já fez e não a partir do que não aprendeu, não sabe, não é ou não faz.

Conversa de velho, já se vê.

segunda-feira, 2 de junho de 2025

NA VERDADE ...

 Lê-se no Expresso a referência a um estudo realizado por oito organizações não-governamentais de refere diferentes países europeus agrupado pela Bridge EU envolvendo 63 projectos financiados pela União Europeia em seis países, Bulgária, Chéquia, Grécia, Polónia, Hungria e Roménia.

A substância da notícia é que estes projectos financiados pela UE com pelo menos 1,1 mil milhões de euros violam na sua realização os direitos de minorias ou comunidades marginalizadas.

Como exemplos referem-se, “construção de habitação segregada para comunidades ciganas em áreas periféricas, longe de serviços públicos e sem condições mínimas de habitabilidade, a construção de residenciais para crianças com deficiência, afastando-as das suas famílias em vez de lhes proporcionar apoio em casa ou centros de acolhimento para pedidos de asilo em locais remotos da Grécia, com condições de vida degradantes.”

É mau demais, o mundo anda cruel, as coisas nem sempre são o que parecem, o que pensamos que são ou mesmo o que gostávamos que fossem em múltiplos contextos.

Na verdade, há pais que fazem mal aos filhos.

Na verdade, há filhos que fazem mal aos pais.

Na verdade, há professores que fazem mal aos alunos.

Na verdade, há alunos que fazem mal aos professores.

Na verdade, há velhos que fazem mal aos novos.

Na verdade, há novos que fazem mal aos velhos.

Na verdade, há pessoas que fazem mal a pessoas.

Na verdade, ...

Na verdade, ... o mundo é um lugar estranho e ... às vezes ... muito feio.

domingo, 1 de junho de 2025

O DIA DA CRIANÇA. SERÁ QUE UM DIA SERÃO TODOS?

 A agenda das consciências determina em muitos países, incluindo Portugal, que se cumpra para hoje o Dia da Criança. A liturgia variada associada à efeméride vai acontecer como de costume. As visitas, os passeios, as festas, etc., a oferta de espectáculos de todas as naturezas mostrará uma comunidade preocupada em fazer as crianças felizes. Muitas estão e parecem divertir-se, ainda bem. Algumas outras terão de passar por um dia cansativo.

A imprensa fará eco dos múltiplos eventos dirigidos às crianças, ouvirá por uma vez as crianças e produzir-se-ão, certamente, muitos discursos e referências centrados nos miúdos e ao seu mundo. Esta é mais uma.

Claro, neste dia, ouviremos sobre o que pensam do mundo, do seu mundo e da vida das pessoas, é "giro". É verdade que passa depressa, amanhã já não as ouvimos sobre o que as inquieta e lá voltam os miúdos, muitos, a gritar e a agitar-se para se fazerem ouvir.

Tudo bem, pois que seja, este tipo de efemérides serve também para isso mesmo, a encenação, sempre bem-intencionada da preocupação que descansa as consciências.

É verdade, felizmente, que muitas crianças vivem felizes, por assim dizer, adoptadas pelos pais, acolhidas pela escola e pela comunidade, são o futuro a crescer. É bom que assim seja.

No entanto e nestas alturas, lembro-me com frequência do Mestre Almada que na Cena do Ódio falava sobre "a Pátria onde Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga de Camões". De facto, apesar da vaga de discursos e iniciativas em nome das crianças, muitos passam mal, muito mal, todos sabemos.

Não cabem no Dia da Criança.

Não cabem os que diariamente são vítimas de crimes e maus-tratos.

Não cabem muitos dos que vivem numa instituição esperando por uma família que nunca virá.

Não cabem os que, por várias razões, são alvo de discriminação e a quem são negados direitos básicos.

Não cabem os que vivem em famílias que os não desejam e mal os suportam.

Não cabem os que a pobreza ameaça as suas necessidades básicas.

