quinta-feira, 15 de maio de 2025

"ELEIÇÕES SEM EDUCAÇÃO"

 Merece leitura o texto de Paulo Prudêncio no Público, “Eleições sem educação”.  Na verdade, é curioso e significativo que, estando a educação e as suas problemáticas quase sempre na agenda de inquietações, as políticas públicas de educação parecem ausentes da actual campanha eleitoral.

As (poucas) referência surgem em torno de questões que, sendo importantes, são mais de natureza conjuntural e não sustentam perspectivas e caminhos para as políticas públicas de educação.

Entendo a necessidade de medidas de natureza conjuntural, por exemplo no caso específico da falta de professores, mas muito mais importantes e necessárias são medidas que tenham impacto em questões estruturais.

É certo que é mais fácil e mais conforme com os ciclos políticas mexer na conjuntura, anunciar mais uns planos, mais uns projectos, mais umas acções de capacitação, mas é mais potente e eficaz analisar e ajustar medidas estruturais.

É claro que mudanças estruturais têm custos pelo que será de considerar, desde logo, a necessidade de investimento sério em educação, 6% do Produto Interno Bruto o que está definido pela UNESCO como meta para 2030.

Lamentavelmente, ainda não será desta que pensamos seriamente no futuro.

quarta-feira, 14 de maio de 2025

QUAL É A PRESSA?

 Pode parecer estranho, mas a identificação do número de alunos que não têm professor a todas as disciplinas parece uma tarefa impossível.

Como aqui escrevi há pouco, se bem se lembram, em Novembro foram divulgados pelo ME dados errados relativamente aos estudantes que, perto do final do 1.º período, não tinham ainda professor a todas as disciplinas.

Entretanto, foi solicitada, perdão, comprada, uma auditoria externa à consultora KPMG para encontra o mágico número de alunos sem docente a todas as disciplinas.  É ainda relevante que a segunda parte da encomenda à consultora será relativa a “propostas para a melhoria do sistema de apuramento do número de alunos sem aulas para os diferentes momentos do ano lectivo”. Parece até um bocadinho estranho que entre as diferentes estruturas do ME não exista conhecimento e competência para realizar algo que, obviamente, faz parte das suas atribuições. Mas nada de novo, as consultoras também precisam de trabalho e espera-se sempre que o relatório apresentado venha coberto por um manto de isenção.

A divulgação dos resultados reais esteve prevista para Março, depois para Abril, no princípio deste mês aguardava-se para “os próximos dias”.

Ontem, o Ministro da Educação afirmou à TSF que “Não sabemos se vamos ficar a saber” e mais adianta, “Penso que não, a informação que nós temos é que não é possível contabilizar esse número de uma forma rigorosa.”

Dito de outra maneira, 52750 euros depois e no final das aulas deste ano lectivo continua a não existir a informação segura sobre a irrelevante questão de quantos alunos não têm professor a todas as disciplinas.

Talvez valha pena recordar que o MECI tem como estruturas: Secretaria-Geral, Inspecção-Geral da Educação e Ciência, Direcção-Geral da Administração Escolar, Direcção-Geral da Educação, Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares, Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, Instituto de Avaliação Educativa, Instituto de Gestão Financeira da Educação, I. P.

Será que nenhuma destas tem capacidade de resposta para esta questão tão fácil de enunciar, “Quantos alunos não têm professor a todas as disciplinas?”

Acresce ainda que, talvez por ignorância minha, é expectável que as direcções de escolas e agrupamentos tenham dados seguros sobre a falta de docentes para os seus alunos. Nem me parece que para agregar estes dados seja necessário um sistema altamente sofisticado.

Também é verdade que, como já escrevi, estamos em plena campanha eleitoral e a divulgação destes dados pode não ser muito “oportuna” e conhecer-se-ão, se tal acontecer, quando causem menos “mossa”.

A verdade é que tudo isto é mau demais, não parece sério e de competência tem nada.

Por outro lado, parece ter tudo de “manhosice” política e de, pior, uma profunda indiferença face ao que talvez seja a questão mais grave do nosso sistema educativo.

Mas, como alguém diria, “qual é a pressa?” 

terça-feira, 13 de maio de 2025

MERECE LEITURA

 É de leitura obrigatória o texto de Tiago Fortuna no Expresso, “Com deficiência, sem morada: onde pertencemos num mundo em estado de guerra?

Trata-se de impressionante testemunho relativo à corrida de obstáculos em que a vida de muitas pessoas com deficiência se transforma.

Começa assim:

Os últimos meses foram de mudança, da casa dos meus pais para a minha. O processo devia ser natural, mas, nas pessoas com deficiência, não é. O percurso que me tinha sido traçado, pela família e pelo imaginário social, era viver com os meus pais até eles morrerem. Depois, ficaria com a minha irmã, com desfecho incerto: ora eu morria, ficando com ela até ao fim, ora, partindo ela primeiro, eu seria institucionalizado.

Percebi que essa não era a minha história.

(…)

segunda-feira, 12 de maio de 2025

A HISTÓRIA DO RAFAEL, O PREGUIÇOSO

 Fugindo aos temas da agenda, deixem que vos traga uma história da escola, o espaço onde todos os futuros se alicerçam.

Um destes dias, a Professora Graça, nova na escola e que tem um grupo do primeiro ano, encontrou o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, na sala de professores. Para não variar estava de volta do chá e, claro, sempre pronto para a conversa.

Posso sentar-me uns minutos?

Claro Graça, que tal achas a escola?

Simpática, bons colegas e com boas condições. Os miúdos arrumadinhos e com vontade de crescer, sabendo. Ainda é um bocadinho cedo, mas convém estar atenta desde o início e o Rafael intriga-me um pouco. Velho, conheces o gaiato? Aqui não usam muito, mas lá no Alentejo é assim que falamos.

Não conheço o Rafael, o gaiato como lhe chamas, ele não estava no Jardim de Infância aqui da escola. Que te intriga?

A qualquer coisa que eu peça ou sugira ao Rafael para fazer, diz de imediato que não sabe ou não é capaz. Dificilmente e só estando muito por perto a incentivar é que faz qualquer coisa, sempre a contragosto. O que acho curioso é que, por vezes, se põe junto dos outros e dá dicas e ajudas para eles fazerem as coisas. Quando lhe peço eu volta ao não sabe ou não é capaz. Sabes o que me faz lembrar? Aquelas pessoas pouco amigas de trabalhar, há muitas assim, que quando vêem alguém a trabalhar na rua juntam-se logo e ficam por perto a assistir e a dar conselhos, palpites. Se lhes pedirem para fazer alguma coisa desaparecem rapidamente.

Como te disse não conheço o Rafael, mas, desculpa por isto, podes estar a ser um pouquinho injusta. Tenho encontrado miúdos como o Rafael que ao responder que não sabem ou não são capazes de fazer o que se lhes pede, estão a mostrar medo de não fazer bem, falta de confiança nas suas capacidades, por isso fogem de fazer. Se estiveram ao lado de colegas, com tarefas que não são suas, não se sentem ameaçados, por assim dizer e até mostram que na verdade são miúdos capazes.

Não tinha pensado nisso. Mas como faço para perceber melhor o Rafael?

Experimenta pedir-lhe que faça a coisa que melhor era capaz de fazer quando estava no Jardim de Infância. Creio que ele não dirá que não, vai fazer algo de bem feito o que te permite mostrar ao Rafael como ele é mesmo capaz de fazer coisas bem feitas. A gente só aprende a partir do que já sabe, não é do que ainda não sabe. De resto, como dizias há pouco, é preciso estar atento e mostrar confiança no "preguiçoso" do Rafael.

Não precisas de te meter comigo, Velho. Até logo. Olha, o teu chá deve estar frio.

domingo, 11 de maio de 2025

QUANTO TEMPO É QUE TE FALTA?

 Lê-se no Público que nos primeiros seis meses de 2025 se aposentaram mais de 1600 professores, perto do que aconteceu em 2024.

Por outro lado, os sindicatos prevêem que no final do ano as aposentações sejam superiores a 4000 o que poderá superar o ano anterior e aproximar-se dos dados de 2013 com 4600 professores aposentados.

É certo que não é um problema exclusivo do nosso sistema educativo, mas como tantas vezes tem sido afirmado, este cenário estava estudado e previsto há já alguns anos, mas as políticas públicas negligentes ou incompetentes seguidas de há uns anos para cá contribuem para o actual quadro.

Embora haja quem assobie para o ar, não esquecemos os discursos sobre “professores a mais” ou as sugestões para emigrar dirigidas a docentes em início de carreira, como também não esquecemos tempos severos de desvalorização dos professores em termos sociais, modelo de carreira e salarial com impacto fortíssimo na atractividade da profissão por gente jovem que a rejuvenescesse e alimentasse.

Aliás, as políticas seguidas em matéria de educação também contribuíram para o cansaço e mal-estar, desencanto e desejo de abandono da profissão que se foi instalando em muitos docentes.

A propósito, relembro que, há já uns anos largos, uma professora, na altura minha aluna de doutoramento, me perguntava, com um ar meio sério, meio a brincar, se podia desenvolver a sua tese a partir de uma questão que considerava a mais ouvida nas salas de professores, quando no meio da burocracia e das actividades ainda havia tempo para passar na sala de professores, “quanto tempo é que te falta?”. A sua ideia não foi para a frente enquanto doutoramento, mas o que lhe está subjacente é bem claro e bem preocupante. O resultado está à vista.

Na verdade, ser professor é uma das funções mais bonitas do mundo, ver e ajudar os miúdos a ser gente, mas é seguramente uma das mais difíceis e que mais valorização nas diferentes dimensões e apoio deveria merecer. Do seu trabalho competente e valorizado depende o nosso futuro, (quase) tudo passa pela educação e pela escola.

Qual é parte que não se percebe?

sábado, 10 de maio de 2025

BRINCAR É UMA QUESTÃO SÉRIA

 Merece leitura atenta a entrevista ao Público de Jenny Gibsond, professora da Faculdade de Educação da Universidade de Cambridge. A extensa entrevista é centrada na importância do brincar no desenvolvimento e na aprendizagem das crianças sublinhando o impacto em crianças problemáticas específicas também no domínio do desenvolvimento.

