terça-feira, 31 de dezembro de 2024

BOM ANO

 É o dia em que todas as falas acabam num desejo de Bom Ano Novo.

Nunca como agora precisámos de um Ano Novo que seja mesmo … Novo e Bom.

Mais regularmente os Anos Novos nascem envelhecidos em muitos aspectos o que no seu final nos leva a renovar as promessas e os desejos de mudança. Os últimos têm sido particularmente duros. Ainda assim insistimos, não nos tiram a esperança e repito a mensagem.

Nunca como agora precisámos de construir pontes sobre as águas turbulentas que são os nossos dias e que não podem ser o novo normal.

Nós, os nossos filhos, os filhos dos nossos filhos, os filhos dos … têm direito a um futuro que começa agora. Também depende de nós, das pontes que construirmos e dos muros que derrubarmos.

Assim, Bom Ano Novo.

Tão Bom quanto possível no que de nós não depende, tão Novo quanto conseguirmos naquilo que podemos e queremos.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

NOTÍCIAS DA CORRIDA DE OBSTÁCULOS

 Em resposta às inúmeras e diversas queixas de pessoas com deficiência à Provedoria de Justiça relativas ao acesso a produtos e apoios providenciados através do Sistema de Atribuição de Produtos de Apoio (SAPA), foi realizado um estudo agora divulgado que evidencia justamente os obstáculos e constrangimentos que têm motivado e mantido as queixas.

Seria suposto que fosse “um sistema de atribuição gratuita e universal”, mas em termos reais as dificuldades e demoras são recorrentes.

Acresce que, lê-se no estudo realizado e citado pelo Público, “Estas dificuldades reflectem-se no número reduzido de beneficiários, muito inferior ao universo de pessoas com deficiência ou incapacidade”. Com base nos dados do Eurostat e do Instituto Nacional para a Reabilitação, relativos a 2023, em Portugal, 33,4% das pessoas com 16 ou mais anos de idade têm pelo menos uma incapacidade. No entanto, “não chegou a 23.000 o número de pessoas apoiadas através do SAPA”. ´

É recomendada a revisão profunda deste Sistema de Atribuição de Produtos de Apoio.

Não é surpresa. Na verdade, a vida de muitas pessoas com deficiência é uma constante e infindável prova de obstáculos, muitas vezes intransponíveis, que ampliam de forma inaceitável a limitação na mobilidade que a sua condição, só por si, pode implicar. No entanto, muitos dos obstáculos não têm a ver com barreiras físicas, remetem para a falta de senso, incompetência ou negligência com que gente responsável(?) lida com estas questões.

Muitos destes obstáculos estão associados ao que as comunidades e as suas lideranças, políticas por exemplo, entendem ser os direitos, o bem comum e o bem-estar das pessoas, de todas as pessoas.

Também para as crianças com necessidades especiais e respectivas famílias a vida é muito complicada face à qualidade e acessibilidade aos apoios educativos e especializados necessários apesar do empenho e profissionalismo da maioria dos profissionais que trabalham nestas áreas.

Como é evidente, existem muitas outras áreas de dificuldades colocadas às pessoas com deficiência, designadamente apoios sociais, qualificação profissional e emprego, em que a vulnerabilidade e os riscos de exclusão e pobreza são elevados traduzido em taxas de desemprego entre pessoas com deficiência muitíssimo superiores à verificada com a população sem deficiência.

Uma referência, mais uma vez, ao que deve ser um princípio não negociável, a inclusão em todos os domínios da vida das comunidades.

É verdade que a questão da inclusão, em particular da inclusão em educação, é presença regular nos discursos actuais. É objecto de todas as apreciações, ilumina todas as perspectivas e acomoda todas as práticas, incluindo a “entregação” que manifestamente não promove inclusão, antes pelo contrário. Apesar do bom trabalho que existe e deve ser sublinhado, por vezes, demasiadas vezes, confunde-se colocação educativa, crianças com necessidades especiais na sala de aula regular, com inclusão. Aliás, até a exclusão de muitos alunos da sala de aula e das actividades comuns é frequentemente realizada … em nome da inclusão. E não acontece nada.

A inclusão assenta em cinco dimensões fundamentais, Ser (pessoa com direitos), Estar (na comunidade a que se pertence da mesma forma que estão todas as outras pessoas), Participar (envolver-se activamente da forma possível nas actividades comuns), Aprender (tendo sempre por referência os currículos gerais) e Pertencer (sentir-se e ser reconhecido como membro da comunidade). A estas cinco dimensões acrescem dois princípios inalienáveis, autodeterminação e autonomia e independência.

As pessoas com deficiência não precisam de tolerância, não precisam de privilégios, não precisam de caridade, precisam só de ver os seus direitos considerados. Os direitos não são de geometria variável cumprindo-se apenas quando é possível.

Este é o caderno de encargos que nos convoca a todos.

domingo, 29 de dezembro de 2024

PARABÉNS DN, CONTA MUITOS

 Na leitura diária da imprensa tropecei com a notícia de que o DN completa hoje 160 anos, foi fundado em 29 de Dezembro de 1864. Bonita idade!

No início do ano foi notícia as dificuldades do grupo detentor do DN e de outros títulos e esperemos que a situação esteja mais estável. Actualmente, é conhecida a situação crítica do grupo Trust In News que detém, entre outros, a Visão, a História e o JL que veremos como evolui. É um lugar-comum, mas uma imprensa de qualidade é um dos alicerces da democracia e nunca como hoje se tornou tão necessária.

É recorrente, não só em Portugal, a discussão da questão da sobrevivência da imprensa e, naturalmente, da sua independência face aos poderes, político e económico, designadamente. Sabemos das tentativas recorrentes de controlo político da imprensa, como também sabemos da eventual agenda implícita dos investimentos dos grupos e poderes económicos na imprensa. São múltiplos os exemplos recentes. Sabemos que a sustentabilidade económica da imprensa é condição necessária, mas não suficiente para a sua independência e por isso os tempos são difíceis.

Por outro lado, a evolução do próprio mundo da imprensa, a evolução exponencial do universo do on-line, a conjuntura económica inibidora de gastos das famílias em bens “não essenciais” e, caso particular de Portugal, o baixo nível de hábitos de leitura e consumo da imprensa escrita, produzem dificuldades de sobrevivência de títulos de qualidade, chamados de referência, abrindo caminho à chamada imprensa tablóide que, apesar das oscilações, se mantém relativamente saudável, o que se entende. São também tablóides os tempos. A esta realidade soma-se a explosão das redes sociais e o consumo de “notícias” através destes suportes diluídas em manipulação e desinformação potenciadas pela IA. Acresce ainda a eventual falha dos modelos de gestão das empresas detentoras.

Como leitor de jornais ou revistas desde muito novo, é sempre com inquietação e tristeza que penso nestas questões e vou assistindo ao abaixamento das tiragens e, finalmente, ao desaparecimento.

Numa entrevista ao Público há já algum tempo, um especialista, Tom Rosenstiel, afirmava que se o jornalismo deixar de ser rentável e, como tal, correr o risco de desaparecimento, as democracias poderão sofrer um "cataclismo cívico". Creio que a cidadania de qualidade exige uma imprensa não só voltada para o imediatismo da espuma dos dias e acredito que apesar das mudanças em tecnologia e das incidências do mercado a que os jornalistas, a imprensa saberá adaptar-se. Quero acreditar que a imprensa, jornais ou rádio com qualidade, são como os dias, nunca acabam. Se forem jornais ou revistas, bons jornais, boas revistas, independentemente do suporte têm de resistir.

No entanto, parecem-me inquietante os potenciais efeitos que a precariedade e a fragilidade da situação profissional de muitos jornalistas possam tornar a sua função ainda mais vulnerável, trata-se da sobrevivência, às questões da qualidade e, como é referido, a constrangimentos em matéria de ética e deontologia.

No mesmo sentido, a fragilidade do jornalista enquanto profissional é também favorável à existência de pressões de várias origens e com impacto potencial inquietante no papel que se espera que a imprensa cumpra em sociedades abertas e democráticas.

Talvez, estes dados nos ajudem a perceber aquilo que para quem acompanhe diariamente a imprensa portuguesa se torna razoavelmente claro, a existência de agendas e critérios editoriais, uns mais explícitos, outros mais dissimulados, mas evidentes, que constroem narrativas em que o jornalista mal pago, com um lugar precário e pressionado é apenas um peão executivo.

Não é de agora, mas este quadro agrava a natureza da relação dos poderes, designadamente do poder político, com a comunicação social que tem algumas particularidades interessantes.

Se estivermos atentos, reparamos como todos se procuram servir da comunicação social para a defesa dos seus interesses pessoais, partidários, institucionais, económicos, etc. Nada de novo, sabemos o peso que a comunicação social tem nas sociedades actuais e nos últimos tempos também temos tido sucessivos episódios ilustrativos dessas nebulosas relações.

Nesta matéria, para além das consequências óbvias destes comportamentos, parece-me particularmente irritante a forma quase infantil, está um pouco na moda este tipo de infeliz comparação, mas não resisto, como algumas figuras reagem ao ser abordadas pela imprensa sobre assuntos sobre os quais, por várias razões, não lhes interessa discorrer. Surgem então as afirmações patéticas, “não tenho nada a acrescentar”, “desculpem, não comento”, “não estou aqui para falar dessas matérias,” “no estrangeiro não comento questões nacionais”, etc., etc. Este pessoal desenvolve assim uma espécie de surdez selectiva, só ouve o que lhe convém, de mutismo selectivo, só fala do que lhe convém, de cognição selectiva, só conhece o que lhe convém.

