terça-feira, 6 de dezembro de 2022

BEM-ESTAR E ESCOLA

 O Público tem uma peça em que se aborda como se está a desenrolar o trabalho escolar neste primeiro período sem as restrições verificadas no período da pandemia. Professores ouvidos registam referem desajustamentos ao nível do comportamento, alunos mais inquietos, desatentos, “centrados” nos telemóveis, e também algumas dificuldades nas aprendizagens. De acordo com auscultação da Ordem dos Psicólogos aos profissionais de psicologia em funções nas escolas, tem-se verificado também um acréscimo de sinalização e pedidos de intervenção. Reporta-se o aumento de situações de mal-estar bem como de episódios de bullying nas diversas variantes.

Também é referido por alunos ouvidos a sua satisfação com o regresso em pleno aos contextos escolares.

O trabalho vem no sentido de um quadro já conhecido. Como referi na altura, em Maio foram divulgados os resultados e conclusões do estudo “Saúde Psicológica e Bem-estar” promovido pelo Ministério da Educação que procurou caracterizar a saúde mental e bem-estar de alunos e professores. O estudo envolveu 8.067 crianças e adolescentes do pré-escolar ao 12.º ano e 1.457 professores e os dados divulgados causaram alguma inquietação como sinal de mal-estar. 

A experiência abrupta dos períodos de confinamento total por que passaram milhões de crianças e adolescentes em todo o mundo com o encerramento de escolas e, praticamente, de todos os serviços da comunidade de que são utentes, não podia deixar de ter implicações no seu bem-estar.

Desde logo e naturalmente pelo impacto no seu trajecto educativo e de aprendizagem, mas também no seu bem-estar, na sua saúde mental. Aliás, também nos adultos é considerável este impacto como também se verificou nos docentes.

Aliás, creio que o actual clima vivo nas escolas, a crispação associada à forma como é gerida a situação e a carreira dos professores, o modelo de governança, associado a políticas públicas erráticas que interagem com mal-estar e falta de serenidade criam um contexto pouco amigável para o bem-estar na escola.

O confinamento a que foram sujeitos em contextos familiares em que nem sempre os factores de protecção equilibravam os factores de risco, sustentou mudanças no seu bem-estar e comportamentos e a emergência de quadros de risco que agora viajam na "mochila" que os alunos carregam para a escola.

De facto, têm sido múltiplos os estudos que referem esta questão, a deterioração da saúde mental de crianças e jovens, mas também de adultos, designadamente professores no quadro da pandemia e, no caso de docentes, de questões de natureza profissional. Os confinamentos a que se associaram os períodos de isolamento, a falta de rede social dos pares, as dificuldades de diversa ordem sentidas nos contextos familiares terão dado um contributo significativo. Os dados mais recentes acentuam a importância desta matéria.

Deste quadro resulta a necessidade e urgência de atenção à saúde mental de crianças e jovens ainda que habitualmente a saúde mental seja um parente pobre das políticas públicas de saúde.

Assim, é fundamental que as comunidades educativas tenham os recursos ou dispositivos de acesso a esses recursos que acomodem as situações de vulnerabilidade psicológica e mal-estar. As crianças e adolescentes com necessidades específicas estarão muito provavelmente em situação de risco acrescido.

Crianças e adolescentes são mais resistentes do que por vezes parecem, felizmente. No entanto, como já tenho escrito, importa um ambiente sereno que tranquilize e apoie alunos, professores, pais e técnicos.

É preciso sublinhar os professores e todos os que estão nas escolas precisam dessa tranquilidade e valorização para que possam ter mais bem-estar e melhor ensinem, apoiem e aprendam.

Será bom não esquecer que, par além dos recursos existem circunstâncias de risco para os quais se exigem políticas públicas adequadas.

Contextos familiares vulneráveis são, por exemplo, uma ameaça ao bem e estar e saúde mental de crianças e adolescentes. No que respeita aos professores, as condições de carreira e avaliação, a instabilidade nos trajectos profissionais a desvalorização sentida, a asfixia da burocracia, o clima de escola em algumas situações, são, entre outras razões, um forte contributo para um mal-estar que afecta muitos docentes.

Por todo este cenário é crítico que a recuperação no plano das aprendizagens estivesse associada a uma forte preocupação com a saúde mental de alunos e professores com os apoios e recursos necessários.

Ao que tem sido divulgado o Plano de Recuperação e Resiliência prevê um investimento nos serviços de saúde incluindo a saúde mental, a ver vamos.

Uma nota para sublinhar a importância de que os recursos e iniciativas a desenvolver integrem as escolas no âmbito da sua autonomia e não “apareçam” traduzidos numa imensidade de projectos e iniciativas vindas “de fora” como, lamentavelmente, é frequente.

Como cantava o Zeca Afonso, “seja bem-vindo, quem vier por bem”, e como é evidente, registo todas as iniciativas, projectos, experiências de inovação, etc., que possam contribuir para minimizar ou erradicar problemas, mas já me falta convicção no impacto do modelo mais habitualmente seguido.

Com demasiada frequência muitos destes projectos vêm de fora das escolas, as origens são variadas, não chegam a envolver a gente das escolas, esmagada pelo trabalho, burocracia e outros constrangimentos como, por exemplo, assegurar da melhor forma possível o dia-a-dia do trabalho educativo que tem de ser realizado.

Também com demasiada frequência muitos destes projectos morrem de “morta matada” ou de “morte morrida”, não são avaliados de forma robusta e dão umas fotografias ou vídeos que compõem o portfólio dos organizadores e proporcionam uma experiência que se deseja positiva aos intervenientes no tempo que durou, mas sem mais impacto.

Todavia, preciso de afirmar que muitos destes Planos, Projectos, Inovações, etc. dão origem a trabalhos notáveis que, também com frequência, não têm a divulgação e reconhecimento que todos os envolvidos mereceriam.

Também demasiadas vezes estas iniciativas consomem recursos com baixo retorno e ao serviço de múltiplas agendas.

Tenho para mim, que não podendo a escola responder a todas as questões que afectam quem nelas passa o dia poderia, ainda assim, fazer mais se os investimentos feitos no mundo à volta da escola e que lhe vem bater à porta com propostas fossem canalizados para as escolas.

Com real autonomia, com mais recursos e com modelos organizativos mais adequados e processos menos burocratizados, as escolas poderiam fazer certamente mais e melhor que quem vem de fora numa passagem transitória, mais ou menos longa, mas transitória. Sim, tudo isto deveria ser objecto de escrutínio, regulação e avaliação também externa, naturalmente.

Escolas com mais auxiliares, auxiliares informados e formados podem ter um papel importante em diferentes domínios.

Directores de turma com mais tempo para os alunos e menos burocracia poderiam desenvolver trabalho útil em múltiplos aspectos do comportamento e da aprendizagem.

Psicólogos e outros técnicos em número mais adequado, o que se verifica poderiam acompanhar, promover e desenvolver múltiplas acções de apoio a alunos, professores, técnicos e pais.

Mediadores que promovessem iniciativas no âmbito da relação entre escola, pais e comunidade seriam, a experiência mostra-o, um investimento com retorno.

São apenas alguns exemplos de respostas com resultados potenciais com um custo que talvez não seja superior aos custos de tantos Projectos, Planos, Programas ou Iniciativas Inovadoras destinadas a múltiplas matérias e com custos associados de “produção” que já me têm embaraçado, mas a verdade é que as agendas e o marketing têm custos.

Está em jogo o desenvolvimento escolar e pessoal de crianças, adolescentes e jovens, ou seja, do futuro.


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