Não cabem os que vivem em famílias que sobrevivem envergonhadamente na pobreza que nos deveria envergonhar a nós.

Não cabem os que a escola não consegue ajudar a construir um futuro a que valha a pena aceder e sofrem políticas educativas nem sempre suficientemente amigáveis para os todos os miúdos.

Não cabem os que sofrem de solidão e isolamento sem que se perceba como não estão bem.

Não cabem os que vivem em situações de guerra das quais são sempre as vítimas mais vulneráveis.

Na verdade, estes miúdos de que acabei de falar, por vezes, parece que não existem, são transparentes, nem os vemos. Por isso, comemora-se o Dia da Criança com a convicção ingénua ou voluntarista de que, como dizia Pessoa, "o melhor do mundo são as crianças" e que elas são felizes, todas.

O que, obviamente, não corresponde à realidade, mas os poetas ... são uns fingidores.

E sabem o que é mais inquietante?

Este texto não prescreve.

sábado, 31 de maio de 2025

O CHARLATÃO

 Hoje, durante a viagem diária pela imprensa foi-se instalando de mansinho e de forma persistente na minha cabeça o Sérgio Godinho a cantar “O Charlatão”, uma canção de 1971 com música de José Mário Branco.

Ainda estou sem perceber porquê. Ou percebo e não gosto do que percebo?




sexta-feira, 30 de maio de 2025

MAS AS CRIANÇAS SENHORES?!

 Lê-se no Público que, de acordo com dados do INE, em 2024 o número de crimes contra menores registados atingiu um novo máximo.

Foram considerados 3237 crimes contra crianças e jovens abaixo dos 18 anos de idade. Os crimes de abuso sexual de crianças, adolescentes e menores dependentes ou em situação vulnerável e os registos de violência doméstica contra menores representaram por si, perto de um terço do total das queixas cada um, 32,2% e 31,9% do total, respectivamente. Em número de casos temos 1041 participações de abuso sexual de menores e 1033 de situações de violência doméstica.

Entre 2014 e 2024 o crime de abuso sexual tem sido o de maior incidência e o de violência doméstica contra menores o que mais aumentou, de 19,4% para 31,9%. Um dado ainda mais preocupante.

Esta realidade não pode deixar de criar um cenário de risco severo no que respeita ao desenvolvimento saudável e ao sucesso educativo destes miúdos e adolescentes e, portanto, à construção de projectos de vida bem-sucedidos.

Como é óbvio, em situações limite que envolvam carência alimentar, abuso, mendicidade, insucesso educativo e abandono escolar, estaremos certamente em presença de dimensões de vulnerabilidade que concorrerão para futuros preocupantes.

É este cenário inquietante que exige políticas públicas globais e sectoriais adequadas e com prioridades e objectivos identificados e sujeitas a regulação e avaliação.

quinta-feira, 29 de maio de 2025

DIA DA ESPIGA

 Muito provavelmente, com tantas coisas inquietantes a acontecer nestes tempos ásperos que vamos vivendo, já pouca gente notará que passa o Dia da Espiga, como se dizia quando era pequeno, para referir a Quinta-feira da Ascensão, 40 dias depois da Páscoa. A verdade é que cada vez menos nos iremos lembrando do Dia da Espiga. Os duros dias de hoje deixam pouco espaço e tempo para irrelevâncias ingénuas e poéticas como o Dia da Espiga.

No entanto, inevitavelmente, o Dia da Espiga leva-me umas dezenas de anos lá para trás no tempo.

Na minha casa íamos sempre procurar a sorte prometida no ramo da Espiga. Com o meu pai, pegávamos nas bicicletas, na altura o meio de transporte familiar, e íamos à quinta onde vivia a Avó Leonor apanhar o ramo da Espiga, papoilas, flores silvestres, sobretudo malmequeres amarelos e brancos, o que se encontrasse de espigas de cereais e o ramo de oliveira.

