terça-feira, 30 de setembro de 2008

CONTRAFACÇÃO

Hoje, um bocado deprimido pela crise, dei de caras com uma notícia que tem vindo a ser divulgada mas a que não dei a devida atenção. Refiro-me aos medicamentos contrafeitos. Não pode ser, Então até aquilo que esperamos que nos cure das diferentes mazelas, aparece contrafeito. E é sério. O Infarmed, que, como sabem, defende medicamentos bons, caros e sem unidose por que é preciso acautelar os interesses dos … isso, dos cidadãos, avisa que corremos riscos sérios na saúde. Ainda mais? A OMS estima que 50% dos medicamentos comprados pela net são contrafeitos. Uma vez que temos uma comunidade pouco alfabetizada nesta coisa da net, o problema não será tão grave entre nós. Ainda assim estou preocupado.
Não bastava os políticos contrafeitos. Não bastava o trapinho contrafeito, não bastava o Tony Carreira contrafeito, não bastava os acessórios contrafeitos. Não bastava um clima que já parece contrafeito. Agora até os medicamentos. Será que não sou também um produto contrafeito?

LIVRO DE POESIA

Um dia, estava o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, no seu canto à conversa com uns livros que tinham chegado de novo, quando entrou o Manel. O Manel tem dez anos, anda no 5º ano, as pessoas acham-no um bocadinho tímido, de resto bom aluno. O Manel pediu ao Professor Velho que o ajudasse a encontrar um livro para ele perceber bem o que é poesia. O Velho estranhou o pedido e o Manel explicou. Na aula de Língua Portuguesa a setôra pediu que fizéssemos um texto pequeno a dizer o que faríamos se fôssemos professores e eu escrevi isto. O Professor Velho leu.
Se eu fosse professor, explicava aos alunos o que é que eles têm de aprender e para que serve.
Se eu fosse professor, tentava nunca gritar com os alunos, ninguém se entende.
Se eu fosse professor, falava com os alunos sem ser do programa, para os conhecer melhor.
Se eu fosse professor, havia de não chamar nomes aos alunos, nunca.
Se eu fosse professor, nunca diria gosto tanto de todos os meus alunos, ninguém gosta de toda a gente.
Se eu fosse professor, quando estivesse aflito pedia ajuda aos outros professores.
Depois de ler, o Velho perguntou ao Manel que tinha dito a professora.
Velho, a setôra riu-se e disse-me, “Manel, és um poeta”. Por isso quero perceber melhor o que é poesia.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

VALORES ÉTICOS, ISSO É O QUÊ?

A vereadora da Câmara de Lisboa com o pelouro da Habitação, teve uma casa cedida pela Câmara durante 20 anos. A casinha, situada na Rua do Salitre, teve com última renda o inacessível valor de 150 €. Como tem sido divulgado parece que era prática habitual e estará a ser objecto de investigação. A Senhora Vereadora explicou hoje que, na altura, detinha o pelouro da Acção Social e geria a atribuição de habitações sociais, e sublinhou que a casa por si ocupada não era habitação social, não sendo, assim, tutelada por si. «Nunca vivi numa casa de habitação social da Câmara», afirmou. Claro que não era habitação social, então uma alta dirigente camarária a pagar 150 € por um apartamento cedido no centro de Lisboa pode lá ser uma situação de habitação social? Só por calúnia ou má-fé, alguém pode duvidar da clareza ética da situação. Por isso, a Senhora Vereadora acrescentou com veemência, “os meus valores éticos nunca foram postos em causa”. Eu compreendo-a Sra. Dra. Sara Brito, só podemos ver em causa algo que é nosso, quando temos esse bem, se não o tivermos nunca estará em causa, mesmo quando se trata de valores éticos, coisa pouca para muita da gente pequena com cargos grandes. Uma última nota, ainda de solidariedade, os meus valores éticos também nunca foram postos em causa. É certo que, para compensar, também nunca ocupei um cargo dirigente de um organismo que me cedesse benefícios para além do normal vencimento.

