sexta-feira, 2 de agosto de 2019

COMBATE À CORRUPÇÃO? ENTRE O NÃO QUERER E O NÃO PODER

Nos últimos dias a agenda, para além da questão das famosas golas mas também a partir deste lamentável episódio, tem sido marcada pela constatação dos negócios de robustez ética e mesmo legal duvidosa entre familiares de gente com cargos na administração pública, nos seus diferentes patamares e entidades públicas. Nada de novo, é matéria que tem de há muito envolvido gente de múltiplos quadrantes, aqui sim, temos um país inclusivo.
Recordo que os indicadores relativos a 2018 do Barómetro Global da Corrupção, da responsabilidade da Transparency International, a rede global de Organizações Não-Governamentais que em Portugal é representada pela Transparência e Integridade mostraram que Portugal permanece a meio da tabela do índice de percepção da corrupção tendo praticamente estagnado o que segundo a Transparência e Integridade evidencia a inexistência de uma estratégia de combate à corrupção.
Na sequência de relatórios anteriores os dados são devastadores. Sabe-se também que na grande maioria dos casos registados e investigados não resultam condenação, são frequentes as referências à falta de meios e recursos humanos no sistema judicial mas a coisa não se altera significativamente.
Lembro também que já em Fevereiro de 2016 a Comissão Europeia afirmava num relatório que em Portugal “não existe uma estratégia nacional de luta contra a corrupção em vigor”.
No entanto, sobretudo à entrada de cada novo governo ou em períodos pré-eleitorais, está sempre presente nos discursos partidários a retórica que sustenta o fingimento da luta contra a corrupção e a promoção da transparência na vida política portuguesa e, regularmente, emergem umas tímidas propostas que mascaram essa retórica, entram na agenda, por vezes até se dá mais um "jeitinho" nas leis (nada de substantivo) e rapidamente tudo se apaga até ao próximo fingimento.
Do meu ponto de vista, nenhum dos partidos do chamado “arco do poder” ou que a ele pretendem aceder, está verdadeiramente interessado na alteração da situação actual, o que, aliás, pode ser comprovado pelas práticas desenvolvidas enquanto poder nos diversos patamares. A questão, do meu ponto de vista, é mais grave. Os partidos, insisto no plural, mais do que não querer mexer seriamente na questão da corrupção e do seu financiamento, não podem e vejamos porque não podem.
Nas últimas décadas, temos vindo a assistir à emergência de lideranças políticas que, salvo honrosas excepções, são de uma mediocridade notável. Temos uma partidocracia instalada que determina um jogo de influências e uma gestão cuidada dos aparelhos partidários donde são, quase que exclusivamente, recrutados os dirigentes da enorme máquina da administração pública e instituições e entidades sob tutela do estado. Esta teia associa-se à intervenção privada sobretudo nos domínios, e são muitos, em que existem interesses em ligação com o estado, a banca e as obras públicas são apenas exemplos. Os últimos anos, meses, semanas, dias, foram particularmente estimulantes nesta matéria.
A manutenção deste quadro, que nenhum partido estará verdadeiramente interessado em alterar, exige um quadro legislativo adequadamente preparado no parlamento e uma actividade reguladora e fiscalizadora pouco eficaz ou, utilizando um eufemismo, “flexível”. Assim, a sobrevivência dos partidos, tal como estão e da praxis que desenvolvem, exigem a manutenção da situação existente pelo que, de facto, não podem alterá-la. Quando muito e para nos convencer de que estão interessados, introduzem algumas mudanças irrelevantes e acessórias sem, obviamente, mexer no essencial. Seria um suicídio para muita da nossa classe política e para os milhares de amigos de diferentes cores que se têm alimentado, e alimentam do sistema.
O combate à corrupção, parece, assim, um problema complicado e fortemente dependente da criação de uma pressão cívica que obrigue à mudança. De quem faz parte do problema, não podemos esperar a solução. E assim se cumpre a pantanosa pátria nossa amada.

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