As espigas trariam o sustento, o pão, as papoilas a vida e o amor, os malmequeres a prosperidade, o ramo de oliveira a paz, o alecrim a saúde, a videira a alegria. De tudo isto resultaria o bem-estar e o ser feliz. Era bonita a ideia.

Fazia-se o ramo atado com ráfia, arranjávamos sempre mais do que um para oferecer aos vizinhos e colocava-se pendurado lá em casa por cima da mesa do jantar como chamariz da sorte. Saía apenas quando era substituído por um novo ramo da Espiga. Nunca me lembro de termos conseguido associar a presença do ramo ao que de bom nos ia acontecendo, mas o ramo da Espiga lá estava e a tradição era sempre cumprida.

Nas novas qualidades que o mundo vem tomando, não parece que possam caber minudências como andar no campo, se houver campo, à cata de flores, espigas e um raminho de oliveira. Por estes dias parece ainda menos provável.

Não sei se é bom, ou se é mau, mas eu gostava de ir à Espiga, mesmo se não confiava muito na sorte.

Resta dizer que o ramo da Espiga será construído daqui a pouco com o que encontramos aqui no monte. Cá em casa algumas tradições mantêm-se.

Coisas de velhos, já se vê.

Amanhã, voltamos à agenda e que a espiga nos traga sorte.

quarta-feira, 28 de maio de 2025

A HISTÓRIA DO PALHAÇO

Estamos perto do fim das aulas, ainda uma história da escola. 

Era uma vez um rapaz chamado Palhaço. O seu nome era dos mais conhecidos na escola onde andava. Desde o início que colegas e professores achavam um nome muito a propósito. É que o Palhaço passava o tempo a fazer, claro, palhaçadas.

Os colegas riam-se com ele e dele, estavam sempre à espera de qualquer cena ou situação inventada pelo Palhaço na sala de aula que os fizesse rir. Ele respondia ao que esperavam e todos os dias acontecia qualquer coisa de diferente, ou de repetido, mas sempre divertida, arranjada pelo Palhaço.

Os professores não achavam muita graça e inúmeras vezes o repreendiam ou até castigavam porque não suportavam as suas palhaçadas que atrapalhavam o funcionamento das aulas.

Toda a gente pensava que o Palhaço se divertia imenso com as suas palhaçadas pelo que, sobretudo os professores, se zangavam com ele, estava sempre a gozar, diziam, o que, obviamente, não se pode aceitar.

O mais curioso nesta história é que ninguém tinha percebido que o Palhaço detestava palhaços e palhaçadas. Por isso as fazia e se sentia infeliz a rir.

De tristeza.

terça-feira, 27 de maio de 2025

ALUNOS SEM PROFESSOR, (MAIS) UM NOVO NORMAL

 Lê-se no JN que, segundo dados divulgados pela Fenprof, na última semana existiriam cerca de 24000 alunos sem professor a, pelo menos, uma disciplina e estamos a poucos dias do final das aulas.

Como aqui escrevi há pouco, se bem se lembram, em Novembro foram divulgados pelo ME dados errados relativamente aos estudantes que, perto do final do 1.º período, não tinham ainda professor a todas as disciplinas.

Entretanto, foi solicitada, perdão, comprada, uma auditoria externa à consultora KPMG para encontra o mágico número de alunos sem docente a todas as disciplinas.  É ainda relevante que a segunda parte da encomenda à consultora é relativa a “propostas para a melhoria do sistema de apuramento do número de alunos sem aulas para os diferentes momentos do ano lectivo”. Parece até um bocadinho estranho que entre as diferentes estruturas do ME não exista conhecimento e competência para realizar algo que, obviamente, faz parte das suas atribuições. Mas nada de novo, as consultoras também precisam de trabalho e espera-se sempre que o relatório apresentado venha coberto por um manto de isenção.

A divulgação dos resultados reais esteve prevista para Março, depois para Abril, no princípio deste mês aguardava-se para “os próximos dias”.

