terça-feira, 9 de setembro de 2008

LIVRO EM BRANCO

Na minha terra, e creio que não só, os mais velhos, quando nos queriam estimular a assumir a responsabilidade de construirmos o nosso futuro, diziam-nos que a vida era um livro em branco onde poderíamos escrever o que quiséssemos ou conseguíssemos. Era assim uma espécie de versão sofisticada do mais popular entendimento de que nos deitaremos na cama que fizermos. O meu pai traduzia isto tudo insistindo com a ideia de que deveria estudar para ser um homenzinho.
Estes discursos, bem ingénuos, ainda informam de forma discreta teses actuais remodeladas na forma e contidas nos discursos liberais que nos procuram convencer de que qualquer pessoa tem a hipótese de construir o futuro que quiser, o mito do “self made man” democratizado. Convém ser realista numa altura em que muitos milhares de crianças vão começar a sua escolaridade formal. As pessoas não têm, de todo, a mesma possibilidade e oportunidade de construir o futuro. As assimetrias e exclusão são devastadoras, os direitos individuais mais básicos estão por cumprir, mesmo em sociedades consideradas desenvolvidas, e existe muita gente que nasce condenada à luta pela sobrevivência sem expectativas positivas.
Contrariamente ao que os mais velhos, ingenuamente, nos queriam fazer acreditar, a vida, para demasiadas pessoas, é um livro já escrito, sem páginas em branco, e com um fim bem negro.

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