AREIA BRANCA, AREIA BRANCA

É fantástico. Quando pensamos que já chegámos aos limites, o grande e inimputável Alberto João dá mais uma de saloiice que só encontra paralelo na operação Magalhães do Eng. Sócrates. Desta vez, trata-se se substituir o calhau da Praia do Machico por areia branca trazida de Marrocos, uma operação que no seu conjunto já vai nos 22 milhões de euros e a que deve juntar-se uma série de outros equipamentos caríssimos, desproporcionados face às necessidades e, portanto, subaproveitados que o saloio-mor tem vindo a mandar construir em detrimento de outros equipamentos bem mais necessários. Mas como já “his master’s voice”, Jaime Ramos, disse, se querem uma ilha no Atlântico têm que a pagar. Sabemos isso e pagamos, escandalosamente, mas pagamos. O Machico vai ficar lindíssimo com uma praia de areia branca em vez dos calhaus escuros que lhe são próprios o que, em todo ocaso, pode ter uma vantagem. Talvez o Alberto João se queira dedicar às construções na areia, será bem mais fácil do que as construções no calhau e bem mais barato do que construir à toa pela Ilha. Sempre poderá fazer uns castelinhos na areia e permitir uma actualização da famosa Pomba Branca, Pomba Branca do Max, agora na versão jardinista de Areia Branca, Areia Branca, a estrear, claro, no Chão da Lagoa.

A MENINA QUE SE CHAMAVA RECEOSA

Era uma vez uma menina, chamava-se Receosa. Tinha seis anos. Parecia uma menina como as outras crianças, e era, e tinha uns pais que se pareciam com os outros pais, e eram. Explicando melhor, a menina crescia com os medos e receios com que os miúdos crescem, uns maiores, outros mais pequenos e os pais ajudavam a menina a crescer como os medos e receios com que os pais ajudam os filhos a crescer, uns maiores e outros mais pequenos. Mas houve uma altura em que os pais começaram a ter medos maiores do que era habitual e ficaram muito assustados. Por isso, a Receosa, quando viu os pais muito assustados e ouviu os seus medos passou a ter ainda mais medos e receios do que habitualmente tinha o que, como é natural, serviu para aumentar os receios dos pais. Os pais da Receosa falaram da situação ao Professor Velho, o que está na biblioteca e fala como livros, que, como é seu hábito, falando baixinho disse, “Quando encontramos os medos que estão na cabeça dos miúdos ou achamos que alguns medos os devem tornar cuidadosos, é preciso que os ajudemos a lidar com esses medos, ou seja, o que pensar, o que dizer, a quem dizer, o que fazer, o que quer dizer, etc. para eles perceberem o medo, mas não se assustarem com o medo. Se não ficam só com o medo e não sabem o que lhe fazer e aí é que se atrapalham. Os crescidos quando falam dos medos não podem parecer assustados e com muito medo, porque os pequenos, que esperam protecção e segurança dos mais velhos, vão sentir-se mais desprotegidos. No fim de tudo, é também muito importante que a Receosa aprenda a olhar para tudo o que é bonito e não faz medo, que é quase tudo, ficará mais forte”.
“Velho, isso quer dizer que podemos ajudar a Receosa a ficar com menos medo”, perguntaram os Pais. “Claro, mas primeiro fiquem vocês como menos medos e receios, mais tranquilos, ela vai sentir-se melhor”, disse o Professor Velho.

