sexta-feira, 31 de agosto de 2012

A PRODUTIVIDADE UNIVERSITÁRIA PORTUGUESA

Apesar da sua raridade ainda surgem notícias positivas. Não obstante as dificuldades que atravessam, com os cortes orçamentais ameaçadores do trabalho que de há uns anos tem vindo a ser feito, a produção científica nas universidades portuguesas aumentou em 2011.
Sete universidades portuguesas entram na lista das 700 universidades com melhor nível de produção científica no contexto mundial, registando-se a subida da Universidade do Minho que atingiu este patamar.
Merece registo e divulgação.

A MISSÃO DE MIGUEL RELVAS, PERDÃO, DO DR. MIGUEL RELVAS

A missão segue o caminho definido, os objectivos estabelecidos estão a ser cumpridos e prevê-se o seu total sucesso.
O Conselho de Administração da RTP, contrariamente ao previsto e desejado, tinha conseguido equilibrar contas e demonstrar a viabilidade económica da empresa ao mesmo tempo que assegurava o serviço público.
Miguel Relvas chama o papagaio Borges manda-o lançar uma granada de fumo, a história da concessão, que promove a histeria com lhe chamou Passos Coelho e agitou as águas, justamente, o efeito pretendido.
Conforme o planeamento, o Conselho de Administração, completamente ultrapassado pela granada do papagaio Borges e a “gritaria” desencadeada, não poderia deixar de reagir, sob pena de perder completamente o controlo da empresa e a autoridade institucional. A reacção seria naturalmente de crítica e desconforto face ao conteúdo das afirmações do papagaio Borges, pelo que a posição do Conselho de Administração entraria em rota de colisão com o Ministro Relvas e os interesses que ele representa.
Neste cenário e dada a degradação das relações de tutela o Conselho de Administração só poderia apresentar a sua demissão que, aliás, algumas vozes de figuras menores da coligação já pediam, não percebendo que o guião estava a ser cumprido mas tudo tem o seu tempo. A demissão é, obviamente, aceite pelo Ministro Relvas.
Estamos assim em plena progressão para a tentativa de entrega da RTP a uns amigos que oportunamente darão a cara e tudo irá acabar conforme planeado.
Bom trabalho Miguel Relvas, perdão, Dr. Miguel Relvas.

ESCUTAR PORTAS

Devo dizer que escutar portas é de uma deselegância, falta de educação e cusquice sem nome. O meu pai sempre me ensinou, não se deve andar a escutar portas, é muito feio.

ESTÁS SEMPRE A DORMIR NAS AULAS. Não Setôra, tou a estudar

Um estudo realizado por uma equipa israelita do Instituto Weizmann de Ciência, divulgado na Nature Neuroscience, pretende demonstrar a estimulante possibilidade de aprender enquanto se dorme.
Finalmente, a justiça e a verdade taradaram mas chegaram.
Durante alguns anos da minha vida, de uma forma completamente intuitiva, sem base científica, apostei nesta tese, devo confessar no entanto que sem grandes resultados.
O dispositivo que montei funcionava assim. Nos tempos de liceu, quase sempre em véspera de testes, depois de estudar o que me parecia ser suficiente para fugir à “nega” o que, aliás, nem sempre conseguia, deitava-me, mantinha a luz do quarto acesa e deixa o manual aberto encostadinho à minha cabeça, Este procedimento experimental, estudar por osmose enquanto dormia, surtia, pelo menos um efeito positivo também previsto no plano. O meu pai acordava, percebia a luz acesa já bastante tarde e, ou acreditava que eu ainda estava a estudar (e estava) ou vinha verificar e certificava-se do meu empenho no estudo que me levava a, coitado de mim, adormecer a estudar. A experiência funcionava a contento.
É verdade que nunca consegui comprovar que o meu “método” de estudo produzisse alterações no rendimento escolar e na aprendizagem, mas que o meu pai se referia com muito apreço ao meu esforço e preocupação com a escola também é verdade.
Espero que o trabalho desenvolvido em Israel possa vir a transformar o sono como um ambiente favorável e eficaz de aprendizagem.
Para além do que se ganha em horas de trabalho em casa, estuda-se toda a noite, já não se tornará necessário acordar os alunos que dormem nas aulas, serão os melhores alunos.

OS ALUNOS A MENOS E OS PROFESSORES A MAIS

Os professores, estou a referir-me sobretudo aos do quadro com horário zero que tiveram de concorrer a outra escola ou agrupamento, os “zero”, na expressão que perversamente o sistema criou, conhecerão hoje o seu futuro imediato, se terão trabalho e onde.
Não vou voltar a referir a deriva insustentável e incompetente que tem sido todo este processo que foi acomodando sucessivos episódios inaceitáveis e atentatórios do respeito pelos profissionais envolvidos. O caso hoje divulgado acontecido num agrupamento de escolas da Damaia é paradigmático de toda esta narrativa. Quero deixar apenas uma pequena nota para um exemplo final, mais um, da manha e habilidade demagógica do discurso do MEC sobre esta questão, os professores necessários ao sistema que, digo-o muitas vezes, é muito complexa, e que, por isso mesmo exige seriedade, rigor e competência na sua análise e gestão, exactamente tudo o que lhe tem faltado.
O Dr. Casanova de Almeida afirma que a existência de tantos professores com “horário zero” é explicada pelo facto de em três anos a população escolar ter baixado 200 000 alunos.
É verdade que o número de alunos matriculados baixou, mas a base do aumento de professores já no sistema e sem trabalho radica fundamentalmente nas medidas da PEC – Política Educativa em Curso. Vejamos alguns exemplos.
Em primeiro lugar, a mudança no número de professores necessário decorre do aumento do número de alunos por turma que, conjugado com a constituição de mega-agrupamentos e agrupamentos leva que em muitas escolas as turmas funcionem com o número máximo de alunos permitido e, evidentemente, com a as implicações negativas que daí decorrem.
As mudanças curriculares com a eliminação das áreas não curriculares que, carecendo de alterações é certo, também produzem um desejado e significativo “corte” no número de professores, a que acrescem outras alterações no mesmo sentido. O caso de EVT com a eliminação do funcioamento de dois docentes em sala de aula é ainda um outro exemplo.
O Senhor Secretário de Estado “esqueceu-se” obviamente destes “pormenores”, e apenas se lembrou que existem menos alunos.
Este conjunto de medidas, além de outras, sairão, gostava de me enganar, muito mais caras do que aquilo que o MEC poupará na diminuição do número de docentes, que correm o risco do desemprego, muitos deles tendo servido o sistema durante anos. Ficarão sem trabalhar, não porque sejam incompetentes, a maioria não o é, não porque não sejam necessários, a maioria é, mas “apenas” porque é preciso cortar, custe o que custar.

PS - A publicação dos resultados veio mostrar que, conforme se esperava, foram colocados nesta fase do concurso menos cerca de seis mil docentes que no ano passado na mesma fase. Este resultado, insisto, não é explicado pela redução o número de alunos, mas pelas medidas de política educativa e também insisto na necessidade de tratar esta questão com seriedade e do ponto de vista da qualidade da educação e não quase exclusivamente a partir da aritmética financeira. Às vezes, como o povo diz, o barato sai caro.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

APRENDER A ANDAR. Na terra e nas ondas

Numa das últimas idas à praia para a caminhada que bem dispõe, deparei com uma cena mágica, daquelas que ficam impressas e nítidas e nos deixam de bem com a vida, eventualmente por pouco tempo, mas que a lembrança seja infinita enquanto dure, recordando Vinícius. Por isso, aqui fica a impressão que desejo nítida.
Muito perto uma da outra e junto dos respectivos progenitores, estavam duas crianças pertinho do mar.
Uma, vestida com uma fatiota completa e patusca que cobria também a cabeça, rastejava pela areia num esforço empenhadíssimo de quem quer mesmo aprender a andar. Com o rabo pesado das fraldas, o gaiato, ou gaiata, não parava e sob o olhar da mãe seguia num empreendimento que um dia o levaria a estar de pé e a andar a sua vida.
A outra criança, um rapazito mais velho, uns sete ou oito anos, estava com um ar muito sério dentro do seu fato de surf completo, prendia a prancha ao pé para com o pai também de equipamento completo e que por ele aguardava, se dirigir ao mar e aprender a lidar com as ondas. Vai ser importante para ele, lidar com as ondas e não submergir na sua turbulência.
Ainda fiquei a olhar para aqueles miúdos e convicto que, apesar da desesperança que impera, na verdade haverá futuro para além da crise. Construído com eles e por eles que vão fazendo a sua parte. Não podemos falhar na nossa.

O ERRO CRATO

A ler com atenção sobre o "ensino vocacional" em modo Crato.

A CONCLUSÃO DO SECUNDÁRIO E O ACESSO AO SUPERIOR DEVERIAM SER PROCESSOS SEPARADOS

Continua em aberto em situação criada pela decisão judicial de manter a situação que permite o acesso ao ensino superior de alunos do ensino recorrente em condições mais vantajosas que os alunos do ensino regular.  O MEC, que tinha alterado o processo o que motivou o processo judicial, recorreu da decisão e os alunos do ensino regular protestam por se sentirem discriminados e garantiu agora que serão criadas vagas adicionais para alunos do ensino regular "prejudicados" no acesso.
Não sendo a primeira vez que comento esta matéria, retomo algumas notas que, apesar das alterações introduzidas pelo MEC, continuam, do meu ponto de vista, oportunas.
Na verdade, este tipo de situações radica numa questão central, a conclusão e certificação de conclusão do ensino secundário e a candidatura ao ensino superior deveriam ser processos separados.
Os exames nacionais destinam-se, conjugados com a avaliação realizada nas escolas, a avaliar e certificar o trabalho escolar produzido pelos alunos do ensino secundário e que, obviamente, está sediado no ensino secundário. Neste cenário caberiam as outras modalidades que permitem a equivalência ao ensino secundário, como é o caso do ensino recorrente.
O acesso ao ensino superior é um outro processo que deveria ser da responsabilidade do ensino superior e estar sob a sua tutela.
A situação existente, não permite qualquer intervenção consistente do ensino superior na admissão dos seus alunos, a não ser a pouco frequente definição de requisitos em alguns cursos, o que até torna estranha a passividade aparente por parte das universidades sempre tão ciosas da sua autonomia. Parece-me claro que o ensino superior fazendo o discurso da necessidade de intervir na selecção de quem o frequenta não está interessado na dimensão logística e processual envolvida.
Os resultados escolares do ensino secundário deveriam constituir apenas um factor de ponderação a contemplar nos processos de admissão organizados pelas universidades como, aliás, acontece em muitos países.
Sediar no ensino superior o processo de admissão minimizaria muitos dos problemas conhecidos decorrentes do facto da média do ensino secundário ser o único critério utilizado para ordenar os alunos no acesso e eliminaria o “peso” das notas altíssimas concedidas, com frequência, no ensino recorrente. Todos nós conhecemos os clássicos exemplos de alunos que se dirigem a medicina porque as suas altíssimas notas assim o sugerem, acabando por reconhecer não ser esse o seu caminho e, por outro, um potencial excelente médico que deixará de o ser porque por três vezes ficou a décimas da média de entrada.
Enquanto não se verificar a separação da conclusão do secundário da entrada no superior corremos o risco de lidar com situações desta natureza.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

