segunda-feira, 7 de junho de 2010

HISTÓRIA DE VIDA

Ontem ao fim da tarde no meu Alentejo, cumprido o trabalho de preparar a rega dos pomares, pois vai sendo tempo de começar, estava a regar a sede com o Mestre Zé Marrafa e, claro, nas lérias.
Às tantas a conversa ficou mais séria, começámos a falar da idade, das idades. O Velho Marrafa já leva uma narrativa longa, vai com sessenta e nove anos. É certo que quando ando a trabalhar ao lado dele a minha auto-estima fica pelas ruas da amargura, a sua resistência e capacidade, apesar de eu ter uma mão cheia de anos a menos, envergonha-me.
Dizia eu que ele já merecia descansar mas o Velho Marrafa acha que não sabe como é que se descansa, ainda tinha que ir aprender. Embora já reformado, o valor da pensão é tão alto que ele continua a trabalhar, à semana numa herdade grande e ao sábado no monte pequeno, o meu Alentejo.
Acontece ainda que começou a trabalhar aos nove anos, ganhando dinheiro, insiste o Mestre porque sem ganhar foi desde sempre. Iniciou-se a guardar porcos. Talvez se lembrem, já contei, que se calhava apanhar uma molha, à noite ficava à fogueira, atrás que a linha da frente era para os homens, à espera de poder secar a roupa. Muitas vezes o sono era mais forte e na madrugada seguinte os porcos esperavam, com roupa seca ou com roupa molhada. Pois é, trabalha há sessenta anos e diz que não quer parar, também porque não pode.
Nunca vi na cara deste Homem uma expressão de enfado, de cansaço sim, que um homem não é de ferro. De tudo o que o monte dá e que o Velho Marrafa também leva, ainda vai parar uma parte à mesa dos filhos, "somos pais para isto não é verdade" diz ele sempre com o mesmo ar.
Ainda arranja tempo para cantar num dos grupos de cante alentejano lá da vila e colabora nas festas da Senhora D'Aires.
Se eu pudesse e soubesse como, ensinava o Velho Marrafa a descansar, ele merece. Enquanto não, ficamo-nos por umas lérias e umas cervejas ao fim da tarde, especialmente nos dias de calmaria.

1 comentário:

jose luis covita disse...

Homens como o Mestre Marafa fizeram ( e continuam fazendo)esse Alentejo mais humano, mais bonito, mais igualitário. Mais que não seja apetece citar o poeta: "Se eu nunca morresse e eternamente buscasse e conseguisse a perfeição das coisas." O Marafa merecia-o! Era a sua indemnização!

José Luís COVITA