terça-feira, 30 de setembro de 2014

A ALMA DO ALENTEJO, O CANTE

Ontem fui assistir ao documentário de Sérgio Tréfault, Alentejo, Alentejo sobre a alma do Alentejo, o cante.
Não comento como obra de cinema mas não posso deixar de registar a emoção de ver uma obra dedicada ao cante alentejano.
Muitas das manifestações da nossa cultura mais tradicional vão caindo em desuso e apresentadas fundamentalmente em ocasiões especiais ou ligadas a iniciativas locais ou regionais de comemoração.
Sem querer ser injusto, creio que o fado em Lisboa, (estou a falar só do que conheço) e o cante do Alentejo são das tradições ainda podem ser escutadas numa qualquer situação informal, à noite numa taberna, por exemplo.
Em várias ocasiões já assisti, não me atrevo a dizer que participei, em petiscadas em que o pessoal, só homens, lá mais para o fim da noite, depois das "lérias" e das "anadotas" se envolvia no cante. É algo de tão profundo e de dentro que nos não pode deixar indiferente.
O Mestre Marrafa era cantador num dos coros lá da vila e a mulher também cantava no coro feminino, menos frequente. Fui assistir a algumas apresentações e cada vez era como a primeira, é um canto da alma que sai pela voz.
De vez em quando o Mestre Marrafa vai-me passando algumas das modas que faziam parte da lida e do cante, o cante faz parte da lida. Os olhos dele brilham a dizer as modas. Os meus também, a ouvir.
É também pelo cante que mesmo quando não estamos no Alentejo, o Alentejo está em nós.

"FOI SEM QUERER", DISSE O GENIOZINHO MOEDAS

"Carlos Moedas diz que discordou “muitas vezes” da troika"

Ao que a imprensa refere o Geniozinho Carlos Moedas no “exame oral” para Comissário Europeu hoje realizado no Parlamento Europeu afirmou que “discordou muitas vezes da troika”.
O despudor e trocatintismo de boa parte desta gente não pára de me surpreender. Em Outubro de 2013 este empregado dos mercados que fez parte da equipa de feitores que nos governou em nome da Troika afirmou “O ponto em que estamos hoje é de grande esperança para o país”. Acrescentou, “o que diferencia Portugal tem sido esta capacidade de cumprir e, logo, de poder contar com o apoio dos parceiros em tudo aquilo que podem dar”.
Em Maio de 2013 o Geniozinho Carlos Moedas referiu que as pessoas “só acabam com os maus hábitos quando enfrentam choques”, para exemplificar o que tem estado a ser realizado na economia portuguesa o que na altura me pareceu um insulto.
Disse então o iluminado Moedas que Portugal tem cumprido e conta, portanto, com o "apoio" dos parceiros em tudo aquilo que podem dar como veio a reafirma na citação de Outubro.
Vir agora o Geniozinho Moedas dar uma de homenzinho rebelde e crítico afirmando que discordava da troika mas, como bem sabemos, lá foi fazendo o que lhe mandavam e mais do que lhe mandavam, é de um despudor e falta de espinha, como falava o meu pai, que não surpreendem mas indignam.
Numa certa altura do desenvolvimento dos miúdos, o seu desenvolvimento moral e intelectual leva-os a considerar que a sua não intenção de realizar algo, desculpa o que as consequências de um qualquer comportamento. Tal entendimento traduz-se no frequente "foi sem querer" e como "foi sem querer", não tem problema.
Não, o que foi feito, foi com intenção, foi “por querer”, não adianta querer branquear comportamentos. Nos miúdos percebemos, os adultos assumem responsabilidades, se forem gente de “espinha” o que não é manifestamente o caso.

JÁ NÃO AGUENTO

"Cerca de 7% dos adolescentes magoam-se intencionalmente"

A imprensa faz referência a um estudo orientado pelo Professor Daniel Sampaio sobre os comportamentos de autolesão, "Comportamentos autolesivos em adolescentes: Características epidemiológicas e análise de factores psicopatológicos, temperamento afectivo e estratégias de coping", que importa considerar. Cerca de 7% dos jovens inquiridos já se autolesaram. Se acrescentarmos os que referem já ter sentido pensamentos de autolesão a percentagem sobe para 13.%. O universo dos inquiridos abrange 1713 jovens, dos 15 aos 20 anos, de 14 escolas públicas da região de Lisboa
Estes dados são preocupantes e vão na linha de outros indicadores. Recordo que em 2011 no estudo coordenado pela Professor Margarida Gaspar de Matos  sobre a saúde e os comportamentos dos adolescentes portugueses, realizado no âmbito da OMS, cerca de 15.6 % dos adolescentes inquiridos, com catorze anos de idade média, afirma já se ter magoado de propósito mais do que uma vez nos últimos doze meses à data do estudo. Os comportamentos de automutilação em adolescentes são mais frequentes do que muitas vezes pensamos. Alguns estudos internacionais apontam para cerca de 10% da população em idade escolar com comportamentos de automutilação pelo que os dados encontrados em Portugal são, de facto, preocupantes.
Este quadro é um indicador do mal-estar que muitos adolescentes e jovens sentem. Em muitas situações não conseguimos estar suficientemente atentos. Acontecem com alguma frequência situações de sofrimento com as mais diversas origens, relações entre colegas, bullying por exemplo, ou relações degradadas em família que facilitam a instalação de sentimentos de rejeição, ausência de suporte social, facilitadoras de comportamentos autodestrutivos. Começa também a emergir como causa deste mal estar a dificuldade que algumas crianças e adolescentes sentem em lidar com situações de insucesso escolar. Estas dificuldades são frequentemente potenciadas pela pressão das famílias e pelo nível de competição que por vezes se instala.
O sofrimento e mal-estar induz uma espiral de comportamentos em que os adolescentes causam a si próprios sofrimento que promove mais sofrimento num ciclo insuportável e com níveis de perplexidade, impotência e sofrimento para as famílias também extraordinariamente significativos.
Depois das ocorrências torna-se sempre mais fácil dizer qualquer coisa mas é necessário. Muitas crianças e adolescentes evidenciam no seu dia-a-dia sinais de mal-estar a que, por vezes não damos  ou não conseguimos dar atenção, seja em casa, ou na escola espaço onde passam boa parte do seu tempo boa parte do seu tempo. De facto em muitos casos, designadamente, em comportamentos de automutilação, pode ser possível perceber sinais ou comportamentos indiciadores de mal-estar. Estes sinais não podem, não devem, ser ignorados ou desvalorizados. É também importante que pais e professores atentos não hesitem nos pedidos de ajuda ou apoio para lidar com este tipo de situações. Muitos pais, diz-me a experiência, sentem-se de tal forma assustados que inibem um pedido de ajuda por se sentirem culpabilizados, envergonhados ou simplesmente por medo.

O resultado pode ser trágico.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

PELO MENOS PODIAM PREOCUPAR-SE COM OS MIÚDOS

Através do Blogue de Paulo Guinote, "A Educação do meu Umbigo", um encarregado de educação divulgou a situação que se verifica na Escola Básica de Pinhal de Frades no Seixal e que não pode ser lida sem uma sobressalto de indignação, no mínimo.
A escola tem uma população escolar de 1023 alunos, tem capacidade para acomodar 30 turmas e tem 40, faltam 13 assistentes operacionais e, naturalmente, professores graças ao competentíssimo e atempado processo gerido pelo MEC.
O funcionamento é caótico como não podia deixar de ser e muitos alunos não estão a ter as aulas previstas com as consequências, essas sim, previsíveis.
Provavelmente esta situação inscreve-se no irresponsável e quase patológico entendimento de "normalidade" da equipa da 5 de Outubro ou constituirá mais um dos inúmeros "casos pontuais" que vão sendo regra.
Esta gente pode não ser competente, pode não ser séria em termos intelectuais e éticos, pode, dentro dos limues constitucionais, ter uma visão para educação da qual podemos discordar ainda que em vários aspectos se verifiquem ameaças ou constrangimentos aos direitos constitucionais de educação universal e gratuita.
Podia, no entanto e no mínimo preocupar-se como os miúdos. Nem isso.

A FESTA CONTINUA

Afinal a festa, termo que ajuda a identificar o consulado de Maria de Lourdes Rodrigues no MEC e a sua relação com a Parque Escolar e a renovação dos estabelecimentos de ensino, continua.

Ministério da Educação pagou ilegalmente 4,9 milhões à PT por rede que liga escolas

É evidente que, tal como tem vindo a acontecer com Parque Escolar, não vai acontecer nada, ninguém será responsabilizado. 
Na melhor das hipóteses, teremos um pedido de perdão.
Até ao próximo.