O PESO DOS MANUAIS NO TRABALHO ESCOLAR, NAS MOCHILAS E NAS CARTEIRAS

A Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL) informou que mediante o acordo estabelecido com o MEC o aumento do custo dos manuais escolares será de 2,6%, abaixo da taxa de inflacção considerada pelo INE em Julho, 3,29 %. Esta decisão de contenção dos custos prende-se com a preocupação da APEL com as dificuldades das famílias.
A Constituição da República estabelece no Artigo 74º que “Compete ao Estado assegurar o Ensino Básico universal, obrigatório e gratuito”.
Segundo a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros os manuais obrigatórios representam um encargo superior a 80 milhões de euros para as famílias de 1,4 milhões de alunos. São conhecidos os ajustamentos nas regras e destinatários dos apoios sociais escolares, temos cerca de dois milhões de portugueses em risco de pobreza e um terço das famílias a viver mesmo encostadas a esse limiar. Acresce ainda que, ao custo com os manuais se deve adicionar o encargo com material escolar e livros de apoio sempre “sugeridos” pelas escolas e que determinam, de acordo com o INE, que as famílias portuguesas gastem mais que a média europeia em educação. Aliás, têm vindo a surgir algumas iniciativas, como os bancos de troca de manuais escolares, com o objectivo de reutilizar os manuais escolares, envolvendo autarquias, associações de pais, escolas, etc. e procura naturalmente contribuir para atenuar os gastos de muita centenas de euros que muitas família têm no início de cada ano com esta importante parte do "material escolar".
A questão dos manuais escolares é complexa e muito importante, é um nicho de mercado no valor de muitos milhões como referimos. Depois da abolição do execrável livro único de natureza totalitária e da proliferação de manuais aos milhares parece ter-se entrado numa fase de alguma estabilidade, (embora sejam urgentes mudanças na organização e conteúdos curriculares) e, sobretudo, da necessária qualidade, ainda que insuficientemente regulada.
No entanto, do meu ponto de vista, importa questionar não só o papel dos manuais mas, fundamentalmente, da quantidade enorme de outros materiais que os acompanham e que contribuem de forma muito significativa para o aumento da factura dos custos familiares com a educação potenciando injustiça e desigualdade de oportunidades. De facto, para além de imenso material de outra natureza, temos em cada área programática ou disciplina uma enorme gama de cadernos de fichas, cadernos de exercícios, cadernos de actividades, materiais de exploração, etc. etc. que submergem os alunos e oneram as bolsas familiares, até porque muitos destes materiais não são incluídos nos apoios sociais escolares. Em muitas salas de aula verifica-se a tentação de substituir a “ensinagem”, o acto de ensinar, pela “manualização”ou “cadernização” do trabalho dos alunos, ou seja, a acção do professor é, sobretudo, orientar o preenchimento dos diferentes dispositivos que os alunos carregam nas mochilas.
Esta questão, que não me parece suficientemente reflectida nas suas implicações acaba por baixar a qualidade das aprendizagens e apesar de se promover algum controlo da qualidade dos manuais, o mesmo não se verifica com os chamados materiais de apoio o que envolve custos pesados de natureza diversa.
Apesar de reconhecer que a ideia não será muito "popular" junto da APEL, continuo a pensar que seria de considerar a possibilidade dos manuais escolares serem disponibilizados pelas escolas e devolvidos pelos alunos no final do ano lectivo ou da sua utilização, ficando as famílias com "folga" para aquisição de outros materiais, livros por exemplo, sendo penalizadas pelo seu eventual dano ou extravio. Como é evidente, dentro desta perspectiva, a própria concepção dos manuais deveria ser repensada no sentido de permitir a sua reutilização.
Não esqueço, no entanto, o peso económico deste mercado e como são os mercados que mandam ...

NÃO TENS JEITO PARA ESCOLA, VAIS PARA O CAMPO

Conforme já tinha sido anunciado e hoje se lê no DN, o MEC vai avançar com a criação do ensino vocacional, aprendizagem de profissões concretas, cozinheiro, talhante, mecânico, electricista, canalizador, produtor agrícola,  obrigatório para o ensino básico. O projecto terá como linhas de força; no final do 6º ano os alunos podem escolher entre a via vocacional ou a via regular (reparem que só uma é "regular", a outra é "especial"), a frequência da via vocacional é obrigatória para qualquer aluno que chumbe duas vezes no mesmo ano no 1º ou 2º ciclos e para quem chumbe três anos interpolados, as famílias ou qualquer aluno podem escolher esta via e no final do 9º ou do 12º os alunos podem, fazendo os respectivos exames, retornar ao ensino "regular" uma vez que manterão na via vocacional o mesmo currículo em Português, Matemática e Inglês, curiosamente as disciplinas com mais "chumbos".
O DN solicitou-me um pequeno depoimento sobre este Projecto que aqui retomo.
Em primeiro lugar quero deixar claro, tenho-o escrito e afirmado, que é importante diversificar a oferta formativa, a diferenciação de percursos, de forma a conseguir um objectivo absolutamente central e imprescindível, todos os alunos devem atingir alguma forma de qualificação, única forma de combater a exclusão.
A questão que considero fortemente discutível num plano técnico e ético é a introdução desta diferenciação ao 6º ano e nos termos propostos pelo MEC, obrigatória para os que chumbam. Poucos sistemas educativos assumem este entendimento.
Os alunos com insucesso, estamos a falar, presumo, de gente com capacidades "normais" irão obrigatoriamente para o ensino vocacional. Voltamos ao meu tempo, não tens jeito para escola vais para o campo, não tens jeito para os trabalhos "intelectuais" vais para os trabalhos "manuais", "vocacionais" como lhe chama o MEC. Sabe-se que o insucesso escolar é mais prevalente em famílias mais desfavorecidas embora também conheçamos as excepções, muitas. Assim, mantemos a velha ordem, os mais pobres "destinados" preferencialmente para o trabalho manual, os mais favorecidos preferencialmente para o trabalho intelectual. Assim é que está certo.
Por outro lado, afirmar que um aluno no 6º ano "opta" é um disparate, uma criança de 12 ou 13 anos, não "opta", como sabem se forem sérios. Aliás, nem a lei nem a sua maturidade lhe permitem "optar", o aluno não é o seu encarregado de educação, por alguma razão isto acontece. Claro que a escola poderá sempre "optar" por ele, canalizando os que "atrapalham" os bons alunos para o ensino vocacional.
O MEC diz que os pais devem autorizar ou eles próprios optar, demagogia manhosa mais uma vez. Quem conhece os nossos territórios educativos sabe bem da margem de negociação e do nível de envolvimento dos pais dos alunos candidatos a esta via, os de insucesso, e que esta "autorização" é uma questão burocrática. Seja sério Professor Nuno Crato.
Afirma-se ainda que o aluno pode retornar ao ensino "regular" fazendo os exames nacionais de ciclo. O desvario ignorante, demagógico e mal intencionado continua. Qualquer pessoa que conheça o mundo da educação, sabe que a probabilidade de um aluno que tenha frequentado uma via mais "prática" durante o 3º ciclo mesmo que tendo o mesmo currículo a Português, Matemática e Inglês, apresentar-se a exame nacional do 9º  ou do 12º e ser bem sucedido é residual, mais uma vez haverá excepções, mas serão isso mesmo.
Sejamos sérios, a esmagadora maioria destes miúdos não voltará ao percurso normal sendo "empurrados" aos 12 anos para a via vocacional.
Pena terem acabado os tempos do meu sogro e do mestre Marrafa que, como milhares de outros, começaram a trabalhar aos dez anos. Não atrapalharam ninguém na escola e é sempre necessário quem faça o trabalho "prático".
As reacções a esta proposta como se pode verificar na peça do DN são cautelosas, remetendo para o carácter experimental do projecto e alertando, algumas, para riscos de discriminação. No entanto, em termos mais alargados, não me espantará se merecer a adesão de alguns, professores ou pais. Uns verão as suas salas de aulas, outros os seus filhos mais afastados dessa escumalha que só serve para trabalhos manuais "práticos", "vocacionais". É claro que se a medida tocar aos seus filhos a questão é outra, aí exigirão apoios ou procuram-nos fora da escola, porque sabem, todos sabemos, que aos doze anos os miúdos devem aprender o que TODOS aprendem, da forma que conseguem aprender e com os recursos adequados, aqui sim, deveria residir a verdadeira aposta.
A diferenciação dos percursos, necessária e imprescindível reafirmo, deve surgir mais tarde, como se verifica na maioria dos sistemas educativos que se preocupam com os miúdos, com todos os miúdos.

PRAXES ACADÉMICAS. Integrar ou humilhar?

