sexta-feira, 20 de agosto de 2021

DA PERCEPÇÃO SOCIAL DE AUTORIDADE

 O tempo de férias sugere a abordagem de matérias leves compatíveis com o lazer. A questão é que os tempos vão de chumbo por diversas razões e nem a “silly season” é o que era. Desculpem, portanto, estas notas sobre uma questão que não tem nada de leve.

Continuam a surgir com regularidade referências a agressões a profissionais de saúde. Na imprensa de hoje refere-se mais um caso, agora no Hospital Beatriz Ângelo.

Na verdade, os indicadores, neste âmbito são preocupantes. Considerando a pré-pandemia no primeiro trimestre de 2020 foram registadas cerca de 500 agressões, de diferente natureza incluindo física, nos serviços de saúde públicos e privados. Trata-se de um valor semelhante ao que se registou em 2017 e metade do número de casos registados na totalidade de 2019.

Estes níveis de ocorrência são ainda mais preocupantes se considerarmos a frequência com outras classes, professores e agentes de autoridade, por exemplo, são também alvo de comportamentos agressivos com tipologia variada e alguns de significativa gravidade.

As dificuldades genéricas das pessoas, os contextos funcionais e a qualidade percebida ou sentida na resposta dos serviços estarão associadas aos comportamentos. No entanto, sem minimizar estas variáveis, designadamente no que respeita aos serviços de saúde, parece-me também pertinente reflectir numa outra perspectiva, a auto-regulação dos comportamentos individuais.

Na análise a esta questão e de uma forma necessariamente breve, creio que vale a pena considerar dois aspectos que julgo essenciais, a mudança na percepção social de autoridade e de traços de autoridade e o sentimento de impunidade, que me parecem fortemente ligados a estes fenómenos.

Uma observação minimamente atenta às mudanças sociais, culturais e económicas nas últimas décadas, permite, creio, constatar como tem vindo a mudar significativamente a percepção social do que poderemos chamar de traços de autoridade.

Entre outras profissões, os médicos e enfermeiros, mas também professores, agentes de autoridade ou magistrados, por exemplo, eram percebidos, só pela sua condição profissional, como fontes de autoridade, como também os velhos, curiosamente. Tal processo alterou-se, a profissão ou a idade já não conferem “autoridade” que regule a relação e iniba a utilização de comportamentos de agressão. Dito de outra maneira, a identificação como médico ou enfermeiro, através da "bata", polícia com a "farda" ou professor com o "peso social" da função e da escola, ou os “cabelos brancos” da idade, já não são, por si sós, reguladores dos comportamentos. Estas mudanças implicam uma reflexão profunda, pois sendo um fenómeno ainda "novo", não poderemos recorrer unicamente às soluções "velhas".

Quero sublinhar que este entendimento não tem rigorosamente a ver com a ideia do "respeitinho" ou do medo e muito menos com dar cobertura a "autoritarismo" e abusos de poder de quem quer que seja sobre quem quer que seja.

O segundo aspecto que me parece de considerar remete para um ambíguo e abrangente sentimento instalado em Portugal de que não acontece nada, faça-se o que se fizer. Este sentimento que atravessa toda a nossa sociedade e camadas sociais é devastador do ponto de vista de regulação dos comportamentos, ou seja, podemos fazer qualquer coisa porque não acontece nada, a “grandes” e a “pequenos”, mas sobretudo a "grandes", o que aumenta a percepção de impunidade dos “pequenos”.

Considerando este quadro, parece importante um trabalho no âmbito da formação cívica no sistema educativo, dispositivos e recursos de apoio e na formação de profissionais para a gestão e prevenção de situações de conflito, bem como um discurso político e social consistente de valorização da autoridade, não do autoritarismo.

Também por razões desta natureza e dado o clima de agressividade e crispação demasiado presente nas relações interpessoais, presenciais ou virtuais, me parece perfeitamente justificada a existência de uma abordagem escolar para todos os alunos e de acordo com a idade de questões relativas a cidadania e desenvolvimento.

Sabemos, que contrariamente ao “autoritarismo”, a autoridade não é atribuída ou devolvida por decreto. A autoridade assenta em competência, valorização, respeito, maturidade cívica, solidez ética, etc.

Por outro lado, finalmente, é ainda fundamental que se agilizem e sejam divulgados processos de punição e responsabilização séria dos casos verificados o que contribuirá para combater a percepção de impunidade.

Como em múltiplas áreas do nosso funcionamento em comunidade e do desenvolvimento pessoal, pela educação é que vamos.

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