O FUTURO NÃO MORA AQUI

"Quase metade dos universitários acredita que em 2020 viverá fora de Portugal"

Um estudo realizado pela Universidade Católica e uma consultora, Imago,  Geração 2020: O futuro de Portugal aos Olhos dos universitários, identificando as expectativas de estudantes universitários para os próximos anos evidencia alguns dados interessantes que motivam umas notas.
Cerca de 46% dos jovens universitários inquiridos  exprime a convicção de que terá de emigrar.
Caracterizando a valorização dos jovens de conceitos com carga negativa e com carga positiva, "emigração" é uma referência para 50% e "esperança" o conceito positivo com mais referências escolhido por apenas 52%. De entre os que obtiveram mais escolhas, acima de 30%, surgem "desemprego", "pobreza", "solidariedade", "revolução", "cultura" e "juventude".
Apesar destes indicadores, 64% dos inquiridos acredita que serão agentes de mudança, tal como as universidades, a instituição em que mais confiam como capaz de promover mudança", 81%, exprimindo ainda uma confiança elevada na família (59%) e na Europa (46%). Em contraponto, as instituições em que menos acreditam como promotores de mudança são os partidos políticos (13%)  e a igreja católica (7%).
Estes dados indiciam as recorrentes preocupação dos jovens com um futuro que para muitos deles não passa por aqui.
Na verdade, a emigração parece estar a constituir-se como via quase exclusiva para aceder a um futuro onde caiba um projecto de vida positivo e viável, algo que por cá não é fácil de definir
Aliás, vários outros inquéritos a estudantes universitários mostram como muitos admitem emigrar em busca de melhores condições de realização pessoal e profissional apesar de muitos afirmarem que pretendem voltar.
Somos um país de emigrantes de há séculos pelo que este movimento de partida, só por si, não será de estranhar. No entanto, creio que é preocupante constatarmos que durante muitos anos a emigração se realizava na busca de melhores condições de vida, a agora a emigração realiza-se à procura da própria vida, muita gente, sobretudo jovens não tem condições de vida, tem nada e parte à procura, não de melhor, mas de qualquer coisa. Este vazio que aqui se sente é angustiante, sobretudo para quem está começar, se sente qualifica e com o desejo de construção de um projecto de vida viável e bem sucedido.
De todo este cenário, resulta o retrato de um país pobre, envelhecido, onde poucos querem fazer nascer crianças, donde muitas pessoas, sobretudo jovens, partem, fogem, à procura de uma vida que aqui lhes parece inacessível.
Por outro lado a sua expectativa de mudança, assente em si, na universidade e na família e ao mesmo tempo não confiando de todo nas traves mestras do nosso sistema político, os partidos parece conduzir a um caminho sob forte ameaça, o seu trajecto pessoal ameaçado pela falta de oportunidades, as universidades sob ameaça de uma política cega de desinvestimento e as famílias ameaçadas por dificuldades enormes de que se não vislumbra a recuperação significativa.
E o futuro? O futuro não mora aqui.

O DESPORTO REI

Sempre que abordo aspectos ligados ao futebol gosto de começar por afirmar a minha enorme paixão pelo jogo que, aliás pratiquei, mas que duas graves lesões impediram uma carreira de sucesso que teria passado, certamente, por Itália ou Espanha.
Apenas uma pequena nota para, mais uma vez, sublinhar algo apesar de habitual deve ser objecto de reflexão.
A selecção nacional de ténis de mesa sagrou-se ontem campeã europeia, um resultado inédito e brilhante.
Os dois maiores jornais desportivos, apesar de referirem este triunfo em primeira página, destacam o aumento de ordenado de William Carvalho para dez vezes mais o actual vencimento, no Record e a opinião do Prof. Doutor Special One, José Mourinho sobre o Sporting, na Bola.
É evidente que sei, sabemos todos, que o futebol ocupa um larguíssimo espaço na relação dos portugueses com o fenómeno desportivo mas que diabo, um título europeu que se conquista pela primeira vez numa modalidade com expansão mundial merece o espaço principal nos órgãos da imprensa desportiva.
Ainda assim, nada de estranho, apesar de ser um rei que vai, quase, nu, o futebol ainda é o desporto rei.

domingo, 28 de setembro de 2014

A CAPACIDADE DE OUVIR DOS PORTUGUESES

Um estudo, Estudo sobre a audição da população em Portugal, hoje divulgado a propósito do Dia Mundial do Surdo sugere que 60 % dos inquiridos entende ouvir bem. Será?
Umas notas sobre a capacidade dos portugueses para ouvir.
No que respeita aos miúdos acho que muitos de nós revelamos alguma dificuldade em os ouvir. Se bem repararmos, é com frequência que os adultos se queixam de que os mais novos, quase todos, gritam imenso, não conseguem, aparentemente, manter um registo sereno na linguagem e também no comportamento. Na minha perspectiva e na maioria das circunstâncias, os miúdos agitam-se e gritam porque nós os ouvimos pouco e mal, precisam mesmo de gritar para que os consigamos ouvir e escutar.
Acontece ainda que, por vezes, quando os ouvimos reagimos desadequadamente para ver se eles se calam, de preferência rapidamente para poupar birras e ou embaraços
Será que os ouvimos se eles falarem mais baixo?
Se bem estivermos atentos, em variadíssimas situações ter voz depende do volume de voz que tem de ser uns decibéis acima do tom normal de voz, ouve-se quem grita mais alto, sobre o ruído de fundo e o som de outras vozes que se elevam para que sejam ouvidas. Este mundo de gritos passa-se em casa, passa-se na escola, passa-se no mundo profissional, nos debates (!) de ideias, etc.
Vai acontecendo que se não gritarmos não nos ouvem e, tantas vezes, instala-se uma cacofonia ensurdecedora, rigorosamente ineficaz e cansativa que se deve, creio, a uma crescente incapacidade de ouvirmos o outro, estamos demasiado centrados no nosso próprio discurso.
Neste cenário e como seria previsível existem grupos de pessoas que têm uma enorme dificuldade em se fazer ouvir, as pessoas em situação de maior fragilidade ou vulnerabilidade, de uma forma geral, as minorias.
Por outro lado e de forma aparentemente paradoxal também é possível observar situações em que o silêncio é de tal modo ruidoso que parece impossível que não oiçamos esse silêncio e pensemos nas suas razões.
Na verdade continuo na minha, ouvimos de menos.
Finalmente, para dificultar ainda mais as questões da capacidade de ouvir boa parte de nós desenvolve com naturalidade o mais comum dos problemas de audição, só ouvimos o que queremos, temos uma surdez selectiva.

OURO E BRONZE A MATEMÁTICA

"Alunos portugueses conseguem medalhas de ouro e bronze nas Olimpíadas Ibero-Americanas de Matemática"

É um título estranho mas serve para sublinhar o excelente resultado que a equipa dos alunos portugueses conseguiu nas Olimpíadas Ibero-Americanas de Matemática realizadas nas Honduras.
No meio das desconfianças e dos discursos catastrofistas sobre os saberes dos miúdos e dos resultados dos exames nacionais, da gestão política do sistema com a tentação de "fabricar" estatísticas simpáticas conforme os ventos e os interesses, de uma política educativa que em muitos aspectos parece pouco amigável de alunos e professores, merecem destaque os resultados obtidos internacionalmente por estes estudantes, alunos de escolas públicas deve dizer-se.
Como é natural, um feito deste nível passará relativamente despercebido, como aliás outros feitos científicos, culturais ou mesmo desportivos que não envolvam o futebol e em particular, o CR7 ou o Professor Doutor Special One.
Uma última palavra para as escolas, professores e famílias dos estudantes da equipa portuguesa que certamente contribuíram para que as qualidades, competências e esforço individual dos alunos tivessem este sucesso.

A CAMPANHA PRIMÁRIA PARA AS PRIMÁRIAS DO PS. SERÃO OS PARTIDOS REFORMÁVEIS?

O PS tem vivido dias agitados graças à inovação da realização de eleições primárias que hoje se realizam em consequência da apresentação da candidatura de António Costa à sua liderança.
O que poderia ser uma real oportunidade de mudança na vida político-partidária portuguesa, a realização de primárias, terá sido, ao que parece face a discursos e comportamentos a que fomos assistindo, mais uma habilidade que visou a manutenção do "sistema".
A campanha para as primárias foi, confesso que sem surpresa, uma campanha primária mais centrada em "umbigos" e em "contagem de espingardas" que em discussão de ideias e projectos de mudança.
Nada de novo, a nossa organização política, as suas regras e o seu funcionamento têm vindo a transformar a democracia política numa partidocracia. A campanha a que assistimos foi uma versão intrapartidária do quadro global.
Na verdade, a participação cívica e política dos cidadãos depende quase exclusivamente do controlo dos aparelhos partidários cuja praxis e discursos, assente no quadro legal e na administração dos interesses pessoais, tem vindo a afastar franjas significativas da população da intervenção cívica e política como atestam os crescentes e elevados níveis de abstenção.
Aliás, a capacidade de mobilização dos partidos se dirige, sobretudo, a uma minoria de pessoas que emerge dos respectivos aparelhos que, assim, podem aceder e manter alguma forma de poder e a uma maioria que enche autocarros, recebe uns brindes e tem um almocinho de borla. A partidocracia não atrai porque os partidos se tornam donos da consciência política das pessoas, veja-se o espectáculo deprimente da Assembleia da República, salvo honrosas excepções vota-se o que o partido manda, independentemente da consciência ou atente-se nos custos assimétricos e incompreensíveis dos encargos com os Parlamentos da Répública e os Parlamentos Regionais da Madeira e dos Açores.
Reconhece-se hoje que as camadas mais novas, sobretudo mas não só, atravessam uma complexa situação envolvendo os valores, a confiança nos projectos de vida, os estilos de vida, etc. Neste quadro, a adesão à intervenção política, tal como se verifica genericamente em Portugal, parece mais uma parte do problema, é velha a partidocracia para responder a problemas novos, que um caminho para a solução.
Creio que o descontentamento e desconfiança de muitos dos cidadãos, traduzidos em percentagens de abstenção acima dos 50%, mostram que importa pensar numa participação política para lá dos partidos, várias manifestações com grande mobilização que escaparam à lógica da partidocracia, bem como iniciativas de grupos de cidadãos mobilizados por causas ou algumas candidaturas verdadeiramente fora do espectro partidário, dão sinais nesse sentido.
De tudo isto resulta, como muitas vezes refiro, o afastamento das pessoas pelo que a construção de outras formas de participação cívica parece ser a única forma possível de reformar o quadro político que temos, ou seja, os partidos ou definham ou mudam, pela pressão do exterior. A realização de eleições primárias no PS que poderia ser um primeiro passo no sentido da mudança mostrou uma campanha que foi mais do mesmo em versão "para interiores".
Existe, tem que existir política para além dos partidos, que se reformam a sério ou tenderão a implodir com riscos para própria democracia cuja saúde já está debilitada.