Há alguns dias , o Ministro da Educação afirmou à TSF que “Não sabemos se vamos ficar a saber” e mais adianta, “Penso que não, a informação que nós temos é que não é possível contabilizar esse número de uma forma rigorosa.”

Dito de outra maneira, 52750 euros depois e no final das aulas deste ano lectivo continua a não existir a informação segura sobre a irrelevante questão de quantos alunos não têm professor a todas as disciplinas.

Talvez valha pena recordar que o MECI tem como estruturas: Secretaria-Geral, Inspecção-Geral da Educação e Ciência, Direcção-Geral da Administração Escolar, Direcção-Geral da Educação, Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares, Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, Instituto de Avaliação Educativa, Instituto de Gestão Financeira da Educação, I. P.

Será que nenhuma destas tem capacidade de resposta para esta questão tão fácil de enunciar, “Quantos alunos não têm professor a todas as disciplinas?”

Acresce ainda que, talvez por ignorância minha, é expectável que as direcções de escolas e agrupamentos tenham dados seguros sobre a falta de docentes para os seus alunos. Nem me parece que para agregar estes dados seja necessário um sistema altamente sofisticado.

A verdade é que tudo isto é mau demais, não parece sério e de competência tem nada.

Vivemos tempos estranhos. Lidamos diariamente com “novos normais”, por assim dizer. A existência de tantos alunos sem professor já no final do ano lectivo passa quase despercebida. Claro que os próprios alunos, a família e, naturalmente, os outros professores destes alunos sentem o que é, de facto, um problema sério e com consequências óbvias no trajecto escolar destes alunos. Como será o trajecto escolar destes alunos? Que está previsto que possa minimizar o impacto nas aprendizagens que não se realizaram? Que responsabilidades assumidas?

Há décadas que a falta de docentes estava escrita nas estrelas e sucessivas equipas ministeriais, para além de más políticas públicas que afastaram milhares de professores das escolas negavam a evidência, ouvia-se o mantra dos “professores a mais”. Maria de Lurdes Rodrigues e Nuno Crato foram dois exemplos de incompetência e irresponsabilidade nesta matéria e nem um rasgo de seriedade no assumir do que é óbvio, falharam. Continuam serenos e de consciência tranquila, provavelmente, também com uma outra percepção, está na moda, do que é consciência tranquila.

O resultado está à vista, o atropelo a um direito fundamental, o direito à educação, e o desempenho escolar de muitos alunos prejudicado pela falta de docentes.

As famílias com mais recursos recorrem ao ensino privado ou a explicações externas, as outras … lamentam.

As escolas tentam o milagre de que não podemos depender.

A questão é que cada vez se torna mais difícil falar de responsabilidade. Entrámos no mundo da irresponsabilidade.

Com que preço? Pago por quem?

E não acontece nada?

segunda-feira, 26 de maio de 2025

ECRÃS EM CASA E NA ESCOLA

 No Expresso e no Público encontram-se dois interessantes trabalhos relativos a uma dimensão significativa nos contextos educativos escolares e familiares.

No Expresso temos uma entrevista com Ivone Patrão a propósito do seu livro, "Ainda Vamos a Tempo" sobre a problemática do excesso de exposição a ecrãs, designadamente do telemóvel, nos contextos familiares. A sua experiência e conhecimento e orientações são merecedores de atenção.

No Público aborda-se a questão da utilização de videojogos em contextos escolares, sobretudo, mas também em contextos familiares. É tratado de forma que me parece interessante e adequada o difícil, mas necessário, equilíbrio entre as vantagens e os riscos da sua utilização.

A peça está organizada em torno dos resultados do estudo “Os Jogos na Escola 2023-2024” coordenado por Joaquim Fialho e dados do projecto “European Schoolnet e Video Games Europe​”.