domingo, 28 de setembro de 2008

O BAIRRO DO AMIGUISMO

Já lhe chamam Lisboagate, não há órgão de comunicação social ou analista que não se lhe refira, é o último grande alarido instalado no jardim. Estou, obviamente, a falar da questão das casas de que a Câmara de Lisboa é proprietária e que, ao longo de décadas, parece, tem distribuído a preços “interessantes” a amigos e conhecidos da elite que, sucessivamente, tem dirigido a autarquia.
Com toda a franqueza, onde é que eu já ouvi isto, não percebo o problema. Vejamos. Ninguém ignorará que uma das mais fundamentais competências dos municípios é a área da habitação. Pois bem, a Câmara tinha na sua posse fogos concentrados, chamados bairros sociais, que entendeu por bem atribuir às famílias socialmente e economicamente desfavorecidas. É sabido o efeito negativo que esta política urbanista tem, criando fenómenos de guetização, com os riscos por demais conhecidos. Por outro lado, a Câmara é detentora de milhares de outros fogos, há quem diga que não se sabe o número exacto, dispersos pela cidade. Assim, numa política visionária, mais correcta, distribuiu estas casas, não pelas pessoas des-remediadas, mas, pelo contrário pelas remediadas e, até, pelas muito bem remediadas. Isto trata-se de uma verdadeira política de integração. Imaginem os riscos de criar um bairro só com fogos para amigos e conhecidos, uma espécie de Bairro do Amiguismo? Não, assim é que é correcto, a integração no tecido comunitário é sempre a melhor maneira de promover a integração social e o convívio interclassista.
Não consigo mesmo entender o nosso funcionamento. A Câmara cumpre as suas competências, de uma forma ajustada, o que nem sempre acontece, e o pessoal ainda protesta.

sábado, 27 de setembro de 2008

PRAXES, QUANDO HUMILHAR RIMA COM INTEGRAR

No Público de hoje e conforme é habitual nesta altura do ano, reaparece o tema das praxes académicas no ensino superior português. Seja do “aviso” do ministro Mariano Gago, seja da proibição decretada por algumas faculdades (má escolha), seja por orientações nesse sentido produzidas noutras, seja porque os estudantes assim o vão escolhendo, seja dos esforços do MATA (Movimento Anti-Tradição Académica), parece que as “actividades” de praxe estarão mais brandas do que em anos anteriores. Fico satisfeito, sobretudo se corresponder a decisões assumidas pelos estudantes no seu conjunto e não fruto de ameaças ou determinações da tutela ou da direcção das diferentes escolas, estamos a falar de gente crescida e, espera-se, auto-determinada.
É que relativamente às praxes habituais e aos discursos dos seus defensores, continuo a não conseguir entender como é que, a título de exemplo, humilhar rima com integrar, insultar rima com ajudar, boçalidade rima com universidade, abusar rima com brincar, ofender rima com acolher, violência rima com inteligência ou coacção rima com tradição.
Talvez este discurso seja de um desintegrado, isolado, descurriculado, dessocializado e taciturno tipo que não acedeu ao privilégio e experiência sem igual de ser praxado ou praxar. Desculpem.

ONDE ESTÃO OS LIMITES?

Esta noite, numa conversa com pais realizada no Alvito, no meu querido Alentejo, um pai interrogava-se, nos, a propósito dos limites que se torna necessário estabelecer com os miúdos. A questão que o embaraçava era colocada mais ou menos nestes termos, se o mundo parece funcionar sem limites, ou seja, tudo parece valer, como e que limites podemos definir com e para os miúdos.
A questão deixou-nos, creio, todos a pensar. Sem ter a certeza de que constitua grande ajuda para lidar com a “pequenina” dúvida, entendemos que é exactamente por ser difícil perceber, por vezes, onde estão os limites dos nossos comportamentos que mais imprescindível se torna que, com os mais novos, tenhamos a preocupação de, com clareza e consistência, mas com diálogo e flexibilidade, estabelecer as regras e os limites que balizem o seu comportamento e, simultaneamente, estimular a sua autonomia na regulação e gestão dessas regras e limites. Essencialmente, é na construção do equilíbrio entre limites que não alcançamos, porque nos transcendem, e limites que precisamos de definir, porque os miúdos exigem, que se joga a enorme dificuldade da acção educativa.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

MAIS DO MESMO

Um relatório do ISCTE sobre o funcionamento das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens, vem evidenciar as fragilidades de há muito reconhecidas e identificadas. Embora se verifique algum esforço, a mudança é lenta, desesperadamente lenta.
Continuam as referências à insuficiência de recursos e condições que dificultam a resposta atempada e o acompanhamento adequado das situações. Na protecção de crianças e jovens não pode haver “lista de espera” ou “contactos” esporádicos e telefónicos entre os técnicos e as pessoas envolvidas. Temos, como sempre, problemas de articulação e coordenação de intervenções e entendimentos diferenciados sobre procedimentos o que, com parcos recursos, se torna ainda mais grave. Não adianta fazer chegar a esta área meia dúzia de técnicos, dizer-se que é uma enorme preocupação política e encher a boca com a ideia de Protecção às Crianças e Jovens. Elas, as crianças e os jovens, continuam desprotegidas.