sábado, 27 de setembro de 2014

OUTONO, É TEMPO DAS NOZES

Este fim-de-semana é tempo da Feira d’Aires cá no concelho. Aqui no Monte, enquanto não chega a trovoada que se ouve lá ao longe e tem acompanhado a chegada do Outono, é tempo de apanhar as nozes ou, como fala o Mestre Marrafa, de estar de posse das nozes.
A chuva acelerou o amadurecimento e estão quase todas na altura boa para serem colhidas. As nogueiras não têm tantas quanto o ano passado mas as suficientes para ocupar umas horas largas de apanha e umas noites para as quebrar à lareira depois de secarem umas semanas.
Apanhar e, sobretudo, libertar as nozes do invólucro que as contém, é algo que deixa as mãos com um escuro oleoso que demora dias a tirar.
Quando ando de posse das nozes sempre me lembro a história, mais uma, que o Velho marrafa nos contou.
Nos tempos idos a apanha das nozes era uma tarefa para mulheres e não se usavam luvas de trabalho. Aliás, alguns dos meus amigos alentejanos que passam aqui no Monte ainda gozam comigo por usar luvas na lida.
Pois nesse tempo, havia alguns feitores e agrários malinos que obrigavam as raparigas a apanhar as nozes nas vésperas da Feira d’Aires para que fossem de mãos sujas para a festa. Histórias antigas do Alentejo onde muita gente passou, e passa, muito mal.
Na verdade, fazer este trabalho com as luvas é bem diferente embora, por não ter reparado que uma das luvas estava rota, tenha um dedo "inapresentável" e quase gasto de tanto esfregar para ver se se “apaga” o negro.
É verdade, chegou mesmo o Outono ao Alentejo.
Bom, tenho que ir continuar de posse das nozes, a trovoada está mais perto.

PS - A trovoada chegou mesmo e a sério. Não veio só, trouxe água de pedra como por aqui se diz. Pedras maiores que ervilhas.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

DESPESAS DE REPRESENTAÇÃO. É JUSTO

Passos Coelho esclareceu finalmente o enleio sobre a sua relação com a Tecnoforma. Sendo ele um deputado que não estava em regime de exclusividade mas estava em regime de exclusividade (eu sei que parece confuso mas é mesmo assim) só podia receber despesas de representação.
Foi o que aconteceu, o Senhor Primeiro-ministro declarou que só recebeu despesas de representação. E é justo e merecido que tenha recebido.
Vejamos, como deputado eleito representa um conjunto de interesses que faz por defender o melhor possível, em exclusividade ou em não exclusividade ou noutra situaçao que lhe dê jeito.
Por outro lado, teve de se deslocar e trabalhar arduamente para representar os interesses da Tecnoforma, designadamente ajudar a meter a mão nos dinheiros que corrriam da torneira europeia. Claro que deve ser recompensado com as devidas despesas de representação. Não é razoável esperar que o Dr. Passos Coelho o faça em regime de voluntariado
Como também vislumbrava uma carreira que teve o trajecto que todos conhecemos representava os seus interesses pessoais. Assim sendo é justo e merecido que receba despesas de representação.
Como também é conhecido são múltiplos os exemplos de gente que ao longo destas décadas têm recebido despesas de representação que até robalos incluem.
É evidente que representar interesses deve ser recompensado.
Aliás, recordamos o velho aforismo "não há almoços grátis", são despesas de representação.

O ENSINO DA MATEMÁTICA

A Rede Eurydice divulgou hoje um relatório Comparative Overview on Instruction Time in Full-time Compulsory Education in Europe2013/14 com dados interessantes
Dos 30 países considerados, Portugal tem  maior carga horária atribuída à matemática no  Ensino Básico embora a situação no Secundário seja diferente.
Uma pequena nota no sentido de sublinhar que embora seja importante, evidentemente, o tempo destinado a cada área disciplinar não é única variável a considerar. Existem países com menos horas atribuídos e com melhores resultados.
Como é sabido, os alunos portugueses fizeram nos últimos anos progressos assinaláveis com o Programa PISA demonstrou. O investimento dos professores e das escolas e de alguns aspectos das políticas seguidas deram um enorme contributo a esta melhoria.
Acontece que nos últimos, de 2009 para 2012, os resultados estagnaram ou baixaram.
Temo que algumas das dimensões da PEC - Política Educativa em Curso não sejam alheias a esta situação, número de alunos por turma em escolas de territórios educativos mais problemáticos, cortes nos dispositivos de apoio a alunos e professores e as alterações em matéria curricular.
As mudanças curriculares em Matemática que se verificaram recentemente levantaram fortes dúvidas  aos autores do Programa de Matemática que estava em vigor. Também a Sociedade Portuguesa de Investigação em Educação Matemática e a Associação Nacional dos Professores de Matemática manifestaram na altura fortíssimas reservas face ao novo Programa, alertando para o risco de retrocesso nos resultados positivos que os últimos dados dos estudos comparativos internacionais demonstraram utilizando um programa que estava agora a terminar a sua fase de generalização e era de apenas de 2007.
Com o estabelecimento das metas curriculares, com a forma e o conteúdo definidos, não a sua existência, o ensino tenderá a transformar-se na gestão de uma espécie de "check list" das metas estabelecidas implicando a impossibilidade de acomodar as diferenças, óbvias, entre os alunos, os seus ritmos de aprendizagem o que se reflectirá seguramente nos resultados.
Teremos todos de estar atentos à evolução, esperemos que positiva, dos resultados escolares nos anos próximos, embora, como se sabe, os exames, a sua dificuldade, sejam uma ferramenta de gestão política.
A ver vamos.

OS REMEDIADOS E OS SEM REMÉDIO

No âmbito do filme policial de terceira categoria que continua em exibição o Primeiro-ministro afirmou no Parlamento que é uma "pessoa remediada". Ao que a imprensa refere, as bancadas apoiantes explodiram de entusiasmo, é lindo, um "remediado" que chegou a Primeiro-ministro. Recordemos a história do Eng. Sócrates que também começou a vida remediadamente.
É sempre uma afirmação que cai bem, alimenta a imagem laboriosamente construída do rapaz que veio de fora dos centros de interesse lisboetas e e não pertence às grandes famílias que dominam de forma mais ou menos explícita o que por cá se vai passando. Como cereja em cima do bolo nem sequer vive no eixo de bom tom Lisboa - Cascais mas na popular zona de Massamá numa casa que ainda está a pagar à banca. É assim a vida dos "remediados" que fazem humildemente pela vida.
Escolheu uma outra forma de construção de carreira, a ascensão aparelhística partidária com o auxílio da mão amiga de um "facilitador de negócios", o "Dr." Relvas. Entretando, estabeleceu oportunas ligações com Ângelo Correia e sempre com preciosíssima colaboração do "Dr." Relvas também se envolveu em colaborações com umas estruturas "manhosas" de saque a fundos europeus que prestaram serviços imprescindíveis como formação a técnicos para operar em aeródromos municipais que nem sequer existem.
Finalmente, como estava previsto, chegou à liderança do PSD e daí à chefia do Governo foi um pequeno passo, de coelho, por assim dizer.
A questão é que estas histórias, existem muitas e com cores diferenciadas, parecem não ter fim. Produzem estes "remediados" e deixam-nos a nós sem remédio. Até quando?

