sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

ANDAR DE BICICLETA


Na habitual viagem diária pela imprensa encontrei no DN a referência a uma experiência a decorrer numa escola básica de Lisboa que achei interessante, ensinar os alunos do 1º ciclo a andar de bicicleta e com segurança. O responsável pelo programa de ensino referia que no ano anterior trabalhou com uma turma de 4º ano com 25 alunos em que 80% não sabia andar de bicicleta. A notícia também informa que a Assembleia da República discute hoje uma proposta do CDS e do PEV no sentido do seguro escolar cobrir acidentes com velocípedes.
A verdade é que por questões da segurança, a alteração da percepção de valores, equipamentos, brinquedos e actividades dos miúdos e, sobretudo, a mudança nos estilos de vida, o brincar na rua começa a ser raro.
Embora consciente de variáveis como risco, segurança e estilos de vida das famílias, creio que seria possível “devolver” os miúdos a circular e brincar na rua, talvez com a supervisão de velhos que estão sozinhos as comunidades e as famílias conseguissem alguns tempos e formas de ter as crianças por algum tempo fora das paredes de uma casa, escola, centro comercial, automóvel ou ecrã.
Quantas histórias e experiências muitos de nós carregam vindas do brincar e andar na rua e que contribuíram de formas diferentes para aquilo que somos e de que gostamos.
Como muitas vezes tenho escrito e afirmado, o eixo central da acção educativa, escolar ou familiar, é a autonomia, a capacidade e a competência para “tomar conta de si” como fala Almada Negreiros. A rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente, os desafios, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de desenvolvimento e promoção dessa autonomia.
Curiosamente, se olharmos às nossas condições climatéricas, Portugal é um dos países com valores mais baixos no tempo dedicado a actividades de ar livre, situação com implicações menos positivas na qualidade de vida, nas suas várias dimensões, de miúdos e crescidos.
Talvez, devagarinho e com os riscos controlados, valesse a pena trazer os miúdos para a rua, mesmo que por pouco tempo e não todos os dias.
Por outro lado, a notícia e as notas que alinhei fizeram-me recordar com imensa ternura e nostalgia a minha bicicleta de adolescente, lá muito para trás no tempo numa estória que já por aqui passou.
Tive a sorte de ter uma bicicleta desde gaiato pequeno, oferta de tios generosos, por isso sempre me habituei a bicicletas até porque foi o veículo de transporte familiar até à adolescência, altura em que o orçamento lá de casa possibilitou a aquisição de uma motorizada para a família e na qual todos nos revíamos embevecidos, continuávamos em duas rodas é certo, mas sempre tinha motor.
Já mais crescido, a economia familiar tinha limites apertados e não chegava para uma bicicleta nova de roda 28 pelo que desenvolvi um empreendedor plano. Recolhia cobre de fios velhos de instalações eléctricas e latão, sobretudo dos casquilhos das lâmpadas, que trocava no ferro-velho do Gato Bravo por peças para a minha bicicleta. O quadro, as rodas, selim, o guiador, os travões, o dispositivo de iluminação com o dínamo na roda e a minha bicicleta foi crescendo, linda, através do que se poderia designar por um modelo pioneiro de “assembling”, com a ajuda sabedora e companheira do meu pai, um conhecedor de bicicletas e, sobretudo, um especialista em gente miúda. Não vos posso dizer a cor da minha bicicleta porque teve várias, era uma bicicleta personalizada.
De vez em quando, conseguia outro guiador, outro selim e a minha amada e invejada bicicleta sofria um “restyling”, até mudanças ganhou. Grandes voltas percorremos nós, quase sempre com o Zé Padiola, tantas idas à Costa da Caparica e à Fonte da Telha, sempre por estradas que há quarenta anos ainda nos permitiam andar de bicicleta sem os riscos actuais.
É certo que eu e ela também testámos o chão, mas éramos solidários e amigos, quando eu caía, ela acompanhava-me sem um queixume ou ponta de revolta.
Era uma diversão a sério. Que saudades da minha bicicleta.

2 comentários:

ana disse...

"É certo que eu e ela também testámos o chão, mas éramos solidários e amigos, quando eu caía, ela acompanhava-me sem um queixume ou ponta de revolta."

Nós éramos 7 irmãos e os mais velhos ensinavam os mais novos- eu e mais dois - e a técnica era subirmos à bicicleta (muitas vezes nem chegávamos aos pedais), tirar os travões e empurrar-nos. Lá íamos e parávamos quando parássemos, então o melhor era mesmo aprendermos depressa :))

Zé Morgado disse...

Já não há tantos irmãos nem o brincar na rua para aprender a andar de bicicleta. As consolas e os ecrãs estão mais à mão.