No entanto, são também estas as figuras que directamente ou através de terceiros, lambem as botas às redacções e aos jornalistas (quanto mais influentes melhor) e pedem, exigem, tempo de antena quando tal serve os seus diferentes interesses. Por outro lado, é também patético e preocupante assistir ao trânsito entre redacções e lugares de assessoria e em gabinetes políticos numa promiscuidade que mina a solidez ética da classe.

Parece-me ainda preocupante o peso que na imprensa assumem os “comentadores”, ocupam mais espaço que as notícias, vendem agendas, mascaram-se de jornalistas quando, na sua maioria, mais não são que “papagaios” dos poderes ou dos aspirantes a poderes.

Para combater este pântano seria necessária uma imprensa forte, não proletarizada e precária que pudesse cumprir a sua imprescindível função.

A imprescindível sobrevivência da imprensa, da boa imprensa, para além da qualidade e competência do seu próprio trabalho, também se garante na escola, nos hábitos de leitura, na educação, na cidadania.

sábado, 28 de dezembro de 2024

A METADE DO CÉU

 No Público de ontem, uma peça sustentada pelo boletim estatístico “Igualdade de Género em Portugal 2024”, da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, mostra que, apesar de algumas melhorias em algumas actividades, ainda se verifica uma desigualdade significativa entre homens e mulheres em termos de salário apesar de alguma aproximação e no acesso a funções de poder e decisão. É ainda bastante significativa no mundo digital considerando o acesso a formação e à actividade profissional.

Apesar de alguma evolução em algumas dimensões, as situações de desigualdade no âmbito profissional traduzido em assimetrias salariais, oportunidades de carreira, precariedade, dificuldade em conciliar carreira com maternidade, etc., mantêm-se de forma considerável.

Também no contexto familiar é elevada a disparidade no envolvimento de tarefas entre homens e mulheres com a sobrecarga destas. A tradição ainda é o que era.

Na verdade, a metade do céu que as mulheres representam ainda carrega um fardo pesado.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

VEMOS, OUVIMOS E LEMOS ...

 Sim, eu sei, estamos no tempo das Boas Festas, da entrada num Ano Novo, mas recordando a Cantata da Paz de Sophia de Mello Breyner Andresen, “vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar”.

Vem este início a propósito de uma peça no JN sobre o abaixamento do número de crianças em situação de pobreza que frequentam a educação pré-escolar.

Com base em dados do Eurostat que também aqui referi em Junho, em Portugal, no final de 2023, considerando a primeira infância, até aos seis anos, a taxa de risco de pobreza é de 21,6%, um aumento de 4%, face a 2022.

Em 2023, 13,4% destas crianças não frequentam o jardim de infância, o dobro do verificado no ano anterior.

Importa ainda que a percentagem que frequenta o jardim de infância 24h semanais ou menos aumentou de 1,6% para 14,9% e o número de crianças que frequenta a tempo inteiro, 25h ou mais, baixou 20 pontos para 71,7%.

A educação do pré-escolar por parte de crianças que não se encontram em risco de pobreza é de cerca de 89,1%. Continua, assim, a verificar-se uma consistente dificuldade no acesso a educação pré-escolar.

Se atentarmos na idade de creche, dos 0 aos três anos e recuperando o relatório “Portugal, Balanço Social 2023”, realizado pela Nova SBE Economics for Policy. De acordo com o trabalho, 82% das crianças pobres com três anos ou menos não frequentam pelo menos 30h de creche.

Continuamos com uma enorme dificuldade em minimizar os riscos de pobreza e exclusão e sabemos como o acesso à educação é uma poderosa alavanca de desenvolvimento.

Apesar da gratuitidade da frequência da creche em 2022, a insuficiência de vagas dificulta o acesso das famílias de menor rendimento apesar de alguns efeitos decorrentes do Programa Creche Feliz.

Está bem estudada a relação entre a situação económica, laboral e nível de literacia familiar no trajecto pessoal. E também sabemos que situações de "guetização da pobreza" são um obstáculo à sua minimização.

Também sabemos que a pobreza tem claramente uma dimensão estrutural e intergeracional, as crianças de famílias pobres demorarão até cinco gerações a aceder a rendimentos médios, um indicador acima da média europeia.

A escola é certamente uma ferramenta poderosa de promoção de mobilidade social, mas, por si só, dificilmente funciona como elevador social. Muito menos o fará em circunstâncias em que a maioria vive em piores condições.

O impacto das circunstâncias de vida no bem-estar das crianças e em aspectos mais particulares como o rendimento escolar ou o comportamento é por demais conhecido e essas circunstâncias constituem, aliás, um dos mais potentes preditores de insucesso e abandono quando são particularmente negativas, como é o caso de carências significativas ao nível das necessidades básicas.

Esta questão deveria ser uma prioridade clara nas políticas públicas.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

ENTRE O NATAL E O ANO NOVO

 Como tantas vezes repetimos e ouvimos, meteu-se o Natal e agora mete-se o Ano Novo.

Os dias que medeiam entre o Natal e o Ano Novo têm, do meu ponto de vista, um conjunto de características muito particulares. Fico sempre com a sensação de que os percebemos como não dias. Pode parecer uma ideia estranha, mas vou tentar explicar.

Logo depois do Natal, ainda a recuperar do espírito natalício, entramos numa espécie de ressaca advinda da azáfama das prendas, dadas, recebidas ou sonhadas e da culpa resultante dos excessos. Acresce para muita gente o problema das trocas, ou porque já tinham o que receberam ou porque, por várias razões, não serve o que receberam.

Para que se não saia dos espaços comerciais o ânimo irá recuperar-se entrando de imediato na época de saldos, descontos, promoções ou outra qualquer designação apelativa a mais umas compras. Trata-se do efeito terapêutico do mercado e do consumo.

Deste estado, passamos para os dias de aproximação ao Ano Novo que, independentemente do que de menos bom possamos racionalmente esperar, vivemos com a esperança de que seja mesmo novo e, sobretudo, Bom. Este ano, mais do que nunca, queremos, precisamos, que o próximo seja melhor.

Iremos certamente trocar inúmeras mensagens e votos noutra azáfama que aparenta assentar numa ideia mágica dos tempos de miúdo que nos parece fazer acreditar em que se assim procedermos, o Ano Novo vai ser mesmo Novo e, repito, Bom. De tanto falarmos nisso pode ser que ele se convença de que terá de ser mesmo Bom.

É certo que de há uns tempos para cá, como devem ter dado por isso, foi desaparecendo o Próspero, basta que seja Bom, ou até mesmo que não seja pior do que o que acaba. Já era bem bom, por assim dizer, mas não chega, o ano que acaba foi mau, muito mau, para muita gente.

É também muito provável que nos últimos dias do próximo Dezembro, o de 2025, e mesmo que como precisamos e desejamos ele tenha sido melhor que 2024, estaremos com o mesmo sentimento a enunciar os mesmos discursos apesar das promessas optimistas de que ... a coisa está a mudar.

A passagem deste ano como também não podia deixar de ser vai acontecer e múltiplas formas e cenários, com ou sem réveillons, mas, naturalmente com aquela alegria a que nos sentimos obrigados ou que genuinamente sentimos a cada noite de 31 de Dezembro para 1 de Janeiro.

O problema mais sério é que a 2 de Janeiro está aí o Ano Novo que, para muita gente, vai continuar velho e para muita outra gente não será Bom, longe disso.

Mas para um povo sereno e de brandos costumes como nós, esperemos que haja saúde que é o principal, como sabemos.

De resto, bom de resto … algum jeito se há-de dar.

Bom Ano. De forma mais modesta, o melhor ano possível.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

SONHOS DE NATAL

 Hoje é dia de Natal. O Natal traz quase sempre algo de muito saboroso, os sonhos.

Amanhã já não é Natal. Não, o Natal não é quando um Homem quiser. Aliás, muitos homens não querem que seja Natal. Outros Homens, incluindo Homens pequenos não têm Natal.

E Sonhos? Amanhã haverá?

É necessário que sim. Em nome dos nossos Filhos, dos Filhos dos nossos Filhos, dos Filhos  dos ...

É um Sonho.

Bons Sonhos.

É bom não esquecer ainda que como disse Sebastião da Gama, pelo sonho é que vamos. E é na educação que começa o sonho.

E às vezes também é na educação que se acaba o sonho.

terça-feira, 24 de dezembro de 2024

TEMPO DE NATAL. UMA HISTÓRIA PEQUENINA E UM BOCADINHO SEM JEITO

 De acordo com a tradição naquela família, ao fim da noite de Natal chegava o momento mais aguardado, a abertura dos presentes que estavam ao pé da árvore de Natal.

Como também era habitual e devido à impaciência da espera os mais novos eram sempre os primeiros.

Assim, o Francisco, com a autoridade dos seus dez anos, começou ansiosamente a desembrulhar os muitos presentes que lhe estavam destinados. A cada um a euforia aumentava. Ficou delirante com o telemóvel e a consola nova que os pais lhe ofereceram e não fosse a vontade de conhecer o resto das prendas já não largaria os novos companheiros o resto da noite.

Recebeu ainda um portátil mais pequeno e mais recente do que já tinha, uma série de videojogos já adaptados à nova consola e uns fones de última geração.

O Francisco estava verdadeiramente nas nuvens ou, por assim dizer, completamente submerso pelo espírito natalício.

Por fim, apenas restava por abrir o presente do Avô Velho, um embrulho pequeno e discreto. O Francisco, com a agitação ao alto, abriu-o e mostrou um caderninho de capa dura e bege que tinha escrito na capa com a letra certinha e redonda do Avô Velho "As minhas histórias". O Francisco deitou-lhe um olhar rápido e pousou-o num canto onde ficou o resto da noite.