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

COMEÇA A TARDAR UM PEDIDO DE DESCULPAS

O Primeiro-ministro não se lembra se recebeu 5000€ por mês da Tecnoforma durante uns anos. É normal, recebemos tanta coisa ao longo de um mês que não é fácil recordar estes pormenores.
O Primeiro-ministro afirmou que não estava como deputado em regime de exclusividade mas recebeu, a seu pedido, um subsídio de reintegração devido apenas a quem tem o regime de exclusividade.
O Primeiro-ministro escreveu uma carta afirmando encontrar-se em regime de exclusividade. Pode parecer estranho mas com uma vida tão agitada, as pessoas podem baralhar-se e sem intenção esquecer-se do que fizeram ou disseram.
O Primeiro-ministro, à boleia do seu bom amigo e "coach", o "Dr." Relvas, espalhou-se, sofreu um "inseguimento". Nada de mais, coisas de jovem. Aliás, como diz Miguel Torga a carne é fraca.
Não é o único e não vai ser o último.
No entanto e à cautela, de acordo com script em moda no Governo, vai sendo altura de criar um facto histórico que ultrapassa em significado o gesto nobilíssimo e humilde do Ministro Nuno Crato e da Ministra Paula Teixeira Pinto, apresentar um pedido desculpa.
Na verdade, um pedido de desculpa do Primeiro-ministro bem encenado, eu sugeria que até adoptasse aquela comovente e icónica pose de "Menino com a lágrima ao canto do olho" presente nos "quadros" que se vendem nas feiras deixaria, certamente, o país num estado de profunda comoção e à beira do perdão.
Nós somos assim, uns piegas, choramos por tudo e por nada e no fundo somos capazes de pensar, "coitado, era novo, andava com más companhias, teve um gesto assim mas é bom rapaz"
Quem sabe se a chave para as eleições de 2015 não estará nesta falta de memória do Dr. Passos Coelho?

A QUALIDADE AMBIENTAL NAS ESCOLAS

A DECO realizou um estudo sobre o ambiente nas escolas, nas salas de aula, e em todas as 23 escolas estudadas se verificaram problemas de qualidade ambiental.
O estudo, importante evidentemente, não traz nada de novo sabemos quase todos que a qualidade do ambiente, do clima, nas escolas está, por assim dizer, em alerta vermelho. Refiro quase todos porque existe um pequeno grupo liderado pelo Ministro Nuno Crato que defende que tudo está dentro da normalidade apesar das evidências e da realidade.
Como já aqui tenho referido, o ambiente, o clima, vivido nas escolas nos últimos anos, sobretudo a partir da passagem da festiva Maria de Lourdes Rodrigues pela 5 de Outubro, tem vindo a degradar-se produzindo desânimo, desmotivação, cansaço e a saída antecipada de milhares de professores mesmo implicando a perda significativa de condições económicas que, aliás, afectaram todos os docentes.
Associado à degradação do clima nas escolas está o desgaste da imagem social dos professores. Como muitas vezes tenho afirmado, os ataques, intencionais ou não, à imagem dos professores, incluindo parte do discurso de responsáveis da tutela, anteriores ou actuais, algum do discurso produzido pelos próprios representantes dos professores e também o discurso que muitos opinadores profissionais, mais ou menos ignorantes, produzem sobre os professores e a escola, contribuíram para uma desvalorização significativa da imagem social dos professores, fragilizando-a seriamente aos olhos da comunidade educativa, designadamente de alunos e pais. Este cenário não pode deixar de se repercutir no trabalho diário nas escolas.
Quando ouvimos discursos de professores, faço-o regularmente e não me refiro aos discursos previsíveis de dirigentes sindicais, os testemunhos do clima vivido em muitas escolas pode ser sintetizado em duas palavras referidas sem ordem de importância, desesperança e indignação que resumem o ano agora a terminar e que tomaram conta das escolas nas palavras faladas, choradas, por muitos professores, estou a falar de Professores, não de "técnicos de educação" que sentem a dignidade atropelada.
Para além das ignorantes e demagógicas apreciações por parte de opinadores que por isso mesmo, ignorância e demagogia, ou por agendas implícitas, a PEC - Política Educativa em Curso tem contribuído nos últimos anos para criar um ambiente extraordinariamente pesado e pouco amigável para o bom trabalho de direcções, professores, funcionários, alunos e pais.
O arranque do ano lectivo com o inenarrável, incompetente e arrastado processo de colocação de professores, com a definição dos descartáveis "horários zero", as incompetências, as injustiças conhecidas tem sido infernal e repete anos anteriores.
O constante discurso ameaçador da dispensa dos docentes alicerçada numa demagógica utilização dos números da demografia, instalou um clima de apreensão e insegurança devastadores, com milhares de professores a ficar de fora e muitos outros a sentirem-se intimidados, não porque não sejam competentes, a maioria é, não porque não sejam necessários, muitos são, mas porque é preciso cortar, custe o que custar. A unidade de gestão do sistema educativo passou a ser a "hora docente" pelo que a política educativa se transformou num exercício contabilístico. As incidências da realização da sinistra PACC constituiu outro contributo para a degradação do ambiente nas escolas.
O aumento do número de alunos por turma criou turmas quase sempre lotadas ou mesmo sobrelotadas nas escolas mais problemáticas, professores com muitas turmas e centenas de alunos, sendo que alguns ainda se deslocam entre as várias escolas do agrupamento ou ainda uma reforma curricular que como preocupação central parece ter tido cortar nas necessidades de professores. Assustador.
Num trabalho ainda altamente burocratizado em que escasseiam apoios suficientes e competentes às dificuldades de professores e alunos, o país educativo transformou-se todo ele num imenso TEIP - Território Educativo em que se faz a Intervenção Possível.
O desencadear da extensão aos professores da mobilidade especial, chamada de requalificação, um insulto quando estamos a falar da classe profissional mais qualificada do país, as rescisões "amigáveis", a perda substantiva verificada no estatuto salarial, a deriva do MEC e os discursos de alguns responsáveis que afirmam algo e seu contrário com o maior despudor, são outros contributos para a indignação e desânimo que caracterizam o universo escolar destes dias de chumbo.
É verdade que Nuno Crato afirmou que os professores “têm a profissão mais linda do mundo” e ainda que ser professor “é um privilégio”, assente na possibilidade de transmitir saber às crianças.
Em muitas escolas, muitos professores, apesar dos imperativos ético-deontológicos, dificilmente sentirão o “privilégio” da profissão “mais linda do mundo”, lidam com um clima pouco positivo que compromete o seu trabalho de professores, o dos alunos, dos funcionários e dos pais e, no limite, o direito a uma educação pública de qualidade.
Aliás, os estudos, identificam a qualidade do clima das escolas como um peça essencial da qualidade.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

INCLUSÃO, UMA PROVA DE OBSTÁCULOS


A vida de muitas pessoas com deficiência e das suas famílias é uma constante e infindável prova de obstáculos, muitas vezes intransponíveis, que ampliam de forma inaceitável a limitação na mobilidade e funcionalidade que a sua condição, só por si, pode implicar.
Como é reconhecido, existem muitas áreas de dificuldades colocadas às pessoas com deficiência, designadamente educação, apoios sociais, qualificação profissional e emprego, em que a vulnerabilidade e o risco de exclusão são elevados traduzindo-se, por exemplo, em abandono educativo e obstáculos ao sucesso educativo, falta de apoios e ajudas técnicas, riscos cada vez maiores de institucionalização e inibição de participação na vida das comunidades, exclusão social, taxas de desemprego entre pessoas com deficiência muitíssimo superiores à verificada com a população sem deficiência, etc.
Termino com uma afirmação que repetidamente enuncio, os níveis de desenvolvimento das comunidades também se aferem pela forma como lidam com as minorias e as suas problemáticas.
No entanto, também nesta matéria sopram ventos adversos.

VAI COMEÇAR O ENRIQUECIMENTO

"Acordo fechado: salário mínimo aumenta para 505 euros em Outubro"

Cerca de 400 000 portugueses, os que têm como rendimento o salário mínimo nacioal vão benficiar já a partir de Outubro de um brutal aumento de 20 euros, passando dos actuais 485 para 505 €. As empresas terão uma pequena ajuda fiscal para atenuar o impacto deste aumento.
Ao que consta, para que estes trabalhadores tenham acesso a este acréscimo no rendimento terão de apresentar uma declaração modelo PC (Passo Coelho) assegurando estar em regime de exclusividade e, portanto, não ter outras fontes de rendimentos. 
Aguarda-se que o consumo interno dispare, gente rica consome mais, e que a economia entre firmemente num trajecto de retoma, sistematicamente enunciado mas que tarda em traduzir-se na vida das famílias.
É verdade que o D. Portas declarou há dias que "Portugal superou a crise e está economicamente melhor" e aí está. 
Se ele disse é porque é, e porque é ... vai começar o enriquecimento.