MUDAR DE VIDA? NÃO, QUE IDEIA

E a lista continua. Agora chegou a vez do Dr. Marques Mendes. Depois do recentíssimo caso do ex-ministro Correia de Campos, o Dr. Marques Mendes também sucumbiu à síndrome “sei muito bem o que deve ser feito, mas quando era ministro esqueci-me”. No caso do Dr. Marques Mendes a situação parece pior porque no livro, escrever um livro é um dos sintomas desta síndrome, enuncia um conjunto de opiniões e prescrições para as mais variadas áreas de funcionamento, o que revela uma capacidade de intervenção tão extensa e conhecedora que nos faz lamentar que o Sr. Dr. Marques Mendes tenha resolvido “Mudar de Vida”. Podemos ter esperança porque, no PSD, expressões como “vou andar por aí”, “manter-me-ei em silêncio”, “regressar, não faz parte dos meus planos” não significam o que parece, pelo que o Dr. Mendes está aí não tarda para salvar o país, mudar os partidos e chatear o Dr. Menezes, o Ferrari.
Tenho uma enorme curiosidade sobre o livro que o Eng. Sócrates escreverá quando for acometido por esta síndrome

O MEU PAI PENSA QUE A NET É UMA MARCA DE COMPUTADORES

Com o Outono chegam as primeiras chuvas que, geralmente, são positivas face ao estado de secura já adiantado. Este Outono, trouxe a novidade da chuva de Magalhães que ameaça inundar o país numa das maiores operações de marketing já montadas. Tal como água que é imprescindível também a universalização do acesso às novas tecnologias o é. No entanto, convém estar atento. Segundo dados a divulgar nos próximos dias no âmbito do Projecto EU Kids Online, que envolve 21 países, Portugal é o país em que os pais menos revelam saber o que os filhos fazem com a Net. É também o país em que as crianças e jovens utilizam mais as novas tecnologias que os adultos. É ainda de referir um estudo divulgado há poucos dias, evidenciando que os jovens portugueses já dedicam mais tempo à net e ao telemóvel que à televisão.
Estes dados são reveladores, por um lado, da iliteracia informática dos adultos/pais portugueses que os inibe de tentar acompanhar devidamente as actividades dos filhos neste domínio, cujos riscos de utilização vão sendo identificados. Por outro lado, sublinham a importância que esta actividade assume na vida dos mais novos o que remete, de novo, para a necessidade urgente de promover a alfabetização informática dos adultos. Pode ser à boleia de um Programa que por aí anda e do qual mal se ouviu falar, chamado Novas Oportunidades.

TEMPO

(Foto de Paulo A.)

Quando tiver tempo, se houver tempo, gostava de te dizer que ...
O tempo voa, já não tenho tempo.
Tanto tempo para …E tão pouco tempo para que ...

Atrás do tempo, tempo vem.
Tempo em que … Um tempo de …
Um tempo que já foi.
Um tempo que há-de ser.
Como o tempo que já foi

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

A QUESTÃO NÃO EXISTE, NÃO ESTÁ NA AGENDA

Nos últimos dias tem estado em discussão a questão do casamento entre pessoas do mesmo género devido a propostas de alteração legislativa em sede de Parlamento. Tal como na recente discussão da legislação sobre o divórcio, é habitual entender-se estas matérias como uma questão de valores e, portanto, susceptíveis de ficar para além do discurso político, puro e duro. Parece evidente, creio, que a questão em causa, implicará directamente uns milhares de portugueses, e, indirectamente, todos, uma vez que poderá implicar ajustamentos na ordenação jurídico-legal da vida em comunidade familiar. Também posso entender que, consoante os valores, assim se possam expressar juízos sobre a pertinência, a oportunidade, a importância e, finalmente, tomar posição sobre a questão. O que eu tenho a maior das dificuldades em entender é a posição do PS, de não aceitar discutir alterações legais nesta matéria por que ela não consta da agenda política nem do Governo nem do PS, Sócrates dixit no Parlamento. Será possível que alguém tenha uma visão tão arrogante e alienada da realidade ao ponto de estabelecer que um problema só existe e é susceptível de discussão quando está na sua agenda? A realidade não é a sua agenda política Senhor Primeiro-ministro, a realidade, para o melhor, existe para lá da sua vontade e do seu esforço de a definir. Podem entender assumir posições concordantes ou discordantes sobre a questão, mas não digam que só é uma questão quando constar da vossa agenda. Não é sério.