Quando toda a gente se foi deitar o Avô Velho ficou mais um pouco na sala e percebeu que já não era deste mundo.

Devagarinho, para não acordar ninguém, enfiou-se pela chaminé e partiu.

Bom Natal.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

BOM NATAL

 Bom Natal. Dos simples. Com Tempo, com Afecto.




TEMPO DE NATAL. QUANDO EU FUI AO ESPÍRITO NATALÍCIO

 Continuando no tempo do Natal.

Estando aqui no sossego do Monte no Meu Alentejo lembrei-me de que há alguns anos e contrariamente ao que é meu hábito, num destes dias próximos do Natal fui ao espírito natalício mais impactante, como agora se fala, que existe na zona onde moro, o Almada Fórum. É um dos maiores e está perto. Na altura escrevi sobre esta ida e recupero a experiência que não mais repeti.

Eu pensava que estava perto, mas logo para chegar, não foi fácil, acho que toda a gente resolveu ir ao espírito natalício ao mesmo tempo que eu.

Não foi tarefa simples conseguir um lugar para o carrito, parece que é difícil estacionar no espírito natalício, os parques estão completos, gostamos muito do nosso espírito natalício, é tão bonito, ou mais, que os outros.

Logo no parque se via, se sentia, se ouvia, o Natal. Os carros com as luzes e piscas ligados e a apitar freneticamente pareciam um enfeite daqueles que as autarquias instalam para nosso contentamento. Muito bonito e as pessoas estavam, de facto, com um ar contente, a entrar ou sair cheias de embrulhos de espírito natalício, até pareciam indiferentes às dificuldades da lida diária que nestas alturas, é claro, sempre se esquecem um pouco.

Lá dentro do espírito natalício havia gente que vou-vos contar. Mas estava um ambiente tão simpático e aconchegante com o aquecimento no máximo e as pessoas ao colo umas das outras, que se deseja que o Natal não acabe. Foi uma experiência fantástica, como agora se diz. Para terem uma ideia da passagem pelo espírito natalício, deixo-vos uns fragmentos do que fui captando.

“Ó Cajó não tesqueças que temos que ir ao JUMBO buscar os camarões que são mais baratos que no LIDL. Tá bem Micas, aproveita-se e levamos as bejecas.”

“Crise? Qual crise? Crise é para mim que não me sai o Euromilhões.”

“Vanessa não insistas. Inda em Agosto, pelos anos, te comprei um telemóvel, não te vou já comprar outro. Na tua idade não precisas de uma banda muito larga, essa chega muito bem.”

“É sempre a mesma coisa e eu não aprendo. A tua mãe está lá dentro da loja há uma hora, na volta não compra nada nesta e temos que apanhar outra seca.”

“Crise? Qual crise? Crise é para mim que não me sai o Euromilhões.”

“Não me chateies com os livros. Ainda não leste todos os que estão lá em casa.”

“Não André, já te disse, não te compro isso do drone. Para andar no ar chega a tua cabeça.”

“Tatiana, por amor de Deus, 12 prendas chegam. Queres mais alguma coisa pede à tua avó.”

“Não Miguel, é ao contrário, o Natal é que passas com a mãe e na passagem de ano é que vais com o teu pai.”

“Crise? Qual crise? Crise é para mim que não me sai o Euromilhões.”

“Ó mãe deixa-me pôr outra moeda na máquina. Ainda só andei seis vezes. Vá lá.”

“Inda vou ali comprar umas calças daquelas que vêm rotas, são fixes, O people tem todo.”

“Eu bem te disse que não era boa ideia trazer a velhota. Nunca mais vamos sair daqui.”

Logo que me apanhei com os livros que só naquele dia pude ir buscar ao espírito natalício ... fugi.

Não, não gosto particularmente do espírito natalício, deste espírito natalício, mas … é difícil contrariar a tradição.

domingo, 22 de dezembro de 2024

O TEMPO DO NATAL, O ESPÍRITO NATALÍCIO

 Continuando no tempo do Natal.

Como sempre e já há algum tempo está aberta a época de caça própria do espírito natalício. A publicidade nos “ecrãs” com o apoio desinteressado das redes sociais e de outros meios disponíveis vai direccionar-se em força para os miúdos estimulando o consumo a que os pais dificilmente resistem.

Será ingénuo pensar que quem produz e promove produtos para crianças e quem gere os “ecrãs” com inteligência natural ou artificial, assuma uma preocupação com o equilíbrio entre o natural interesse dos mais novos por brinquedos e a natural vontade dos pais de proporcionarem prendas aos filhos, sobretudo numa época, o Natal, que está transformada num centro comercial decorado a vermelho e com barbas e num tempo em que cada vez mais “só se é o que se tem” e “ter mais é ser mais”.

Contudo, acredito que podemos fazer alguma coisa junto dos pais e dos putos para tentar atenuar os efeitos deste cenário. As escolas poderiam ter um trabalho interessante debatendo, se tivesse tempo e recursos, com os miúdos, de todas as idades e de forma adequada, o papel da publicidade nas escolhas e nos gostos deles promovendo uma atitude mais consciente e crítica destes processos. Talvez caiba nos conteúdos na disciplina de que não se pode dizer o nome.

Poderia também ser interessante conversar com os pais sobre o papel dos “presentes” nas relações familiares, isto é, mais prendas não é igual a gostar mais, sobre o papel da publicidade e a forma de lidar com a pressão desencadeada pelos filhos depois de verem “os ecrãs”.

Talvez não seja claro, mas a minha ideia não é estragar o Natal, é ter um Natal por medida em vez de um Natal pronto a consumir.

Bom Natal.

sábado, 21 de dezembro de 2024

A LER

Os dispositivos de avaliação escolar de natureza interna e externa para além da sua qualidade e calendário adequado, devem ser coerentes com os modelos curriculares.

Sendo certo que por diversas razões, evidência de suporte, crenças ou representações diferenciadas ou distorções de natureza ideológica os entendimentos são difíceis, também não parecem ser desejáveis por alguns o que, naturalmente, os torna menos prováveis. 

O texto de Carlos Ceia no Público, “Os rankings e a avaliação pedagógica que temos” parece um bom contributo para a reflexão necessária. Assim ela se realize


quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

TEMPO ROUBADO

 O tempo é um bem muito escasso e de primeira necessidade. Todos nos queixamos de que não temos tempo. A propósito, recupero uma história que já aqui apareceu.

 Bom dia, venho apresentar uma queixa.

Com certeza, contra quem?

Contra muita gente.

Será, portanto, contra incertos. E apresenta queixa porquê?

Por roubo, roubaram-me tempo.

Muito bem, então roubaram-lhe tempo. Por favor, pode explicar um pouco melhor para eu poder registar a situação.

Eu já não tinha muito tempo porque nunca fui uma pessoa muito rica de tempo, mas o pouco que tinha roubaram-me. Fiquei sem tempo para estar com os meus filhos e brincar com eles. Este tempo faz-me muita falta, os miúdos andam tristes porque desde que me roubaram o tempo não consigo mesmo. Já não tenho tempo para descansar ou ler qualquer coisa como gostava de fazer. Não tenho tempo descansado para a minha mulher que também precisava do tempo que eu tinha e que partilhava com ela. No meu trabalho não tenho tempo para parar um minuto sem que alguém venha logo chamar a atenção. Fiquei sem o tempo que tinha para beber um copo com os meus amigos e trocar umas lérias que serviam para aliviar das coisas da vida.

Eu percebo o seu problema, mas como deve calcular não tenho tempo para queixas como as que apresenta.

Não tem tempo? Não me diga que também lhe roubaram o tempo. Até às autoridades, é demais.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

QUANTO TEMPO É QUE TE FALTA?

 

Ontem o DN noticiava que desde 2013 que não se verificava um número tão elevado de professores a aposentar-se. Este ano passara à situação de aposentado 3981 docentes o ano com mais desde 2013, sendo que em Dezembro se registaram 506 pedidos.

É certo que não é um problema exclusivo do nosso sistema educativo, mas como tantas vezes tem sido afirmado, este cenário estava estudado e previsto há já alguns anos, mas as políticas públicas negligentes ou incompetentes seguidas de há uns anos para cá contribuem para o actual quadro. Embora haja quem assobie para o ar, não esquecemos os discursos sobre “professores a mais”, as sugestões para emigrar dirigidas a docentes em início de carreira, como também não esquecemos tempos severo de desvalorização dos professores em termos sociais, modelo de carreira e salarial com impacto fortíssimo na atractividade da carreira por gente jovem que a rejuvenescesse e alimentasse.

Aliás, as políticas seguidas em matéria de educação também contribuíram para o cansaço e mal-estar, desencanto e desejo de abandono da profissão que se foi instalando em muitos docentes.

A propósito, relembro que, há já uns anos largos, uma professora, na altura minha aluna de doutoramento, me perguntava, com um ar meio sério, meio a brincar, se podia desenvolver a sua tese a partir de uma questão que considerava a mais ouvida nas salas de professores, quando no meio da burocracia e das actividades ainda havia tempo para passar na sala de professores, “quanto tempo é que te falta?”. A sua ideia não foi para a frente enquanto doutoramento, mas o que lhe está subjacente é bem claro e bem preocupante. O resultado está à vista.

Na verdade, ser professor é uma das funções mais bonitas do mundo, ver e ajudar os miúdos a ser gente, mas é seguramente uma das mais difíceis e que mais valorização nas diferentes dimensões e apoio deveria merecer. Do seu trabalho competente e valorizado depende o nosso futuro, (quase) tudo passa pela educação e pela escola.

Qual é parte que não se percebe?

terça-feira, 17 de dezembro de 2024

PAIS E ESCOLA

 Nos últimos tempos e sem estranheza tem-se desenvolvido uma outra forma de relacionamento entre pais e escola. Estou a referir-me à proliferação de grupos de pais na aplicação WhatsApp.

