quarta-feira, 13 de junho de 2018

O RAPAZ QUE NÃO SABIA CANTAR


Desde o início se notou que o Rapaz não funcionava como as outras pessoas. Em bebé chorava com um choro estranho, pouco habitual nos outros bebés. As suas primeiras palavras também não soavam como as dos seus companheiros de creche, tinham uns sons por vezes esquisitos. Quando entrou na escola as diferenças mantiveram-se, o Rapaz tinha uma linguagem perceptível, um vocabulário ajustado à idade, mas as palavras ditas por si tinham frequentemente uma entoação estranha que o distinguia dos outros.
A situação ficou mais evidente quando colocaram o Rapaz em actividades em que tinha de cantar. Todo a gente achava um pesadelo, nunca se tinha visto, ou melhor, nunca se tinha ouvido um rapaz com tanta falta de jeito para cantar.
Os professores destas áreas foram-lhe pedindo para nem sequer tentar cantar porque, diziam, era insuportável ouvir aquele som que o Rapaz tenta esforçadamente produzir.
O Rapaz foi-se assim habituando a ficar calado e só quando não podia deixar de ser comunicava com alguém e cantar deixou mesmo de o fazer. Na verdade, quando estava só ensaiava cantar e achava que o que os seus ouvidos lhe mostravam não era assim tão mau como lhe diziam. O seu comportamento, discreto, calado, tornou, assim, suportável a sua presença junto das pessoas.
O Rapaz aprendeu que o mundo não gosta de desafinados, percebeu que dificilmente faria parte de qualquer coro. Ficou algo desconsolado porque gostava muito de música e de cantar, como quase toda a gente.

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