terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

OS ALÇAPÕES DA NET

 Num tempo em que até a escola chega pela internet assinala-se hoje o dia o Dia Europeu da Internet Mais segura. Como é habitual na imprensa surgem algumas referências diversificadas.

No JN são referidos dados da Directoria do Norte da PJ referindo que em 2020 os crimes sexuais contra crianças aumentaram mais de 150%, de 161 casos registados em 2019 para 396 em 2020.

Atravessamos um novo período de confinamento durante o qual aumentará exponencialmente o tempo que crianças, adolescentes e jovens, tal como muitos adultos, estarão em frente do ecrã. Naturalmente os riscos também aumentarão, não só os de natureza sexual, mas também os de cyberbullying, de chantagem e roubo, de exposição a conteúdos inadequados às idades, etc.

Trata-se de mais um factor de pressão para a supervisão imprescindível, mas muito difícil dos mais novos na sua relação com a net.

É de sublinhar que dados do Estudo Internacional de Alfabetização em Informática e Informação (ICILS) envolvendo 11 países e divulgados em 2020 sugerem que os alunos portugueses são os mais bem preparados para usar a internet de forma responsável. No entanto, os dados relativos aos riscos são, de facto, inquietantes. 

No âmbito do Projecto Kids Online que envolve 30 países e analisa a utilização da net e das redes sociais por crianças e adolescentes os dados de 2018, cerca de 2000 alunos entre os 9 e os 17 anos mostraram comparativamente a 2014 se verifica uma subida da frequência das situações de risco a que parece também estar a associada a maior operacionalidade e o tempo de contacto permitido pela migração da utilização dos pc para os mais “operacionais” smartphones”.

Para além dos dados do EU Kids Online recordo um trabalho da OCDE de 2018 "Curriculum Flexibility and Autonomy in Portugal – na OECDreview” em que considerando dados de 2012 e 2015 (recolhidos no âmbito do PISA), oito em cada dez adolescentes portugueses afirmam "sentir-se mal" se não estiverem ligados à internet. Apenas os adolescentes franceses e suecos de entre os 31 países envolvidos evidenciam uma taxa superior.

Podemos considerar mais um sinal dos tempos as múltiplas referências ao tempo excessivo e dos riscos associados que que muitas crianças e adolescentes despendem com a ligação à net nas suas múltiplas possibilidades designadamente as redes sociais e os riscos associados. Os indicadores relativos ao cyberbullying são inquietantes.

Nesta perspectiva e tal como noutras áreas o recurso privilegiado a estratégias proibicionistas não funciona. Em tempos de confinamento e da escola a chegar pela net a situação é ainda mais complexa.

São mais eficientes a promoção da utilização autoregulada e informada. A net e o mundo de oportunidades, benefícios e riscos que está presente em todas as suas potencialidades é uma matéria que deve merecer a reflexão de todos os que lidam com crianças e jovens embora não lhes diga exclusivamente respeito. É o nosso trabalho.

Mesmo em tempos “normais”, seja lá isso o que for, em casa, muitas crianças têm um ecrã como companhia durante o pouco tempo que a escola "a tempo inteiro" e as mudanças e constrangimentos nos estilos de vida das famílias lhes deixam "livre". Também é verdade que a crescente "filiação" em redes sociais virtuais pode “disfarçar” o fechamento, juntando quem “sofre” do mesmo mal e o tempo remanescente para estar em família, frequentemente ainda é passado à sombra de uma televisão.

Estas matérias, a presença das novas tecnologias na vida dos mais novos e os riscos potenciais, são problemas menos conhecidos para muitos pais. Aliás, as dificuldades sentidas por muitas famílias na ajuda aos filhos neste tempo de ensino não presencial, mostrou isso mesmo, baixos níveis de literacia digital. Considerando as implicações sérias na vida diária importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos pais para que a utilização imprescindível e útil seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e adolescentes. Existem demasiadas situações em que desde muito cedo os “smartphones” funcionam como “babysitters”.

Por outro lado, a experiência mostra-me que muitos pais desejam e mostram necessidade de alguma ajuda ou orientação nestas matérias. Sabemos que estratégias proibicionistas tendem a perder eficácia com a idade.

Creio que o caminho terá de passar por autonomia, supervisão, diálogo e muita atenção aos sinais que crianças e adolescentes nos dão sobre o que se passa com elas.

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