Aquilo que vou conhecendo parece, sem estranheza, mas com alguma inquietação, reproduzir o que genericamente se pode afirmar relativamente às redes sociais, podem constituir-se como excelentes redes de comunicação e conhecimento ou, lado B, tornarem-se formas intrusivas de relação, veicularem ruído e de desinformação, para ser simpático na descrição. No fundo, o que poderia fazer parte da solução para uma melhor e imprescindível melhoria na relação entre pais e escola, agilizando contactos entre pais e entre pais e escola, pode acabar por criar problemas acrescidos a professores, alunos e, por tabela, também aos pais e à sua função educativa.

Os recursos digitais podem e devem ser ferramentas que integrem os dispositivos de relação entre pais e entre pais e escolas, tal como entre a relação entre pessoas ou entre grupos e instituições. No entanto, como todos os dispositivos de relação solicitam regulação na sua utilização.

Se tal não acontecer, será mais um problema que entra na escola que tantas dificuldades ainda sente na operacionalização eficaz da relação entre pais e escola.

Do meu ponto de vista a questão central continua a ser que relação regular se estabelece entre pais e encarregados de educação e a escola. Trata-se de uma necessidade que se verifica na generalidade os sistemas educativos. Parece dispensável sublinhar a sua importância e na situação mais particular de alunos com necessidades especiais este envolvimento é crítico e, muitas vezes, não acomodado da melhor forma, para recorrer a um termo em moda.

No entanto, neste universo, a relação entre os pais e a escola devem considerar-se outros aspectos e que, provavelmente, envolvem os pais que menos integrarão grupos no WhatsApp. Para além dos pais negligentes que existem e requerem outra abordagem, creio que os pais e encarregados de educação que apesar de o poderem fazer vão pouco à escola ou nunca vão, se podem dividir em dois grupos, os pais que não alcançam a escola e os pais que a escola não alcança.

Os primeiros são os que entendem, consciente ou inconscientemente, que a sua presença é irrelevante, não sabem discutir a escola, a escola é que sabe e decide sobre os filhos e deve resolver os seus problemas. Os outros, são os pais a quem o discurso produzido com alguma frequência pela escola sobre os seus filhos os leva a afastarem-se progressivamente. A experiência mostra que quando as crianças são mais pequenas, pré-escolar e 1º ciclo, os pais vão aparecendo e começam a afastar-se sobretudo a partir do 2º ciclo.

Neste quadro, creio que se o desejo de maior envolvimento dos pais na vida escolar dos filhos for mais do que uma retórica, o sistema, através dos modelos de funcionamento, autonomia real e recursos das escolas, deverá introduzir alguns ajustamentos no sentido que algumas boas práticas sustentam.

Redefinição urgente do papel dos Directores de Turma e das condições de exercício da função pois são peças nucleares nos processos educativos e estão muitas vezes entregues a tarefas quase administrativas, criação de dispositivos com professores motivados, existem muitos, que possam ir ao encontro dos pais que a escola não alcança. Talvez da carga burocrática que rouba tantas horas de professores se pudessem recuperar algumas para outro tipo de trabalho não docente, mais útil e mais motivador.

Mudança nas formas e suporte do contacto, relação, comunicação entre a escola e a família, por exemplo, repensar a tipologia e conteúdos das reuniões de pais. Será neste contexto que os recursos digitais podem ser úteis se utilizados de forma regulada, não tóxica.

Parece também importante a existência de estruturas de mediação entre a escola e a família o que implica a existência de recursos humanos qualificados e disponíveis.

Recurso concertado às Associações de Pais como mediadores entre a escola e os pais que não vindo à escola, também não são dos que integram as Associações.

O tempo é curto, os recursos são insuficientes, o clima não é o mais amigável, mas creio que pode ser possível ir um pouco mais longe na tentativa imprescindível de maior envolvimento dos pais na vida escolar dos miúdos, questão em mudança, sempre, e que obriga a uma contínua reflexão sobre os papéis e os processos e formas de envolvimento.

O risco da inacção é, por exemplo, dar asas ao que acontece, por vezes, com o funcionamento de grupos de pais no WhatsApp, que se transforma em mais um problema.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

DESEMPENHO ESCOLAR E RETENÇÃO

 Foi divulgado o habitual relatório da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência relativo desempenho dos alunos do 1º ciclo considerando o designado “percurso de sucesso”, a conclusão do ciclo no número de anos previsto, no caso, quatro anos.

Depois de um trajecto de subida nos últimos anos, verifica-se uma ligeira descida, de 92% em 21/22 para 91% em 22/23. Dito de outra maneira, como no texto do Público se refere, aumenta a retenção no 1º ciclo. Algumas notas pedindo desculpa pela extensão do texto.

Considerando como indicador de sucesso concluir o ciclo no tempo esperado, coloca-se uma questão que já aqui tenho abordado. Poderemos interpretar a transição de ano como sucesso na aprendizagem de competências e conhecimentos ou teremos de considerar que ter sucesso é a “a passagem de ano” na velha fórmula de “transita, mas não progride”? Conhecem-se relatos de escolas em que se verifica alguma “pressão” para a “transição”.

Esta questão é sustentada pelas discrepâncias sérias entre os resultados dos percursos de sucesso, as avaliações internas e os resultados dos nossos alunos em estudos internacionais ou nas provas de aferição e exames nacionais, a avaliação externa. Como exemplo, temos o recentemente divulgado estudo “Trends in International Mathematics and Science Study” (TIMSS), relativo 2023

Dito isto, também quero com muita clareza que levantar esta questão não significa a defesa da retenção como ferramenta de sucesso e qualidade. Não é, sabemos que o “chumbo”, só por si, não gera sucesso e qualidade. Nenhuma dúvida sobre isto. No entanto, basta olhar para as caixas de comentários a textos da imprensa sobre esta matéria, para perceber como esta crença está instalada.

Vejamos algumas referências. Recordo um Relatório do CNE de 2017 no âmbito do Projecto aQeduto em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos, em que se realizou uma análise ao custo de medidas de combate ao insucesso escolar. Parece-me perfeitamente actual do ponto de vista da reflexão necessária.

 Em termos económicos e recorrendo aos estudos já desenvolvidos o impacto económico da retenção é estimado em cerca de 6000€ por aluno em cada ano. Adaptando o modelo desenvolvido pela Education Endowment Foundation, o Projecto aQeduto identifica o grau de eficácia e custo económico de um elenco de medidas de combate ao insucesso. Das medidas analisadas, a retenção tem o custo mais elevado e a eficiência é negativa, promove um atraso de 4 meses. Ensinar a estudar é a medida mais económica, 87€, e mais eficiente, promove um ganho de 8 meses de aprendizagem.

 


Estes dados são importantes, mas a sua substância não é nova.

Também no Relatório “Low-Performing Students - Why They FallBehind and How To Help Them Succeed” divulgado pela OCDE em 2017 se referia que o “chumbo”, a retenção, é para os alunos portugueses o principal factor de risco para os resultados na avaliação posterior, dito de outra maneira, os alunos chumbam … mas não melhoram.

De facto, definitivamente, não adianta discutir se o chumbo transforma o insucesso em sucesso. Não transforma, repetir só por repetir não produz sucesso, aliás gera mais insucesso conforme os estudos mostram.

Confesso sempre alguma surpresa e dificuldade em compreender quando ao discutir-se os efeitos pouco positivos da retenção algumas vozes, mesmo dentro do universo da educação, clamam que se está a promover o "facilitismo" ou a defender que "então passam sem saber".

Nesta conformidade e do meu ponto de vista, a questão central não é o chumba, não chumba, e quais os critérios ou o número de exames, mas sim que tipo de apoios, que medidas e recursos devem estar disponíveis para alunos, professores e famílias desde o início da percepção de dificuldades com o objectivo de evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo.

Este discurso não tem rigorosamente a ver com "facilitismo" e, muito menos, com melhoria "administrativa" das estatísticas da educação, uma tentação a que nem sempre se resiste. Pelo contrário, “facilitismo” é acreditar que a retenção resolve o problema do insucesso.

É essencial promover e tornar acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos adequados e competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo. É fundamental não esquecer que o insucesso continua a atingir fundamentalmente os alunos oriundos de famílias com pior condição económica e social pelo que inibe o objectivo da mobilidade social. A associação entre o insucesso e a pobreza em Portugal é, aliás, a mais forte entre os países europeus. Em Portugal os bons alunos são os que mais trabalham em casa, TPCs e explicações, dado a que, evidentemente, não é alheio ao nível de escolaridade dos pais e ao estatuto económico.

É claro que mudanças estruturais têm custos pelo que será de considerar a necessidade de investimento sério em educação, 6% do Produto Interno Bruto o que está definido pela UNESCO como meta para 2030.

Uma primeira referência à dimensão associada aos professores, modelo de carreira valorizada, justa e atractiva.

É imprescindível é dotar as escolas de forma continua e estável dos recursos necessários para minimizar tanto e tão rápido quanto possível as dificuldades que identificam.

É necessário promover a desburocratização asfixiante e reflectir sobre modelos de governança das escolas mais adequados, competentes e participados.

Com real autonomia, com mais recursos e com modelos organizativos mais adequados e desburocratizados as escolas poderiam certamente fazer mais e melhor. que quem vem de fora numa passagem transitória, mais ou menos longa, mas transitória. Sim, tudo isto deveria ser objecto de escrutínio, regulação e avaliação também externa, naturalmente.

Escolas com mais auxiliares, auxiliares informados e formados podem ter um papel importante em diferentes domínios.