TODOS BATEM NOS PROFESSORES

"Pais agridem professora dentro de escola em Abrantes"

As notícias sobre agressões a professores, designadamente cometidas por encarregados de educação, vão chegando com alguma frequência à comunicação social. O JN noticia mais um caso ocorrido numa escola de Abrantes.
De novo, algumas notas. Esta questão, embora sempre objecto de rápidos discursos de natureza populista e securitária, parece-me complexa e de análise pouco compatível com um espaço desta natureza. No entanto, uma breve reflexão em torno de três eixos: a imagem social dos professores, a mudança na percepção social dos traços de autoridade e o sentimento de impunidade, que me parecem fortemente ligados a este fenómeno.
Já aqui tenho referido que os ataques, intencionais ou não, à imagem dos professores, incluindo parte do discurso de responsáveis da tutela que evidentemente, têm responsabilidades acrescidas, algum do discurso produzido pelos próprios representantes dos professores e também o discurso que muitos opinadores profissionais, mais ou menos ignorantes, produzem sobre os professores e a escola, contribuíram para alterações significativas da imagem social dos professores, fragilizando-a seriamente aos olhos da comunidade educativa, designadamente de alunos e pais. 
Esta fragilização tem, do meu ponto de vista, graves e óbvias consequências, na relação dos professores com alunos e pais, sobretudo porque mina a atribuição de autoridade.
Em segundo lugar, tem vindo a mudar significativamente a percepção social do que poderemos chamar de traços de autoridade. Os professores, entre outras profissões, polícias ou médicos, por exemplo, eram percebidos, só pela sua condição de professores, como fontes de autoridade. Tal processo alterou-se, o facto de se ser professor, já não confere “autoridade” que iniba a utilização de comportamentos de desrespeito ou de agressão. O mesmo se passa, como referi, com outras profissões em que também, por razões deste tipo, aumentam as agressões a profissionais.
Finalmente, importa considerar, creio, o sentimento instalado em Portugal de que não acontece nada, faça-se o que se fizer. Este sentimento que atravessa toda a nossa sociedade e camadas sociais é devastador do ponto de vista de regulação dos comportamentos, ou seja, podemos fazer qualquer coisa porque não acontece nada, a “grandes” e a “pequenos”, mas sobretudo a grandes, o que aumenta a percepção de impunidade dos “pequenos”.
Considerando este quadro, creio que, independente de dispositivos de formação e apoio, com impacto quer preventivo quer na actuação em caso de conflito, obviamente úteis, o caminho essencial é a revalorização da função docente tarefa que exige o envolvimento de toda a comunidade e a retirada da educação da agenda da partidocracia para a recolocar como prioridade na agenda política.
A valorização dos professores, em diferentes dimensões, é uma ferramenta imprescindível a um sistema educativo com mais qualidade.
É ainda fundamental que se agilizem, ganhem eficácia e sejam divulgados os processos de punição e responsabilização séria dos casos verificados, o que contribuirá para combater, justamente, a ideia de impunidade.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

OS MIÚDOS E OS CASTIGOS


Com chamada a primeira página e a propósito da decisão do Supremo Tribunal de Justiça de aceitar que uma “palmada com as costas da mão” numa criança que não estaria com o comportamento à refeição considerado como adequado é motivo para despedimento com justa causa de uma educadora de uma creche em Aveiro, o I aborda a questão dos castigos aos miúdos. Apesar da inexistência conhecida de um historial de comportamentos desta natureza por parte dessa educadora, e da admissão de que outras colegas recorriam também a castigos corporais “moderados”, os juízes entenderam que “os castigos com objectivos correctivos, concluíram os juízes, a serem aceitáveis, só se forem dados pelos pais.”
É verdade que a questão da administração de castigos é sempre algo em aberto, em família de forma mais recatada e discreta ou em contextos institucionais, mais mediatizados, no qual se espera que os técnicos, justamente porque são técnicos, intervenham de forma mais racional, informada e menos reactiva emocional que os pais que em algumas circunstâncias, por vezes já sem controlo, também recorrem a comportamentos deste tipo.
Neste contexto, a administração dos chamados castigos não é objecto de abordagens consensuais e definitivas.. Assim sendo, para além de discutir sem conclusões a utilização, ou não, de alguma forma de castigo, fará sentido alguma reflexão sobre a natureza e limites do que poderá ser um castigo.
Do meu ponto de vista e por princípio, privar ou dificultar o acesso a necessidades básicas ou ferir direitos como o uso da violência física não parecem o caminho mais ajustado. Parece-me também que o recurso que alguns adultos fazem de castigos que envolvem uma forte dimensão emocional, sobretudo em miúdos pequenos, deve ser evitado pelas implicações eventuais na segurança e confiança dos miúdos em si e nos adultos.
Não me surpreende a frequência de comentários no sentido de que um “tabefe” ou uma tareia “dada a horas faz milagres” e que não lhes (aos miúdos) faz mal aprender assim ou ainda que “agradeço ao meu pai as tareias que me deu pois fizeram de mim um homem”. Este tipo de acção “educativa” inscreve-se nas características culturais e “filho és, pai serás”, ou seja, muitos pais exercem a função replicando a sua experiência de filho até que por várias razões isso possa alterar-se.
A este propósito, os castigos e o bater,  lembro-me quando era miúdo, também me tocou, mais do que a dor física da reguada, me sentir tremendamente humilhado por estender a mão a alguém, um adulto e professor, que friamente me batia tantas vezes quantos os erros no ditado ou em consequência de ter falado com meu colega quando era suposto estar calado. Lembro-me ainda do especial requinte de um professor que em vez de ser ele a bater, encarregava um de nós de o fazer levando do professor se batesse devagar no colega.
É verdade que muitas pessoas, pais ou mesmo técnicos, assustadas com as grandes dificuldades que experimentam com os comportamentos das crianças, sentir-se-ão tentadas por estas abordagens mas talvez seja de recordar que o comportamento gera comportamento, ou seja, a violência gera e alimenta a violência.
Finalmente, antecipando alguns comentários, sublinhar que este entendimento não tem nada a ver com laxismo ou com a ausência de regras e limites,, são fundamentais e imprescindíveis na formação dos miúdos Tem exclusivamente a ver com a natureza dos processos utilizados e a sua eficácia e com o respeito pelos direitos dos miúdos.

PALAVRAS PARA QUÊ ...

é um artista português.

"Passos Coelho invocou "exclusividade”, Parlamento diz o contrário"

Na verdade não percebo muito bem as vozes que se levantam sobre esta aparente “incongruência”, por assim dizer, no caso de Passos Coelho. Pode receber da Tecnoforma porque não era deputado em regime de exclusividade, mas recebe o subsídio de reintegração (?!) porque era deputado em regime de exclusividade. Pode parecer estranha a situação mas creio que está dentro dos parâmetros de normalidade, como agora se diz.
Este tipo de funcionamento quase constituir um traço da nossa cultura, o "dar um jeitinho", "fazer uma atençãozinha" ou arranjar “esquema”, só varia na escala, dos euros aos milhões.
Trata-se de um fenómeno, um comportamento generalizado e com o qual parecemos ter uma relação ambivalente, uma retórica de condenação, uma pontinha de inveja dos dividendos que se conseguem e a tentação quotidiana de receber ou providenciar uma "atençãozinha", pedir ou dar um jeito, sempre "desinteressadamente", ou “arranjar um esquema” que rende algo.
A teia de interesses que ao longo de décadas se construiu envolvendo o poder político, a administração pública, central e autárquica, o poder económico, o poder cultural, a área da justiça e segurança, parte substantiva da comunicação social e muito do nosso funcionamento quotidiano, dificulta seriamente um combate eficaz e mudança cultural nesta matéria. Este combate passará, naturalmente, por meios e legislação adequada, mas passa sobretudo pela formação cívica que promova uma outra cidadania. 
Certamente que poderíamos viver o “esquema”, mas não era a mesma coisa.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

A ESCOLA PÚBLICA E O MECENATO

"EPIS duplica investimento no combate ao insucesso escolar abrangendo sete mil alunos"

Desde 2007, a Associação Empresários pela Inclusão Social - EPIS tem em desenvolvimento em algumas dezenas de escolas do país um programa de combate ao abandono escolar e de promoção do sucesso que tem atingido resultados positivos. Estes resultados positivos sustentaram o desenvolvimento do programa noutros países da Europa.
A intervenção assenta na criação de equipas de mediadores que promovem ou reconstroem, através de metodologias diferenciadas, uma relação mais positiva  com o contexto escolar por parte de alunos em risco significativo de abandono e insucesso e também das suas famílias.  
Apesar de há algum tempo se ter conhecido o risco de diminuição da intervenção da EPIS por constrangimento nos recursos, foi hoje divulgado que protocolos assinados com o MEC e com as Regiões Autónomas e o estabelecimento de novas parcerias com autarquias tornarão possível passar durante este ano lectivo de 100 escolas envolvidas para 169, de 3766 alunos para cerca de 7000, de 84 mediadores para 155, sendo que o MEC triplica o número de professores colocados neste programa, serão 50.
Este modelo, a utilização de mediadores na relação de alunos em dificuldade e as suas famílias com a escola, também tem sido utilizado em projectos com resultados positivos desenvolvidos pelos Gabinetes de Apoio ao Aluno e à Família, estruturas criadas em algumas escolas no âmbito da acção do Instituto de Apoio à Criança.
A existência de uma figura de mediação em contexto escolar, que transcende a função fundamental, subvalorizada e subaproveitada do meu ponto de vista, do Director de Turma, com o recurso a metodologias diferenciadas de trabalho com alunos, professores e famílias é, reconhecidamente, um contributo muito importante para a qualidade dos processos educativos e do trabalho de alunos e professores, diminuindo riscos de insucesso e abandono.
Nesta perspectiva levanta-se uma questão que me parece importante.  Por um lado, a EPIS é uma associação de empresários que no âmbito da responsabilidade social e mecenato apoiam o desenvolvimento destas actividades em escolas públicas e o IAC é também uma estrutura exterior à escola.
Por outro lado, na educação e ensino públicos temos vindo a assistir a uma significativa dispensa de professores à custa do aumento do número de alunos por turma, do aumento do trabalho burocrático, de mudanças curriculares que parecem orientadas pela redução de professores, redução dos dispositivos de apoio ao trabalho de alunos e professores.
Os professores "dispensados" e "descartáveis" poderiam com relativa facilidade e formação desenvolver nas escolas o trabalho de mediação, por exemplo, que estruturas e meios, muitas vezes exteriores à escola vêm realizar, sendo que assim se abrangeriam as escolas públicas, todas as que necessitassem,  não apenas as "privilegiadas" que acedem aos projectos da EPIS ou do IAC com critérios certamente ponderados mas que deixarão de fora comunidades com dificuldades.
A questão é que medidas desta natureza implicam a defesa de uma escola pública para todos, repito, para todos, algo que parece cada vez mais fora da agenda do MEC, ou seja, é a própria escola pública que está em risco de abandono pois não pode, não deve, estar dependente da responsabilidade social ou do mecenato das empresas por mais interessante que possa ser. 