As estruturas que regulam as praxes de nove universidades e institutos vão, segundo a imprensa de hoje, apresentar um documento comum que estabeleça um conjunto de princípios que permita regular os comportamentos de praxe e tentar pôr fim aos abusos que regularmente têm vindo a acontecer, alguns com consequências particularmente graves que, aliás, já motivaram a tomada de posições proibitivas por parte de algumas reitorias e direcções de escola.
Como várias vezes já aqui afirmei partindo de um conhecimento razoavelmente próximo deste universo, a regulação dos comportamento nas praxes parece-me absolutamente indispensável. Parece-me ainda importante que este movimento de regulação integre o respeito por posições diferentes por parte dos estudantes sem que daí advenham consequências implícitas ou explícitas. Estamos a falar de gente crescida e, espera-se, auto-determinada numa posição favorável ou desfavorável.
Na verdade, de forma aparentemente tranquila coexistem genuínas intenções de convivialidade, tradição e vida académica com boçalidade, humilhação e violência sobre o outro, no caso o caloiro.
Apesar dos discursos dos seus defensores, continuo a não conseguir entender como é que, a título de exemplo, humilhar rima com integrar, insultar rima com ajudar, boçalidade rima com universidade, abusar rima com brincar, ofender rima com acolher, violência rima com inteligência ou coacção rima com tradição. Devo, no entanto sublinhar que não simpatizo com estratégias de natureza proibicionista, sobretudo em matérias que claramente envolvem valores. Nesta perspectiva, parece-me um passo positivo a anunciada iniciativa de regulação que envolverá diferentes academias embora o efeito só possa ser percebido daqui a algum tempo quando se iniciar o ano lectivo.
Como também afirmo sempre que me refiro a esta questão das praxes, talvez as minhas reservas sejam as de alguém desintegrado, isolado, descurriculado, dessocializado e taciturno que não acedeu ao privilégio e experiência sem igual de ser praxado ou praxar. A minha frequência do ensino superior, enquanto estudante, decorreu num tempo em que as praxes tinham entrado em licença sabática, por assim dizer.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

A MISSÃO

Vejamos se tudo está pronto, é sempre bom conferir o equipamento antes de começar qualquer missão.
 
Equipamento de escrita. Certo.
Portátil. Certo.
Pastilhas para a rouquidão. Certo.
Ansiolítico. Certo.
Colecção de máscaras. Certo.
Kit de sobrevivência. Certo. 
 
Preparação prévia, verificar: 
 
Gestão de conflitos. Certo.
Defesa pessoal. Certo.
Actualização dos conteúdos da missão. Certo.
Técnicas de relaxação e expressão corporal. Certo. 
  
OK. Verificação completa. As aulas na minha nova escola como professor descartável podem começar, estarei preparado para a missão.

SERVIÇO PÚBLICO DE INFORMAÇÃO

Em Timor, o Ministro Miguel Relvas foi recebido com o habitual, generoso e desinteressado conselho, "Vai estudar ó Relvas". Ao que apurámos, a utilização pública do conselho foi concessionada a um grupo privado timorense.
Aguarda-se a resposta do Dr. Borges.

COMO DIRIA CATROGA, ... PEANUTS

A história que hoje poisou na imprensa relativa ao  anúncio de emprego publicitado pelo IEFP no qual constava o nome da pessoa a admitir, "lapso" que o Instituto "esclareceu", não merecia mais do que uma nota de rodapé na espuma das notícias de Verão.
O eco que atinge decorre, do meu ponto de vista, não da sua relevância, mas da cultura instalada de que boa parte do emprego, sobretudo, quando se sobe na escala, é mais dependente do amiguismo, do cartão e das fidelidades partidárias, do tráfico de influências do que dos méritos revelados em concursos abertos e transparentes.
Todas as administrações afirmam uma retórica de combate "firme" no qual farão "tudo que estiver ao seu alcance" (adoro esta expressão) para introduzir transparência e justiça e, de uma vez por todas, acabar como os "jobs for the boys" e "for the girls", como diria Francisco Louçã.
Como se lembram também a actual administração afirmou a mesma profissão de fé. Um olhar sem grande profundidade sobre o que tem acontecido, mostra como a tradição anda é o que era e os exemplos de "emprego com nome associado" são mais que muitos, bem como as excepções aos cortes salariais como ainda nos últimos dias foi noticiado, quer com a nomeações pra cargos da administração da saúde de pessoas com currículo ou formação irrelevantes na matéria mas com "encosto partidário" certo, quer com os vencimentos "excepcionais" da direcção do Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, situações ainda fresquíssimas.
De modo que, desculpem lá, no meio deste universo pantanoso, o emprego da senhora educadora de infância, Vera Pereira, com a fortuna de 833 € ao abrigo do Programa Estímulo 2012, que obriga a que esteja no desemprego há mais de seis meses, não passa de, como diria Eduardo Catroga um dos grandes valores do mercado dos cartões partidários, ... peanuts.
Os tubarões deste circuito estarão certamente a rir-se com a petinga apanhada em Tavira.

ESTAMOS TROIKADOS

Embora já tivessem sido avistados na costa portuguesa há uns dias, os tubarões da troika só hoje começam a avaliar o trabalho realizado na feitoria em que nos tornámos para, assim, decidir sobre as nossas vidas. A questão assenta, como não podia deixar de ser, sobre o aumento da nossa carga de trabalhos, perdão, da austeridade.
São muitas as vozes que alertam para a insustentabilidade de mais medidas de austeridade.
Mesmo o esfíngico Presidente da República na austera gestão das suas intervenções, afirmou que não é possível impor mais austeridade. No entanto, o Primeiro-ministro tem afirmado que pode ser necessária mais austeridade. Nada de estranho, "custe o que custar", tem que cumprir os objectivos do negócio com a troika e os objectivos da sua própria política "over troika", como tal, não pode assegurar que não seja necessária mais "austeridade", sendo ainda de esperar o aumento do desemprego, por exemplo.
Para além desta discussão, mais ou menos austeridade, o que nos preocupa seriamente são as condições de vida que muita gente está já a enfrentar, estamos a falar de pessoas, não de políticas, ou melhor estamos a falar do efeito das políticas na vida das pessoas.
Parece de relembrar que um estudo recente da insuspeita, nesta matéria, Comissão Europeia que analisou a distribuição dos efeitos dos programas de austeridade os países que experimentam maiores dificuldades, Portugal, Grécia, Espanha, Irlanda, Estónia e Reino Unido, conclui que Portugal "é o único país com uma distribuição claramente regressiva", traduzindo, os pobres estão a pagar mais do que os ricos quando se aplica a austeridade. Pode ainda ler-se que nos escalões mais pobres, o orçamento de uma família com crianças sofreu um corte de 9%, ao passo que uma família rica nas mesmas condições perdeu 3% do rendimento disponível.
Portugal é ainda de acordo com o estudo o único país analisado em que "a percentagem do corte (devido às medidas de austeridade) é maior nos dois escalões mais pobres da sociedade do que nos restantes". A Grécia, que tem tido repetidos pacotes de austeridade, apresenta uma maior equidade nos sacrifícios implementados.
Este dado parece-me extremamente relevante nesta discussão sobre a eventual necessidade de mais "austeridade" e mostra, de acordo com a percepção comum, que não existe equidade na repartição dos sacrifícios.
Para além de contrariar o discurso oficial de que existe justiça social nas medidas de austeridade, o que é verdadeiramente insustentável é de que as políticas assumidas, por escolha de quem decide, estão a aumentar as assimetrias sociais, a produzir mais exclusão e pobreza. Mais preocupante a insensibilidade da persistência neste caminho.
Eu sei, sabemos todos, que a questão da pobreza é um terreno que se presta a discursos fáceis de natureza populista e ou demagógica, sem dúvida. Mas também não tenho dúvidas de que os problemas gravíssimos de pobreza que perto de dois milhões de portugueses conhecem, um milhão de desempregados, exigem uma recentração de prioridades e políticas que não se vislumbra.
O abismo está mais perto, não está mais longe, como Passos Coelho sustenta. A realidade não é a projecção dos seus desejos, dramaticamente.
Vamos ver que como os mestres tubarões da troika avaliarão o trabalho realizado na feitoria e o que entendem sobre o futuro destes miseráveis do sul, nós.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

A DOUTORA. Cenas do Portugal dos Pequeninos

Dado o tempo de ainda de final de férias, parece-me mais ajustado partilhar algumas notas soltas e leves da vida no nosso quotidiano no Portugal dos Pequeninos.
Esta cena passou-se num serviço público, autárquico mais precisamente, onde alguém vai ser recebido por uma técnica do serviço com a qual irá discutir um Projecto de natureza educativa e social apresentado ao serviço.
Muito bom dia, sou Sónia D.
Bom dia, muito gosto sou Maria P.
Entre.
Obrigado.
...
Vamos então analisar o Projecto que apresenta ao Serviço. Pedi para conversarmos um pouco para me esclarecer melhor sobre tudo o que me enviou, tirar algumas dúvidas para que quando fizermos a reunião com todos os técnicos tudo estar mais claro.
Com certeza, agradeço a possibilidade desta conversa. E quais são as dúvida que Dra. Sónia tem para eu possa esclarecer?
Por favor, não me chame doutora. Na reunião tem que ser, como é natural, mas aqui não é preciso que me trate por doutora ...
 
E a conversa continuou de forma muito interessante com a Dra. (aqui não) Sónia para preparar a reunião com a Dra. (aqui sim) Sónia e os restantes técnicos (Drs.) do Serviço. 
Bonito serviço e País que tais doutores tem.