Directores de turma com mais tempo para os alunos e professores com menos alunos poderiam desenvolver trabalho útil em múltiplos aspectos do comportamento e da aprendizagem.

Psicólogos e outros técnicos em número mais adequado poderiam acompanhar, promover e desenvolver múltiplas acções de apoio a alunos, professores, técnicos e pais.

Mediadores que promovessem iniciativas no âmbito da relação entre escola, pais e comunidade seriam, a experiência mostra-o, um investimento com retorno. Repetindo e sintetizando, os professores sabem como avaliar e identificar as dificuldades dos alunos.

Uma nota final para sublinhar a necessidade de estabilização curricular e da questão da avaliação e percurso escolar dos alunos e reafirmo a importância da avaliação externa como reguladora do trabalho realizado.

domingo, 15 de dezembro de 2024

DAS PESSOAS SEM-ABRIGO

 É claro que não é por muito falar dos problemas que eles se resolvem ou minimizam. No entanto, também me parece que não insistir pode contribuir para uma menor atenção a situações muito séria e atentatórias do direito das pessoas. É o caso das pessoas em situação de sem-abrigo. Assim, voltemos a insistir.

De acordo com os dados do Inquérito de Caracterização das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo em 2023 integrado na Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo, foram identificadas 13 128 pessoas nesta situação, um aumento face às 10 773 situações detectadas no ano anterior.

Os concelhos de Lisboa, Beja, Porto e Moura têm os dados mais elevados. Vamos aguardar que as iniciativas em desenvolvimento e em projecto no âmbito da Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem Abrigo 2025-2030 possam ter um impacto positivo. A ver vamos.

No entanto, parece-me que não devemos esquecer que continua a ser muito grande o mundo dos sem-abrigo. São muitos, demasiados, os sem-abrigo do mundo, boa parte integra aquela percentagem que a sondagem nunca mostra de que fala Sam The Kid.

São muitos, os sem-abrigo num porto que os acolha, uma casa, uma família, um espaço a que dêem vida e que lhes apoie a vida.

São muitos, os sem-abrigo, mesmo com família ou em instituições.

São muitos, os sem-abrigo no afecto, nos afectos, sem um coração que os abrigue.

São muitos os sem-abrigo em escolas onde não cabem.

São muitos, os sem-abrigo em mundos que não são seus. São muitos, os sem-abrigo em culturas que não entendem e que não querem entendê-los.

São muitos, os sem-abrigo num corpo que seja aconchego para o seu corpo.

São muitos, os sem-abrigo em valores que cada vez mais predominante e que não os reconhecem.

São muitos, os sem-abrigo em vidas que lhes não pertencem, mas carregam. São muitos, os sem-abrigo no aceder e no gostar das coisas de que a vida também se tece.

Como referi, muitos destes sem abrigo vivem à nossa beira, sem-abrigo, não contabilizados, nem contabilizáveis.

sábado, 14 de dezembro de 2024

DO DESLUMBRAMENTO DIGITAL, PERDÃO, TRANSIÇÃO DIGITAL

 Leio no Público que o Governo vai lançar um projecto para capacitar os alunos na área da inteligência artificial. O projecto decorrerá em dez municípios durante as férias e abordará matérias como programação, robótica e conteúdos relacionados com a inteligência artificial.

Não é surpresa. De uma necessária transição digital vamos passando para uma espécie de deslumbramento digital que me faz ficar cada mais convencido da necessidade de reflexão sobre esta questão.

Para auxiliar esta parece-me interessante um Relatório de 2023 da Unesco, “Technology in education: A tool on whose terms?”. Também se registam iniciativas e análises em diferentes sistemas educativos que pretendem repensar a utilização dos recursos digitais. Mais perto, volto a sugerir estimulante texto de Francisco Laranjo, “Regresso ao futuro da escola: dos ecrãs aos livros” divulgado no Público há algum tempo e que aqui reflecti retomando as notas da altura.

Apesar do seu enorme potencial as ferramentas digitais não são a poção mágica para o ensino e aprendizagem. Os computadores ou tablets na sala de aula, os smart boards, não promovem sucesso só pela sua existência. A forma como são utilizados por professores e alunos é que pode potenciar a qualidade e os resultados desse trabalho. Aliás, o mesmo se pode dizer de qualquer outro recurso ou actividade no âmbito dos processos de aprendizagem.

É certo que múltiplos estudos e experiências valorizam a integração destes recursos nos processos de ensino e aprendizagem pelo que é importante garantir o acesso pela generalidade dos alunos, mas, não podem passar a ser o tudo no trabalho escolar. Acresce que como sabemos, alunos e professores experimentam diariamente enormes dificuldades com equipamentos e acesso, quer na quantidade, quer na qualidade.

Neste contexto e como já tenho afirmado, considerando o que se sabe em matéria de desenvolvimento das crianças e adolescentes, dos processos de ensino e aprendizagem e da sua complexa teia de variáveis, das experiências e dos estudos neste universo, mesmo quando aparentemente contraditórios alguns tópicos:

1 – O contacto precoce com as tecnologias digitais é, por princípio, uma experiência positiva para os alunos, para todos os alunos, se considerarmos o mundo em que vivemos e no qual eles se estão a preparar para viver. Nós adultos ainda estamos a pagar um preço elevado pela iliteracia, os nossos miúdos não devem correr o risco da iliteracia informática. Os tempos da pandemia mostraram isso mesmo.

2 – O computador/tablet, kits robóticos, smart boards, etc., na sala de aula são mais uma ferramenta, não são A ferramenta, não substituem a escrita manual e a leitura em papel, não substituem a aprendizagem do cálculo, não substituem coisa nenhuma, são “apenas” mais um meio, muito potente sem dúvida, ao dispor de alunos e professores para ensinar e aprender e agilizar o acesso a informação e conhecimento.

3 - O que dá qualidade e eficácia aos materiais e instrumentos que se utilizam na sala de aula não é a tanto a sua natureza, mas, sobretudo, a sua utilização, ou seja, incontornavelmente, o trabalho dos professores é uma variável determinante. Posso ter um computador para fazer todos os dias a mesma tarefa, da mesma maneira, sobre o mesmo tema, etc. Rapidamente se atinge a desmotivação e ineficácia, é a utilização adequada que potencia o efeito as capacidades dos materiais e dispositivos.

4 - Para alguns alunos com necessidades especiais o computador pode ser mesmo a sua mais eficiente ferramenta e apoio para acesso ao currículo.

5 – Para além de garantir o acesso dos miúdos aos materiais é obviamente imprescindível promover o acesso a formação e apoio ajustados aos professores sem os quais se compromete a qualidade do trabalho a desenvolver bem como, evidentemente, assegurar as condições exigidas para que o material possa ser rentabilizado. São por demais conhecidas as dificuldades sentidas nas escolas com os recursos e acessibilidade.

6 – Finalmente, como em todo o trabalho educativo, são essenciais os dispositivos de regulação e avaliação do trabalho de alunos, professores e escolas. Estes dispositivos devem incluir avaliação externa.

Como referi acima, não existem poções mágicas em educação por mais desejável que possa parecer a sua existência. Não deixemos que o fascínio deslumbrado pelo que se julga ser as "salas de aula do futuro" faça esquecer os problemas das salas de aula do presente.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

DO SOZINHISMO

 Há dias foram encontrados sem vida mãe e filho, de 92 e 63 anos, que viviam sós. Os vizinhos estranharam a ausência e reportaram a quem de direito.

Tenho setenta anos, o privilégio de viver com a minha companheira de sempre, família próxima que inclui a magia da avozice, saúde que permite alguma actividade diversa, contacto com amigos e colegas, enfim, aquilo me faz sentir tão bem quanto possível.

É sempre com algum sobressalto que olho para notícias como a que referi, o sozinhismo que afecta muita gente idosa mesmo se, como era o caso, viviam num meio urbano, um bairro em Lisboa. Algumas notas repescadas

A Operação Censos Sénior realizada regularmente pela GNR identificou no ano passado mais de 44000 situações de idosos que vivem sós ou isolados que, naturalmente, são uma amostra de uma realidade bem mais pesada.

Segundo dados divulgados pela Pordata, Portugal e a Itália, no âmbito da UE, têm a maior percentagem de população idosa, por cada jovem temos quase dois idosos. Acresce que cerca de um milhão de pessoas vivem sozinhas sendo que mais de 500 000 são idosos.

Num tempo em que toda a gente parece integrar uma ou várias redes sociais parece estranha a referência à solidão que, como sabemos, se pode tornar numa condição de alto risco. Muitos trabalhos identificam consequências sérias da solidão, quer na saúde física, quer na saúde mental.

De facto, a solidão, o sozinhismo, é uma condição que afecta imensa gente de várias idades, mesmo nos mais novos, mas que atinge com particular incidência os mais velhos e tem vindo a acentuar-se na sequência da alteração dos estilos de vida e dos valores que tecem a vida das comunidades nas quais se vai perdendo as relações de vizinhança.

No entanto a questão agrava-se com os muitos que, para além de viverem sós, vivem isolados. São sobretudo estes que o sozinhismo ataca.

De facto, algumas pessoas, por condições económicas, dignidade e preservação da autonomia vivem sós, mas não estão isolados. Outros acumulam, vivem sós e isolados, por impotência, falta de recursos ou de família.

Apesar do que consta nas certidões de óbito, especialmente nos tempos do frio, estou convencido que a verdadeira causa da morte de muitos velhos é o sozinhismo, a doença que ataca os que vivem sós, isolados, que perderam o amparo. Ataca especialmente os velhos, mas não só os velhos.

Trata-se de uma doença moderna, cujas causas são conhecidas, cujo terapia também está encontrada, mas que parece difícil combater. Estão em queda as relações de vizinhança e a vivência comunitária, fontes privilegiadas de protecção dos mais velhos.