A SALSICHA EDUCATIVA E POLÍTICA "GOURMET"

"Sistema de ensino entre as “cobaias” e as “salsichas educativas” não deu resultados, diz Passos Coelho"

O Primeiro-ministro produziu no Conselho Nacional de Educação um discurso interessante de que retiro algumas notas.
Não resistiu à tentação de se apropriar de resultados positivos que a educação em Portugal conheceu nos últimos anos e que, sem estranheza, começam a ser ameaçados pelos efeitos da PEC - Política Educativa em Curso de que é o responsável com Nuno Crato. Os indicadores do Programa PISA são um exemplo.
Questiona a ineficácia dos "impulsos reformistas"  mas tem um Ministro que tem vindo a proceder de forma determinada ao maior ataque de que a escola e educação pública têm sido alvo socorrendo-se com a manha habitual no MEC de alguns indicadores, rácio de alunos por turma por exemplo, um clássico de habilidade manhosa na utilização de dados.
Continua a entender o ensino superior como devendo estar exclusivamente ao serviço do mercado, esquecendo que  a universidade e a investigação não são "só" desenvolvimento tecnológico e retoma o tema educativo que de momento está na moda, a falta de qualidade na formação de professores. Como é evidente, este "grande problema" da responsabilidade, aliás, do MEC resolve-se com a sinistra PACC.
Promete uma aposta na educação pré-escolar como resposta aos problemas da natalidade mas tem procedido ao encerramento de muitos jardins de infância e ao corte significativo de recursos humanos neste sector, como noutros, que criam evidentes dificuldades às famílias.
Passos Coelho contesta através de uma linguagem sofisticada, "alimentar a salsicha educativa", a eficácia dos investimentos em educação e no seu alargamento pelo que corta severamente nesse investimento, veja-se a variação no PIB. Aprendeu com Nuno Crato a ideia de que se cortar na educação a qualidade sobe. Lembram-se certamente da afirmação de Nuno Crato sobre as universidades e politécnicos que estão a "funcionar melhor" depois de terem sofrido cortes substantivos. Na altura sugeri que alguém lhe recordasse a história do burro do inglês para ver se evitamos a implosão prometida nos tempos de opinador.
Conclui-se, portanto, que estamos no caminho certo.

Errado, não estamos no caminho certo.  

PEDIMOS DESCULPA POR ESTA INTERRUPÇÃO, A COLOCAÇÃO DE PROFESSORES SEGUE DENTRO DE DIAS

Ministério diz anda não ter solução para reconfigurar as listas

O despudor ético, a arrogância sem limite, a indesculpável incompetência de quem vende excelência e competência, a delirante negação da realidade, a irresponsabilidade política, são dignas de um manual sobre como não deve fazer-se política de forma séria e competente.
Se o MEC fosse obrigado a submeter-se a uma Prova de Avaliação de Conhecimento e Capacidades que não assentasse na resolução de charadas teria um chumbo garantido e nem mais duas semanas de aulas suplementares ajudariam ao sucesso.

O patético pedido de perdão a professores e pais, na altura considerado pelo próprio Nuno Crato, com a humildade que o caracteriza, como algo de histórico, não suporta o benefício da dúvida.
Bateu no fundo.

domingo, 21 de setembro de 2014

OS TONS DO ALENTEJO

Um pouco mais cedo do tem sido habitual nos últimos anos, o Outono está a chegar ao meu Alentejo. Nos últimos dias caíram as primeiras águas.
A terra está a ficar mais branda, vamos poder começar a fabricá-la que rapidamente vem o tempo de semear e plantar.
Ontem olhava no alto lá do Monte e admirava o milagre manso da mudança de cor.
Do castanho amarelado do restolho seco começa a emergir o verde novo, viçoso e criador de esperança do pasto que começa a nascer, a renascer. Daqui a poucos dias os campos vão ficar verdes, da cor do limão como falava Camões.
Não ficam mais bonitos, ficam diferentes. O Alentejo tem uma beleza de vários tons e de todos os tempos, incluindo os tons do cante, a alma alentejana. 

"... O LUGAR DELE NÃO ERA NA SALA ..."

Ontem, na sequência da publicação do Relatório do CNE coloquei no Atenta Inquietude um texto sobre os "descaminhos" da educação dos alunos com necessidades especiais. Recebi na caixa de comentários um testemunho da mãe Joana que aqui vos deixo acompanhado de uma pequena nota de conteúdo quase redundante.

"Tenho um filho com paralisia cerebral que entrou esta semana no 5º ano. Embora me tenha reunido desde dezembro com coordenadora de ensino especial, nenhum professor estava a par da inclusão do meu filho. Tivemos que pedir apoio a uma tia para o ajudar nas tarefas diárias. Alguns professores recusaram-se a dar as fichas, e deixá-lo apresentar-se e disseram que o lugar dele não era na sala. Depois chamaram-me para propor que ele fosse para colégio terapeutico do (eliminei o nome). O meu filho sabe ler, usa o computador, escreve e está nível de 8/9 anos de aprendizagem, sendo que tem 11 anos. Compreende tudo e fala a nível da sua idade. Tem amigos da sua idade e sempre muito sucesso entre as outras crianças. Uma criança com paralisia cerebral com os seus direitos negados."

É só mais um exemplo de situações que me são referenciadas e vão sendo conhecidas através das redes sociais e que mostram como "tudo está bem" na visão e política cráticas  e, sobretudo, o que parece ser a trajectória implícita nas quais as escolas estão a ser envolvidas, muitas vezes, com o desacordo e perante a impotência de muitos professores, de ensino regular ou de ensino especial, técnicos e famílias."

UM MINISTRO EM CONTRAMÃO

O Ministro Nuno Crato concede ao DN uma extensa entrevista extremamente elucidativa. Apesar de não terem sido abordados várias importantes dimensões da educação, em todas as matérias objecto da análise o Ministro considerou que tudo está a correr bem e com resultados positivos desvalorizando as críticas e insistindo no humilde e nobilíssimo gesto do pedido de desculpas sobre "a incongruência" no processo de colocação de professores. Apesar deste patético discurso insiste que não é relevante e que tudo continua muito bem.
O contacto diário com o universo da educação e a leitura atenta do que vai saindo na imprensa por parte dos agentes e intervenientes nos processos educativos, que incluem tanto organizações ou instituições, como vozes menos “institucionais”, eventualmente mais libertas de interesses corporativos ou de outra natureza, permitem constatar um estranho consenso globalmente contrário à PEC - Política Educativa em Curso, com uma pequena excepção, os interesses dos estabelecimentos de ensino privado, básico e secundário, parecem estar a ser acautelados por Nuno Crato.
Este consenso, pouco habitual em Portugal, ainda que em alguns aspectos já conseguido por aria de Lourdes Rodrigues, é sintomático e deveria ser reflectido. Os manuais de política afirmam que não se pode governar a partir da “rua”, mas também dizem que não se deve esquecer a “rua”. Acresce que aqui nem sequer estamos a falar da “rua” no sentido mais habitual. Figuras de altíssimo relevo na investigação e na ciência, os reitores e presidentes dos institutos politécnicos, bem como as respectivos estruturas e corpos docentes e de investigação, docentes do ensino básico e secundário, direcções de escolas e representantes dos pais, relatórios da Inspecção-geral da Educação e da Ciência, Conselho Nacional de Educação, estabelecem um ensurdecedor coro de críticas face às medidas globais e sectoriais e ao desinvestimento e deriva na política do MEC.
Neste estranho cenário, o Ministro Nuno Crato prossegue com a maior tranquilidade o seu caminho de implosão da escola pública e de transformação regressiva da educação e do ensino, subscrevendo decisões, orientações e práticas que a investigação e a experiência nacional e internacional não aconselham, mas que o Ministro persiste em levar por diante.
Esta atitude de Nuno Crato que, creio, terá consequências sérias para o nosso sistema educativo, atropelando o direito à educação de qualidade de milhares de alunos, cada vez me lembra mais a história que se conta no meu Alentejo relativa ao sujeito que indo, sem dar por isso, em contramão na auto-estrada, ouve avisar pela rádio que se encontra um automobilista a circular em contramão naquela via. O nosso amigo condutor ouviu e interrogou-se “Só um em contramão? Porra, aqui vão todos!”.
Não, Ministro Nuno Crato, o senhor é que segue em contramão.

sábado, 20 de setembro de 2014

O ESTADO DA EDUCAÇÃO DOS ALUNOS COM NECESSIDADES ESPECIAIS

"Segurança Social “poupou” 18,6 milhões de euros nos apoios às crianças com necessidades educativas especiais"