Não é novo este entendimento sustentado pela evidência, mas importa insistir na questão, quer no ambiente escolar, quer no contexto familiar.

No mesmo sentido retomo notas que por aqui tenho escrito.

Durante os últimos anos, provavelmente associada às mudanças nos estilos de vida e quadro de valores, foi-se instalando a ideia de que o brincar é supérfluo, é perda de tempo, o foco deve ser em trabalhar, em rendimento e resultados, em nome da competitividade e da produtividade, condição para a realização e felicidade. Felizmente, nos últimos tempos começam a ouvir-se muitas vozes contrariando este entendimento como agora se regista ma entrevista de Jenny Gibsond. Os que por aqui vão passando reconhecerão a frequência com que aqui refiro esta questão e esta não será certamente a última.

Progressivamente foi-se retirando aos miúdos o tempo e o espaço que muitos de nós na sua idade tínhamos e empregam-nos horas sem fim nas fábricas de pessoas, escolas, chamam-lhes. Aí os miúdos trabalham a sério, a tempo inteiro, dizem, pois só assim serão grandes a sério, dizem também.

Às vezes, alguns miúdos ainda brincam de forma escondida, é que brincar passou a uma actividade quase clandestina que só pais ou professores “românticos”, “facilitistas”, “eduqueses” ou “incompetentes” acham importante.

Muitos outros miúdos vão para umas coisas a que chamam “tempos livres” e que, com frequência, de livres têm pouco, onde, frequentemente, se confunde brincar com entreter e, outras vezes, acontece a continuação do trabalho que se faz na fábrica de pessoas, a escola.

Numa história que já aqui contei ouvi uma mãe que se mostrava muito aborrecida com o Atelier de Tempos Livres em que o filho, gaiato de uns 10 anos, passa boa parte das férias, porque os técnicos responsáveis "dão poucas actividades às crianças e depois elas põem-se a brincar umas com as outras".

Também são encaixados em dezenas de actividades fantásticas, com nomes fantásticos, que promovem competências fantásticas e fazem um bem fantástico a tudo e mais alguma coisa.

É inquietante perceber alguma visão que, de mansinho, se foi instalando também em muitos pais.

O brincar da infância vai-se encurtando, algum dia os miúdos vão nascer crescidos para já não precisarem de brincar. Importa ainda lembrar que também existem crianças, muitas, em que a infância é encurtada, diria roubada, porque são mão-de-obra barata e coisificada.

Era bom escutar os miúdos. Se lhes perguntarem, (das diferentes formas de fazer perguntas e ouvir respostas), vão ficar a saber que brincar é a actividade mais séria que realizam, em que põem tudo o que são, sendo ainda a base de tudo o que virão a ser e a saber.

Em 2018 a Academia Americana de Pediatria recomendou aos pediatras que na sua prática clínica prescrevam “tempo para brincar”, um bem de primeira necessidade para o bem-estar dos mais novos com impacto em diferentes dimensões.

Insistem que não se trata de uma ideia “frívola” e os actuais estilos de vida de muitas famílias, por diferentes razões, tornam ainda mais importante que se reafirme a importância de brincar.

No caso mais particular, mas também essencial do brincar na rua sabemos que as questões da segurança e, sobretudo dos estilos de vida e a mudança verificada nos valores e nos equipamentos, brinquedos e actividades dos miúdos, o brincar na rua começa a ser raro.

Embora consciente das questões como risco, segurança e estilos de vida das famílias, creio que seria possível alguma oportunidade de “devolver” aos miúdos o circular e brincar na rua, talvez com a supervisão de velhos que estão sozinhos, as comunidades e as famílias conseguissem alguns tempos e formas de ter as crianças por algum tempo fora das paredes de uma casa, escola, centro comercial, automóvel ou ecrã.

Como muitas vezes tenho escrito e afirmado, o eixo central da acção educativa, escolar ou familiar, é a autonomia, a capacidade e a competência para “tomar conta de si” como fala Almada Negreiros. A brincadeira, a rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente, os desafios, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de desenvolvimento e promoção dessa autonomia.

Curiosamente, se olharmos às nossas condições climatéricas, Portugal é um dos países com valores mais baixos no tempo dedicado a actividades de ar livre, situação com implicações menos positivas na qualidade de vida, nas suas várias dimensões, de miúdos e crescidos.

Talvez, devagarinho e com os riscos controlados, valesse a pena trazer os miúdos para a rua, mesmo que por pouco tempo e não todos os dias.

É, pois, importante que todos os que lidam com crianças, em particular, os que têm “peso” em matéria de orientação, pediatras, professores, psicólogos, etc. assumam o brincar como uma das “guide lines” para a sua intervenção.

Os mais novos vão gostar e faz-lhes bem.

sexta-feira, 9 de maio de 2025

NÃO TRATAR A ÁRVORE DO DESENVOLVIMENTO

 Sem surpresa, veja-se o que se passa nos Estados Unidos, os ventos não sopram favoráveis ao trabalho de investigação científica. Os critérios de financiamento às estruturas de investigação científicas portuguesas foram profundamente alterados.

Em consequência, as entidades que na avaliação tiveram “Muito Bom” vão sofrer um corte orçamental da ordem dos 68% o que, obviamente, compromete o trabalho em curso.

O ministro argumenta que o objectivo é “premiar o mérito” criando um fosso gigante entre as estruturas que obtiveram “Excelente” e as com “Muito Bom” levando a que as primeiras tenha um financiamento quatro vezes superior. A carta aberta subscrita por 78 estruturas de investigação é elucidativa a situação

Parece-me estranho que o Ministro, com experiência de ensino superior afirme o objectivo de “premiar” o mérito. O apoio à investigação não é um “prémio” é um eixo crítico no desenvolvimento das instituições das comunidades e do país. Compreende-se alguma diferença face à avaliação do trabalho das unidades e centros de investigação, já não se compreende que a diferença seja tão significativa e, mesmo, ameaçadora da continuidade dos trabalhos desses centros. Um corte de 68% terá certamente um impacto brutal.

Recordando uma afirmação já antiga do Professor Carlos Fiolhais, o ME “está a matar a árvore do desenvolvimento”.

Na verdade, está estudada e reconhecida de há muito a associação fortíssima entre o investimento em educação e investigação e o desenvolvimento das comunidades, seja por via directa, qualificação e produção de conhecimento, seja por via indirecta, condições económicas, qualidade de vida e condições de saúde, por exemplo.

A verificar-se o desinvestimento fortíssimo e a inviabilização de boa parte dos centros e estruturas de investigação corremos o sério risco de ver ameaçados e destruídos os excelentes resultados que os centros, laboratórios e unidades de investigação e as instituições de ensino superior têm vindo a alcançar e que atestam o esforço e a competência da comunidade científica portuguesa e o trabalho realizado no âmbito do ensino superior e investigação, traduzidos no reconhecimento internacional das nossas instituições.

Opções políticas desta natureza poderão ter consequências sérias em termos de desenvolvimento científico e económico para além, evidentemente, do impacto nas carreiras pessoais assim ameaçadas de muitas que investigam, criam conhecimento, promovem desenvolvimento e que, provavelmente, desistem ou emigram.

quinta-feira, 8 de maio de 2025

O(A) MELHOR PROFESSOR(A) DO ...

 Leio no Público que para a edição deste ano do Global Teacher Prize Portugal, o número de candidaturas é o maior de sempre.

Como já tenho escrito tenho algumas reservas face a este tipo de iniciativas, mas creio que podem ter algum significado, sobretudo como valor simbólico de valorização e reconhecimento do trabalho dos professores num tempo em que tal reconhecimento e valorização são dramaticamente necessários. Os tempos que temos vivido recentemente tornaram ainda mais evidente a importância do seu trabalho.

No entanto, não acredito muito na ideia do melhor professor de …

A esmagadora maioria dos professores é competente e empenhada no seu trabalho, procurando desenvolvê-lo com qualidade, rigor e eficácia, sem facilitismos, contrariamente ao que tantas vezes se afirma de forma ignorante.

Todos os dias, em todas as escolas muitos professores fazem trabalhos de notável qualidade e empenho que, com alguma frequência, apenas são valorizados e conhecidos … pelos seus alunos. Com demasiada frequência esse trabalho é dificultado por muitas decisões, dimensões e discursos das políticas públicas de educação que, mais do que contributos para soluções nas escolas, associam-se a boa parte das dificuldades de professores, técnicos, alunos, ao clima de muitas escolas, etc.

Como tantas vezes refiro, quando qualquer de nós faz um esforço para recuperar lembranças positivas sobre os professores, poucos ou muitos, com que nos cruzámos durante o nosso trajecto escolar, creio que quase todos nos lembramos de professores que continuam na nossa lembrança não só pelos saberes escolares que nos ajudaram a adquirir, mas, sobretudo, por aquilo que representaram e foram para nós, ou seja, pela forma como nos marcaram. Cada um desses professores é, certamente, o melhor professor que conhecemos.

Por isso, cada vez mais estou convicto de que os professores, tanto quanto ensinar o que sabem, ensinam o que são, ou seja, existem muitos que nos ensinam, ensinaram, saberes, o que é bom e indispensável, mas nem todos permanecem com a gente.

Parece-me sempre oportuno, mas nestes tempos mais que nunca, acentuar a importância desta dimensão mais ética e afectiva do ensino. Deve ser valorizada e promovida para que os miúdos possam, posteriormente, falar dos professores que os marcaram e que, por essa razão, continuaram com eles.

quarta-feira, 7 de maio de 2025

VIAGEM

 A nossa viagem é uma caminhada que vai deixando marcos, uns de alegria e realização, outros de tristeza e sofrimento.

É olhando e pensando nesses marcos que caminhamos construindo outros, tantos mais quanto a vida se cumpre e alonga.

