segunda-feira, 1 de abril de 2019

DO RISCO DA "RITALINIZAÇÃO"

O JN deste Domingo divulgava com chamada a 1ª página que após um tempo de diminuição, entre 2015 e 2017, em 2018 voltou a subir a prescrição do metilfenidato, o medicamento que é referido no JN como o "comprimido da concentração". Em 2018 verificaram-se 288 000 prescrições.
Esta medicação é usada na terapêutica das situações de alegados problemas de comportamento, hiperactividade, défice de atenção ou instabilidade. No entanto, é também usada como “auxílio” aos resultados escolares sendo ainda conhecida pelo “comprimido da inteligência”.
Recordo que em 2010 se prescreveram 133 562 unidades. É ainda de considerar que em 2015, 63% do volume do fármaco foi usado entre os 10 e os 19 anos e 26% até aos 9 anos. Os adultos consumiram “apenas” 7% do volume total de prescrições.
São valores impressionantes e altamente preocupantes e que estão em linha com os dados do Infarmed que tem alertado para o consumo do metilfenidato mais conhecido pelos nomes correntes de Ritalina, Concerta ou Rubifen.
Retomo algumas notas pois o consumo destes fármacos envolve muitos milhares de crianças e adolescentes.
Esta matéria tem sido objecto de intervenções recorrentes e dada a sua relevância importa continuarmos atentos.
Já em 2015 no seu Relatório Anual, “Estado da Educação 2015”, o Conselho Nacional de Educação relevava o preocupante consumo desta medicação por parte de crianças e adolescentes.
Também em diferentes intervenções públicas, especialistas como Mário Cordeiro, Gomes Pedro ou Ana Vasconcelos têm revelado sempre uma atitude cautelosa e prudente face esta hipermedicação ou sobrediagnóstico e alertado para os riscos destas práticas que, aliás, não se verificam em todos os países. Este tipo de discurso, cauteloso e prudente, que subscrevo, contrasta com a ligeireza, que não estranho, de Miguel Palha que referia há algum tempo no Público as “centenas” de crianças que na sua clínica solicitam “diariamente” o fármaco. A pressão enorme que envolve pais, professores, técnicos e clínicos face ao comportamento de algumas crianças ajuda a perceber a tentação da medicação. Aliás, o JN refere também na peça de hoje a pressão que é criada sobre os profissionais de saúde no sentido da prescrição.
Conheço de forma directa algumas situações verdadeiramente preocupantes.
Sabemos todos os que lidamos com crianças e jovens que existe um conjunto de problemas que pode afectar crianças e adolescentes, esses problemas devem ser abordados, se necessário com medicação, evidentemente, mas, felizmente, não são tantas as situações como por vezes parece. Inquieta-me muito a ligeireza com que possam ser produzidos "diagnósticos" e rótulos que se colam aos miúdos, dos quais dificilmente se libertarão e que pela banalização da sua utilização se produza uma perigosa indiferença sobre o que se observa nos miúdos. Aliás, é curioso perceber o que se passa noutros países.
Inquieta-me que muitos miúdos surjam medicados, chamo-lhes "ritalinizados", sem que os respectivos diagnósticos conhecidos pareçam suportar seguramente o recurso à medicação. A sobreutilização ou uso sem justificação do metilfenidato e de outros fármacos terá riscos, uns já referenciados, outros em investigação.
Esta matéria, avaliar e explicar o que se passa com crianças e adolescentes, exige um elevadíssimo padrão ético e deontológico para além da óbvia competência técnica e científica. Não podemos facilitar embora compreenda e sinta que a pressão é muita, quer nos contextos familiares, quer nos contextos escolares e que os recursos, apoios e orientações são muitas vezes insuficientes.

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