PELA EDUCAÇÃO É QUE VAMOS

A realização da tourada em Viana do Castelo, aceite pelo Tribunal contra a decisão da Câmara, e a abertura da época da "morte ao touro", reabrem o debate sobre a realização das touradas, quer envolvam as excepções com a morte do touro, como o caso de Barrancos, quer na versão mais soft em que o touro não é morto, (na praça).
Poder-se-á, o que não é raro, dizer que existem assuntos mais importantes a merecer discussão mas, do meu ponto de vista, vale a pena insistir, sobretudo quando as matérias estão com tempo de antena e, portanto, susceptíveis de envolver mais gente.
Como já tenho afirmado, lamento mas nem sequer me parece discutível a existência das touradas, com ou sem morte dos touros na arena.
Esta discussão é insustentável num plano racional, o touro é objecto de um tratamento que causa mal-estar e sofrimento e entender esta situação como um espectáculo é algo que me escapa. Por outro lado, o argumento habitual de natureza económica e de preservação da espécie é, do meu ponto de vista, curto, estas questões poderiam ser acauteladas sem a realização de touradas como também já tem sido referido.
Na verdade, a defesa da tourada radica em questões de natureza emocional, cultural, psicológica ou sociológica que entendo mas que não tenho que subscrever, o que torna particularmente difícil uma discussão racional e conclusiva.
No entanto, parece-me que a argumentação mais frequente, a tradição e cultura que este "espectáculo", a "festa brava" alimenta não colhe só por si. Como é óbvio, nada se deve manter só porque é tradicional ou integrado na cultura, se tal representar um atentado a direitos básicos. Posso, com uma ponta de demagogia evidentemente, evocar a "tradição" e "cultura" que alimentaram os combates de gladiadores, escravatura, a pena de morte, ou mesmo a violência doméstica e a exploração infantil, que de tradição e cultura passaram a procedimentos inaceitáveis ou mesmo criminalizados.
Sabemos que as mudanças em matéria de "cultura" e "tradição" são difíceis, são lentas, mas ... "e pur si muove". Também me parece que a mudança será mais fácil com a emergência de gerações mais novas que crescem sem o peso da "tradição" e da "cultura" que nós mais velhos carregamos e que mais dificilmente alteramos.
Como em tudo, pela educação é que vamos, numa variante à fórmula de Sebastião da Gama.

domingo, 26 de agosto de 2012

O PAPAGAIO

O mediático entertainer político, Marcelo Rebelo de Sousa, também conhecido por Professor Marcelo, hoje, mais uma vez, conseguiu surpreender-me com a sua genialidade, perspicácia e profundidade de análise.
No seu palco domingueiro, o Professor afirmou que o Dr. António Borges tinha divulgado o "cenário" da concessão da RTP a uma entidade privada com a cobertura do Dr. Relvas. Pelos vistos, afirma com segurança o Professor Marcelo, o Dr. Borges limitou-se a papaguear o esquema combinado com o Dr. Relvas.
Fiquei pasmado, a sério. Como é que o Professor Marcelo foi capaz de perceber algo que certamente terá escapado à totalidade dos cidadãos que têm acompanhado esta narrativa?
O homem é mesmo um génio. Eu a pensar que o Dr. Borges se tinha lembrado sozinho de atirar aquele disparate sem sentido e insustentável só para ver como é que o pessoal reagia e na volta estava tudo concertado com o Dr. Relvas.  O filme foi muito bem arquitectado mas não contavam com o Professor Marcelo, homem que a quem nada escapa.
Isto é que é verdadeiro serviço público de televisão.
É verdade que a proposta, ou melhor, o cenário como lhe chamou o Dr. Borges é um atentado político e parece insustentável até do ponto de vista económico se pensarmos, evidentemente, no interesse comum. No entanto, quer o Dr. Relvas, quer o Dr. Borges, estão longe de se constituírem como exemplos de gente que se preocupa com o interesse comum pelo que rapidamente se perceberá a quem serve o cenário apresentado pelas sinistras figuras.
Não é possível aceitar que esta despudorada ideia, absolutamente inaceitável, seja concretizada.

A HISTÓRIA DO ASTRONAUTA

Porque morreu Neil Armstrong o primeiro homem a ter, literalmente, a cabeça na Lua, aqui fica a História do Astronauta.  
 
Era uma vez um rapaz chamado Vítor. Era um “cabeça no ar”, ou melhor, um “cabeça na Lua”, como lhe chamava a Professora. Tinha uns oito anos e na escola tinha sempre um ar ausente, em viagem, mesmo quando, por decisão da Professora, já não se sentava perto da janela. O Vítor parecia ter a estranha capacidade de, mesmo com a cara encostada a uma parede, aparentar um olhar como se estivesse a ver o mais interessante dos cenários. É claro que o aprender das coisas da escola não estava a correr muito bem o que preocupava a professora, que insistia em chamar a atenção do Vítor para as tarefas que deveria realizar.
Vítor, tens que estar concentrado, com atenção ao que tens para fazer. Precisas de aprender estas coisas para quando cresceres saberes muito. Se não aprendes agora que vais fazer quando fores grande, diz-me lá.
Vou ser astronauta Professora.
Astronauta Vítor? Porquê astronauta?
Porque eu gostava de viajar com a minha cabeça. A Professora está sempre a dizer que tenho a cabeça na Lua. Tenho a cabeça na Lua mas ela também vai a muitos lados sem ser a Lua. O problema é que vai sozinha, eu fico aqui. Eu gostava de ir com ela e quando eu for astronauta posso andar com a minha cabeça pelos sítios todos onde ela vai só. Vai ser fixe.
Está bem Vítor, mas olha, enquanto não fores astronauta faz esta ficha, pode ser?
Assim que chegar, Professora.

sábado, 25 de agosto de 2012

O DESPUDOR

À medida que se aproxima o período de lançamento das próximas autárquicas, os aparelhos da partidocracia vão definindo estratégias de regulação da dança das cadeiras. Devo confessar que acho um espectáculo absolutamente deprimente e despudorado que pode ilustrar-se com a contratação em final de época, por parte da estrutura concelhia do PSD de Oeiras, do Dr. Moita Flores, um conhecido entertainer e escritor medíocre, criminólogo, comentador televisivo, etc., etc., e também presidente da Câmara de Santarém. Não se conhecem os valores do contrato, mas sabe-se que, obviamente, Moita Flores é um profundo conhecedor do concelho vizinho de Santarém, o de Oeiras, pelo que se percebe a bondade e acerto da escolha.
No entanto, exemplos destes são muito comuns.
No Expresso de hoje, com espaço pequeno, que as eleições ainda vêm longe, lê-se que o PSD se prepara para, apesar da oposição do CDS, aprovar a “clarificação” legal que permite que um cidadão que já cumpriu três mandatos à frente de uma estrutura autárquica possa concorrer …  a outro município. A jogada manhosa prende-se, pelo menos, com a intenção de apresentar o “action man”, Dr. Luís Filipe Menezes, que já não pode concorrer a Gaia, à Câmara do Porto, dado que Rui Rio também já está no fim do “contrato” dos três mandatos. Evidentemente que não é caso único, há umas semanas ouvi o senhor presidente da Câmara de Vila Nova de Poiares, o Sr. Jaime Soares, também conhecido pela sua ligação ao universo dos bombeiros, já impedido de concorrer ao mesmo município, admitir a possibilidade de se candidatar a Coimbra. São uns empreendedores, sempre a bombar.
De acordo com o quadro legal, para esta mudança normativa o PSD não precisa dos votos do CDS, basta que um dos partidos da oposição se abstenha.
Aqui surge a posição do PS em que, por exemplo, Francisco Assis é absolutamente fiel ao espírito da lei, a renovação política, o combate à eternização no poder, mas desconhece-se a posição que virá a ser adoptada por António José Seguro. Em todo o caso, também no PS há quem já vá afirmando que não vê “qualquer razão para que um autarca que atinja um limite de mandatos numa autarquia não possa candidatar-se a outra”, o que também não estranho. Por coincidência e só para exemplo, o PS tem um autarca em fim de mandato em Loures, Joaquim Raposo, que entende como uma boa candidatura para disputar a Câmara de Sintra a Fernando Seara, se este, entretanto, não se “interessar” pela Câmara de Lisboa. É um susto a dança das cadeiras.
E é assim que esta choldra, como diria o eterno Eça, funciona. A lei é clara na sua intenção e formulação mas, como sempre, se não serve os interesses partidários de ocasião, muda-se a lei, é simples e aparentemente barato. No entanto em termos de saúde ética da nossa vida cívica o preço deste pântano é altíssimo.
O despudor e a partidocracia capturaram e debilizaram a qualidade da democracia e confiança e envolvimento cívico dos cidadãos.
Este é, também, uma dimensão enorme da crise, das crises.

CONSULTA RAPIDINHA

Ao que refere o Público, dois sindicatos representativos da classe médica aceitam aumentar o número de utentes por cada médico de família a troco de compensações salariais “por desempenho”. A medida, que poderá passar de uma média de 1550 utentes por clínico para mais de 1900, permitiria, sustentam os sindicatos, diminuir significativamente o número de cidadãos sem médico de família, muitas centenas de milhar, situação verdadeiramente inaceitável, para mais nos tempos de dificuldades que atravessamos.
Não vou discutir a proposta do ponto de vista técnico, mas gostava de deixar uma nota. Alguns lembrar-se-ão de algo que veio a público sobre a avaliação dos médicos no âmbito do Sistema Integrado de Avaliação de Desempenho adaptado à carreira médica.
Não está em causa, obviamente a avaliação de desempenho, é uma ferramenta imprescindível à promoção da qualidade e eficácia de pessoas e instituições pelo que faz todo o sentido definir um modelo de avaliação também para os médicos.
As minhas dúvidas começam quando entre os critérios se enuncia produtividade e "atitude profissional e comunicação" com colegas, superiores, doentes e utentes, questão que hoje recordo a propósito do aumento de utentes por médico e do pagamento “por desempenho”.
Sabe-se que existem muitos milhares de pessoas sem médico de família que lutam por uma consulta, sem garantia de a conseguir, indo a meio da noite para a porta do centro de saúde. Sabe-se que existem médicos de família que são responsáveis por milhares de doentes. Muitas das pessoas que recorrem às consultas são idosas que frequentemente sofrem de “sozinhismo”, a doença de quem vive só, que se minimiza no convívio com outros sós na sala de espera e na atenção de um médico que escuta, por vezes, mais a dor da alma que as dores do corpo.
Neste cenário como avaliar "atitude" e "comunicação". Já estive envolvido em circunstâncias, pessoais ou acompanhando familiares, em que o médico claramente estava pressionado pelo tempo que (não) podia dedicar, a atitude que não podia demonstrar, a comunicação que não podia estabelecer. As muitas pessoas com horas de espera na sala inibem-no na "atitude e comunicação" e pressionam-no na "produtividade".
Temo que o aumento de utentes por médico e a pressão acrescida sobre os profissionais, que beneficiarão de acréscimos remuneratórios “por desempenho”, possa melhorar a “produtividade” mas ameace a qualidade.
Ainda assim, nada que se estranhe num tempo em que os números mandam nas pessoas.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

A TRANSPARÊNCIA NO DIZER

Muitas vezes nos referimos à riqueza e criatividade da língua portuguesa. Um dos aspectos que mais me fascina, é a forma como mascaramos ideias ou sentimentos através das expressões utilizadas. Alguns exemplos para ilustrar este comportamento.
Quando a alguém, sisudo e triste, perguntamos “o que é que tens?”, deveríamos utilizar um mais difícil “o que é que te falta?”
Quando a uma pergunta sobre o seu bem-estar, nos respondem “assim, assim” ou “vamos andando”, deveremos entender “não estou bem”.
Quando a resposta a um retórico “tudo bem?” é um apagado “cá estamos”, deveremos acrescentar, “mal, cansado e sem ânimo”.
Quando a uma solicitação de ajuda ou conselho ouvimos “nem sei o que te diga”, deveremos entender, “sei o que te diga, mas não sei se devo ou posso”.
Quando uma apreciação a algo é “nada por aí além”, deveremos considerar que é algo “muito para além”.
Quando alguém “não é particularmente interessante”, quer dizer que é um chato que não se aguenta. Noutra formulação, quando alguém “até nem é mau tipo”, deve entender-se que é um fulano intragável.
Quando dizemos de alguém, “é esforçado”, mais provavelmente achamos esse alguém pouco inteligente.
A incerteza sobre “como é que te hei-de explicar” significa, na verdade, “duvido que sejas capaz de entender”.
Muitos outros exemplos poderíamos considerar. Já imaginaram o custo pessoal e social que teria a transparência no dizer? 