Hoje, não sendo, provavelmente, matéria que por aqui faça muito sentido, eu e a minha companheira de estrada assinalamos um marco, casámos há 46 anos a que acrescem mais cinco de namoro, naquele tempo era habitual, enquanto se finalizava a nossa formação, psicologia no meu caso e a docência no 1.º ciclo e posteriormente na educação especial no caso da Manuela, desculpem a linguagem, eventualmente, pouco “inclusiva”.

Esta viagem começou lá para os idos de 70, ainda antes de um outro marco Grande, o de Abril de 74. Cumpriu-se do ponto de vista profissional com um trajecto nos satisfez, deixando outros marcos, e tem-se cumprido na família, com o filho João a quem se juntou a Rita, e os dois netos, o Simão e o Tomás, e novos marcos vai a estrada ganhando.

Assim há-de continuar por mais algum tempo, esperamos.

Falando em viagem, para que estas notas se alarguem, deixo  a história de um outro Viajante.

 Era uma vez um rapaz chamado Viajante. A todo o tempo contava as inúmeras viagens que, dizia ele, realizava com frequência. Era frequente os colegas ficarem atentos a ouvir o Viajante constar as suas andanças. Contava coisas extraordinárias e mirabolantes sobre os sítios e terras para e por onde as viagens o levavam. Explicava com muitos pormenores as pessoas estranhas que encontrava. Tinham, por exemplo, uma linguagem diferente que muitas vezes não percebia e também, às vezes, se comportavam de forma que ele e os colegas não estavam habituados.

Passava por terras que não eram nada parecidas com a terra onde viviam e o Viajante descrevia de forma minuciosa e ilustrada como eram essas terras.

Tinha quase sempre viagens novas para relatar e os colegas até sentiam uma pontinha de inveja por tantas viagens que o Viajante fazia.

Curiosamente, não percebiam que a quase totalidade das viagens que o Viajante lhes contava eram realizadas quando estava sentado na sala de aula a olhar para a janela. Distraído ou na Lua, como diziam os professores que não apreciavam viagens

terça-feira, 6 de maio de 2025

"É A PORRA DA POLÍTICA, PÁ". SERÁ?

 O ME continua a aguardar a primeira parte da auditoria externa solicitada, perdão, comprada, à consultora KPMG para conhecer com rigor o número de alunos sem professor a todas as disciplinas. Também ainda falta bastante tempo para terminarem as aulas deste ano lectivo, qual é a pressa?

Se bem se lembram, em Novembro foram divulgados pelo ME dados errados relativamente aos estudantes que, perto do final do 1.º período, não tinham ainda professor a todas as disciplinas. É ainda relevante que a segunda parte da encomenda à consultora será relativa a “propostas para a melhoria do sistema de apuramento do número de alunos sem aulas para os diferentes momentos do ano lectivo”. Parece até um bocadinho estranho que entre as diferentes estruturas do ME não exista conhecimento e competência para realizar algo que, obviamente, faz parte das suas atribuições. Mas nada de novo, as consultoras também precisam de trabalho e espera-se sempre que o relatório apresentado venha coberto por um manto de isenção.

A divulgação dos resultados reais esteve prevista para Março, depois para Abril e agora aguarda-se para “os próximos dias”.

No entanto, existe um pequeno problema. Estamos em plena campanha para as legislativas e os resultados podem não ser, por assim dizer, muito simpáticos para quem está com o poder e, naturalmente, quer continuar como, aliás, o Ministro afirmou.

Assim, ou torturam-se os dados para que confessem uma “realidade” pouco real ou protela-se a sua divulgação para tempos mais tranquilos e eleições passadas. O pequeno pormenor de que as aulas deste ano lectivo estão perto do fim, não passa disso mesmo, um pormenor.

Como diria um amigo meu lá do Alentejo, é “a porra da política, pá”.

Eu não acredito é claro.  

segunda-feira, 5 de maio de 2025

VIDA INDEPENDENTE

 Hoje assinala-se o Dia Europeu da Vida Independente. No sábado realizaram-se manifestações em oito cidades portuguesas com o objectivo de "chamar a atenção para um conjunto de questões que continuam por resolver no que diz respeito aos direitos das pessoas com deficiência, concretamente em Portugal".

Na verdade, muitas vezes aqui o tenho afirmado, a vida de muitas pessoas com deficiência é uma constante e infindável prova de obstáculos, muitas vezes intransponíveis, que ampliam de forma inaceitável a limitação na mobilidade que a sua condição, só por si, pode implicar. No entanto, muitos dos obstáculos não têm a ver com barreiras físicas, remetem para a falta de senso, incompetência ou negligência com que gente responsável(?) lida com estas questões.

Muitos destes obstáculos estão associados ao que as comunidades e as suas lideranças, políticas por exemplo, entendem ser os direitos, o bem comum e o bem-estar das pessoas, de todas as pessoas.

Como é evidente, existem muitas outras áreas de dificuldades colocadas às pessoas com deficiência, designadamente apoios sociais, educação, qualificação profissional e emprego, habitação, em que a vulnerabilidade e os riscos de exclusão e pobreza são elevados traduzido em taxas de desemprego entre pessoas com deficiência muitíssimo superiores à verificada com a população sem deficiência.

Umas questões críticas também consideradas prende-se comos apoios à vida independente, designadamente o apoio para as pessoas tenham acesso a assistente pessoal, "A vida independente, para ser possível, é preciso ter o direito à habitação, é preciso ter acesso à habitação, aos transportes, à educação inclusiva, ao trabalho, mas há uma ferramenta que é fundamental, que é a assistência pessoal".

Existiu desde há cinco anos um projecto que apoiou cerca de mil pessoas, parou há um ano e existirão, pelo menos, três mil pessoas que aguardam o acesso a assistente pessoal.

Como tantas vezes tenho afirmado escrito, a inclusão assenta em cinco dimensões fundamentais, Ser (pessoa com direitos), Estar (na comunidade a que se pertence da mesma forma que estão todas as outras pessoas), Participar (envolver-se activamente da forma possível nas actividades comuns), Aprender (tendo sempre por referência os currículos gerais) e Pertencer (sentir-se e ser reconhecido como membro da comunidade). A estas cinco dimensões acrescem dois princípios inalienáveis, autodeterminação e autonomia e independência.

As pessoas com deficiência não precisam de tolerância, não precisam de privilégios, não precisam de caridade, precisam só de ver os seus direitos considerados. Os direitos não são de geometria variável cumprindo-se apenas quando é possível.

Este é o caderno de encargos que nos convoca a todos.

domingo, 4 de maio de 2025

MÃES

 Repetindo-me.

Hoje assinala-se o Dia da Mãe. Muitas mães recebem uma prendinha que os mais novos trazem da escola ou algo feito ou comprado com a ajuda do pai ou de alguém. Mas, há sempre um mas, existem muitas vidas, de mulher, de mãe. Algumas palavras.

Uma palavra para as mulheres que não conseguem cumprir, por diferentes razões, incluindo económicas, o sonho da maternidade.

Uma palavra para as mulheres que tragicamente perderam filhos ficando na dramática condição de mães órfãs de filhos.

Uma palavra para as mães que por mais longe que tenham os filhos não deixam de ser mães, não vão de férias e nunca se reformam.

Uma palavra para as crianças que têm mães que não desejavam sê-lo e que, portanto, nunca aprenderam a gostar de ser mães, adoptando os seus filhos.

Uma palavra para as muitas crianças institucionalizadas sem mãe na sua vida.

Uma palavra para as mulheres sós ou em má companhia que em situações muitas vezes difíceis constroem o bem-estar dos seus filhos.

Uma palavra para as mães que por razões profissionais e por pressões de necessidade económica mal têm o tempo de que uma mãe os filhos precisam.

Uma palavra ainda para todas as mulheres a quem a vida e a pobreza fazem correr mundo à procura de um sonho, ajudar a cres(ser)os filhos que lá longe ficaram e a esperam ... se ela conseguir voltar.

Uma palava cantada para todas as mães.



(QUASE) TODOS BATEM NOS PROFESSORES (Take 2)

 Há poucas semanas comecei desta forma e incomodado por ter de assim escrever, todos batem nos professores, até os professores que estão como directores. Os directores não são directores, insisto, são professores que estão alguns anos, demais para alguns, como directores. Uma parte preferiria, certamente, eternizar-se como directores, mas, por enquanto, ainda não é assim, embora o trânsito para o agrupamento do lado após o cumprimento dos mandatos seja uma forte ajuda.

O texto de que retomo algumas notas referia as situações denunciadas numa reportagem do canal NOW envolvendo seis docentes em situação diversa de problemas de saúde que se revelavam absolutamente inquietantes considerando o desrespeito pelas circunstâncias de saúde, pelo incumprimento de recomendações relativamente ao horário atribuído ou à distribuição de serviço. Eram referidas situações de assédio moral num contexto de sofrimento de pessoas que apenas querem continuar a fazer o seu trabalho de uma forma minimamente compatível com as suas condições de saúde e com um quadro legal que o permite.

Apenas a mediocridade humana, ética e profissional de alguns directores sustenta a incompetência do seu comportamento.

Agora no Público retoma-se a questão mostrando um cenário ainda mais grave bastante mais amplo. Desde o início do ano lectivo a Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares registou 234 queixas, pedidos de informação ou de esclarecimentos por parte de professores e de directores escolares relacionadas com o acesso ou falta e acesso à Medicina do Trabalho, bem como desrespeito pelo conteúdo da Ficha de Aptidão para o Trabalho. Entretanto, o ME afirma ter em desenvolvimento um dispositivo facilitador da contratação para aquisição de serviços médicos para realização de juntas médicas e de serviços de segurança e saúde no trabalho para os estabelecimentos públicos de educação.

 No entanto, de acordo com Sofia Neves, vice-presidente da Associação Jurídica Pelos Direitos Fundamentais, “Muitos directores de todo o país estão a substituir-se aos médicos do trabalho, fazendo eles a avaliação das condições de trabalho após a análise da FAT”, prossegue. Muitos professores são "empurrados" para baixas.” Afirma ainda que algumas direcções recusam marcar a consulta de Medicina do Trabalho solicitada pelos professores.