Uma análise simples aos dados constantes no Relatório do CNE Estado da Educação 2013 relativamente à resposta aos alunos com necessidades educativas especiais mostra já com alguma clareza um caminho que por várias vezes aqui tenho referido.
Em síntese, diminuiu para cerca de metade o valor dos apoios prestados através da Segurança Social relativos aos pois especializados e à bonificação do abono de família em caso de deficiência.
Este abaixamento surge sustentado pela "normalização" de muitas crianças ou jovens, ou seja, independentemente da avaliação que lhes foi realizada os serviços entendem que as crianças não têm as "necessidades educativas especiais permanentes" que lhes permitam aceder aos apoios. Como já disse, entendo que este "conceito" e o modelo definido nesta matéria me merecem sérias reservas e funcionam de forma pouco regulada mas, de qualquer forma, esta diminuição significativa é tanto mais estranha quando se sabe que em 2013 aumentou o número de alunos com NEE nas escolas.
Acontece no entanto que no contexto do chamado ensino regular, orientado por uma política educativa de selecção, "darwinista", para os mais "dotados", os que conseguem sobreviver, resolver os exames, a presença de alunos com necessidades especiais, com deficiência ou não, só atrapalha as estatísticas de sucesso. Assim sendo, colocam-se duas hipóteses, ou se mandam embora da escola de volta às instituições a quem se vai garantindo uns apoios para que por lá mantenham estes alunos, sobretudo adolescentes e jovens ou, outra hipótese e mais barata, nega-se de forma irresponsável e administrativa a sua condição de alunos com necessidades especiais, "normalizam-se" e passam a ser tratados como todos os outros alunos e espera-se que a selecção nas escolas e a iniciativa das famílias levem os meninos que atrapalham para fora da sala de aula, primeiro, em direcção ao ensino vocacional, por exemplo, e para fora da escola, depois.
Provavelmente este cenário explica o aumento que o Relatório do CNE refere de apoios financeiros às instituições de Educação Especial. As famílias de alunos com NEE vão sendo "aconselhadas" a que os seus filhos "frequentem" durante mais tempo as instituições de ensino especial que, naturalmente, precisam de mais apoios para receber os alunos matriculados nas escolas regulares e que em nome da inclusão passam cada vez mais tempo em instituições ou espaços pouco inclusivos com níveis de participação nas actividades da comunidade a que pertencem extremamente baixos. Como muitas vezes afirmo a participação é o critério essencial de inclusão.
Finalmente, chamar a atenção para o desinvestimento continuado nos apoios a alunos com necessidades educativas especiais com falta de recursos humanos qualificados, suficientes e disponibilizados em tempo oportuno, falta de técnicos especializados e funcionários nas escolas, problemas de acessibilidade, turmas com um número de alunos acima do definido legalmente, falta de formação adequada, etc. Estes problemas têm vindo a ser continuadamente referidos pela Inspecção-geral de Educação e também pelo CNE em Relatório divulgado em Junho e que aqui referi.
Na verdade, nada disto é novo mas está mais claro.

O ESTADO DA EDUCAÇÃO

O Conselho Nacional de Educação disponibilizou o seu Relatório Estado da Educação 2013”.
O volume de informação e a diversidade das dimensões analisadas não permitem uma análise neste espaço pelo que se recomenda vivamente a leitura do Relatório.
Numa nota telegráfica parece-me de sublinhar alguns dados preocupantes relativos ao abaixamento recente das taxas reais de escolarização no ensino básico ligado ao aumento das retenções, os incidentes do processo de encerramento de escolas, a taxa de abandono precoce que apesar de continuar a baixar ainda se encontra longe das metas estabelecidas para 2020, os cortes de docentes sem correspondência real com as oscilações da demografia escolar, a área da educação especial com problemas sérios nos recursos disponíveis e na forma como são definidas e consideradas as reais necessidades dos alunos, os custos da educação pré-escolar, a forma como algumas escolas “gerem” as notas atribuídas para tornar mais “simpáticas” as notas em exames e o acesso à universidade que, urgentemente, deveria constituir um processo separado, etc.
O Relatório do CNE deveria ser uma ferramenta central na definição das políticas educativas em Portugal.
No entanto, a história recente, em alguns aspectos associada com clareza a alguns dos problemas considerados pelo CNE, e a reconhecida incapacidade e recusa do Ministro Nuno Crato em considerar algo que não seja a sua visão e agenda relativa à educação e ensino públicos, não autorizam a expectativa de que este Relatório do CNE seja objecto de profunda análise na 5 de Outubro e retiradas as devidas consequências.
Eventualmente teremos um patético pedido de desculpas.

NÃO, NÃO E ... SIM

Não, não e... sim

Umas notas minhas no Público sobre a importância do "não" e do "sim" na vida dos miúdos.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

OS MEUS PASSEIOS

Detesto passear com ele quando está com pressa, esquece-se que eu tenho o meu ritmo e gosto de andar com calma, vendo tudo muito bem visto ao longo do passeio. É verdade que é um caminho que conheço bem, mas há sempre alguma coisa nova a que dar atenção.
Quando temos tempo é que eu gosto mesmo de sair. Encontro uns amigos, trocamos uns cumprimentos e, quando calha, ficamos à conversa e a brincar até ele me chamar. 
Gostava de sair mais vezes, até porque, há uns dias, começou a aparecer no parque uma companheira nova, aqui para nós, lindíssima. Acho que se chama Tita, creio que foi o que ouvi chamar-lhe. Quero conhecê-la e um dia destes, assim de mansinho, quando ela lá estiver, aproximo-me e meto conversa. Oxalá ele não comece a chamar-me ou apareça outro que a Tita ache mais interessante que eu. 
Também gosto de sair para ver as brincadeiras das pessoas lá no parque. Quando era pequeno corria por todo o lado e brincava com a bola. Agora, mais velho, prefiro ficar a ver e a conversar
Bom, ele já está a chamar-me, temos que voltar para casa. É a parte do passeio que mais detesto. Põe-me a trela curta para atravessarmos as ruas, como se eu fosse um cão descuidado. Sou um cão, chamo-me Faísca, mas sei muito bem atravessar as ruas como deve ser.

"OS NEGÓCIOS DA FAMÍLIA", UMA PEÇA EM EXIBIÇÃO EM QUALQUER LOCAL PERTO DE SI

"Menezes investigado por negócio de lixos com empresa da Mota-Engil"

"Passos Coelho não nega ter recebido dinheiro da Tecnoforma quando era deputado em exclusividade"

O que sempre escrevo a propósito dos recorrentes episódios elucidativos desta longa narrativa, “Os Negócios da Família”. 
"A roda livre de impunidade e incumprimento dos mais elementares princípios éticos quando não da lei, produziu nas últimas décadas uma família alargada que, à sombra dos aparelhos partidários e através de percursos políticos, se movimentam num tráfego intenso entre entidades e empresas públicas e entidades privadas, promovendo frequentemente em negócios que insultam os cidadãos. 
Esta família alargada envolve gente de vários quadrantes sociais e políticos com uma característica comum, os negócios obscuros de natureza multifacetada e de escala variável, desde o jeitinho para o emprego para o amigo até aos negócios de muitos milhões.
Acontece ainda e isto tem efeitos devastadores, que muitos dos negócios que esta família vai realizando envolve com frequência dinheiros públicos e com pesados encargos para os contribuintes.
Esta família conta ainda com a cooperação de um sistema de justiça talhado à sua medida pelo que raramente se assiste a alguma consequência decorrente dos negócios da família.
Curiosamente, mas sem surpresa, todos os membros desta família, quando questionados sobre os seus negócios ou envolvimento em algo, afirmam, invariavelmente que tudo é feito tudo dentro da lei, nada de incorrecto e, portanto, estão sempre de consciência tranquila.
Alguém poderia explicar a esta gente que, primeiro, não somos parvos e, segundo, o que quer dizer consciência.
Esta é a pantanosa pátria, nossa amada." 

Aguarda-se o próximo episódio desta tenebrosa narrativa, “Os negócios da Família”

E não se pode exterminá-los?

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

O PERDÃO CRÁTICO

"Nuno Crato promete corrigir fórmula e pede desculpa aos professores"

Por uma vez e depois de tentar sustentar o insustentável, Nuno Crato veio pedir "desculpa aos pais, aos professores e ao país" pela "incongruência" existente na fórmula aplicada para a graduação dos professores. Esta "incongruência" foi repetidamente dencidas e repetidamente negada
Se o MEC fosse obrigado a submeter-se a uma Prova de Avaliação de Conhecimento e Capacidades que não assentasse na resolução de charadas teria um chumbo garantido.
Se o MEC fosse dado a irrelevâncias como sentido ético e responsabilidade política já teria assumido não uma "incongruência" mas um erro grosseiro com consequências gravosas e que demorou a reconher afirmando teimosa e arrogantemente que tuda estava bem. Daí retirarias as óbvias ilações.
Estou convencido que Passos Coelho, aluno da mesma escola de políticos em que boa parte desta gente se forma, o irá absolver da "incongruência" confessada.
A História não o absolverá.