Quem não vive só, isolado, mais facilmente resiste às mazelas de diferente natureza que a idade traz quase sempre. As pessoas são, espera-se, fonte de saúde e calor. E o frio que está neste tempo aumenta a necessidade desse calor.

Reafirmo que, embora tenha referido mais em particular a situação dos velhos, o sozinhismo também ataca crianças e jovens com consequências por vezes devastadoras.

Na verdade, o sozinhismo poderá ser verdadeiramente a causa ou o gatilho de problemas para muita gente.

No entanto e como sempre, para além das necessárias políticas sociais emergentes do estado e das instituições privadas de solidariedade impõe-se a percepção pelas comunidades, designadamente pelas famílias, do drama da solidão e do isolamento.

É sempre questão de redes sociais, mas não das virtuais.

Lamentavelmente, boa parte dos velhos, sofreu para chegar a velho e sofre a velhice.

Este país não estando a ser para jovens vai ter de ser para velhos.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

MIÚDOS E JOVENS COM SONO

 Ainda umas notas a propósito dos dados divulgados pelo Observatório da Saúde Psicológica e do Bem-Estar, da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência relativo a 2024, coordenado pela Professora Margarida Gaspar de Matos, que envolveu 6112 alunos, do pré-escolar ao secundário.

Um aspecto preocupante e associado aos estilos de vida actuais é os hábitos de sono, dos mais novos, mas não só.

Perto de metade dos alunos dormem menos de oito horas por dia durante a semana ainda que ao fim-de-semana 76,9% afirme dormir oito ou mais. Sabemos que as crianças e jovens necessitam de entre oito e nove horas de sono de qualidade e dormir mais ao fim-de-semana não compensa. Como afirma Margarida Gaspar de Matos, “Quando há uma diferença de mais de três horas entre as horas de sono à semana e ao fim-de-semana, consideramos que a criança ou o adulto está em privação de sono. E está muito ligado ao insucesso escolar, ao desinteresse pela escola, ao consumo de substâncias, à violência, às dores de cabeça.”

Também é reconhecido que o número de horas de sono está fortemente associado ao tempo de ecrã que constitui um outro problema com impacto para além da privação de sono. O meu neto, com onze anos, fala-me de colegas que passam algum tempo durante a noite a jogar no telemóvel, certamente sem controlo parental.

Umas notas mais centradas na questão do sono, um problema sério associado ao bem-estar dos mais novos, que já tenho abordado e muitas vezes objecto de conversas com grupos de pais.

Em 2021 foi publicado na "Sleep Medicine" o estudo, “Home vs. bedroom media devices: socioeconomic disparities and association with childhood screen-and sleep-time”, realizado Centro de Investigação em Antropologia e Saúde da U. de Coimbra.

A investigação envolveu 8.430 crianças, entre os 3 e os 10 anos de escolas públicas e privadas e evidenciou, em linha com o que já se conhece, que a presença de dispositivos electrónicos no quarto das crianças ou a sua utilização diária prolongada provocam uma diminuição significativa no tempo de sono das crianças.

Um dado relevante é que, apesar de serem as famílias com mais elevado estatuto socioeconómico as que detêm mais recursos digitais é nas famílias menos favorecidas que predomina o seu uso no quarto. Uma hipótese explicativa, segundo os autores, remeterá para uma menor literacia digital destas famílias e menor conhecimento dos riscos associados à utilização excessiva.

A qualidade e higiene do sono são, de facto, matérias de grande importância no bem-estar e qualidade de vida das pessoas e em todas as idades. No entanto nem sempre têm a atenção devida, sobretudo no que respeita aos mais novos.

Recordo um estudo, já de 2016, realizado pela Universidade do Minho que sugere que cerca de 72% de mais de quinhentas crianças e adolescentes inquiridos, dos 9 aos 17, dormem menos do que seria recomendável para as suas idades. Aliás, estudos liderados pela Professora Teresa Paiva, uma conhecida especialista nesta área, vão no mesmo sentido tal como os dados agora conhecidos do Obervatório

E, de uma forma geral, para além das questões ligadas aos estilos de vida e às rotinas, uma das causas apontadas é a presença de aparelhos como computadores, tablets ou smartphones no quarto que continua a acentuar-se.

Em 2013, um trabalho da University College of London mostrava o impacto negativo que a ausência de rotinas como deitar à mesma hora podem ter no bem-estar e saúde das crianças afectando, por exemplo, o processamento da aprendizagem.

Esta questão, os padrões e hábitos de sono das crianças e dos adolescentes, é algo de importante que nem sempre parece devidamente considerada como se constata nos discursos e práticas de muitos pais e encarregados de educação.

A falta de qualidade do sono e do tempo necessário acaba, naturalmente, por comprometer a qualidade de vida das crianças e adolescentes, incluindo o rendimento e comportamento escolar. Todos nos cruzamos frequentemente nos Centros Comerciais, por exemplo, com crianças, mais pequenas ou maiores, a horas a que deveriam estar na cama e que, penosa, mas excitadamente, deambulam atreladas aos pais.

Alguma evidência sugere que parte das alterações verificadas nos padrões e hábito relativos ao sono remete para questões ligadas a stresse familiar e sublinha o aumento das queixas relativas a sonolência e alterações comportamentais durante o dia.

As situações de stresse familiar serão importantes, mas parece-me necessário não esquecer alguns aspectos relacionados com os estilos de vida, com as rotinas ou com a utilização nem sempre regulada das novas tecnologias. Muitos trabalhos mostram também que boa parte das crianças e adolescentes que acedem a computador ou smartphone o fazem no quarto.

Assim, acontece que durante o período que seria dedicado ao sono, sem regulação familiar muitas crianças e adolescentes continuam diante de um ecrã. Como é óbvio, este comportamento não pode deixar de implicar consequências nos comportamentos durante o dia, sonolência e distracção, ansiedade e, naturalmente, o risco de falta de rendimento escolar num quadro geral de pior qualidade de vida.

Creio que, com alguma frequência, alguns comportamentos e dificuldades escolares dos miúdos, sobretudo nos mais novos que por vezes, sublinho por vezes, são de uma forma aligeirada remetidos para problemas como hiperactividade ou défice de atenção, podem estar associados aos seus estilos de vida ou aos modelos educativos, universo onde se incluem os hábitos e padrões de sono como, aliás, alguns estudos e a experiência de muitos profissionais parecem sugerir.

Considerando as implicações sérias na vida diária importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos pais para estas questões e que apesar a utilização imprescindível e útil destes dispositivos seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e adolescentes.

A experiência diz-me que muitos pais desejam e mostram necessidade de alguma ajuda ou orientação nestas matérias.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

A EDUCAÇÃO EM ALERTA VERMELHO

 O cenário é complicado, o universo da educação está em alerta vermelho. Considerando os dados mais recentes resultantes de avaliação externa, verifica-se um abaixamento significativo do desempenho dos alunos portugueses no PISA (Programme for International Student Assessment) de 2022 e também no TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study) de 2023 que aqui abordei.

Agora a OCDE divulgou os resultados do “Inquérito às Competências dos Adultos de 2023” integrado no Programme for the International Assessment of Adult Competencies (PIAAC) que avalia competências de adultos (dos 16 aos 65 anos) nas dimensões de literacia, numeracia e resolução de problemas adaptativos e nas três áreas obtivemos resultados abaixo da média da OCDE, em considerando dos 16 aos 65 anos.

Também nos três domínios tivemos uma percentagem bem acima da média verificada para os dois níveis inferiores de avaliação.

Como já aqui referi, e exceptuando os dados o PIAAC por não ser comparável, verifica-se um contraste importante com os dados das avaliações internas traduzida nos dados sobre percursos de sucesso, completar os diferentes ciclos no número de anos previsto para cada um.

Não há muito dizer, temos uma montanha por escalar e, obviamente, não escalável, a curto prazo.

Preocupante é não conseguirmos um entendimento sobre políticas públicas de educação, mas não só, que possam ter um impacto significativo num processo de mudança.

É o futuro que está em causa.

terça-feira, 10 de dezembro de 2024

DO MAL-ESTAR DOS DOCENTES

Foram divulgados dados do estudo do Observatório da Saúde Psicológica e do Bem-Estar, da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência relativo a 2024, coordenado pela Professora Margarida Gaspar de Matos, que envolveu 6112 alunos, do pré-escolar ao secundário. Teve também a participação de mais de 900 elementos adultos das comunidades escolares, professores, psicólogos, assistentes técnicos e operacionais ou encarregados de educação.

Dada a dimensão dos resultados, uma primeira abordagem aos indicadores dos docentes que parecem preocupantes apesar de alguma prudência dada a dimensão da amostra, 390 professores.

Ainda assim, importa que numa escala de 1 a 10 62% dos docentes referem portam uma satisfação com a vida igual ou superior a sete. No entanto, metade afirma sentir-se nervoso, 50,4%, triste, 48,4%, irritado ou de mau humor, 49,2%, pelo menos uma vez por semana. É ainda de considerar que 18,3% refere frequentemente está tão triste que parece não aguentar.

Como sinais de mal-estar, 45,6% refere dificuldades em adormecer, dois terços dizem que recentemente sentiram agitação, dificuldade em relaxar, assumindo ter reagido excessivamente a determinadas situações e sentido irritabilidade.

A propósito, recordo um trabalho divulgado em Agosto realizado pela FNE com a participação de 3750 docentes.

Em termos globais, quase 90% entendem que a profissão não é socialmente reconhecida, 53,1% afirmam gostar muito de ser professor, mas apenas 12% se sentem valorizados. Dos inquiridos, 89% identificam como dimensões críticas, as pouco ou nada atractivas perspectivas de carreira que 95% consideram não estar ao nível das competências e qualificações que lhes são exigidas.