Como já escrevi, parece claro que esta gente medíocre que assim lidera uma escola ou agrupamento e trata os seus colegas dormirá de consciência tranquila. Não sabem ou esqueceram o que significa consciência ou perderam-na embriagados pela volúpia do poder para o qual lhes falta competência, estrutura ética e moral para exercer.

Uma nota final. Ao longo de quase cinco décadas e considerando, sobretudo, o período após o estabelecimento da direcção unipessoal de escolas e agrupamentos, cruzei-me com professores extraordinários que estavam na função de directores, mas não esqueciam a sua pertença. Esses, por estes dias devem sentir-se profundamente incomodados com o que se vai sabendo.

sábado, 3 de maio de 2025

O MISTÉRIO DO TELEMÓVEL PERDIDO

 Deixem-me partilhar uma história de hoje. Fomos às compras à vila e quando voltámos ao monte a minha companheira de estrada deu por falta do telemóvel. Retornámos e nos locais onde estivemos, o mercado, a papelaria e a drogaria o aparelho não foi visto e tentando estabelecer ligação também não se ouvia a tocar, nem era atendido.

Dando o telemóvel por perdido decidimos ligar ao João para nos ajudar a cancelar, se possível, o acesso. Como sabem, os filhos são bens de primeira necessidade e ajuda, e o João, para nossa surpresa, os velhos não são muito proficientes nas tecnologias, disse-nos que ia ver onde estava e já nos dizia.

Pouco tempo depois envia-me as coordenadas exactas, estava numa casa isolada à beira da estrada, um quilómetro fora da vila.

Bom, com algum constrangimento para lá nos dirigimos, parámos num espaço à frente da casa e depois de uma buzinadela surgiu um casal já entrado na vida. Depois do cumprimento perguntei se tinham encontrado um telemóvel com capa castanha, mas não, não tinham. Como é que poderiam ter um telemóvel nosso se não saíram de casa?

Tentei explicar que tinha a indicação segura de que estaria ali, mas nada.

De repente, a minha mulher reparou num carro ali parado e disse que o tinha visto estacionado ao lado do nosso na drogaria da vila.

O senhor ainda disse que nem tinha saído, mas insistimos, o telemóvel está aqui, terá caído perto do seu carro e acabou por viajar, por engano, no carro errado. O senhor negava e estávamos assim numa espécie de beco sem saída e sem telemóvel.

No entanto, um tempinho depois e com alguma hesitação, o senhor volta-se para trás e diz à mulher, “traz lá o telemóvel” o que a senhoa fez com um ar estranhamente embaraçado

A verdade é que, com grande contentamento de (quase) toda a gente, o aparelho voltou feliz às mãos da sua dona que, obviamente, também ficou feliz e agradecida por tanta generosidade.

É assim que devem acabar as histórias.

E são também assim os dias do Alentejo.

PS – Posteriormente descobrimos que o telemóvel vinha com umas fotos da senhora tiradas antes de o desligar. Ficam de recordação, é sempre bom a assinalar a seriedade das pessoas.


sexta-feira, 2 de maio de 2025

DA SÉRIE "METE-ME ESPÉCIE" - O BOTÃO DE "OFF"

 Mais umas notas da série “mete-me espécie”, um enunciado que nos é caro e está sempre em alta.

Desta vez sobre o apagão de segunda-feira. Foram visíveis e bem sentidas as implicações e dificuldades em múltiplas áreas do nosso funcionamento e das instituições da comunidade.

Por outro lado, “mete-me espécie” o aparecimento em alguma imprensa e nas redes sociais de inúmeros discursos sublinhando uma deslumbrada redescoberta das virtudes do apagão, o silêncio devolvido pela inoperacionalidade das comunicações incluindo os telemóveis pessoais, a ausência das redes sociais, e a conversa em casa e com a vizinhança, a beleza e calmaria da noite escura e céu estrelado, etc., etc.

Não consigo entender. A maioria de nós será gente autodeterminada que é capaz, se o quiser, de desligar o querido aparelhinho, de não se ligar às redes sociais, de conversar mais tempo em família ou socialmente, de apagar a luz de casa e entrar em meditação, de desligar o ecrã gigante onde passam as séries da moda e é o farol da casa. Que é isto gente?!

Onde é que está a beleza da dependência que nos faz vibrar com um apagão que faz andar para trás, causa enorme perturbações e transtorno significativo nas áreas de funcionamento das comunidades e afectou o trabalho de tanta gente?

Precisamos de (re)descobrir o botão de “off” e decidirmos pela sua utilização de forma autónoma e determinada, auto-regulada. Não precisamos que um apagão o faça por nós … ou precisamos?

quinta-feira, 1 de maio de 2025

O 1º DE MAIO E A ESCOLA A TEMPO INTEIRO

 O título pode parecer estranho, mas vou tentar clarificar. O feriado de hoje, 1 de Maio, Dia do Trabalhador, foi estabelecido para homenagear os trabalhadores de Chicago, nos Estados Unidos, que em 1886 começaram uma greve para reivindicar o dia de trabalho com oito horas, semana de trabalho de 40 h, constituída como regra em muitos países. Sabemos ainda em vários grupos profissionais o número de horas de trabalho é já menor e que parece desenhar-se uma perspectiva de encurtamento assim como se equaciona a redução dos dias de trabalho.

No entanto, para os alunos mais novos e de acordo com o que está definido legalmente, considerando o horário curricular, as Actividades de Enriquecimento Curricular e a Componente de Apoio à Família, a estadia dos alunos na escola pode atingir bem mais de 40 horas semanais se os pais necessitarem. Muitos alunos estão mesmo nas escolas 50h ou mais por semana.

Esta situação acontece âmbito de uma iniciativa, a “Escola a Tempo Inteiro”. 

Sabemos como os estilos de vida actuais têm colocado graves dificuldades às famílias para assegurarem a guarda das crianças em horários não escolares. A resposta tem sido prolongar a estadia dos miúdos nas instituições escolares alimentando o que considero um dos vários equívocos no universo da educação, a afirmação de uma visão de “Escola a Tempo Inteiro” em vez de “Educação a Tempo Inteiro”. O modelo é bem recebido por muitos pais e tolerado por muitos outros por falta de alternativas. No entanto e tal como o faço desde 2006, algumas notas a pensar, sobretudo, nos miúdos e nas respostas.

Para além da reflexão sobre o que acontece nesse tempo de permanência na escola e tal como se verifica noutros países, seria imperioso que se alterassem aspectos como a organização do trabalho, verificada em muitos países, que minimizassem as reais dificuldades das famílias recorrendo, por exemplo e quando possível, a teletrabalho ou à diferenciação nos horários de trabalho que em alguns sectores e profissões é possível.

É preciso um esforço enorme, equipamentos e recursos humanos suficientes e qualificados para que não se corra o risco de transformar a escola numa “overdose” pouco amigável para muitos miúdos. As dúvidas relativamente a esta questão são muitas.

É verdade que existem boas práticas neste universo, mas também todos conhecemos situações em que existe a dificuldade óbvia e esperada de encontrar recursos humanos com experiência e formação em trabalho não curricular. Acresce que boa parte das escolas, como é natural, têm os seus espaços estruturados (e por vezes saturados) sobretudo para salas de aula. Espaços para prática de actividades desportivas ou de ar livre, expressivas, biblioteca, auditórios, etc., etc., a existirem, dificilmente poderão ser suficientes para uma ocupação da população escolar alternativa à sala de aula.

Esta questão é também relevante no que respeita à qualidade e adequação da resposta a alunos com necessidades especiais.

Este obstáculo acaba por resultar com demasiada frequência na réplica de actividades de natureza escolar com baixo ou nulo benefício e um risco a prazo de desmotivação, no mínimo.

Por outro lado, tanto quanto o tempo excessivo de estadia na escola merece reflexão o risco e as implicações da natureza muitas vezes “disciplinarizada” desse trabalho, ou seja, organizado por tempos, de forma rígida próxima do currículo escolar.

A enorme latitude de práticas que se encontra actualmente, desde o muito bom ao muito mau, sustenta que também neste aspecto os dispositivos de regulação devam ser robustos e eficientes. Recordo que em muitas circunstâncias as AEC são desenvolvidas por entidades externas à escola pelo que importa assegurar a competência e responsabilidade da escola bem como a sua autonomia.

Na verdade, embora compreendendo a necessidade da resposta seria desejável que, tanto quanto possível se minimizasse o risco de em vez de tentarmos estruturar um espaço que seja educativo a tempo inteiro com qualidade, preenchido na escola ou em espaços e equipamentos da comunidade, e aqui sim, importante o envolvimento das autarquias, assistirmos à definição de uma pesada agenda de actividades que pode motivar situações de relação turbulenta e reactiva com a escola.

Ao escrever estas notas lembrei-me que em 2007 participei num debate sobre as AEC na Vidigueira em que uma professora presente referiu um episódio elucidativo. Nesse ano e na sua escola tinha sido preparado um espaço para as crianças jogarem futebol. Um dos seus alunos fez a seguinte observação. “Quando eu tinha tempo para brincar não tinha um campo. Agora tenho um campo e não tenho tempo para jogar”.

Os miúdos andavam mal-habituados é o que é. Então a escola é sítio para jogar à bola mesmo havendo campo? Não, a escola é para trabalhar.

quarta-feira, 30 de abril de 2025

O SILÊNCIO DO CORO DOS ESCRAVOS

 Há uns dias no Expresso noticiava-se que Portugal está a servir de placa giratória para o tráfico de crianças.  As crianças são “vendidas” pelas famílias na esperança de um futuro melhor na Europa. O destino pode ser França, Bélgica ou Suíça nos quais as famílias que as “compram” podem beneficiar de significativos apoios sociais e posteriormente essas crianças podem ser colocadas na prostituição, servidão doméstica ou noutras situações de exploração.