Duas peças úteis para pais e docentes e a imprescindível reflexão sobre estas matérias.

domingo, 25 de maio de 2025

DA PROTECÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS

 Foi divulgado o Relatório de Actividade da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e da Protecção das Crianças e Jovens relativo a 2024. Vejamos alguns indicadores.

No ano anterior foram recebidos pelas Comissões de Protecção e Crianças e Jovens 89008 processos de Promoção e Protecção de crianças e jovens em risco. Este valor traduz um aumento de 5,5% relativamente a 2024.

A negligência é a situação de risco mais denunciado, 19 107 casos, 30,4% do total, depois surge a violência doméstica, 17295 casos, um abaixamento ligeiro comparando a 2023. Em terceiro lugar estão os comportamentos de perigo na infância e juventude com 11795 situações, 18,8% do total e uma subida de 1425 situações face a 2023.

 As Comissões de Protecção identificaram 13.373 crianças e jovens com diagnóstico de necessidade de aplicação de medida de promoção e protecção. A maior prevalência verifica-se na faixa etária dos 15 aos 17, 26,9% do total, com 3599 jovens, 1562 do sexo feminino e 2037 do sexo masculino.

As forças de segurança comunicaram 425 das situações e as escolas 18, 8%.

Verificou-se, naturalmente, um maior volume de actividade das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens.

De há muito e a propósito de várias questões afirmo que em Portugal, apesar de existirem diferentes dispositivos de apoio e protecção às crianças e jovens e de existir legislação no mesmo sentido sempre assente no incontornável “superior interesse da criança", não possuímos ainda o que me parece mais importante, uma cultura sólida de protecção das crianças e jovens como alguns exemplos regularmente evidenciam.

Por outro lado, as condições de funcionamento as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens que procuram fazer um trabalho eficaz estão ainda longe de ser as mais adequadas e operam em circunstâncias difíceis. Na sua grande maioria, as Comissões têm responsabilidades sobre um número de situações de risco ou comprovadas que transcendem a sua capacidade de resposta.

A parte mais operacional das Comissões, a designada Comissão restrita, é composta por muitos técnicos em tempo parcial. Tal dificuldade repercute-se, como é óbvio, na eficácia e qualidade do trabalho desenvolvido, independentemente do esforço e empenho dos profissionais que as integram.

Muitas vezes tenho aqui referido a necessidade maior investimento e eficiência no âmbito do sistema de protecção de menores. Para além do reforço dos recursos das CPCJ seria desejável uma melhor integração e oportunidade das respostas a situações detectadas, uma adequação às mudanças e novas realidades na área dos Tribunais de Família e Menores, etc. Os serviços de apoio às comunidades, ainda que regulados e escrutinados, deverão ser suficientes e adequados em recursos e procedimentos.

Este cenário permite que ocorram situações, frequentemente com contornos dramáticos, envolvendo crianças e jovens que sendo conhecida a sua condição de vulnerabilidade não tinham, ou não tiveram, o apoio ou os procedimentos necessários. É então provável que, depois de se conhecerem episódios mais graves, possamos ouvir expressão que me deixa particularmente incomodado, a criança estava “sinalizada” ou “referenciada”, mas dessa "sinalização" não decorreu a adequada intervenção.

Sinalizamos e referenciamos com relativa facilidade, a grande dificuldade é minimizar ou resolver os problemas das crianças referenciadas ou sinalizadas. Importa ainda não esquecer as que passam mal em diferentes aspectos sem que estejam sinalizadas ou referenciadas. Nos tempos que atravessamos os riscos serão maiores.

Por isso, sendo importante registar uma aparente menor tolerância da comunidade aos maus tratos aos miúdos, também será fundamental que desenvolva a sua intolerância face à ausência de respostas.

As crianças são resilientes, mas família, afecto, contextos educativos de qualidade, são bens de primeira necessidade.

Como afirma, Benedict Wells em “O fim da solidão”, “Uma infância difícil é como um inimigo invisível. Nunca se sabe quando nos vai atingir”.