sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

DA ESCOLA

 Na próxima semana recomeça a escola e, para não variar, não começará de igual forma para todos e não se vislumbra quando assim será. É impossível a indiferença, a educação em geral e a educação escolar mais em particular, foram e continuam a ser o meu universo profissional e a minha paixão, é-me difícil não “pensar” na escola. Também será verdade que com os netos em idade escolar a atenção ainda é maior.

O olhar para a escola, enquanto instituição, não nos (me) sugere a tranquilidade que desejaria e julgo ser necessária apesar dos sobressaltos próprios de uma instituição viva, multidimensionada e diversa.

Creio que muitos de nós ligados à educação e à escola continuamos a ter um olhar encantado sobre a sala de aula e sobre o estar com alunos, mas um olhar muito desencantado com a escola ainda que não queira produzir generalizações abusivas. Também é verdade que este olhar desencantado coexiste com uma visão e discursos que parecem assentes num exercício de “wishful thinking”, particularmente promovidos pelas sucessivas tutelas em que (quase) tudo parece estar bem e no bom caminho.

Não vou considerar aqui os aspectos críticos ligados às questões de natureza profissional do maior grupo que está na escola, os docentes, desde logo a dramática falta, a sua valorização e a carreira adequada e actualizada, os modelos e impactos da sua avaliação, o estatuto salarial, as características demográficas, o cansaço e as consequências que daí advêm, entre outros. São muito importantes e exigem uma acção que tarda.

Estas notas dirigem-se mais para a escola enquanto instituição e o desencanto que parece estar a produzir. São múltiplas as dimensões contributivas para algum mal-estar.

Muitas vezes aqui tenho abordado algumas dessas questões e sem ordenar por qualquer critério creio que o modelo de governança da escola, a esmagadora carga de burocracia que consome esforço e tempo por docentes e técnicos, uma narrativa assente numa permanente ideia de inovação e mudança de paradigma que produz uma chuva de projectos e de iniciativas, muitas vezes, vindas do exterior, quer em programas de intervenção, quer em programas de formação, agora diz-se capacitação, que consomem recursos (tempo, materiais e humanos) com avaliações que nem sempre são suficientemente sólidas, são alguns exemplos.

Para além dos professores, são insuficientes os técnicos e auxiliares de educação como ontem aqui referi. A escola carece de dispositivos de apoio suficientes e competentes para alunos e professores bem como de recursos que sempre se anunciam, mas sempre se atrasam, meios digitais, por exemplo. A designada transição digital é um mar encapelado.

A autonomia das escolas e dos profissionais que estão na escola, associada a caminhos nem sempre claros de municipalização e regionalização, também são variáveis desta equação.

Como disse, não tenho qualquer intenção de produzir discursos negativos e muito menos catastrofistas, confio na escola, sou obrigado a isso, a escola é a base que sustenta o desenvolviento e o futuro, mas, para que assim seja, importa que tenhamos uma perspectiva realista dos problemas, a única maneira de poder procurar um caminho mais positivo.

Que caminhos percorreremos este ano?

quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

NOTÍCIAS DA CHAMADA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

 No Observador encontra-se uma extensa peça sobre as dificuldades sentidas por pais de crianças com necessidades especiais de alunos de uma escola do 1.º ciclo em Lisboa para encontrar respostas adequadas às necessidades identificadas.

A escola não tem meios ou recursos humanos suficientes e os pais vão acompanhando as aulas dentro das suas possibilidades tendo também contratado uma terapeuta.

Sim, estamos a falar de escola pública e do direito à educação.

Recordo que em Novembro se realizaram em Évora, Lisboa, Faro, Coimbra e Porto manifestações convocadas pelo Movimento por uma Inclusão Efectiva para expressão e chamada de atenção sobre os problemas sentidos nas escolas para o cumprimento do direito à educação de crianças com necessidades especiais, pedindo desculpa pela expressão que, parece, já não se deve usar.

Lamentavelmente são recorrentes as vozes de pais, professores, técnicos ou directores escolares e algumas referências na imprensa relativamente a essas dificuldades e, como se dizia há uns anos, … a luta continua.

Algumas notas retomadas, não vale a pena inventar.

Segundo dados da DGEEC, no ano lectivo passado, estavam cerca de 90000 alunos ao abrigo de medidas selectivas e/ou adicionais de acordo com o DL 54/2018.

Recordo que em 2018 o ME decidiu que já não podíamos referir alunos com “necessidades educativas especiais” porque a designação não era conforme a “educação inclusiva”, categorizava alguns alunos o que não é uma boa prática. Assim, determinou que os alunos que revelavam algum tipo de dificuldade eram objecto de medidas educativa arrumadas em três categorias, as medidas “universais”, as medidas “selectivas” e as medidas “adicionais”. Isto parece que é uma outra forma de categorizar, mas não é. Na educação inclusiva é assim que se faz.

Também acontece que temos alguma dificuldade em interpretar os dados que vão sendo divulgados, aumenta o número de alunos com dificuldades de alguma natureza ou aumenta o número de alunos com medidas aplicadas. E quais as dificuldades dos alunos que se inscrevem nas medidas “universais” e assim ficam incluídos.

São habituais, tal como na peça, as preocupações com a insuficiência preocupante dos recursos humanos, professores e técnicos, designadamente psicólogos e terapeutas, auxiliares educativos bem como o crescimento significativo do número de alunos sinalizados com algum tipo de dificuldade. Aliás, também se conhecem situações em que professores com funções de apoio assumem outro trabalho minimizando a falta de professores.