SE É PARA GANHAR DINHEIRO VAMOS LÁ

Em cumprimento da rotina diária, ao comprar o jornal passo os olhos pelas primeiras páginas expostas. Não sei bem se é caso para isso, nos tempos que correm, mas fiquei impressionado. No CM estava um título “Se é para ganhar dinheiro vamos lá”, afirmação atribuída à família de uma concorrente do novo programa da SIC “Momento da Verdade” que tem levantado alguma polémica. De há uns anos a esta parte, sempre que aparece um novo produto nesta área chamada de “reality show”, pensamos que chegámos ao grau zero. Mas não, a indústria televisiva possui um altíssimo grau de criatividade e capacidade de nos surpreender. Assim, e ao que leio, pois nunca assisti ao programa, mais uma vez, atingimos o grau zero.
No meio de todo este espectáculo triste em que se transforma a vida das pessoas, o que incomoda mesmo é o grau zero do despojamento de valores e o, eventual, peso das necessidades que leva alguém à atitude “se é para ganhar dinheiro vamos lá", seja para o que for. Não andamos bem, deve ser da crise.

HISTÓRIA DO INSEGURO

Era uma vez um rapaz, tinha oito anos e chamava-se Inseguro. Era esperto mas tinha sempre algum receio de fazer o que lhe pediam, tinha medo de não fazer bem as coisas. O Inseguro era quase sempre assim, em casa, na escola ou a brincar com os amigos. Tinha tanto receio de não fazer bem feito que, quando a professora lhe pedia para inventar uma história, o Inseguro preferia contar uma história já inventada dizendo que era mais bonita do que a que ele tinha começado a inventar. Nunca se oferecia para dar uma resposta quando a professora fazia alguma pergunta para o grupo. Quando era interpelado em alguma circunstância, o Inseguro respondia muito baixinho, tinha medo de não responder bem. A pouco e pouco, foi ficando mais calado, discreto, enfiado no canto mais cantinho que a sala tinha. A professora, quase sem dar por isso, foi deixando de falar com ele, até se esquecia, dizia ela, e os colegas achavam que o Inseguro não era grande companhia para trabalhar ou brincar pelo que também deixaram de lhe dar atenção. Um dia, o Inseguro não apareceu em casa à hora do costume, os pais, preocupados, foram até à escola que estava quase a fechar, já sem ninguém.
Procuraram e no canto mais cantinho da sala de aula, estava um vulto que mal se via. O Inseguro, sem ninguém se dar conta, estava a ficar transparente. Já era muito difícil reparar nele, quase não se percebia que existia.
Se conhecerem algum puto que também esteja a ficar transparente, assim como o Inseguro, pintem-no às cores e ponham-no à frente de um espelho. Ele vai rir-se e não se esquecerá de que existe. Nem nós.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

SE QUISER RECIBO, É MAIS CARO

Um estudo realizado por quadros da administração fiscal, referido no Público, estima que a chamada economia paralela equivale a cerca de 22 % do Produto Interno Bruto. Adianta ainda que este valor se tem mantido constante nas últimas décadas. É interessante também a informação de que na Europa Ocidental o valor médio é de 16 %.
Algumas notas. Em primeiro lugar, atentando na constância dos valores ao longo dos anos, parece evidenciar-se algum fracasso na minimização do fenómeno. Por outro lado, que me parece muito importante, deve registar-se o espírito empreendedor dos portugueses, a sua elasticidade processual, a sua criatividade nas actividades diárias. Seremos sempre altamente eficazes na concepção de “um esquema, tás a ver”, na utilização do biscate, na maleabilidade da actividade económica traduzida na recorrente fórmula “se quiser recibo, é mais caro”, na habitual proposta “se tratarmos disto por fora, poupamos algum”. A cultura instalada dificilmente será alterada, sobretudo, em épocas de crise económica, que são potenciadoras do recurso ao expedito, ágil e económico “esquema”. Para complicar, o Governo ajuda a este quadro quando permite a ideia de que existem dois países paralelos, o país que o Governo descreve em que tudo, quase tudo, está bem, o do “porreiro, pá”, e o país real, em que nós vivemos, com imensas dificuldades que alimentam o paradigma “pá, um gajo tem que se safar”.