De acordo com o último “Relatório Anual de Segurança Interna”, em 2024 foram registados 24 casos de menores vítimas de tráfico, a maioria rapazes, entre os 2 meses e os 17 anos. Quatro desses casos envolvendo bebés destinavam-se a adopções ilegais. As outras situações como destino a exploração de diversas formas.

Parece estranha a existência de tráfico de seres humanos e situações de exploração e escravatura no Sec. XXI, mas os tempos vão feios e duros, muito duros. Na verdade, são frequentes as referências na imprensa a situações de tráfico de pessoas que se realiza em Portugal envolvendo, fundamentalmente, mulheres no mundo da prostituição ou pessoas em situação pessoal e social de vulnerabilidade para "trabalho escravo" na agricultura, em Portugal ou, muitas vezes, em explorações agrícolas espanholas, mas também envolvendo crianças. Acresce que os casos identificados serão apenas uma parte do que realmente se passa.

Este cenário, o tráfico de pessoas, grandes e pequenas, e a escravatura, tal como a pobreza, a fome e a exclusão, é das matérias que maior embaraço pode causar em sociedades actuais, deveria ser algo de improvável no séc. XXI em sociedades desenvolvidas.

A exploração e escravatura parece algo “fora do tempo” e de impossível existência nos nossos países. Mas existe e é sério o problema que, como não podia deixar de ser, atinge os mais vulneráveis, como as crianças, sem abrigo ou mulheres.

Este negócio, o tráfico de pessoas, um dos mais florescentes e rentáveis em termos mundiais, alimenta-se da vulnerabilidade social, da pobreza e da exclusão o que, como sempre, recoloca a imperiosa necessidade de repensar modelos de desenvolvimento económico que promovam, de facto, o combate à pobreza e, caso evidente em Portugal, as ainda excessivas assimetrias na distribuição da riqueza.

Estes tempos, marcados por competição, diminuição de direitos e apoios sociais, pressão sobre a produtividade, tudo isto submetido a um deus mercado que não tem alma, não tem ética e é amoral, podem alimentar algumas formas de exploração e escravatura mais "leves" ou, sobretudo em casos de particular fragilidade dos envolvidos, bastante pesadas.

As pessoas, muitas pessoas, apenas possuem como bem, a sua própria pessoa, o seu corpo, e o mercado aproveita tudo, por isso, compra e vende as pessoas dando-lhe a utilidade que as circunstâncias, a idade, e as necessidades de "consumo" exigirem.

O que parece ainda mais inquietante é o manto de silêncio e negligência, quando não cumplicidade, que frequentemente cai sobre este drama tornando transparentes as situações de escravatura, não se vêem, não se querem ver.

Neste universo não conseguimos ouvir o coro dos escravos, não têm voz, são coisas.

terça-feira, 29 de abril de 2025

REALIDADES MÚLTIPLAS

 O texto de Nuno Crato no Público, “Falta de educação”, tem suscitado algumas reacções. O ex-Ministro da Educação continua especialista na criteriosa utilização e leitura de dados para promoção da bondade da sua notável política pública de educação. A propósito, sempre lembro da firmeza sustentada dos “professores a mais” e do que tem sido e é a realidade nos últimos anos.

Merece leitura o texto de Paulo Guinote no blogue “O Meu Quintal”, “Domingo”, e o de Pedro Abrantes no Público, “Sobre a ”falta de educação””.

domingo, 27 de abril de 2025

DEFICIÊNCIA, POBREZA E EXCLUSÃO

 Foi divulgado há dias o relatório "Pessoas com Deficiência em Portugal – Indicadores de Direitos Humanos 2024", da responsabilidade do Observatório da Deficiência e Direitos Humanos com base no Inquérito Europeu às Condições de Vida e Rendimento relativos a 2023, produzido pelo Serviço de Estatística da União Europeia, Eurostat.

Aproximando-se a realização das legislativas os dados conhecidos deveriam ter impacto no caderno de encargos de quem se propõe assumir responsabilidades governativas.

Perto de dois terços das pessoas com deficiência com mais de 6 anos estavam em risco de pobreza antes da transferência dos apoios sociais.

Considerando as prestações sociais a taxa de pobreza baixa 41,3% e nos cidadãos sem deficiência 20,3% verificando um maior impacto dos apoios sociais na população com deficiência. No entanto, o volume de apoios disponibilizado continua abaixo do que se verifica na UE.

Apesar de alguma evolução a situação das pessoas com deficiência continua com grande vulnerabilidade face á pobreza e exclusão.

Não é novo, sucessivos relatórios de diferentes entidades vão mostrando o quanto está por fazer e as dificuldades decorrentes da corrida de obstáculos em que se transforma a vida das pessoas com deficiência ameaçando os seus direitos e bem-estar bem como das suas famílias. São por demais evidentes as dificuldades em áreas como, educação, saúde, trabalho e emprego, segurança social, acessibilidades, autonomia, independência ou autodeterminação.

A verdade é que a voz das minorias é sempre muito baixa, ouve-se mal, existem variadíssimas áreas em que são significativas as dificuldades colocadas às pessoas com deficiência, designadamente saúde, acessibilidades, educação, apoio social, qualificação profissional e emprego, em que a vulnerabilidade e o risco de exclusão continuam elevados como este relatório mostra.

Importa também sublinhar que os direitos fundamentais não podem ser de geometria variável em função de contextos ou hipotecados às oscilações de conjuntura ainda que tenhamos consciência da excepcionalidade destes tempos.

Parece necessário reafirmar mais uma vez que os níveis de desenvolvimento das comunidades também se aferem pela forma como lidam com os grupos mais vulneráveis e com as suas problemáticas. Este entendimento é tanto mais importante quanto mais difíceis são os contextos que se vivem.

sábado, 26 de abril de 2025

OS DIAS DO ALENTEJO

 Hoje é dia de festa por aqui neste recanto do Alentejo, chegam os romeiros que cumprem a Romaria a Cavalo realizada entre a Moita e Viana do Alentejo. A chegada será no fim da tarde e Viana está em festa para receber os muitos participantes.

Por aqui no Monte tentamos recuperar o atraso nas lides da horta. Depois de muitas semanas de abençoada chuva tempos têm estado uns dias de Sol que enxugam a terra permitindo que seja fabricada. Ontem e hoje o tractor tem dado duro. Esperemos que fique suficientemente branda para amanhã podermos deixar na terra o tomate, o feijão, o pepino e mais umas ervilhas e favas para nos alegrarem a mesa.

E são assim os dias do Alentejo, ajudam a pensar um pouco menos nos dias do mundo.

sexta-feira, 25 de abril de 2025

25 DE ABRIL

 Não pode deixar de ser, é dia 25 de Abril. É o dia em que toda a gente, quase, fala daquele 25 de Abril, o de 74. Mais do que nunca importa recordar os valores inspiradores do 25 de Abril. Muito do que considerámos adquirido está de novo em causa e assombra-nos os dias.

Quase sem nos darmos conta os anos passam, já lá vão 51 anos. Actualmente, boa parte da população portuguesa não viveu o 25 de Abril de 1974, nem o 24 de Abril com tudo o que continha. Talvez por isso e sem esquecer tudo o que aconteceu nestes 51 anos de bom e de menos bom, valha a pena olhar um pouco para o 24 de Abril de 74 e que sustentou o desencadear da mudança e pode sustentar o caminho para o futuro.

É verdade que a história tende a ser uma espécie de adereço, tal como a generalidade das ciências sociais e não uma potente ferramenta de desenvolvimento das comunidades. Estamos num tempo em que à história se dá pouca atenção e o futuro é percebido como muito longe, vive-se a urgência do hoje. No entanto, perceber e conhecer o que foi a estrada que percorremos é fundamental para viver e conhecer o presente e querer construir um futuro com uma visão escolhida por nós.

É verdade que estamos a viver tempos particularmente difíceis, com cenários que pensávamos que não aconteceriam, mas também é verdade que não é sequer possível comparar o país de hoje com o país de 1973.

Já passaram 51 anos, para refrescar algumas memórias ou contar alguma história aos mais novos, deixem que vos fale um pouco da escola do meu tempo, o tempo dos anos cinquenta e sessenta.

Escolho voltar a falar da escola porque é um universo que conheço um pouco melhor, mas poderia fazer o mesmo exercício em muitas outras áreas de funcionamento da nossa sociedade. Não me esqueço, antes pelo contrário, que a nossa educação, a escola, como tudo o resto, também tem atravessado, atravessa e provavelmente sempre viverá dificuldades e problemas sérios, mas só a falta de memória, uma qualquer agenda ou o desconhecimento sustentam o “antigamente era melhor” e inquietam-me discursos que emergem defendendo “aquela” escola, “aquela” educação, a de “antigamente”. Já não é a primeira vez que falo disto e não será certamente a última. Vejamos, pois, um pouco da escola do meu tempo, conversa de velho, já se vê.

A escola que havia lá para trás no tempo não era grande, nem pequena, era triste. A maioria das pessoas que por lá andavam eram, naturalmente, tristes. É claro que nós miúdos também nos divertíamos e ríamos, os miúdos são resilientes e … são miúdos.

As pessoas que mandavam na escola estabeleciam o que toda a gente tinha de aprender, fazer, dizer e pensar. Quem pensasse, dissesse ou fizesse diferente podia até sofrer algum castigo, mesmo os professores, não eram só os alunos. Não se podia inventar histórias, as pessoas contavam só histórias já inventadas. Às vezes, os miúdos e os professores, às escondidas, inventavam histórias novas.

Eu andei nesta escola lá para trás no tempo.

E na escola do meu tempo nem todos lá entravam e muitos dos que o conseguiam saíam ao fim de pouco tempo, ficando com a segunda ou terceira classe, como então se chamava, outros completavam a quarta classe, a escolaridade obrigatória naquela altura. Chegava.

Alguns outros, nem se entendia que deveriam estar na escola, eram pessoas com deficiência, ainda não sabíamos falar de necessidades educativas especiais nem de inclusão, que iriam fazer para a escola.

E na escola do meu tempo os rapazes estavam separados das raparigas.