 Deste quadro resulta a impossibilidade de assegurar a muitos alunos aquilo que é “apenas” um direito e não um privilégio, uma resposta educativa de acordo com as suas necessidades. Sim, eu sei que não é fácil, mas também sei que existem responsáveis pelas políticas públicas de diversos sectores envolvidas nestas questões.

A verdade é que torturar a realidade não a obriga a confessar. Muitos alunos não, não estão incluídos nem sequer integrados, estão “entregados” com as consequências que professores e pais bem conhecem. E não estou a considerar apenas os “Selectivos”, os “Adicionais” ou os “Universais”.

Este cenário de insuficiência de recursos tem sido referenciado em trabalhos diversos incluindo da Inspecção-Geral de Educação e Ciência.

Como tenho afirmados e escrito inúmeras vezes, acompanhei com esperança e expectativa a mais do que necessária, reafirmo, mudança legislativa desencadeada no âmbito da Educação Inclusiva que se traduziu no DL 54/2018 ele próprio associado a todo um quadro de mudança envolvendo, designadamente a definição do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, das Aprendizagens Essenciais ou o Decreto-Lei n.º 55/2018 relativamente ao currículo. Todo este edifício potenciaria a inovação, a mudança de paradigma, de vários paradigmas aliás, e alguns falavam mesmo da revolução que estava em marcha e anunciavam os amanhãs que cantam.

Com confiança em algumas virtudes do novo quadro aguardei expectante pela revelação da anunciada escola inclusiva de 2ª geração. No entanto, para meu desconforto e cansaço, o que fui conhecendo e vai sendo divulgado não me ajudou a perceber o que seria.

Continuo a verificar que, tal como aconteceu com o velho 319/91, (nesta altura eu já trabalhava neste universo há 15 anos), quer com o 3/2008 e depois com o actual 54/2018 existiam e existem professores, técnicos e escolas a realizar trabalhos notáveis que devem ser conhecidos e reconhecidos.

A avaliação dos alunos, a definição dos apoios nas diferentes tipologias (já usadas como categorização uma vez que a outra categorização já não existe), o funcionamento das Equipas, os recursos disponíveis, a organização da intervenção, os papéis ou a articulação dos intervenientes continuam com inúmeros sobressaltos. Recebo muitos testemunhos e, como referi, os dados conhecidos também não são particularmente animadores.

Apesar de agora estar já desligado em termos profissionais, o interesse e a paixão por este universo não se reforma, mantêm-se e apesar do cansaço, sempre me animo quando conheço situações muito positivas que, felizmente, acontecem todos os dias em tantas escolas.

No entanto, nem tudo vai bem, muito longe disso. Insisto, não torturem a realidade que ela não vai confessar, alterem-na, e o que espera de políticas públicas e de promoção de direitos inalienáveis.

Há muito que fazer, muito para caminhar. Afinal o Ano Novo já está a ficar velho.

PS – Já agora e mais uma vez, talvez já vá sendo tempo de não insistir no uso da designação "educação inclusiva" para referir a educação dos alunos que têm algum tipo de dificuldade e que se encaixam nas novas "categorias", os "universais", os "selectivos" e os "adicionais" criadas pelo DL 54, a educação inclusiva é de todos e, portanto, deveria ser “apenas” educação.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

OS SONHOS QUE SOBRARAM DO NATAL

 Umas notas assentes em Sebastião da Gama, "Pelo sonho é que vamos".

Estamos já em 2025, no Ano Novo. Acabaram os dias em que todas as falas e todos os escritos finalizavam num incontornável Bom Ano Novo. Muitos de nós fizemos mesmo questão de nos prepararmos a sério para bem recebermos o Ano Novo, de acordo com as posses e os valores de cada um, evidentemente. Desejo que as entradas tenham sido felizes. Por outro lado, também se festejariam as saídas de um ano que não deixa grandes recordações em termos globais

O Ano que agora começou também virá de acordo com as posses de cada um.

É sempre assim. E se não fosse?

E se por uma vez, finalmente, o Ano Novo fosse mesmo Novo? Por exemplo:

Ser Novo no respeito efectivo pelos direitos básicos das pessoas e no combate sério e empenhado às desigualdades e à exclusão e pobreza.

Ser Novo na gestão da coisa pública com transparência, justiça e ao serviço das pessoas.

Ser Novo na definição de políticas dirigidas às pessoas e não ao sabor dos endeusados mercados e da agenda da partidocracia.

Ser Novo no entendimento definitivo de que o caminho do nosso futuro passa pela sustentabilidade e pela dignidade.

Ser Novo no recentrar das grandes questões da educação na qualidade dos processos educativos, na tranquilidade, na valorização e no sucesso do trabalho de alunos e professores.

Ser Novo na construção de uma escola onde coubessem todos os alunos sem que o cumprimento de direitos e a qualidade da resposta pública a todos os que estão na idade de a frequentar pudesse, sequer, ser motivo de discussão.

Ser Novo no combate ao desperdício e à iniquidade de mordomias insustentáveis.

Ser Novo nos discursos e padrões éticos das lideranças políticas, económicas e sociais.

Ser mesmo Novo, estão a ver?

Que o Ano Novo vos (nos) seja leve.

Tão leve e tão novo quanto possível.

Há uns que tenho colocado parecidas com estas … não resultou. O Ano Novo que estava para chegar não foi tão novo assim, aliás, em muitos aspectos nasceu e viveu velho.

O mundo tornou-se um lugar ainda mais mal frequentado.

Será 2025 um Ano Novo?

Ou amanhã vamos achar que nasceu velho e começar a espera do Ano Novo?