O MAL-ESTAR COMO SEMENTE

Embora a escrita que vou deixando no Atenta Inquietude sempre remeta para a realidade nacional, alguns episódios ocorridos fora de portas têm merecido referência esporádica pelas suas implicações, mesmo para nós.
Nesta perspectiva, retomo o caso de Anders Breivik que assassinou 77 pessoas, na maioria jovens, na Noruega e que foi agora condenado a 21 anos de prisão por um Tribunal que o considerou são. É evidente que alguém que realizou o que Breivik fez, da forma que o fez, não pode ser uma pessoa saudável ainda que seja imputável, justamente o que aconteceu. Na altura, um sentimento de perplexidade terá sido o que melhor caracterizou a sociedade norueguesa. Porquê?
Acontece que com uma regularidade impressionante têm ocorrido episódios desta natureza ainda que, felizmente, com menor gravidade, lembremo-nos de situações em Inglaterra, nos Estados Unidos, em França ou na Finlândia, o que torna fundamental, refiro-o muitas vezes, que estejamos atentos e inquietos. Em alguns casos, lembro-me, por exemplo, dos distúrbios em Inglaterra, os comportamentos observados assemelhavam-se grotescamente a um videojogo violento com personagens reais.  
Também em Portugal se verificaram alguns casos de violência extrema envolvendo jovens, levando-nos a questionar os nossos valores, códigos e leis pela perplexidade que nos causam.
A atenção e inquietação que refiro devem dirigir-se e tentar perceber um processo que designo como "incubação do mal", que se instala nas pessoas, muitas vezes logo na adolescência, a partir de situações de mal-estar que podem passar relativamente despercebidas mas que, devagarinho, insidiosamente, começam interiormente a ganhar contornos que identificam os alvos, por vezes difusos, sentidos com os causadores desse mal-estar.
A fase seguinte pode passar por duas vias, uma mais optimista em que alguma actividade, socialmente positiva possa drenar esse mal-estar, nessa altura já ódio e agressividade, ou, a outra via, aumenta exponencialmente o risco de um pico que pode ser um tiroteio numa escola, a bomba meticulosamente e obsessivamente preparada ou o ataque a uma concentração de jovens de um partido que representa o "mal" ou a vinda para a rua numa espiral de violência cheia de "adrenalina", em nome de coisa nenhuma a não ser de um "mal-estar" que destrói valores e gente.
Por mais policiada que seja uma sociedade, é extraordinariamente difícil prevenir processos desta natureza em que o mal se vai incubando e em que as ferramentas de acção estão acessíveis. Provavelmente, a questão não é abdicar da abertura e da tolerância que caracteriza a nossa sociedade elevando o policiamento das comunidades a níveis asfixiantes. O lidar com este tipo de problemas, a iniciativa individual de natureza terrorista, ou os movimentos grupais descontrolados e reactivos, passará sobretudo por uma permanente atenção às pessoas, ao seu bem-estar, tentando detectar, tanto quanto possível, sinais que indiciem o risco de enveredar por um caminho que se percebe como começa, mas nunca se sabe como acaba.
Na Noruega, na Inglaterra, nos Estados Unidos, em França ou em Portugal.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

A MENINA CHAMADA RECEOSA

Era uma vez uma menina, chamava-se Receosa, tinha sete anos. Parecia uma menina como as outras crianças, e era, e tinha uns pais que se pareciam com os outros pais, e eram.
Explicando melhor, a menina crescia com os medos e receios com que os miúdos crescem, uns maiores, outros mais pequenos e os pais ajudavam a menina a crescer como os medos e receios com que os pais ajudam os filhos a crescer, uns maiores e outros mais pequenos.
Mas houve uma altura em que os pais começaram a ter medos maiores do que era habitual e ficaram muito assustados. Por isso, a Receosa, quando viu os pais muito assustados e sentiu os seus medos passou a ter ainda mais medos e receios do que habitualmente tinha o que, como é natural, serviu para aumentar os receios dos pais.
Um dia, os pais da Receosa encontraram na escola o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala como livros, e contaram as palavras das suas inquietações, dos seus medos.
O Velho, naquele jeito dele de falar baixo disse, “Toda a gente, miúdos e crescidos, tem alguns medos. Quando encontramos e percebemos os medos que estão na cabeça dos miúdos ou achamos que alguns medos os devem tornar cuidadosos é preciso ajudá-los a lidar com esses medos, falando sobre eles, sem medo, para que não se assustem ainda mais.
Quando têm que lidar sós com os medos, não sabem o que fazer com eles e então é que se sentem mais atrapalhados. Quando os crescidos falam sobre os medos, é bom que não pareçam assustados e com muito medo, porque os pequenos, que precisam de sentir protecção e segurança dos mais velhos, vão sentir-se mais desprotegidos.
Além disso, também podemos ajudar a Receosa a olhar para tudo o que é bonito e não faz medo, existem muitas coisas, ela vai sentir-se mais forte”.
“Velho, isso quer dizer que achas que nós podemos ajudar a Receosa a ficar com menos medo?”, perguntaram os Pais.
“Claro que podem, mas primeiro tentem vocês ficar com menos medos e receios, mais tranquilos, ela vai sentir-se melhor”, disse o Professor Velho.

DA SOBERANIA À FEITORIA

Sim, eu sei que será uma nota disparatada e romântica, mas terão a generosidade de a desculpar.
Segundo a imprensa de hoje, um grupo com capitais angolanos organiza-se no sentido de concorrer à anunciada privatização da RTP, tarefa a cargo do Dr. Relvas, personagem que não se recomenda. Desenvolvimentos posteriores e as sucessivas trapalhadas do Dr. Relvas que levam o Passos Coelho a resguardá-lo até a poeira assentar  e surge então um empregado, bem empregado certamente, do Governo, o Dr. Borges, um homem cujo currículo, o torna particularmente habilitado para entregar aos privados tudo o que possa ser minimamente atractivo. Assim, diz o Dr. Borges, entrega-se a RTP a um privado, o que pagar mais, presume-se, fecha-se a RTP2, despedede-se quem tem de se despedir, os portugueses continuam a colocar dinheiro para "compensar" o serviço público, com a "pequena diferença" de que agora o nosso dinheiro vai de forma transparente para um privado, uma PPP na comunicação social e ... segue a privatização. Aliás, o Dr. Montenegro, líder parlamentar do PSD, acha este "cenário" um ovo de Colombo, o estado paga, o concessionado lucra, está certo.
Também sei que o dinheiro não tem pátria, o mercado não tem alma nem ética e que o resto, o resto … é a economia, estúpido.
Mas de um povo que não se sabe governar nem deixa que o governem, a um país que vai alienando tudo o que representa a sua soberania, entregando algumas empresas que são representativas e úteis aos interesses nacionais, não é por acaso que se designam por empresas de “bandeira”, a um mercado voraz e que se instala comendo a carne e deixando os ossos, é um caminho que inquieta.
A GALP já com parte nas mãos dos angolanos, a EDP, que teve de ser privatizada para, hipocrisia das hipocrisias, passar para as mãos de uma empresa estatal chinesa, a REN, a ANA e a TAP que estão a caminho, os Estaleiros de Viana, um dos pilares de uma indústria naval destruída num país que tem justamente no mar uma das melhores bases para o seu desenvolvimento, são apenas exemplos de um caminho que vamos tomando no sentido de passarmos da soberania à feitoria.
É óbvio que sou sensível à questão dos custos e da rentabilidade de um sector empresarial nas mãos do estado, mas, mais uma vez por ignorância e ingenuidade, tenho alguma dificuldade em perceber como é que sendo algumas das empresas e sectores em privatização de exploração deficitária nas mãos do estado, se tornam investimentos atractivos nas mãos de privados estrangeiros que não são propriamente instituições de solidariedade e assistência humanitária.
Provavelmente, em alguns destes negócios os interessados, não procuram só o lucro económico, correm por dividendos de outra natureza. Mais uma razão para nos preocuparmos com esta passagem da soberania sobre o que era nosso à feitoria sobre o que é dos outros exercida por um conjunto de feitores sem mandato para tal função.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

GENTE ESQUISITA, ESSES INGLESES

Hoje, no calor do Meu Alentejo mas à sombra da pimenteira, falava com um companheiro, o Zé, homem de mil ofícios que fazia aqui uns amanhos no monte e as palavras levaram-nos para as viagens longas de automóvel e a “seca” em que às vezes se tornam.
O meu interlocutor revelou, para minha surpresa devo confessar, que já tinha viajado para Inglaterra ao volante de um carro de transporte de mercadorias.
Comentei as dificuldades dessas viagens pela lonjura e ainda com a particularidade acrescida de ter de circular pela esquerda ao chegar a Inglaterra.
O Zé coloca um ar de concordância e responde, “o problema é que os ingleses são muito esquisitos, querem tudo muito certinho, não se pode parar em qualquer sítio que a gente precise. Andar pela esquerda não me custou nada”.
Pois é, há gente mesmo esquisita, querem fazer as coisas certinhas, são mesmo uns tótós. Não gozam os prazeres de uma vida de tolerância e flexiblidade, por assim dizer, em que, por exemplo, paramos onde queremos ou precisamos. Não sabem o que perdem.
O meu amigo Zé é que os topa, a esses ingleses esquisitos.