"ENTREGAÇÃO" OU INTEGRAÇÃO

"Escola de Tomar cria turma só de crianças de etnia cigana"

A presença das crianças das comunidades ciganas nas escolas públicas nem sempre é algo de pacífico e tranquilo como seria desejável que acontecesse. Crianças em idade escolar a frequentar a escola é, obviamente, uma situação normal.
A questão é que os fenómenos de guetização presentes sobretudo no que toca à comunidade cigana e que são complexos, produzem com frequência situações como a que agora é conhecida em Tomar, a criação de uma turma constituída apenas por crianças de etnia cigana. Que escola ou que escolas devem frequentar as crianças da(s) comunidade(s) cigana(s)? Como deve ser gerida a sua colocação em turmas?
Como é também normal emerge uma conflitualidade de interesses em torno da questão assente em valores, experiências negativas ou positivas, estereótipos ou preconceitos de natureza e sinal diferente, dificuldades nas respostas aos problemas, etc.
A pior das soluções parece ser a definição de uma situação que alimente e prolongue a guetização, isto é, para crianças de uma comunidade guetizada uma escola guetizada ou uma turma guetizada.
Em termos formais, distribuir as crianças por várias escolas ou por várias turmas parece mais ajustado. A questão é que não chega.
Como é conhecido por quem lida com estas matérias, não basta ter as crianças na escola para que tudo corra bem. As experiências mostram que as escolas precisam de ter dispositivos e recursos que promovam a presença bem sucedida destes miúdos, como, aliás, de todos os outros. Caso contrário, temos o que por vezes designo por “entregação” (estão entregues) e não integração, com os problemas conhecidos daí decorrentes ao nível do rendimento escolar, comportamento, absentismo e conflitualidade e reacções negativas de alguns pais e professores, ainda que com a concordância de outros.
Por outro lado, as próprias comunidades ciganas devem ser objecto de intervenção e exigências que não pode ficar na atribuição de uma casa num qualquer bairro social (mais um gueto) e na atribuição, por vezes desregulada, do Rendimento Social de Inserção.

Nada mudará e os problemas repetem-se.

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

CRATO AO FUNDO

Sociedade científica e associação de Matemática "chumbam" fórmula do MEC

Directores: posição da administração educativa é "deplorável", "vergonhosa" e "inadmissível"

Ministro rejeita anular concurso de Bolsa de Contratação de Escola

O despudor ético, a arrogância sem limite, a indesculpável incompetência de quem vende excelência e competência, a delirante negação da realidade, a irresponsabilidade política, são dignas de um manual sobre como não deve fazer-se política de forma séria e competente.
Crato ao fundo. 

OS ALUNOS COM NECESSIDADES ESPECIAIS, UMA QUESTÃO ADMINISTRATIVA

"Recusa de subsídios a crianças com necessidades especiais preocupa Observatório"

O ano escolar que terminou e o que se vai conhecendo do que está a iniciar-se  revelam, entre muitas outras coisas, o entendimento que o MEC tem dos princípios da educação inclusiva. Certamente se lembrarão, que o Ministro, questionado sobre as condições existentes de apoio a alunos com necessidades especiais em turmas demasiado extensas, por vezes não cumprindo a lei, considerou que se tratava de uma "questão administrativa", ou seja e na realidade, disse, os alunos não estão na sala de aula, não participam, sendo que a participação é, como defendo, o mais sólido critério de inclusão.
Com este entendimento assistimos a corte de professores, à utilização irracional de docentes nas escolas desempenhando funções em contextos para os quais não estão preparados, a atrasos e falta nos dispositivos de apoio, a atrasos e falhas nos apoios às famílias e instituições, à falta de técnicos especializados etc., tudo na maior "normalidade" como sempre o MEC entende.
Neste cenário, como a imprensa de hoje retoma, a Segurança Social, assumindo uma competência do MEC, indefere, sem fundamentação conhecida, os pedidos das famílias para apoios especiais o que levou a queixas e intervenção do Observatório dos Direitos Humanos.
Esta situação não é nova, a rejeição de forma administrativa dos pedidos de atribuição de subsídios de educação especial com base no entendimento de que os meninos "não têm necessidades educativas especiais permanentes", um conceito que é tudo menos claro e a carecer de reformulação.
É impossível ler estas questões sem uma inquietação. Não vou discutir aqui o modelo de resposta e o sistema montado, que, aliás, me levantam sérias dúvidas, tenho-o afirmado recorrentemente. Também não vou discutir se as avaliações realizadas aos alunos são sólidas e competentes, matéria sobre a qual nem sequer me devo pronunciar por razões éticas e deontológicas, são da responsabilidade e assinadas por técnicos que se supõem credenciados e formados para o efeito. Se levantarem dúvidas deve aprofundar-se ou esclarecer o processo de avaliação, não proceder a tratamento administrativo.
De facto, parece-me tremendamente discutível esta forma de decisão que, aliás, já se verificava na apreciação dos pedidos de condições especiais para a realização de exames nacionais por parte de alunos com necessidades especiais em que uns burocratas na 5 de Outubro decidiam, sem conhecer os alunos, olhando para os processos, se poderiam, ou não, aceder a condições especiais de exame e, em alguns casos, decidiam completamente à revelia da avaliação da escola e dos técnicos que acompanham e conhecem os alunos.
É esta fórmula, absolutamente desrespeitosa dos profissionais, eticamente inaceitável, que transforma aspectos fundamentais para a vida dos miúdos e famílias numa mera questão administrativa resolvida a "olhómetro" que impressiona pela irresponsabilidade.
Numa política educativa de selecção, "darwinista", para os mais "dotados" os que conseguem sobreviver, a presença de alunos com necessidades especiais só atrapalha. Assim sendo, colocam-se duas hipóteses, ou se mandam embora da escola de volta às instituições a quem se vai garantindo uns apoios, a diminuir evidentemente, para que por lá mantenham estes alunos, sobretudo adolescentes e jovens ou, segunda hipótese e mais barata, nega-se de forma irresponsável e administrativa sua condição de alunos com necessidades especiais, "normalizam-se" e passam a ser tratados como todos os outros alunos e espera-se que a selecção e a iniciativa das famílias leve os meninos que atrapalham para fora da sala de aula, primeiro, e para fora da escola, depois.
A notícia de hoje inscreve-se nesta segunda hipótese, bem mais económica. Acham.

CRIANÇAS QUE PASSAM MAL NÃO APRENDEM

"Meio milhão de portugueses precisa de ajuda alimentar"

Nunca é demais chamar a atenção para a situação de extrema dificuldade que muitas famílias atravessam para assegurar condições básicas de qualidade de vida como a alimentação.
Sabe-se também que as crianças e idosos constituem grupos altamente vulneráveis a situações de privação.
Neste contexto e com também é público, muitas crianças e adolescentes encontram na escola a única refeição consistente e equilibrada a que acedem levando a que em muitas autarquias as cantinas escolares funcionem também no período de férias..
O próprio MEC procurou responder a este tipo de situações  durante o ano lectivo anterior através do PERA - Programa Escolar de Reforço Alimentar.
O impacto das circunstâncias de vida no bem-estar das crianças e em aspectos mais particulares no rendimento escolar e comportamento é por demais conhecido e essas circunstâncias constituem, aliás, um dos mais potentes preditores de insucesso e abandono quando são particularmente negativas, como é o caso de carências significativas ao nível das necessidades básicas.
Um Relatório de 2013, "Food for Thought", da organização Save the Children, afirmava que 25% das crianças terão o seu desempenho escolar em risco devido à malnutrição com as óbvias e pesadas consequências em termos de qualificação e qualidade de vida de que a educação é uma ferramenta essencial.
Em qualquer parte do mundo, miúdos com fome, com carências, não aprendem e vão continuar pobres. Manteremos as estatísticas internacionais referentes a assimetrias e incapacidade de proporcionar mobilidade social através da educação. Não estranhamos. Dói mas é “normal”, é o destino.
Quando penso nestas matérias sempre me lembro da história, umas das maiores lições que já recebi e que já contei várias vezes e que me aconteceu há uns anos em Inhambane, Moçambique. Ao passar por uma escola para gaiatos pequenos o Velho Bata, um homem velho e sem cursos, meu anjo da guarda durante a estadia por lá, me dizer que se mandasse traria um camião de batata-doce para aquela escola. Perante a minha estranheza, explicou que aqueles miúdos teriam de comer até se rir, “só aprende quem se ri”, rematou o Velho Bata.
Pois é Velho, miúdos com fome não aprendem e vão continuar pobres.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

MUITO BEM DITO, DR. MARINHO PINTO. Assim tudo fica mais claro

"Marinho e Pinto diz que 4800 euros não dão para viver bem em Lisboa"

Ainda pensei comentar a afirmação de Marinho Pinto, defendendo que 4800 euros, o seu ordenado como bastonário dos advogados “não permitem grandes coisas. Não permite ter padrões de vida muito elevados em Lisboa, fora de casa, ..."
Mas não vou comentar uma figurinha que procura desesperadamente chegar ao poder socorrendo-se de todos os expedientes e manhas e pretende justamente atenção e promoção.
Têm, no entanto, uma virtude, ajudam a perceber o autor, o Dr. Marinho Pinto. Na ânsia de tanto dizer para mostrar que existe, às vezes esquece-se de afirmar o que ele acha que as pessoas gostam de ouvir e foge-lhe a boca para o que verdadeiramente pensa e pretende.
Ainda me lembro da sua tese sobre as "famílias naturais".