É ainda referido por 86% o excesso de trabalho e a carga burocrática. A avaliação de desempenho constitui uma preocupação para dois terços dos respondentes e três em cada quatro afirmam-se preocupados ou muito preocupados com a progressão na carreira.

Como tantas vezes aqui tenho abordado e recuperando notas já escritas, os problemas que envolvem a classe docente e as suas consequências a curto e médio prazo, sendo conhecidos de há muito, são agora claramente reconhecidos apesar de algumas tentativas de torcer a realidade. Nos últimos anos têm sido recorrentes as referências, relatórios e estudos evidenciando a preocupante falta de professores, o envelhecimento da classe, os níveis de cansaço e de exaustão emocional, a baixa atracção dos mais jovens pela profissão associada a modelos de carreira, contratação e valorização pouco motivadores e justos. Os professores passam por dispositivos de avaliação pouco transparentes e competentes que desmotivam, causam mal-estar e climas institucionais pouco amigáveis, para ser simpático na adjectivação.

O modelo de governança das escolas é também apontado com frequência como motivo de mal-estar e desmotivação.

Por outro lado, existem algumas sombras que podem sugerir um parece ter-se desenhado um processo questionável e preocupante de “desprofissionalização”. No entanto, também é de registar que de uma forma geral continuam a merecer a confiança das comunidades.

Este quadro, de um mal-estar reconhecido, não pode deixar de ter impacto. Como muitas vezes afirmo, crianças, enquanto grupo social, e professores, enquanto grupo profissional, constituem dois grupos nucleares nas sociedades contemporâneas. Os mais novos porque são o futuro e os professores porque, naturalmente, o preparam, tudo (quase) passa pela escola e pela educação. Entre nós, este entendimento ainda me parece mais justificado porque, devido a ajustamentos na organização social e familiar e, é minha convicção, devido a políticas públicas sociais e educativas inadequadas, os miúdos passam tempo excessivo na escola, alterando a dinâmica educativa familiar o que sobrevaloriza o papel da escola através dos professores.

Raramente a profissão professor tem estado tanto em foco como nos últimos anos bem como a necessidade de defender a qualidade da escola pública. Os tempos que vivemos sublinham uma questão e outra de forma crítica.

Múltiplas acções e decisões políticas, bem como alguma imprensa e "opinion makers" têm contribuído para degradar a sua função, fragilizar a sua imagem social e comprometer o clima e a qualidade do trabalho desenvolvido nas escolas apesar dos professores continuarem a ser uma das classes profissionais em que os portugueses mais confiam.

A atenção que tem estado centrada nos professores advém de boas e más razões. Não cabe aqui um balanço, e entendo que, tal como os miúdos, os professores não têm sempre razão, os discursos dos seus representantes são, por vezes parte do problema e não parte da solução e também sei que existem alguns professores que o não deviam ser. No entanto, a verdade é que a esmagadora maioria dos docentes são ... Professores, muito bons Professores.

A valorização social e profissional dos professores em diferentes dimensões é uma ferramenta imprescindível a um sistema educativo com mais qualidade. A valorização e reconhecimento passam também pela necessidade de modelos de carreira e de avaliação justos e transparentes que sustentem, reconheçam e promovam competência, empenho e atracção pela profissão.

Estamos num novo ciclo e urge o ajustamento nas políticas públicas de educação, e não só. Este caminho está a esgotar-se e o futuro parece comprometido, atentemos nos resultados mais recentes da avaliação dos alunos. Não vale a pena negar a realidade.

E o futuro não pode esperar. 

segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

OS NOMES QUE NOS CHAMAM

 Um dos produtos informativos sazonais é a divulgação no final de cada ano realizada pelo Instituto dos Registos e do Notariado dos nomes que os pais entendem "oferecer", chamar, aos que vão nascendo considerando o início de Dezembro. Tal como tem acontecido nos últimos seis anos, em 2024 os nomes mais escolhidos são Maria e Francisco. Depois temos Alice, Benedita, Matilde e Leonor, nas raparigas e Lourenço, Vicente, Tomás e João nos rapazes.

Apesar desta recente estabilidade e para quem como eu lidou durante muito tempo com sucessivas gerações de alunos são evidentes e curiosas as mudanças têm vindo a ser registadas e bem evidentes ao fim de alguns anos.

Devo dizer que tenho vindo a ficar um pouco inquieto com o rumo que a coisa tem vindo a tomar e parece persistir.

Um mundo sem “Sónias Andreias”, sem “Cátias Vanessas”, sem “Sandras Cristinas”, sem “Tatianas”, sem “Fábios”, sem “Mauros”, é certamente um mundo diferente. Também em trabalhos anteriores sobre esta matéria se registava já a tentativa de sofisticar um pouco as escolhas, mantém-se o popular Maria, João e Francisco mas temos o Santiago, o Lourenço, o Rodrigo, o Martim, o Tomás, o Santiago, o Afonso, a Mariana, a Matilde, a Beatriz, entre outras, que nos garantem, enfim, outra apresentação.

Mas o que me deixou mais apreensivo face a esta questão, é que, recordando um trabalho também sobre esta matéria há algum tempo divulgado, parece notar-se que o povo está mesmo a voltar as costas aos nossos mais gloriosos nomes, sobretudo nos rapazes, nomes como Manuel, António, José, Paulo, Carlos, etc., estão em queda. Será que vamos deixar de ter um Carlos Jorge, um António Manuel, um Manuel Carlos, um José Manuel, um António João, um Paulo Jorge, tudo nomes na nossa melhor tradição?

Para dar um exemplo, os meus nomes, José e António desapareceram dos dez primeiros há já alguns anos.

Até nos nomes! A nossa identidade está em mudança.

É certo que existem uns nomes que todos os dias, em voz mais alta ou mais baixa, chamamos a alguém e que se mantêm e manterão, aí a tradição ainda é o que era, felizmente.

Por outro lado, existe um outro lado dos nomes que se chamam e de que as pessoas e de que as pessoas não gostam. Uma pequena história que há tempos aqui deixei.

"Gosto quando me chamam. Às vezes, muitas vezes, não me chamam.

Outras vezes chamam-me nomes que não são meus. Os crescidos chamam-me preguiçoso, distraído, parvo, bebé, coitadinho e outros nomes, sempre nomes que não são meus.

Os outros miúdos chamam-me badocha, gordo, bolacha, caixa de óculos, def e outros nomes, sempre nomes que não são meus.

Eu acho que as pessoas, todas as pessoas, só deviam ter um nome, o seu."

Seja ele qual for, acrescentaria eu, José.

domingo, 8 de dezembro de 2024

DO PRECISAR E DO GOSTAR

 Estamos a aproximarmo-nos do Natal. Já vai sendo tempo de pensar nos incontornáveis presentes. E estando os futuros tão incertos, os presentes ganham ainda mais relevância. Para todos.

A escolha dos presentes, estou a pensar sobretudo nos mais novos, nem sempre é fácil. Para além da consideração dos custos, há que escolher o presente e muitas vezes balançamos entre o que gostam e o que precisam.

De uma forma geral, as crianças, independentemente das suas capacidades de comunicação, dizem-nos e mostram mais facilmente o que gostam do que aquilo que precisam o que parece claro. No entanto, se estivermos atentos, as crianças também mostrem o que precisam, às vezes até de formas menos positivas.

Por outro lado, também acontece que gostem do que precisam, mas ... nem sempre é assim, muitas vezes não é assim.

Muitos adultos sabem do que elas precisam, mas dão-lhes quase só o que elas gostam querendo acreditar que as crianças serão capazes de construir por si sós o que precisam. Às vezes, muitas vezes, não é assim e é arriscado acreditar.

Muitos adultos, sabendo o que elas precisam tentam e frequentemente conseguem que elas também gostem.

Quando assim acontece fica tudo bem mais fácil, em casa e na escola, no comportar ou no aprender

sábado, 7 de dezembro de 2024

AINDA O ACORDO DO NOSSO DESCONTENTAMENTO

 Hoje, felizmente, tropecei com o excelente texto de António Jacinto Pascoal no Público, “A língua e o sofá: o paraíso beatífico do acordo ortográfico”. Não sendo um especialista entendo que o artigo é uma notável defesa da Língua Portuguesa e, mais uma vez, se a evidencia que a transformação do Português pelo “acordês” é absolutamente insensata.

Será porventura uma tarefa sem sucesso, mas enquanto for possível reverter a situação criada pelo AO90, ou, pelo menos, atenuar danos, vale a pena insistir, importa que não nos resignemos. É uma questão de cidadania, de defesa da Cultura e da Língua Portuguesa. Aliás, os que por aqui passam notarão a manutenção do Português e a recusa do “acordês”.

É importante recordar que apenas Portugal, S. Tomé e Príncipe, Brasil e Cabo Verde procederam à ratificação.

Como tantas vezes tenho escrito, desculpem a insistência e não inovar, entendo, evidentemente, que as línguas são estruturas vivas, em mutação, pelo que requerem ajustamentos, por exemplo, a introdução de palavras novas ou mudanças na grafia de outras, o que não me parece sustentação suficiente para o que o Acordo Ortográfico estabelece como norma.

Não sou, evidentemente, um especialista, mas parece-me que o cerne da questão reside, de facto, no entendimento, cito o presidente da Academia das Ciências de Lisboa, de que “Qualquer tentativa de uniformização ortográfica nos diversos países que usam a língua portuguesa como oficial é utópica” e que “o normal é o respeito pelas ortografias nacionais".