TODO O ENSINO É PROFISSIONAL, DE MAIOR OU MENOR DURAÇÃO

Desde há muito que defendo ser absolutamente central que os jovens ao sair do sistema se encontrem equipados com qualificação profissional, quer ao nível do ensino secundário, quer ao nível do ensino superior que com o trabalho no âmbito do ensino politécnico tem condições para processos de qualificação mais curtos e mais diversificados. Assim, tenho registado os avanços realizados na diversificação da ofertam formativa verificada nos últimos anos apesar de alguns equívocos que geraram a percepção de uma formação de “segunda” dirigida aos “maus” alunos. Estes equívocos decorreram também dos discursos e procedimentos adoptados em muitas escolas e envolveram alunos e famílias.
No universo da educação em Portugal, depois de Abril de 74, instalou-se uma das mais generosas e ingénuas ideias que o tempo das utopias gerou, todos os indivíduos deveriam ter formação universitária. Esta ideia, de trágicas consequências, quis combater a marca de classe presente nas escolhas entre liceu e escolas industriais e comerciais e, sobretudo, o baixo número de alunos que continuavam a estudar. O resultado foi criar um percurso que todos deveriam seguir e que só terminaria no fim do ensino superior universitário.
Com o aumento da escolaridade obrigatória e o aumento exponencial do número de alunos começou a perceber-se o erro trágico de um só percurso, muitos alunos chumbavam e abandonavam o sistema sem qualquer tipo de qualificação. Aliás, mesmo completando o ensino secundário, o 12º ano, as competências profissionais eram nulas, isto é, o 12º apenas ensinava, e mal, a continuar a estudar, coisa que entretanto era dificultada com a figura (lembram-se?) do "numerus clausus".
A partir de certa altura, timidamente, começaram a surgir ofertas de vias profissionais que, por má explicação política, foram sobretudo entendidas como uma estrada por onde segue quem não tem "jeito" ou competência para estudar. Neste contexto, famílias e alunos sentiram dificuldade em aderir a algo percebido como sendo de segunda. Entretanto, o nível inaceitável de chumbos e abandono no secundário continuava a envergonhar-nos.
Nos últimos anos, temos finalmente assistido a uma significativa diferenciação da oferta educativa, sobretudo depois do 9º ano, e essa oferta começa agora a perceber-se como uma alternativa à continuação de estudos mais prolongada, o ensino superior politécnico ou universitário. A oferta actual quase triplicou face a 2004/2005 o que tem contribuído para a descida muito significativa do abandono ao escolar neste patamar do sistema. Por outro lado, o crescimento exponencial da oferta tem vindo a levantar sérias reservas face à qualidade da formação providenciada e ainda não se conseguiu alterar significativamente a perspectiva desvalorizada de muitos professores, alunos e famílias.
O anúncio por parte do MEC do reforço do ensino profissional tendo como objectivo que 50 % dos alunos do 10º ano frequentem ensino profissional é positivo embora não conheça o critério que leva ao estabelecimento dos 50 % como meta. Espero que tal não indicie um caminho de estabelecimento de quotas.
Para além da questão da qualidade que importa escrutinar em avaliações independentes, deve ainda referir-se que em muitas escolas esta oferta diversificada é ainda gerida de forma classista, ou seja, os bons alunos são os que se encaminham para os cursos gerais e os outros são encaminhados para os cursos profissionais que assim continuam percebidos como de segunda, risco para o qual Roberto Carneiro alertava hoje em depoimento na imprensa.
O nível de desenvolvimento das sociedades actuais exige níveis de qualificação profissional sem os quais o risco de exclusão social é enorme, sempre digo que a exclusão escolar é a primeira etapa da exclusão social. Assim, conseguir que os alunos, todos os alunos, cumpram a etapa escolar saindo com qualificações profissionais é o grande desafio que o nosso sistema educativo enfrenta e para cujo sucesso é fundamental a oferta de percursos formativos diferenciados mas sérios e com qualidade.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

A PEGADA ECOLÓGICA

Apesar de serem passos pequenos e dados vagarosamente, como diria o Ministro Vítor Gaspar com a sua enorme sabedoria bem humorada, ou seja, um pé atrás do outro, vamos aliviando a pegada ecológica.
Um dia destes, na minha praia de sempre, aliás, a melhor praia do mundo, a Costa da Caparica, na montra, areia e mar, evidentemente, porque as traseiras são um filme de terror urbanístico-civilizacional, assisti a uma cena curiosa.
Um miudito, como todos os miúdos de todos os tempos, pede ao pai um gelado quando passa a senhora que foge da ASAE e da Polícia Marítima que, não conseguindo chegar ao peixe grosso, ataca o peixe miúdo, está mais à mão e é mais fácil. O pai, como todos os pais de todos tempos, resiste aos dois primeiros pedidos mas, obviamente, compra o gelado à criancinha que começa cedo a perceber as vantagens da persistência e do empreendedorismo.
Depois de "descascado" o gelado, o papel é solto à brisa da praia, qual papagaio colorido. Aqui o pai, levanta-se, de novo, da sua cadeirinha de praia e corre até alcançar o papel que traz e guarda num saco.
Pensei para comigo, na verdade "The times they are a-changin'", como diria o velho Dylan.
Entretanto, o pai volta à sua cadeira e quando se senta, dá uma olhadela furtiva à sua volta e com o pé atira um punhado de areia para tapar um montinho de pontas de cigarro que tinha acumulado ao lado da cadeira.
Fui para o mar mergulhar o meu desencanto. Como quase sempre, a água estava fria, as águas da Costa são frias, faz parte do encanto.

O REFORÇO DA PPP

Com o desafio ao Governo para a realização de um referendo sobre a autonomia, creio que, na verdade, o Dr. Alberto João está a propor e a solicitar o reforço da PPP - Parceria Povo cubano, Povo madeirense, para sustentar o regabofe que a elite que o rodeia criou e de que se alimenta.

RECUSO SER O PAI

Um investigador da Universidade do Minho na área dos direitos humanos, levanta a pertinente questão de, por razões justamente no âmbito da igualdade de direitos, um homem poder recusar a paternidade de um filho não desejado. O investigador argumenta, "Do mesmo modo que a mulher tem o direito legalmente reconhecido de abortar ou não abortar, perante uma gravidez não planeada, o homem deve poder decidir se quer ou não ser pai".
Por outro lado, de acordo com o edifício legislativo português, se os testes de ADN identificarem a paternidade, mesmo numa situação de gravidez não desejada, o pai é obrigado a perfilhar a criança, criando-se o que o investigador designa por uma "geração de pais à força",
No que respeita à criança, o cientista sustenta que "um sistema que permite o não nascimento por via de um aborto também pode permitir o nascimento sem atribuição da filiação paterna".
A questão é de facto muito interessante e complexa. Parece-me claro que no plano formal e da definição jurídica dos direitos  na igualdade de direitos e género, é uma matéria que merece uma reflexão cuidada.
No entanto, do ponto de vista ético e dos interesses da criança a questão pode ser mais, ainda mais, complexa.
Em primeiro lugar, creio que se pode correr o risco de instituir um quadro legal que desresponsabilize a assunção da paternidade. Se considerarmos que em Portugal ainda temos um número significativo de gravidez em adolescentes, pode acontecer que com maior facilidade o pai, muitas vezes outro adolescente, de desresponsabilize de algo que não pode, não deve, ser encarado com ligeireza, a paternidade. A relação sexual não visava a gravidez, a criança não foi, portanto, desejada, logo que não tem que a reconhecer. Merece, creio, reflexão.
Do ponto de vista dos miúdos parece-me importante a questão da família e da sua inscrição num contexto familiar que, assim o entendo, pode ser variado, mãe e pai, dois pais, duas mães ou, é verdade, só pai ou só mãe. No entanto, a tipologia da família deve decorrer, creio, da decisão dos próprios e das diferentes circunstâncias de vida e não de um "não me apetece" ser pai pelo que recuso assumir a paternidade, mesmo que não tenha que assumir vida familiar.
Como disse, trata-se de uma situação complexa que não pode ser dirimida num plano exclusivamente jurídico.

PENSAVA QUE ERA SÓ A 28 ...

... que a "Troika" chegava a Portugal e que, como sempre, entrassem pela Portela. Afinal, parece que ontem já foram avistados tubarões na costa alentejana. Eles andam aí.

