sexta-feira, 9 de outubro de 2020

QUE SEPAREM OS PAIS, MAS QUE ESTES NÃO SE SEPAREM DOS FILHOS. DE NOVO

 

Com a mudança de posição do PS que se juntou ao PSD, foi aprovada no Parlamento uma proposta no sentido de que “Quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com ambos os progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação de alimentos”. O Tribunal passa a ter como opção a determinação de residência alternada se assim o entender, mas não como a medida a considerar em primeiro lugar como algumas propostas assumiam.

Para contextualizar estas notas, uma pequena introdução.

Em 2018 a Associação Portuguesa para a Igualdade Parental e Direitos dos Filhos lançou uma petição no sentido de que se defina como princípio a residência alternada para as crianças de pais e mães após separação ou divórcio. Realizou também um inquérito cujos resultados sugerem que 68,6% dos portugueses com filhos defenderá que as crianças devem ficar com os dois progenitores, alternadamente, após a separação de um casal, 30,6% considera que devem ficar com a mãe e 0,8% com o pai. De uma forma mais fina, considerando inquiridos casados ou separados, nas duas situações a residência alternada é maioritária, 78% para os casais e 59% para quem não vive em casal ou é separado e, por géneros, 79% dos homens e 61% das mulheres inquiridas defendem esta opção.

Na sequência da petição foram apresentados no Parlamento cinco projectos lei que apesar de algumas diferenças visam incluir na legislação a figura residência alternada. Esta figura poderia mesmo ser definida como regime preferencial a adoptar embora aos juízes caiba sempre a decisão que melhor defenda o superior interesse da criança.

É de não esquecer que residência alternada não é o mesmo que guarda partilhada, em residência alternada, existe um exercício conjunto das responsabilidades parentais e uma situação de convívio da criança com ambos os pais em tempos equilibrados, dito de outra forma, a criança vive “com os dois”.

A petição apresentada defende que seja este o princípio a adoptar.

Entretanto,  foi divulgada uma carta aberta contra esta ideia, subscrita por 23 associações que entendem que o estabelecimento do princípio da residência partilhada poderá levar a um aumento de conflitualidade. Há algum tempo também a Ordem dos Advogados expressa parecer negativo com base no risco que entende existir de aumento de conflitualidade.

Do que conheço, quer da argumentação, quer do que se passa em muitas situações de separação não entendo muito bem estas posições contrárias. A ideia não é “obrigar” à residência alternada, mas tê-la como primeira opção.

Também creio que em caso de separação dos pais a melhor situação para a(s) criança(s) é a residência alternada, ou seja, passar tanto quanto possível tempo semelhante com o pai e com a mãe.

Esta decisão, a não ser em situações particulares que devem ser consideradas e valorizadas em Tribunal como negligência, abuso ou violência doméstica ou manifesta incapacidade de um dos progenitores parece ser a que melhor defende o bem-estar e o sempre afirmado superior interesse da criança.

Em 2015 o Conselho da Europa solicitou aos estados-membros que inscrevessem o princípio da residência alternada nos seus quadros jurídicos pois “Separar um pai/mãe do seu filho tem efeitos irremediáveis na sua relação. Esta separação só deve ser ordenada por um tribunal em circunstâncias excepcionais.” Neste sentido é importante registar que foi ontem conhecida uma deliberação do Conselho Superior da Magistratura dirigida ao presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais da Assembleia da República, segundo a qual é de prever legalmente, "salvo motivos ponderosos", que "a residência dos filhos de pais separados deve ser com ambos os progenitores, de forma alternada e com possível adequação ao caso concreto".

Em Portugal são altamente maioritárias as decisões de residência única. Um estudo da Universidade de Coimbra que analisou cerca de 500 sentenças de 2012 apenas encontrou duas de residência alternada sendo 78% a residência entregue à mãe, 14% a familiares e 8% ao pai. Percebe-se como a alteração é uma tarefa difícil considerando a cultura que tem predominado nas decisões dos Tribunais.

São numerosos os testemunhos e os estudos que mostram que em princípio é mais vantajoso para a criança viver em casa do pai e em casa da mãe por períodos alternados do que a situação que tem sido mais habitual nos casos de regulação parental, a entrega da criança à mãe e visitas ao pai.

Como referi a cultura dos Tribunais de Família tem alimentado decisões desta natureza subvalorizando por preconceito e representação a capacidade cuidadora e educadora dos pais entendo-o sobretudo como “financiador” e parceiro para brincadeiras. Este modelo gera potenciais assimetrias e afastamento entre as crianças e os pais, mas, quer na visão dos adultos envolvidos, quer na decisão das instituições parece verificar-se alguma mudança o que se saúda. A mudança de posição do PS, juntando-se ao PSD veio manter este entendimento apesar do avanço que representa a possibilidade de determinar a residência partilhada.

Parece-me claro que ao defender o princípio da residência alternada estamos a falar num princípio geral que deverá ser considerado caso a caso, aliás, como recomenda o Conselho da Europa.

Importa ainda sublinhar que as crianças gerem muito bem a dimensão logística e emocional da residência alternada. Na verdade, desde muito novas as crianças lidam tranquilamente com progenitores separados que as amem e delas cuidem e com quem convivam alternadamente.

É sempre preferível uma boa separação a uma má família, as crianças percebem muito bem quando têm pais "casados" por fora e “descasados” por dentro. Compete aos adultos o esforço, por vezes pesado, de construir uma boa separação. Aliás, só assim poderão voltar a construir uma boa família.

Importante mesmo é que também todos os que de nós lidamos com crianças e com os seus problemas possamos ajudar os pais neste entendimento, poupando sofrimento a adultos e crianças e mesmo decisões de guarda parental pouco amigáveis para o superior interesse da criança.

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