É esta perspectiva que informa o que se passa, por exemplo, com o inglês ou o castelhano/espanhol que têm algumas diferenças ortográficas ou na linguagem oral nos diferentes países em que são língua oficial, sem que daí advenha qualquer perturbação ou drama mas isto dever-se-á, certamente, a ignorância minha e à pequenez irrelevante daquelas comunidades anglófonas ou com língua oficial castelhano/espanhol.

Acresce que as explicações que os defensores, especialistas ou não, adiantam não me convencem da sua bondade, antes pelo contrário, acentuam a ideia de que esta iniciativa não defende a Língua Portuguesa. O seu grande defensor Malaca Casteleiro refere até "incongruências" no AO, o que, aliás, me parece curioso, para ser simpático. Dito de outra maneira, desencadeamos um acordo com esta amplitude e implicações para manter "incongruências e imperfeições" que abastardam a ortografia da Língua Portuguesa.

Por outro lado, a grande razão, a afirmação da língua portuguesa no mundo, também não me convence. Voltando ao exemplo do inglês e do castelhano/espanhol que têm diferenças ortográficas nos diferentes países em que são língua oficial, não parece sejam conhecidas particulares dificuldades na sua afirmação, seja lá isso o que for.

O que na verdade conhecemos com exemplos extraordinários é a transformação da Língua Portuguesa numa mixórdia abastardada, numa confusão impossível de concertar dadas as diferenças entre o Português falado e escrito pelos diferentes países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

Era importante que fossem revertidos alguns dos maus-tratos dados à Língua Portuguesa com o AO90.

Enquanto o corrector me permitir e eu conseguir tentarei evitar o “acordês”, birra de velho, evidentemente.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

OS CANTOS DOS MIÚDOS

 Um dia destes, lida profissional terminada, netos na escola, aqui sentado no meu canto dei por mim a pensar como os cantos estão presentes na vida dos miúdos, umas vezes pela positiva, outras nem por isso e algumas mesmo pelas piores razões. A ver se vos consigo falar desta ideia esquisita.

Com os estilos de vida e valores presentes nas comunidades actuais temos muitas crianças e adolescentes que vivem ao canto, muitas delas num canto onde cabe pouco mais que um ecrã, no qual também aparecem outros como eles, fechados num qualquer canto de outra qualquer família. No entanto, na quase totalidade das famílias, os miúdos não vivem ao canto, ocupam um lugar bem ao centro. Ainda bem, pelas famílias e, naturalmente, por eles.

Muitos de nós, sobretudo nas gerações mais novas, passaram pelo jardim de infância, cujas salas estão frequentemente estruturadas em cantinhos que, por sua vez, nos organizam nas primeiras tarefas, o cantinho dos brinquedos, cantinho dos livros, o cantinho das pinturas, etc., dando uma primeira visão de um mundo aos cantinhos, organizado e à nossa espera.

Uns anos mais tarde, muitas crianças e adolescentes andam nos cantos das nossas escolas, como figuras transparentes que quase nem notamos, a menos que os comportamentos desajustados os tirem dessa invisibilidade.

Felizmente, a maioria dos miúdos passa por situações de bem-estar e vive com a tranquilidade própria de quem conhece os cantos à casa, como diz o povo. Neste caso é um canto, é um encanto.

Finalmente, o espaço é curto, a referência para aquelas crianças que ainda antes de nascer e ao longo de toda a sua vida, às vezes curta, vão compondo um canto triste.

Existem demasiadas crianças a viverem a um canto que, por estranho que pareça, com alguma frequência está no meio de uma qualquer sala, na escola, em casa ou … no mundo.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

A MATEMÁTICA É DIFÍCIL E CHATA. SERÁ DESTINO?

 Foram divulgados os resultados do Trends in International Mathematics and Science Study (TIMSS), relativo 2023. Alguns indicadores.

Sem surpresa, já se tinha verificado com o PISA, verificou-se uma descida nos resultados de 2023. Considerando a Matemática, no 8.º ano os alunos portugueses obtiveram 475 pontos, ligeiramente abaixo da média, 478 pontos representando, no entanto, uma descida de 25 pontos. Em 42 territórios analisados Portugal está em 25.º Os alunos do 4.º ano obtiveram 517 pontos, 14 acima da média e menos 8 que em 2019 ocupando o 26.º lugar em 58 participantes.

Em Ciências, verifica-se uma desci no 8.º ano, 13 pontos e um posicionamento de 28 pontos acima da média, 17.º.

Também como seria de esperar, os alunos com frequência mais prolongada de educação pré-escolar e com contextos socioeconómicos mais favoráveis revelaram melhor desempenho.

Professores reclamam um currículo mais exigente para inverter queda dos alunos a Matemática

É também de considerar que 58% dos alunos portugueses inquiridos “não gostam” de aprender Matemática e 13% afirmam “gostar muito”, menos 8% que a média.

Como é natural e considerando a Matemática, o domínio com mais escrutínio, surgem sempre algumas leituras. No Público refere-se a análise da Sociedade Portuguesa de Matemática e da Associação dos Professores de Matemática que, mais uma vez, divergem no discurso produzido.

A SPM sobrevaloriza a questão da alteração curricular, a passagem das “metas curriculares” para as “aprendizagens essenciais” e a APM considera as “aprendizagens essenciais” são de manter e alerta para outras variáveis como, por exemplo, os efeitos da falta de docentes.

Não sou especialista em questões curriculares, mas parece-me curioso que a Sociedade Portuguesa de Matemática e a Associação dos Professores de Matemática, não sei com que dimensão representativa dos professores de matemática têm habitualmente entendimentos diferentes com um argumentário que em alguns aspectos que me são mais familiares, o funcionamento dos alunos por exemplo, me levantam dúvidas e, por vezes, me parecem fruto de agendas para além da Matemática.

Lembro-me, por exemplo, de Nuno Crato, de há muito ligado à SPM e sempre com “base na evidência” ter, enquanto ministro, proclamado a existência de professores a mais e a “inevitabilidade da redução”. Sabemos o que se tem verificado.

Continuo a entender que estruturas curriculares demasiado extensas, normativas e prescritivas são pouco amigáveis para o bom desempenho da generalidade dos alunos, pouco amigáveis para acomodar a diversidade.

Por outro lado, e como aqui tenho escrito, o desempenho a Matemática pode ainda ser influenciado, não numa relação de causa-efeito, por múltiplas variáveis como número de alunos por turma, tipologia das turmas e das escolas e dos contextos, dispositivos de apoio às dificuldades de alunos e professores ou questões de natureza didáctica e pedagógica.

Acresce a esta complexidade um conjunto de outras variáveis menos consideradas por vezes, mas que a experiência e a evidência mostram ter também algum impacto.

São variáveis de natureza mais psicológica como a percepção que os alunos têm de si próprios como capazes de ter sucesso associada a contextos familiares de natureza diversa, por exemplo.

É também conhecido e os resultados do PISA sublinham, que os pais com mais qualificação e de mais elevado estatuto económico têm expectativas mais elevadas sobre o desempenho escolar dos filhos o que se repercute na acção educativa e nos resultados escolares e, naturalmente, mais facilmente mobilizam formas de ajuda para eventuais dificuldades, seja nos TPC, seja através de ajuda externa.

Finalmente uma outra variável neste âmbito, a representação sobre a própria Matemática. Creio que ainda hoje existe uma percepção passada nos discursos de muita gente com diferentes níveis de qualificação de que a Matemática é uma “coisa difícil” e ainda de que só os mais “inteligentes” têm “jeito” para a Matemática. Esta ideia é tão presente que não é raro ouvir figuras públicas afirmar sem qualquer sobressalto e até com bonomia que “nunca tiveram jeito para a Matemática, para os números”. É claro que ninguém se atreve a confessar uma eventual “falta de jeito” para a Língua Portuguesa e, por vezes, bem que parece. A mudança deste cenário é uma tarefa para todos nós e não apenas para os professores e seria importante que acontecesse.

De facto, este tipo de discursos não pode deixar de contaminar os alunos logo desde o 1º ciclo convencendo-se alguns que a Matemática vai ser difícil, não vão conseguir ser “bons” e a desmotivar-se.

Não fica fácil a tarefa dos professores, mas no limite e como sempre será a escola o braço operacional da comunidade a fazer a diferença.

Parece ainda claro e é uma questão central claro que para promover mais sucesso e não empurrar os alunos para os anos seguintes sem nenhuma melhoria nas suas competências ou saberes é essencial, como referia acima, criar e tornar acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos adequados e competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo.

Sabemos também que a escola pode e deve fazer a diferença, em muitas escolas isso acontece. Mas para que isto seja consistente e não localizado também sabemos que o sucesso se constrói identificando e prevenindo dificuldades de forma precoce, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio eficazes, competentes e suficientes a alunos e professores, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento desburocratizado das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, com a valorização do trabalho dos professores, com práticas de diferenciação que não sejam "grelhodependentes", com expectativas positivas face ao trabalho e face aos alunos, com melhores níveis de trabalho cooperativo e tutorial, quer para professores quer para alunos, etc.

Uma nota final para a importância da avaliação externa como forma imprescindível de regulação. No entanto, não entendo que só por existirem e serem muitos, os exames finais, só por si, insisto, só por si, melhorem a qualidade. É como esperar que só por medir muitas vezes a febre irá baixar. A qualidade é promovida considerando o que escrevi em cima e regulada em termos globais pela avaliação externa que permite análises necessárias, nacionais ou internacionais como, por exemplo, … o TIMSS.

É com a escola, por dentro da escola e integrado em sólidos projectos de autonomia e responsabilidade e com recursos adequados que o caminho se constrói.

Sabemos tudo isto. Nada é novo. Só falta um pequeno passo.