segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

SEM QUERER

Sem querer, ele perdeu a cabeça e bateu-lhe mais do que alguma vez tinha feito. Entrou na estatística da violência doméstica.
Sem querer, a mãe descontrolou-se e castigou-o de uma forma tão grave que as marcas, todas, dificilmente se atenuaram. Registou-se mais um caso de maus-tratos a crianças.
Sem querer, delapidou em irrelevâncias o que a empresa rendia pelo que muitas pessoas ficaram sem emprego. Passaram a fazer parte dos indicadores de desemprego.
Sem querer, começaram a meter-se com ele, a humilhá-lo, deixando-o amachucado num canto e com vontade de desaparecer. Ocorreu mais um episódio de violência escolar.
Sem querer, pela enésima vez enunciou promessas que sabe não poder cumprir. Nada de especial, é parte integrante do exercício político.
Sem querer, o poder é utilizado muito frequentemente ao serviço de interesses particulares e não ao serviço do bem comum. São todos iguais, fazem o mesmo.
Sem querer, os alçapões intencionalmente colocados nas leis alimentam uma justiça injusta e feita de desigualdades. O mundo é dos espertos.
Sem querer, os modelos económicos e de desenvolvimento que eram a base do progresso anunciado produziram a exclusão e a pobreza que rouba a dignidade. É preciso fazer sacrifícios.
Sem querer, uma minoria insulta a maioria com a ostentação obscena de luxos e comportamentos inaceitáveis. Ainda há gente com sorte e que está bem.
Sem querer, assistimos a tudo isto sem uma ponta de inquietação, é uma parte da normalidade em que vivemos, sem querer.

Sem comentários: