sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

OS PROFESSORES, ESSA "MALANDRAGEM" INDISPENSÁVEL

Nos últimos tempos, também no nosso país começaram a emergir e ganhar visibilidade as abordagens ao universo educativo vindas da área da economia e da gestão, o que tem sustentado a elaboração de estudos e a vinda de especialistas neste tipo de análises. No Público de hoje referem-se dois bons exemplos deste movimento. Em primeiro lugar, um estudo desenvolvido pelo ISEG-UTL em que se conclui que as variáveis exteriores à escola, (nível de escolaridade dos pais, por exemplo) explicam apenas 30% do sucesso dos alunos no ensino secundário, ou seja, 70% é explicada pelo trabalho das escolas, dos professores. Uma outra referência, remete para a conferência do Professor Erik Hanushek, economista da educação, como não podia deixar de ser, e que veio sublinhar também o factor "qualidade do trabalho do professor" como a chave do sucesso na educação, mesmo no sentido de contrariar desigualdades sociais de origem nos alunos. De há muito que no interior das ciências da educação é esse o entendimento, agora recebe a chancela dos economistas. Cito com frequência uma afirmação de 2000 do Council for Exceptional Children, "o factor individual mais contributivo para a qualidade da educação é a existência de um professor qualificado e empenhado".
Neste quadro parece-me sempre importante sublinhar algo que de tão óbvio por vezes se esquece, a importância essencial e a responsabilidade que o trabalho dos professores assume na construção do futuro. Tudo passa pela escola e pela educação.
Alguns dos discursos que de forma ligeira e muitas vezes ignorante ocupam tempo de antena na imprensa parecem esquecer a importância deste trabalho e das circunstâncias em que se desenvolve.
Pensemos no que é ser professor hoje, em algumas escolas que décadas de incompetência na gestão urbanística e consequente guetização social produziram.
Pensemos em como os valores, padrões e estilos e vida das famílias se alteraram fazendo derivar para a escola, para os professores, parte do papel que compete à família.
Pensemos na forma como milhares de professores cumprem a sua carreira de poiso, em poiso, sem poiso e sem condições. E não nos esqueçamos também da imprescindível necessidade de que o seu trabalho seja avaliado através de dispositivos sólidos, eficazes e justos de forma a proteger a própria classe, os miúdos e as famílias.
Pensemos nos professores que nos ajudaram a chegar ao que hoje cada um de nós é, aqueles que carregamos bem guardadinhos na memória, pelas coisas boas, mas também pelas más, tudo contribuiu para sermos o que somos.
Pensemos na deriva política a que o universo da educação tem estado exposto nas últimas décadas, criando instabilidade e ruído permanente sem que se perceba um rumo, um desígnio.
Pensemos em como os professores são injustiçados na apreciações de muita gente que no minuto a seguir a dizer uma qualquer ignorante barbaridade, vai numa espécie de exercício sadomasoquista, entregar os filhos nas mãos daqueles que destrata, depreendendo-se assim que, ou quer mal aos filhos ou desconhece os professores e os seus problemas.
Pensemos como é imprescindível que a educação e os problemas dos professores não sejam objecto de luta política baixa e desrespeitadora dos interesses dos miúdos, mesmo por parte dos que se assumem como seus representantes.
Pensemos em como a forma como os miúdos, pequenos e maiores, vêem e se relacionam com os professores está directamente ligada à forma como os adultos os vêem e os discursos que fazem.
Pensemos, finalmente, como ser professor deve ser uma das funções mais bonitas do mundo, ver e ajudar os miúdos a ser gente.

4 comentários:

RC disse...

Parabéns por mais este excelente texto. Palavras mais do que acertadas... esperamos que esta visão acerca dos professores mude para melhor.Para pior, já basta a realidade que se vê e se sente todos os dias nas escolas.

mescalito disse...

O futuro de uma criança (não gosto do termo "sucesso", é demasiado ambíguo),depende cabalmente das pessoas que intervêm no seu processo formativo e como não há certezas quanto à idoneidade das pessoas que intervêm nesse processo, temos que encarar a própria vida como uma lotaria. “Somos aquilo que comemos”, disse Feuerbach.
Se os professores que nos calham em sorte, assim como os amigos que atraímos, não forem de boa casta, aí meus caros, nenhum programa escolar corrigirá o trajecto sinuoso da pessoa em formação.
Formar boas pessoas parece ser o antídoto fundamental para que haja bons professores e este caminho não está no horizonte, as pessoas são formadas com base na ganância, com uma câmara de vídeo virada insistentemente para o próprio umbigo, o superEGO fundamental para o “sucesso”.

Zé Morgado disse...

Caro fernandofranco,
Apesar de achar que não é fácila, há que ser optimista. Os miúdos não estarão, todos, condenados, a ser "mal" formados.

mescalito disse...

Caro zé morgado
Reli o meu comentário e parece-me que tem uma boa sintaxe, sempre houve pessoas bem formadas, muitas só com a escola da vida e continuará a haver, saídos ou não da escola. O que eu digo é que quando temos o azar de encontrar más pessoas no nosso percurso formativo, neste caso na escola, carregaremos para sempre o estigma de uma humilhação ou, a contrário, o incentivo de um reconhecimento. Também não sou pessimista, mas temo que se não reformular-mos os critérios de selecção de professores, dificilmente os bons superarão a percentagem de maus e consequentemente os resultados continuarão um desastre.