E na escola do meu tempo havia um só livro e toda a gente aprendia apenas o que aquele livro trazia.

E na escola do meu tempo levavam-se muitas reguadas, basicamente por dois motivos, por tudo e por nada.

E na escola do meu tempo ensinavam-nos a ser pequeninos, acríticos e a não discutir, o que quer que fosse.

E na escola do meu tempo eu era “obrigado” a ter catequese, religiosa e política.

E na escola do meu tempo aprendia-se que os homens trabalham fora de casa e as mulheres cuidam do lar e dos filhos.

E na escola do meu tempo não aprender não era um problema, quem não “tinha jeito para a escola, ia para o campo”. Quanto menos estudassem, menos perguntas e dúvidas teriam.

E na escola do meu tempo não se falava do lado de fora de Portugal. Do lado de dentro só se falava do Portugal cinzento e pequenino.

Na escola do meu tempo eu era avisado em casa para não falar de certas coisas na escola, era perigoso.

Quem mandava no país achava que muita escola não fazia bem às pessoas, só a algumas. Ao meu pai perguntaram porque me tinha posto a estudar depois da quarta classe, não era frequente naquele meio, para ser serralheiro como ele não precisava de estudar mais.

Sim, eu sei, não precisam de me dizer que a escola deste tempo tem muitas coisas, embora com outras vestes e discursos, que nos recordam a escola do meu tempo. Nem tudo está bem, longe disso e algumas questões não mudaram na substância, apenas se actualizaram. No entanto, o caminho é melhorar a escola deste tempo não é, não pode ser, querer a escola do meu tempo.

Eu andei naquela escola lá para trás no tempo.

Por isso, quando falam da escola hoje, penso, nunca mais voltarei a andar naquela escola. E não quero que os meus netos e os outros miúdos andem numa escola como aquela, a minha escola, lá para trás no tempo.

Também por isso hoje falamos do 25 de Abril de 1974 e do que os tempos nos trouxeram.

25 de Abril sempre.

quinta-feira, 24 de abril de 2025

INCLUSÃO E ENSINO SUPERIOR

 Lê-se no Público que, de acordo o inquérito anual da DGEEC relativo às condições que os estabelecimentos de ensino superior para acolhimento da população escolar com necessidades especiais, o número de alunos aluno nesta condição inscritos no superior mais do que duplicou em cinco anos, de 2311 em 2019/20, para 5309 em 23/24, 80% no ensino público.

No entanto a taxa de abandono aumentou ligeiramente, de 10,25% para 11% no ano passado.

A candidatura de alunos com necessidades especiais ao ensino superior tem previsto um contingente prioritário para candidatos com deficiência apenas “os titulares de atestado médico de incapacidade multiuso que avalie incapacidade igual ou superior a 60% ou os titulares de parecer positivo de comissão de peritos”. Será ainda obrigatória a comprovação “das medidas adicionais de suporte à aprendizagem durante o percurso do ensino secundário justificadas pela deficiência em causa”.

Dadas as dificuldades sentidas o MECI manifestou a intenção no ano passado de alterar este quadro, o que creio não se ter verificado.

Como já aqui tenho escrito, é habitual ouvir-se que, recorrer a quotas ou contingentes especiais para minimizar exclusão ou desigualdade, não sendo o ideal, pode ajudar a minimizar os problemas. No entanto, a questão é mais complexa, nem sempre as vagas definidas no contingente especial são preenchidas.

Para além da definição de quotas no acesso ao superior e dos seus critérios de aplicação, a promoção da qualificação de cidadãos com necessidades especiais e, portanto, da sua inclusão começa na educação pré-escolar e durante todo o trajecto do ensino básico e secundário. Neste percurso é crítica a necessidade de dispositivos de apoio competentes e suficientes.

A realidade, no âmbito da chamada educação inclusiva, apesar das boas experiências que existem, não é a que muitas vezes se vê referida. A título de exemplo e como qui muitas vezes referi, nem sempre é cumprido o limite de alunos com necessidades educativas especiais por turma.

São claramente insuficientes os recursos técnicos e humanos, psicólogos, terapeutas e auxiliares e verifica-se a incapacidade de muitas escolas na operacionalização das medidas de apoio definidas nos relatórios técnico-pedagógicos. As direcções escolares referem a insuficiência de recursos humanos adequados que se agudiza com dramática falta de docentes.

Acresce que, como já aqui referi a propósito do contingente prioritário para alunos carenciados, a decisão de continuar para o ensino superior é construída durante todo o trajecto do básico e secundário. Trajectos educativos bem apoiados promovem expectativas mais elevadas de alunos e famílias, valorizam o conhecimento e a qualificação e, portanto, são mais potenciadores da intenção de continuar a estudar. Donde, é imprescindível um forte investimento em recursos e dispositivos de apoio que que sustentem mais sucesso para todos os alunos de todas as escolas.

Também sabemos que, sem estranheza, as famílias em situação mais vulnerável expressam mais frequentemente expectativas mais baixas ou nulas sobre o sucesso escolar dos seus filhos e sobre a importância de estudar. Por outro lado, também sabemos que a entrada no mercado de trabalho de pessoas com deficiência ainda tem mutos obstáculos. Torna-se, assim, necessário um trabalho que envolva as famílias no sentido de construir ou reajustar expectativas sentirem a existência de uma imagem criadora de futuro.

Embora já seja feito em muitas escolas, sobretudo no final e durante o pós-básico, seria desejável que os dispositivos de orientação vocacional tivessem os recursos necessários para de forma alargada providenciarem informação clara sobre a natureza da oferta formativa, das suas características e solicitações, a que áreas de desempenho permitem aceder no mundo profissional, etc. Por outro lado, esse apoio também envolve o trabalho com os alunos no sentido de ajudar a um processo de tomada de decisão que seja base para procurar qualificação, de natureza diversa, no ensino superior.

Já no ensino superior e para todos os alunos é importante que existam dispositivos de apoio institucionais e também formas de mentoria desenvolvidas já por alunos a frequentar os estabelecimentos que contribuam para melhores e mais rápidos processos de adaptação a novas rotinas, métodos de trabalho, dificuldades de adaptação, etc. O nível de desistência da frequência é mais alto nas populações mais vulneráveis.

Uma nota final para o óbvio, as mudanças mais estruturais requerem investimentos e os recursos são finitos, nenhuma dúvida.

No entanto, as políticas públicas exigem opções e, também por isso, são avaliadas.

quarta-feira, 23 de abril de 2025

A MORTE ASSISTIDA, O QUE PARECE SIMPLES NO QUE É COMPLEXO

 Sem surpresa e como titula o Público, “Ainda não foi desta que Constitucional aprovou eutanásia e suicídio assistido”. Resta continuar a insistir. Nesse sentido, algumas notas que retomo.

A discussão sobre a problemática do suicídio assistido e da eutanásia, tal como aconteceu com a interrupção voluntária da gravidez, está, do meu ponto de vista, contaminada por um pecado original, os termos em que mais habitualmente se enuncia a questão.

Discute-se se somos contra ou a favor do suicídio assistido e da eutanásia al como se discutia se se era contra ou a favor do aborto. Os termos da discussão deveriam sempre ser colocados na posição contra ou a favor da descriminalização do processo de morte assistida em condições claramente reguladas e definidas legalmente.

Da mesma forma e relativamente à IVG, a questão era entender se a mulher que dentro das condições estabelecidas e de forma regulada recorresse à interrupção voluntária da gravidez deveria ser criminalizada. Isto não tem nada a ver com “ser contra ou a favor do aborto”.

Com a aprovação desta lei não se abriu a anunciada “Caixa de Pandora”, não subiram os casos de IVG, antes pelo contrário, desceram e baixaram significativamente os problemas decorrentes deste processo existentes com a situação anterior, designadamente as graves ou fatais complicações de saúde das mulheres.

Também da eventual despenalização do suicídio assistido e da eutanásia não creio que venha o caos e o terror anunciados num argumentário que em muitos discursos individuais ou institucionais destila manipulação e hipocrisia e insulta a inteligência e a sensibilidade.

Não sei o que será o meu entendimento pessoal se e quando estiver em circunstâncias críticas, imagino que quererei serenidade e dignidade.

No entanto, sei que não devo impedir ninguém de recorrer suicídio assistido e da eutanásia sem que daí decorra a imputação de um crime a alguém.

É uma decisão individual, que se aplica no âmbito dos direitos individuais e da dignidade, nunca de um grupo político, de uma religião ou de uma corporação profissional. Nenhuma destas instituições é dona da autodeterminação, da autonomia, da cidadania num quadro extremo e irreversível de sofrimento e desespero.

António Gedeão afirmou na “Fala do Homem Nascido”, “Só quero o que me é devido por me trazerem aqui que eu nem sequer fui ouvido no acto de que nasci”.

Toda a gente nasceu sem ser ouvida e muita gente vive sem a dignidade que lhe é devida.

Talvez a gente pudesse ser ouvida no acto de que morrerá e ter no seu fim ou pelo menos no seu fim, a dignidade que lhe é devida.

Não é simples, não é fácil, envolve outras pessoas e os seus valores, mas não vejo outro caminho.

terça-feira, 22 de abril de 2025

TERCEIRO PERÍODO

 Estamos num tempo de alguma expectativa, lamentavelmente mais baixa do que gostaria, relativamente ao que no imediato e a prazo serão as políticas públicas de educação. Neste tempo de pré-campanha o que se vai ouvindo …

Entretanto, cumprindo os tempos do ano escolar estamos no início do terceiro período ou na parte final do ano lectivo para as escolas “semestralizadas”.

Para muitos alunos será o período da decisão, das decisões. Uma boa parte dos alunos estará já "arrumada", ou porque convivem com um "chumbo" anunciado ou porque terão perspectivas de sucesso, com excelência ou com suficiência. Para quase todos os outros o terceiro período é o da recuperação, a última tentativa para "salvar" o ano. Alguns destes alunos ainda poderão ser incorporados no “contingente” da avaliação simpática, por vezes forçada, que compõe as estatísticas que alimentam os percursos de sucesso.

Também existe um grupo significativo de alunos dos quais se espera que recuperem o rendimento escolar de forma a salvar o ano, pelo que crescerá exponencialmente o recurso à velha "explicação", um importante nicho de mercado para professores, ex-professores, candidatos a professores ou simples curiosos que se dedicam à lucrativa arte. Aliás, ainda durante as férias de Páscoa muitas crianças e adolescentes terão passado já algum tempo nos centros de explicações. É preciso ir adiantando para garantir a "recuperação", a nota que permita “passar” ou dê acesso ao curso escolhido, pelo aluno ou pela família.

É também um período de promessas, "se passares, nós oferecemos-te ...", "se tiveres notas para entrar, terás ...". Chamam-se incentivos e providenciam, esperam os pais, uma ajuda extra à motivação para esta parte final do ano lectivo.

Para alguns alunos este terceiro período vai anteceder, espera-se uma mudança, de ciclo, de escola ou a por muitos desejada passagem para o ensino superior, esperemos que não desistam de estudar.

No final do ano uma parte dos alunos ainda vai realizar algumas provasde ModA (monitorização da aprendizagem) e outros exames finais desmaterializadas, decisão que levanta sérias dúvidas sobretudo no 1º ciclo por razões que já aqui referi. Talvez fosse de apostar mais na desburocratização e na “desgrelhação” dos processos que realização de provas em suporte digital. No 9º e 12º teremos os exames com as mudanças já verificadas no ano anterior.

No entanto, para outros alunos, o terceiro período vai deixá-los mais perto do insucesso, da desmotivação, do abandono revoltado ou resignado. Eles terão falhado, mas não terão sido só eles, nós também.

Existe ainda um grupo de alunos que, à luz de um novo paradigma e de uma onda de inovação, vive dentro de espaços curriculares ou físicos que os podem “guetizar” e de quem também não se espera muito, são “adicionais”, são “selectivos”, são “redutores”, são outra qualquer designação muitas vezes começada em “dis”, que procuram sobreviver a ambientes que nem sempre são muito amigáveis e inclusivos apesar de algumas boas práticas que se saúdam e registam.

Na verdade, os próximos meses vão ser pesados, exigentes, apesar de haver quem entenda como fáceis os trabalhos dos alunos … ou dos professores.

Boa sorte e bom trabalho, para alunos, professores e pais.

segunda-feira, 21 de abril de 2025

EPPUR SI MUOVE

 Partiu o Papa Francisco. Apesar da sua empatia, da natureza de muitas das suas intervenções públicas, atento "às dores do mundo", em defesa dos mais desprotegidos e do seu carisma partiu sem, também ele, lidar de forma mais eficiente com os desafios que a Igreja enfrenta e dos males de que padece.

A questão crítica é a escolha da direcção a seguir, a continuação dos pecados e do imobilismo com a crença na absolvição ou a redenção que a renove. Apesar de alguma frescura nos discursos e comportamento e algumas inciativas não mais do frestas apertadas do Papa Francisco não estou particularmente crente numa mudança substantiva embora, mesmo como agnóstico, a julgue essencial pelo papel e significado que a igreja ainda mantém nas nossas comunidades.

A propósito das mudanças na Igreja, ou a sua ausência, considerando a referência que ainda constitui para muita gente, recordo que D. Manuel Martins, bispo emérito de Setúbal, afirmava em 2012 em entrevista ao JN, que a Igreja não está à altura do momento, está "atrasada" e não presta atenção às "transformações do mundo". E assim parece continuar.

A afirmação de D. Manuel Martins lembrou-me o conhecido enunciado, "no entanto ela move-se". Ao que a história ou a lenda rezam, no séc. XVII Galileu Galilei reagiu com esta mítica afirmação à sua condenação no Tribunal do Santo Ofício pela defesa do modelo heliocêntrico, a Terra move-se em volta do Sol.

Do meu ponto de vista, a reconhecida perda da influência da Igreja Católica, sobretudo nos países mais desenvolvidos, deve-se também ao seu imobilismo, à forma conservadora como não reage às óbvias mudanças sociais, políticas, económicas e culturais sustentando um progressivo afastamento da vida das pessoas, apesar da empatia revelada pelo Papa Francisco.

Um dia, talvez a instituição Igreja aceite e perceba a importância e a necessidade de mudança no discurso e nas atitudes relativas ao divórcio e casamento, às uniões entre pessoas do mesmo sexo e adopção por parte destes casais, à anticoncepção, ao celibato dos padres, à abertura do sacerdócio às mulheres, o combate à ostentação visível em parte das estruturas da igreja, etc.

No entanto, considerando o que se tem ouvido e é conhecido das intervenções da hierarquia da Igreja, não creio que, apesar de alguns comportamentos, iniciativas e discursos do Papa Francisco e também da significativa mudança de estilo face ao seu antecessor Bento XVI, não parece ter-se desencadeado algum movimento de alteração significativa nas posições da Igreja sobre estas matérias apesar de algumas situações ou iniciativas mais pontuais.

Eppur si muove.

domingo, 20 de abril de 2025

DO PRECISAR E DO GOSTAR

 Quando olhamos para o mundo o mundo num Domingo de Páscoa e recordando a Cantata da Paz de Sophia de Mello Breyner Andresen, “Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar”. Mas hoje deixemos a agenda de lado, é um tempo em que muitas famílias se juntam, a meio das férias escolares, umas notas sobre o universo da educação familiar.

De uma forma geral, as crianças, independentemente das suas capacidades de comunicação e idade, dizem-nos e mostram mais facilmente o que gostam do que daquilo que precisam. Parece claro. É verdade que algumas vezes gostam do que precisam, mas ... nem sempre é assim, antes pelo contrário, não gostam do que precisam. Aliás, connosco adultos, também é assim.

Por outro lado, muitos de nós, crescidos, sabemos do que elas precisam, mas damos-lhes o que elas gostam acreditando que elas serão capazes de construir por si o que precisam. Às vezes, muitas vezes, não é assim e é arriscado acreditar.

Também é verdade que muitos adultos, sabendo o que elas precisam tentam e frequentemente conseguem que elas também gostem.

Quando assim acontece fica tudo bem mais fácil, em casa e na escola, no comportar ou no aprender.

sábado, 19 de abril de 2025

MERECE LEITURA

 O texto de Paulo Prudêncio no Público, “O país desistiu do professor e abriu as portas a pequenos tiranetes” merece leitura atenta.

Numa altura em que o Ministério da Educação anuncia mudanças no modelo de governança das escolas, o texto é um bom contributo para essas alterações.

Como aqui escrevi há poucos dias, Camões já afirmava que um “fraco Rei faz fraca a forte gente” o que numa actualização republicana poderá entender-se como a defesa de lideranças competentes, com uma gestão participada, com mecanismos de eleição alargados, transparentes, escrutinados e com, insisto, mecanismos de regulação que previnam excessos e abusos.

sexta-feira, 18 de abril de 2025

PARTIU NUNO GUERREIRO

 Cedo de mais partiu Nuno Guerreiro, umas das vozes que está inscrita na banda sonora da minha vida.

Era vocalista do grupo Ala dos Namorados e a sua interpretação de “Loucos de Lisboa” é apenas um exemplo de uma particular e bonita forma de cantar.



quinta-feira, 17 de abril de 2025

O VELHO PESCADOR

 Lá naquela terra onde acontecem coisas havia um Velho Pescador que toda a gente considerava o melhor pescador que por lá tinha aparecido.

Não havia peixe que ele não conseguisse pescar só que o Velho Pescador tinha uma particularidade até um bocado estranha, pescava os peixes para falar com eles, passado algum tempo, voltava a colocá-los na água e ficava a vê-los ir à sua vida, nadando para longe à procura do seu mundo.

É claro que as pessoas não percebiam muito bem o Velho Pescador, primeiro porque raramente algum peixe lhe escapava e também porque, era mesmo esquisito, os peixes pareciam ficar tranquilos a ouvir o Pescador Velho o tempo que ele estivesse a falar para eles com um jeito manso.

O Velho Pescador quando lhe perguntavam como conseguia que os peixes se deixassem pescar e encantar por ele respondia que era uma questão de escolher bem o isco. Afirmava que é preciso estudar bem os peixes, cada peixe, e depois arranjar o isco que levaria cada um, mesmo os mais arredios a morder e a ficar cativados a ouvir e, depois, ir embora tranquilos.

Por isso é que naquela escola não havia aluno que não gostasse daquele professor.

quarta-feira, 16 de abril de 2025

QUALIFICAÇÃO A MAIS OU DESENVOLVIMENTO A MENOS

Lê-se no Público que de acordo com dados do Eurostat relativos a 2024, em Portugal, 16% dos diplomados entre os 20 e os 64 anos Em Portugal, 16% dos diplomados têm qualificações a mais para o trabalho que realizam. Ainda assim, trata-se de um valor inferior à média na UE, 21,4%.

Parece-me que em matéria de políticas públicas de economia e emprego este indicador merece reflexão.

Nos últimos anos, felizmente, temos vindo a assistir a um aumento do nível de qualificação, mas parece verificar-se um inquietante desperdício do capital mais importante, a qualificação dos recursos humanos. Para além da “sobrequalificação” para os empregos disponíveis acresce a debandada de muitos jovens adultos qualificados para outros países em busca de projectos de vida mais sólidos e compatíveis com as suas motivações e qualificação.

Por outro lado, estão identificados dois factores considerados fortemente contributivos para este cenário.

Verifica-se que o peso da indústria e dos serviços de alta tecnologia é baixo e, por outro lado as limitações da contratação que se tem verificado no sector público.

Sem que seja, longe disso, um especialista nesta área, creio que tem faltado uma estratégia concertada envolvendo a qualificação dos cidadãos e, simultaneamente a qualificação e organização do trabalho e emprego por parte do universo de empregadores.

Acresce que nesta equação terá de ser considerado algo que me parece pouco referido e valorizado, o nível de qualificação dos empregadores.

