terça-feira, 3 de agosto de 2021

DE ENVIESAMENTO EM ENVIESAMENTO

 Confirma-se genericamente o que se esperava com a decisão do IAVE de diminuir substancialmente o número de perguntas com resposta opcional nos exames finais do secundário, o abaixamento significativo das notas.

Se a intenção da decisão terá sido combater o enviesamento verificado no ano passado, a subida das médias, o resultado foi produzir novo enviesamento, um abaixamento significativo de notas e, naturalmente, de médias o que, claramente coloca os alunos que se candidatam este ano ao ensino superior numa situação de desvantagem. Apenas Português, Filosofia e História se mantiveram no mesmo patamar sendo muito significativa a descida das notas em Matemática.

Os alunos que no ano passado se confrontaram com uma estrutura mais “amigável” com várias perguntas de resposta opcional terão realizado a sua candidatura ao superior em condições mais favoráveis que os alunos deste ano, as médias são mais baixas, independentemente do nível de conhecimento dos dois grupos. Acresce ainda a leitura que os resultados finais merecerão em termos comparativos se os exames têm estruturas diferentes, tal como aconteceu comparando os exames de 2019 com os de 2020.

Quando penso nestas questões sempre recordo que em 2015 causou alguma polémica a afirmação do então Presidente do IAVE numa conferência referindo uma gestão política dos exames, exemplificando que uma alteração cirúrgica numa ou duas perguntas seria suficiente para que as médias subissem ou descessem conforme a “encomenda”.

A situação criada está a motivar o pedido de aumento das vagas definidas para alguns cursos, medida que o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior ainda não aceitou, mas também não rejeitou.

Este cenário, vem, mais uma vez sublinhar a necessidade de repensar o modelo de acesso ao ensino superior que recorrentemente refiro.

Desde logo creio que o modelo actual promove uma desvalorização do próprio ensino secundário que deveria ser valorizado e percebido como a finalização de um ciclo de estudos e não como a antecâmara do superior e a sala de explicações para preparação para os exames, aliás ouve-se com frequência o desconforto de docentes de ensino secundário como este quadro. Na verdade, sentem o seu trabalho com os alunos hipotecado ao peso dos exames e não à formação a adquirir no ensino secundário nas diferentes disciplinas.

Por outro lado, a situação actual favorece, como é sabido e reconhecido, a iniquidade assente na "simpatia generosa" de algumas escolas, maioritariamente privadas, que inflacionam a avaliação interna dos alunos ou o florescimento de um nicho de mercado, as explicações ou centros de estudo, dirigido à preparação para os exames com custos não acessíveis a boa parte das famílias.

Assim, parece-me ser adequado entender que a conclusão e certificação de conclusão do ensino secundário e a candidatura ao ensino superior deveriam ser processos separados.

Os exames nacionais destinam-se, conjugados com a avaliação realizada nas escolas, a avaliar e certificar o trabalho escolar produzido pelos alunos do ensino secundário e que, obviamente, está sediado no ensino secundário.

O acesso ao ensino superior será um outro processo que deveria ser da responsabilidade do ensino superior e estar sob a sua tutela com também sugere a recomendação do CNE divulgada em 2020. Seriam exigidos, naturalmente, dispositivos de regulação deste processo.

Parecer-me-ia mais ajustado que as classificações, internas e externas no ensino secundário deveriam constituir apenas um factor de ponderação a contemplar com outros critérios nos processos de admissão organizados pelas instituições de ensino superior como, aliás, acontece em muitos países. É óvio que este processo exigiria regulação eficiente.

Sublinho minimizando equívocos que a questão não está na existência ou importância dos exames finais do secundário que não me parece colocar grandes dúvidas.

Enquanto não se verificar a separação da conclusão do secundário da entrada no superior não valorizamos o ensino secundário no que lhe é próprio e ainda corremos o risco de lidar com situações de “enviesamento” decorrentes da estrutura de exame ou do grau de dificuldade escolhido bem como de negócios que sendo úteis a alguém não o serão, obviamente para a maioria das famílias.

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