OBRIGADO PINGO DOCE. Mais uma vez, muito obrigado

O Pingo Doce vai deixar de aceitar pagamentos com cartão de crédito ou débito para quantias abaixo dos 20 €.
No folheto de anúncio da medida, dirigido aos consumidores, lê-se que, "ao pagar as suas compras com dinheiro até 20 euros está a ajudar-nos a concretizar mais oportunidade de poupança para si". Um fino exemplo de hipocrisia e manha.
Na verdade, a decisão permite ao Grupo uma poupança estimada em cinco milhões de euros. A DECO considera a medida pouco favorável aos consumidores em termos de comodidade e segurança.
Compreendo evidentemente que a gestão de uma qualquer empresa deve, necessariamente, considerar a economia de custos pelo que, do ponto de vista do Grupo Pino Doce, a decisão inscreve-se num acto de gestão que visa redução de custos através da poupança nas comissões relativas aos terminais. Tudo bem, é a economia, o mercado.
O que me causa algum embaraço é a recorrente postura e discurso hipócrita da liderança do Grupo, designadamente, de Alexandre Soares dos Santos que se assume como campeão de ética e transparência, lembram-se certamente da famosa declaração pública "Truques é para o Sócrates, não comigo".
Também recordo, Nicolau Santos denunciou-o no Expresso, que quando o Governo fez aumentar o IVA, foi publicitado até à exaustão que a cadeia Pingo Doce não o aumentou, mas, na verdade, repercutiu o aumento nos preços pagos aos produtores, esmagando, assim, as suas já reduzidas margens. Continuou desta forma manhosa a assegurar a fatia de leão do lucro, a distribuição, e ainda pôde proclamar que não aumentou o IVA. Entretanto, certamente com cobertura legal, também mudou para a Holanda da sede de algumas actividades do Grupo, à procura de benefícios fiscais.
Ainda uma última referência. Soares dos Santos afirmou na imprensa a obtenção de um ganho de 25 a 27 milhões de euros com o amargo espectáculo que o Pingo Doce, proporcionou no 1º de Maio e que lhe valeu a obscena multa de 30 000€. Claro que esta, como outras iniciativas, têm invariavelmente o intuito afirmado de ajudar e defender as famílias e as suas dificuldades.
Assim, para que não passe por pobre e mal agradecido, em meu nome e em nome de milhares de outras famílias, o meu muito obrigado ao Pingo Doce e a Alexandre Soares dos Santos.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

OS MIÚDOS QUE EDUCAM OS PAIS

No fim da tarde de hoje, apesar do calor e do protesto do corpo, fiz-me à corrida no Parque da Paz, numa tentativa de enganar a idade.
Já no final da imensidade de quilómetros realizados e quando me preparava para uns exercícios de relaxamento, reparo na brincadeira de duas crianças, um rapaz de uns seis anos e uma miúda mais novita, mas pouco. A brincadeira consistia no retirar dos sacos para dejectos caninos do respectivo dispositivo e ir para um bebedouro tentar enchê-los de água. Quando o conseguiam, as criancinhas rebentavam os sacos que eram abandonados no chão e reiniciava-se o "jogo" com novos sacos.
Acontece que a dois ou três metros, os pais das criativas crianças sentados à sombra assistiam sem um sobressalto à brincadeira.
Depois de alguma hesitação, lá entendi que à luz de uma espécie de responsabilidade social, deveria dizer qualquer coisa. Achei por bem apanhar primeiro os sacos que já estavam estragados no chão e dizer aos gaiatos que já quase não havia sacos para apanhar a produção "canina".
Os paizinhos ouviram e apesar de me terem dirigido um olhar pouco simpático, por assim dizer, lá se dirigiram aos miúdos para que a "brincadeira" terminasse.
Não sei como ficou mas não me admiro que tenha recomeçado.
Ainda mantenho a esperança de que os miúdos consigam educar os pais de modo a que o seu comportamento seja melhor.
Na verdade, acredito que uma das boas maneiras dos pais serem bons pais é estarem atentos aos comportamentos dos miúdos e ajudá-los a perceber o que pode, ou não, ser feito, quando deve, ou não, ser feito e como deve ser feito, quando é caso disso. Nesta perspectiva e na verdade, são os comportamentos dos miúdos que sustentam o comportamento dos pais, os educam.
Talvez estes pais ainda compreendam a tempo que os miúdos, com a "brincadeira" que realizavam, lhes estão a dizer que precisam muito de ajuda para se organizar e perceber a diferença entre uma brincadeira divertida e algo que não deve ser feito.

GANDA TOURADA

A propósito da realização de uma tourada em Viana do Castelo e da própria "tourada" em que o próprio processo de realização do evento se transformou, algumas notas.
Não vou discutir a questão da existência das touradas. Esta discussão é insustentável num plano racional, o touro é objecto de um tratamento que causa mal-estar e sofrimento e entender esta situação como um espectáculo é algo que me escapa. Por outro lado, o argumento habitual de natureza económica e de preservação da espécie é, do meu ponto de vista, curto, estas questões poderiam ser acauteladas sem a realização de touradas.
Na verdade, a defesa da tourada radica em questões de natureza emocional, cultural, psicológica ou sociológica que entendo mas que não tenho que subscrever.
Devo, no entanto, registar que a tourada é algo que marca de forma recorrente e de há muito todo o nosso universo social, económico e político o que não é de somenos.
De tal maneira isto assim é, que algumas das expressões mais utilizadas pelo povo para analisar o quotidiano são do tipo, “mais uma tourada”, “ganda tourada”, “isto vai dar tourada”, “é sempre a mesma tourada”, etc. Quase sempre, estas touradas implicam danos, de diferente natureza, para cidadãos que, muitas vezes em combates desiguais com os cavaleiros bandarilheiros e toureiros, são profundamente maltratados nestas touradas, nas quais são envolvidos mesmo quando não são aficionados da "festa brava".
Espero a todo o momento a intervenção das Associações Protectoras do Cidadão, para que se tente pôr fim a tais eventos, causadores de sofrimento e embaraço a qualquer cidadão bem formado.

A METÁFORA


Ao deparar com esta indicação e contrariamente ao que seria de esperar, devo confessar que não fiquei, nem surpreendido nem perplexo.
A indicação remeterá, provavelmente, para a ideia de que qualquer caminho nos pode levar ao destino, cada um de nós terá que descobrir o seu.
Uma outra hipótes estimulante é a revisão, à escala, do velho postulado segundo o qual, "Todos os caminhos vão dar a Roma".
Finalmente, a indicação também pode ser vista como uma metáfora da nossa situação actual, as dúvidas, as múltiplas direcções, a confusão sobre o caminho que nos interessa e que melhor nos serve.

domingo, 19 de agosto de 2012

NÃO SE ESQUEÇAM DOS AVÓS

Creio que na imprensa generalista é a primeira vez que encontro uma referência a uma situação que me parece importante, algumas vezes me é colocada e na verdade pouco considerada. Refiro-me ao afastamento dos avós que acontece a muitas crianças envolvidas em processos de divórcio dos pais e que o Público hoje aborda.
De facto, com muita frequência, os avós deixam de manter contacto com os netos, sofrem com isso, situação que nas mais das vezes, do meu ponto de vista, não é suficientemente valorizada e merecedora de atenção.
Sabe-se que, sobretudo, em casos litigiosos os mecanismos da guarda parental são decididos em tribunal e nem sempre cumpridos. Nesta turbulência não é difícil que os avós sejam, por assim dizer, “esquecidos” e deixem de ser uma presença na vida dos miúdos, apesar de também poderem usufruir de protecção legal para que o contacto seja assegurado.
Acontece que os avós são um bem de primeira necessidade na vida dos miúdos, assim como os miúdos são um bem de primeira necessidade na vida dos velhos, por razões óbvias e nem todas quantificáveis. Muitas vezes aqui tenho defendido o direito aos avós.
É certo que, em algumas circunstâncias, a separação de um casal com filhos pode produz alguma crispação e desconforto emocional que inibirão a lucidez. No entanto, é também verdade que com frequência estes processos correm com algum equilíbrio e os miúdos convivem com alguma serenidade com as alterações.
Para que tudo fosse ainda mais positivo, seria desejável que os contactos e relações entre avós e netos fossem, tanto quanto possível, protegidas, não esquecidas.
Seria bom para todos, pais, filhos e netos.

MORRER DEVAGARINHO

O Público, ao longo da última semana, tem vindo a apresentar um conjunto de trabalhos muito interessante sobre várias dimensões da parentalidade. Comentei aqui a situação de pais com crianças com deficiência e hoje deixo umas notas a propósito da trágica situação de pais a quem morre algum filho.
Como transparece no caso que ilustra a peça, a morte de um filho é uma experiência absolutamente devastadora numa família. Nós, pais, não estamos "programados" para sobreviver aos nossos filhos, é quase "contra-natura", é de uma violência inimaginável.
Neste espaço, não existe muito a dizer, a não ser a expressão da solidariedade e o reconhecimento a quem desenvolve dispositivos de apoio a pessoas envolvidas em processos desta natureza, e que com a força interior e resiliência dos pais envolvidos, ajuda a reconstruir uma relação tão saudável e positiva com a vida quanto possível.
No entanto e neste contexto, gostava de chamar a atenção, pedindo desculpa pela forma como o vou fazer, para a situação de crianças que vão “morrendo” devagarinho, algumas vezes, à nossa beira e que por desatenção e menos carga dramática, passam mais discretamente.
Na verdade, existem muitíssimas crianças e jovens que vivem à junto de pais e professores, para os quais passam completamente despercebidas, são as que eu chamo de crianças transparentes, olhamos para elas, através delas, como se não existissem. Vão sendo abandonadas, vão definhando, “morrendo”.
Algumas delas não possuem ferramentas interiores para lidar com tal abandono e desaparecem, “morrem”, mantendo-se à nossa vista, no primeiro buraco que a vida lhes proporcionar, um ecrã, sós, ou junto a outros companheiros tão abandonados quanto eles, o consumo de algo que lhes faça companhia ou a adrenalina de quem nada tem para perder.
Em boa parte das situações, por estes ninguém chora.
E eles perdem-se de vez, “morrem” de morte morrida.

sábado, 18 de agosto de 2012

SONHOS PERDIDOS, SONHOS ROUBADOS

Francisco José Viegas, Secretário de Estado da Cultura, afirma em entrevista ao Le Monde que “Vivemos numa sociedade que perdeu os seus sonhos, os portugueses têm medo do futuro”. Para isto aponta razões de natureza histórica e o facto de que ”Perdemos a nossa agricultura, a nossa pesca e a nossa indústria já pouco conta. Só nos resta a nossa cultura e o mar como oferta turística”.
É evidente que de um escritor não será estranho alguma liberdade criativa, mas julgo que vale a pena considerar duas ou três notas.
Quando se afirma que “perdemos" a agricultura, pesca e a indústria é pouco significativa, parece-me mais ajustado dizer que por responsabilidade das políticas e modelos de desenvolvimento, que Francisco José Viegas também representa, nós não “perdemos”, foram destruídas, sim, foram destruídas em nome de políticas que criteriosamente algumas décadas de centrão foram executando.
À boleia da destruição da agricultura, pesca e indústria, da betonização do país, de modelos construção selvagem que destruíram cidades e litoral, da tal oferta turística massificada e frequentemente sem qualidade, hipotecámos o futuro.
Nós não perdemos os sonhos, nós estamos a perder a esperança com o roubo feito ao futuro e aos sonhos, o que é diferente.
Na verdade, Francisco José Viegas tem razão quando refere o peso da história, designadamente os cinquenta anos de Estado Novo. Do meu ponto de vista essa herança ainda está presente na forma como, estranhamente, resignadamente, vamos convivendo com uma classe de dirigentes políticos, económicos e culturais que são, de facto responsáveis pelo quadro que nos envolve e dos sonhos que foram, são, roubados.
Por outro lado, também historicamente, o Povo já não se levanta e faz uma revolução. Os modelos de democracia representativa parecem enraizados, integrados, mas são de particular má qualidade em Portugal. A participação e envolvimento cívico dos cidadãos foram capturados pela partidocracia e fora dos aparelhos partidários não tem expressão, por enquanto.
Francisco José Viegas não se pode, como é habitual, colocar-se como espectador que assiste de fora ao que vai acontecendo. Francisco José Viegas é um actor principal nesta narrativa.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

NEM TRABALHO, NEM SUBSÍDIO, NEM APOIO. Esta gente vai viver de quê?