Considerando como indicador um trabalho do divulgado em 2018 pelo Observatório das Desigualdades do ISCTE, "O mercado de trabalho em Portugal e nos países europeus", com base em dados do Instituto Nacional de Estatística e do Eurostat, em 2017 e a formação de nível superior, os empregados eram 27,1% e os empregadores, 20,1%.

Este cenário, torna ainda mais necessária a existência de políticas públicas que sustentem e promovam de forma consistente e prolongada a modernização do mercado de trabalho, a qualificação do emprego que não pode assentar em proletarização dos salários e precariedade que desincentiva a busca de qualificação, a aposta em sectores de actividade que absorvam mão-de-obra mais qualificada e com maior produtividade, entre outros aspectos.

A divulgação dos dados relativos à “sobrequalificação” pode sustentar o perigoso entendimento de "não compensa estudar". Na verdade, contrariamente à tão afirmada quanto errada ideia de que somos um país de doutores, continuamos, em termos europeus, com uma taxa baixa de qualificação superior em todas as faixas etárias incluindo as mais jovens.

O que acontece verdadeiramente é termos desenvolvimento a menos, não é qualificação a mais, temos um mercado de trabalho proletarizado e a proletarizar-se que não absorve a mão de obra qualificada. Não podemos passar a mensagem de que a qualificação não é uma mais-valia.

terça-feira, 15 de abril de 2025

A HISTÓRIA DO EXCELENTE

 Hoje, casualmente, ouvi um pedaço de conversa entre duas mães que me fez recordar uma história que aqui contei.

Era uma vez um rapaz chamado Excelente. Na verdade e apesar do nome, não era assim muito excelente, era mesmo um rapaz muito discreto, quase cinzento, ou transparente, como aquelas pessoas que até quando estão à nossa frente mal reparamos nelas.

O rapaz foi crescendo e toda a gente lhe fazia sentir que tinha de ser Excelente em todas as actividades em que se envolvia. É assim a vida de muitos miúdos, todos à sua volta esperam que eles sejam excelentes, em tudo.

No entanto, o Excelente era um daqueles rapazes que não se distinguia em nada do que fazia, seja actividades escolares, actividades desportivas ou de outra natureza. Também não revelava grandes dotes artísticos e não era propriamente um miúdo com grande nível de relacionamento social. Apesar deste seu estar, a pressão para ser excelente continuava, vinda, sobretudo dos professores e da família.

De mansinho, esta pressão, grande demais para o Excelente, começou a instalar nele um desconforto malino, consigo e com a vida de quem teria de ser um Excelente que não era.

Sem se dar conta muito bem do que estava a acontecer, começou a reagir a esse desconforto e pouco a pouco foi descobrindo que, finalmente, estava a fazer algo em que parecia um Excelente.

Os seus colegas achavam-no o mais popular da turma, a maioria admirava-o e até fazia questão de se mostrar amiga do Excelente. Os professores mudaram de opinião sobre o rapaz, agora já achavam que na escola havia poucos alunos como ele. Até os pais se surpreenderam com o Excelente, nunca ninguém na família tinha sido assim.

O Excelente tinha finalmente encontrado algo em que era bom, mesmo muito bom. Era o melhor da sua turma a portar-se mal, aliás, era mesmo dos melhores na escola nesse fazer.

Agora sim, era um Excelente.

segunda-feira, 14 de abril de 2025

DA GOVERNANÇA DAS ESCOLAS E AGRUPAMENTOS

 No Público encontra-se uma peça centrada nas direcções escolares. Ao que se lê, durante este ano  cerca de 200 directores deverão abandonar a liderança das suas escolas ou agrupamentos por cumprir 16 anos na função, quatro mandatos.

Existem muitas situações de directores que desempenham a função há bem mais que os 16 anos. Por outro lado, tal como noutros sectores, veja-se as candidaturas às autarquias, um director que está obrigado a terminar o tempo de liderança numa escola ou agrupamento pode candidatar-se a outro. Está nesta situação, em trânsito, o professor Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas, que defende a ausência de limites de mandato e que, tendo estado nos últimos 30 anos na gestão do Agrupamento de Escolas Dr. Costa Matos, em Vila Nova de Gaia, já foi eleito, aguardando a homologação para director do Agrupamento de Escolas D. Pedro I, também em Gaia. É assim, nada de novo, as leis em Portugal são basicamente indicativas, não imperativas. Não existindo o estatuto de director, prometido pelo actual Ministro, o director será sempre professor e, portanto, não é director, está como director. Provavelmente, alguns já não saberão como ser professor.

Muitas vezes aqui tenho referido que seria desejável alterar o modelo de governança das escolas. A ver vamos a próxima legislatura traz alguma alteração.

fiquei surpreendido, mas naturalmente agradado, com a divulgação. 

A verdade é que são recorrentes a divulgação e o conhecimento por parte de quem se move neste universo de inúmeras situações negativas envolvendo a direcção de escolas e agrupamentos como, também devemos registar, situações que correm de forma positiva dentro do que se pode esperar num universo tão complexo como a educação.

Retomo algumas notas sobre a direcção de escolas e agrupamentos. O modelo de direcção unipessoal das escolas e agrupamentos e a forma como é desempenhado volta com regularidade à agenda incluindo o questionar do próprio modelo face a uma direcção colegial. Têm existido estudos de opinião e tomadas de posição individuais ou manifestos que alimentam a discussão ou mesmo a necessidade de alterar o modelo de direcção.

Como já tenho afirmado a propósito de outras matérias, talvez fruto do ambiente de fortíssima tensão que nos últimos anos envolve a educação, os debates e as ideias também tendem a ser crispados, com opiniões definitivas e sem margem de entendimento e, frequentemente, com agendas menos explícitas. O modelo de gestão das escolas será apenas mais um exemplo deste cenário.

Com o atrevimento de quem não vive por dentro o quotidiano das escolas, mas que nas últimas décadas tem, como profissional e como cidadão, acompanhado de forma atenta o universo da educação, recupero algumas reflexões que já aqui deixei e que continuam actuais. Levo também em conta a experiência de alguns anos de presença como elemento da comunidade nos Conselhos Gerais de dois agrupamentos da zona onde vivo.

Conforme tenho dito, sempre me pareceu claro que a transformação da direcção de escolas e agrupamentos num modelo unipessoal e a sua forma de eleição através dos conselhos gerais, acompanhada por uma política de mega-agrupamentos diminuindo substancialmente o número de unidades orgânicas, gosto desta designação, se inscreveu na sempre presente tentação de controlo político do sistema. A experiência tem vindo a evidenciar essa situação.

São conhecidos casos, alguns chegam à imprensa, de processos de eleição de direcções escolares que mais não são do que formas de colocar pessoas com o alinhamento certo na função. Aliás, o próprio funcionamento dos Conselhos Gerais é, em algumas situações, um exemplo disto mesmo. Assim sendo, o modelo de gestão unipessoal e a forma de eleição dos directores não são garantias de “mais democracia” ou “melhor democracia” nas escolas.

Dado um pecado estrutural do nosso sistema educativo, a ausência ao longo de décadas de dispositivos eficientes de regulação, coexistem boas experiências e práticas em situações de direcção unipessoal com situações bem negativas.

Por outro lado, importa recordar que, em muitas circunstâncias, também a “gestão democrática", de democrática não tinha assim tanto e também se verificavam casos gritantes de menor competência.

Dito isto, parece-me que tanto quanto ou mais do que o modelo de direcção, unipessoal ou colegial, julgo de reflectir na forma de eleição, participam todos os docentes ou um pequeno grupo que “representa” o corpo docente no conselho geral, o mesmo se passando com os funcionários. É ainda de considerar a forma de participação de pais e autarquias no processo de eleição bem como de elementos da comunidade.

Por outro lado, também me parece que deve existir um claro reforço do papel dos Conselhos Pedagógicos no funcionamento de escolas e agrupamentos. Parece-me também clara a vantagem da presidência do Pedagógico ser claramente independente da direcção da escola, sobretudo num modelo de direcção unipessoal.

Importa também que a reflexão sobre a direcção de escolas e agrupamentos seja acompanhada de uma verdadeira reflexão sobre o quadro de autonomia nas suas várias dimensões e equilíbrios. Qual o efeito da municipalização ou “proximidade”, como também lhe chamam, na autonomia e funcionamento de escolas e agrupamentos.

É claro que quanto mais sólido for o modelo de autonomia das escolas mais importante se torna o papel e função da direcção, independentemente do modelo. Esta é do meu ponto de vista a questão central.

Muitos estudos e a experiência mostram que nas organizações, incluindo escolas, a qualidade das lideranças tem um impacto forte no desempenho, em diferentes dimensões, das instituições e também de todos os que nela funcionam. Boas lideranças escolares traduzem-se em melhores e mais estáveis climas de trabalho, maior nível de colaboração entre os profissionais, menor absentismo, melhores resultados ou menos incidentes de natureza disciplinar, ambientes escolares mais amigáveis em termos de educação inclusiva, melhor relação com pais e comunidade, entre outros aspectos. Como exemplo, em 2019 um estudo realizado pela Universidade do Porto da Universidade do Porto sugeria que o estilo de liderança dos directores das escolas tem um impacto importante na motivação dos professores pois existe uma “correlação significativa entre a forma como são geridos os estabelecimentos de ensino e a relação que os docentes têm com a sua profissão.  Creio que o cenário não se terá alterado.

Camões já afirmava que um “fraco Rei faz fraca a forte gente” o que numa actualização republicana poderá entender-se como a defesa de lideranças competentes, com uma gestão participada, com mecanismos de eleição alargados, transparentes, escrutinados e com, insisto, mecanismos de regulação que previnam excessos e abusos.

Alguns episódios na contratação de docentes ou de funcionários e nos processos que envolvem técnicos e docentes, são exemplos em ter em conta pela forma negativa como foram geridos ou desencadeados por algumas direcções de escolas de escolas e agrupamentos.

Vamos ver como e quando conseguiremos a estabilidade imprescindível ao trabalho de todos os envolvidos nas comunidades escolares.