quinta-feira, 25 de maio de 2017

O PRINCÍPIO DE AVOGADRO

Este final de tarde tem estado destinado à avaliação de trabalhos académicos. Trata-se de um trabalho com enorme latitude de sentimento, ora nos faz sentir satisfeitos com o que lemos e com quem o escreveu, ora nos faz ficar inquietos e pensar no que temos de fazer melhor.
No entanto, a avaliação e a aprendizagem fizeram-me recordar uma história pessoal quase cinquenta anos depois da sua ocorrência e que não resisto a partilhar desejando alguma benevolência em eventuais julgamentos.
Não é assim coisa de que me orgulhe mas a minha carreira de estudante até final do secundário foi mais iluminada pelo mau comportamento do que pela excelência dos resultados escolares. A certa altura e num dos menos frequentes contactos com os manuais do seria desejável, lá pelo sexto ou sétimo do liceu, ao deambular pelo livros de físico-química, a ganhar balanço e vontade para estudar, dou de caras no fim do livro com uma nota curricular do físico italiano Avogadro que incluía um selo italiano comemorativo que continha o enunciado do seu princípio, matéria que fazia parte do programa. Vislumbrei naquele selo uma janela de oportunidade, como agora se diria. Com a ajuda de uma lupa dei-me ao trabalho de ler e fixar o Princípio de Avogadro em italiano. Tal e qual.
Como a sorte protege os audazes, a oportunidade surgiu e em grande. Na aula de Física a Setôra Trincão, como ainda hoje me sinto embaraçado do meu comportamento nestas aulas, chamou-me ao quadro, as famosas chamadas orais. Estou a ver ainda a cena ao pormenor. Eu junto ao quadro e a Setôra a levantar-se da secretária enquanto me perguntava, adivinhem … isso mesmo, o Princípio de Avogadro, sem a menor convicção no meu conhecimento, como era hábito.
E eu com uma segurança e um domínio total da adrenalina surpreendo o mundo com o Princípio de Avogadro expresso num perfeito (quase) italiano. A Setôra nem chegou a acabar de se levantar, sentou-se com uma cara de espanto que ainda retenho e a turma reconheceu a minha actuação com um estrondoso aplauso, o primeiro e último que recebi por desempenho escolar em rapaz.
Donde se retira, recordo-o de vez em quando, que até um aluno indisciplinado é capaz de aprender e contrariar o destino. De tal maneira que ainda hoje acho que sei o Princípio de Avogadro, “Volumi uguali di gas nelle stesse condizione di pressione e di temperatura contengono lo stesso numero de molecule”. E estou a avaliar trabalhos dos meus alunos e alunas.
Desculpe Setôra Trincão, lá onde quer que esteja.
São estranhos e diversificados os caminhos da aprendizagem.

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