Num trabalho do Público, realizado com base nos dados disponíveis do INE e da Segurança Social, lê-se que cerca de 465 000 desempregados, cerca de 56 %, não têm protecção social há nove meses. Este número, que pode ser mais elevado, é absolutamente devastador e dramático e representa o mais alto valor alguma vez atingido de pessoas em situação de desprotecção social.
O problema vai, provavelmente agravar-se, pois começa a esgotar-se o período em que se usufrui de subsídio, entretanto encurtado, envolvendo as pessoas que caíram no desemprego a partir de 2009, o ano em que os aspectos mais gravosos da crise nos começaram a atingir. e quando começaram as políticas de cortes na protecção social e que se têm acentuado de uma forma que ameaça a sobrevivência de muita gente. Mesmo entre pessoas com trabalho, como a imprensa de hoje também refere existem cerca de 153 000 portugueses que recebem menos de 310 € de salário líquido.
A este cenário acresce, ainda de acordo com o IEFP, que, no último ano, o número de casais com ambos os elementos no desemprego duplicou, subiu 97.38 % para cerca de 5 600 e o valor médio dos subsídios de desemprego tem vindo a baixar.
Há tempos foram divulgados alguns dados referindo que cerca de 200 000 pessoas já terão desistido de procurar emprego, não constando sequer dos números do desemprego. Este quadro impressionante levanta uma terrível e angustiante questão. Os milhares, muitos, de pessoas envolvidas vão (sobre)viver de quê?
Sendo de esperar a continuação de um período recessivo e, portanto, sem crescimento, torna-se impossível criar a riqueza necessária e redistribuí-la de forma socialmente mais justa para minimizar esta tragédia.
É certo que em Portugal a chamada economia paralela corresponde a cerca de 24% do PIB e muita gente e muitas actividades estão envolvidas neste universo, de qualquer forma o potencial impacto social destes números é, no mínimo, inquietante.
Afirmo com frequência que uma das consequências menos quantificável das dificuldades económicas, sobretudo do desemprego, em particular o de longa duração e de situações em que o tempo obriga a perder o subsídio, é o roubo da dignidade às pessoas envolvidas. Sabemos que se verifica oportunismo e fraude no acesso aos apoios sociais, mas a esmagadora maioria das pessoas sentem a sua dignidade ameaçada quando está em causa a sobrevivência a que só se acede pela “mão estendida” que envergonha, exactamente por uma questão de dignidade roubada.
A questão da pobreza é um terreno que se presta a discursos fáceis de natureza populista e ou demagógica, sem dúvida. Mas também não tenho dúvidas de que os problemas gravíssimos de pobreza que perto de dois milhões de portugueses conhecem, exigem uma recentração de prioridades e políticas que não se vislumbra. Na verdade, apesar da retórica oficial de que existe justiça social nas medidas de austeridade, o que é verdadeiramente insustentável é que as políticas assumidas, por escolha de quem decide, estão a aumentar as assimetrias sociais, a produzir mais exclusão e pobreza. Mais preocupante a insensibilidade da persistência neste caminho.
Quando nos dizem que não há alternativa, é interessante registar que alguns analistas, incluindo ironicamente o próprio FMI, atribuem a rápida recuperação da Islândia à manutenção do estado social e dos apoios sociais, ou seja, privilegiou-se as pessoas e não os mercados, a banca, o contrário do diktat que nos é imposto.
A pobreza e a exclusão deveriam envergonhar-nos a todos, a começar por quem lidera, representam o maior falhanço das sociedades actuais. 

PRECÁRIA DE VIDA

Segundo um relatório da Organização Internacional do Trabalho em 2011, 56 % dos jovens portugueses com trabalho têm contratos a prazo. Há algum tempo uma informação do Banco de Portugal referia que em cada dez empregos novos para jovens, nove são precários. Por outro lado, a taxa de desemprego entre os mais novos está acima dos 35.5 %, a terceira taxa mais alta da UE.
Segundo um estudo da CGTP, 51% dos jovens com menos de 25 anos ganha menos de 500 € e 24,5% dos jovens entre os 25 e os 35 recebe também menos de 500 €. Este cenário evidencia a enorme precariedade do trabalho e baixa qualificação do mesmo.
Segundo dados do INE de há meses, 314 000 jovens não estudam nem trabalham, a designada situação “nem nem”. Estes números, atendendo à dimensão do país são absolutamente dramáticos.
A precariedade nas relações laborais quase duplicou na última década. Portugal é o segundo país da Europa, a seguir à Polónia, com maior nível de contratos a prazo. Por outro lado, as políticas de emprego em  curso incluem maior flexibilização das relações laborais o que, naturalmente, é coerente com os ventos neo-liberais e o endeusamento do mercado que tudo permite, incluindo roubar a dignidade às pessoas e promover exclusão.
Deste cenário e dos números do desemprego, resulta que os mais novos à entrada no mercado de trabalho são os mais vulneráveis ao desemprego e à precariedade quando, apesar das dificuldades, acedem a algum emprego.
Esta situação complexa e de difícil ultrapassagem tem, obviamente, sérias repercussões nos projectos de vida das gerações que estão a bater à porta da vida activa. Entre outras, contar-se-ão, os indicadores mostram-no, o retardar da saída de casa dos pais por dificuldade no acesso a condições de aquisição ou aluguer de habitação própria ou o adiar de projectos de paternidade e maternidade que por sua vez se repercutem no inverno demográfico que atravessamos e que é uma forte preocupação no que respeita à sustentabilidade dos sistemas sociais. As gerações mais novas que experimentam enormes dificuldades na entrada sustentada na vida activa, vão também, muito provavelmente, conhecer sérias dificuldades no fim da sua carreira profissional.
No entanto, um efeito muito significativo mas menos tangível desta precariedade no emprego, é a promoção de uma dimensão psicológica de precariedade face à própria vida no seu todo e que, com alguma frequência, os discursos das lideranças políticas acentuam. Dito de outra maneira, pode instalar-se, está a instalar-se, uma desesperança que desmotiva e faz desistir da luta por um projecto de vida de que se não vislumbra saída motivadora e que recompense. Podemos estar perante as gerações perdidas de que há algum tempo se falava.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

A INDOMESTICÁVEL VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. Novo episódio

Segundo a imprensa de hoje, um indivíduo assassinou o pai num quadro de violência doméstica. Ao que é noticiado, a situação envolve a defesa da mãe vítima de regulares maus  tratos.
Os episódios  de violência nas famílias vão se sucedendo e creio que é sempre oportuno insistir na reflexão sobre este universo.
Segundo o Relatório do Observatório de Mulheres Assassinadas relativo a 2011. Registaram-se 27 mortes em contextos de violência doméstica, um número menor que o de 2010, 43 casos, e contabilizam-se 4 queixas de violência doméstica por hora apresentadas às autoridades. Segundo o último Relatório Anual de Segurança Interna, verificou-se um decréscimo de participações de casos de violência doméstica embora na UMAR, União das Mulheres Alternativa e Resposta, os pedidos de apoio tenham subido 20%. Parece acentuar-se a desconfiança face ao sistema de justiça, apenas 10 a 15 % recorrem ao apoio e muitas pessoas afirmam que queixas anteriores foram inconsequentes. Do total de inquéritos instaurados apenas 20% chegam a julgamento que, com frequência, terminam com condenações. Quando se verificam condenações a maioria é a pena suspensa, veja-se que de 58 sentenças em processos-crime por violência doméstica relatadas à DGAI no primeiro trimestre de 2011, 52 por cento foram absolvições e 48 por cento condenações. Das condenações, apenas 6% merecem pena de prisão efectiva.
No entanto, de acordo ainda com o Relatório da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima sobre 2011, o número de casos reportados de violência doméstica continua aumentar sendo ainda de registar um aumento muito significativo mais de 50% de denúncias realizadas por homens.
Por diferentes ordens de razões e embora a realidade se vá modificando lentamente, veja-se o aumento de denúncias por parte dos homens, parece assumir-se ainda uma espécie de fatalidade face à tolerância do crime de violência doméstica dirigida às mulheres, mas não só, provavelmente. Esta tolerância relativiza-se à dificuldade de prova, ao sistema de valores e situação de dependência emocional e económica de muitas das vítimas, à atitude conservadora de alguns juízes, etc. Permanece ainda com alguma frequência a dificuldade de promover a retirada do agressor do ambiente doméstico, procedendo-se à saída da vítima numa espécie de dupla violência que, aliás, também se verifica em situações de maus tratos a crianças, em que o agressor fica em casa e a criança é “expulsa”.
O quadro é dramático mas não surpreende. Um dos mais devastadores efeitos da situação da nossa justiça é a instalação de um sentimento de impunidade generalizado com consequências incalculáveis. Este é o tipo de mensagem que a justiça não pode passar. No entanto, segundo o Observatório das Mulheres Assassinadas, pode constatar-se alguma maior celeridade e preocupação do sistema de justiça com estes casos, embora tal observação não possa ser estendida ao universo global da violência doméstica.
Este sentimento de impunidade está instalado em todas as áreas da criminalidade, não apenas nas situações de violência doméstica. Atente-se, por exemplo, em quantos casos de corrupção acabam em condenações a prisão efectiva.
De facto, tragicamente, temos que concluir que não é estranho o número muito baixo de detidos e condenados por violência doméstica face ao volume de situações que na realidade ocorrem.