UM PAÍS A PROZAC

Segundo o Alto-Comissariado da Saúde, que designação, o consumo de antidepressivos em Portugal continua a aumentar sendo cerca de três vezes superior à média da União Europeia. Como não? Vejamos. De há uns tempos para cá os discursos políticos intoxicaram-se de referências ao termo deprimido. Referem-se regiões deprimidas, concelhos deprimidos, o país deprimido, etc. Se se lembrarem de discursos do Dr. Jorge Sampaio, recordarão as suas constantes referências ao estado deprimido do país, inteiro ou por partes. Para além esta influência do léxico político, é de considerar um conjunto de outros factores que, certamente, poderão contribuir para um estado de alma que justifica o recurso a antidepressivos. A título de exemplo e sem ordenar, não é fácil suportar, simultaneamente, o silêncio de Santana Lopes e o de Ferreira Leite. O apagamento do hiperactivo Dr. Portas, o Paulo. Ouvir as intervenções dos Ministros Mário Lino e Manuel Pinho. Assistir a 258 cerimónias referentes ao Programa Novas Oportunidades. Suportar o preço dos combustíveis e ser informado que só a subida é que depende do preço do petróleo, a descida não. Assistir ao recomeço do ano parlamentar e levar com um discurso do Dr. Bernardino Soares ou com uma homilia do Dr. Louçã. Ouvir as patéticas intervenções públicas do Dr. Menezes. Ver a defesa do Benfica a jogar. E … desculpem, tenho de acabar. Onde é que eu guardei o Prozac?

terça-feira, 23 de setembro de 2008

O MEU FILHO ESTÁ A CRESCER, PRECISA DE UMA CASINHA

Estalou um alarido, mais um, na Câmara de Lisboa. A Sra. Dra. Isabel Soares, chefe de gabinete do vice-presidente, tem uma casa cedida pela Câmara há cerca de 18 anos, em Telheiras, é bom, a qual não habita, se não precisa é lógico, e que é actualmente usada pelo filho a troco da módica quantia de 350 €. A senhora acha normal, “o meu filho foi crescendo”, e sustenta que está tudo conforme a lei.
Esta gente não entende mesmo. O problema é exactamente este, está conforme a lei. Problema é que a lei não foi certamente pensada para atribuir casas a chefes de gabinete ou ex-presidentes de empresas municipais, no caso a Gebalis. Isto não pode tratar-se com um encolher de ombros, escudado na forma legal e mascarada de preocupação maternal. É por isso, que quando o meu amigo Zé Barbeiro diz “o quê, os políticos? tão lá é para se encher”, eu tenho a maior das dificuldades em dizer “olhe que não, olhe que não”. Mais um tiro na democracia e na credibilidade dos políticos e depois acham estranho a má representação que estes têm junto do cidadão.

UM RAPAZ CHAMADO ASSUSTADO

Era uma vez um rapaz, tinha seis anos e chamava-se Assustado. Entrou na escola, para o primeiro ano, e estava bem contente com a experiência. Os pais sabiam-no um pouco receoso de situações novas e esperavam que os primeiros dias não fossem facilmente ultrapassados pelo Assustado. Mas não, surpreendentemente, levantava-se com o maior dos entusiasmos a querer ir logo para escola. No entanto, passados os primeiros dias, o entusiasmo começou a esbater-se e a vontade de ir para a escola a desaparecer. Todos os dias ficava mais difícil. Os pais, à medida que a situação se complicava, mais aflitos se sentiam e a dificuldade de levar o Assustado à escola era maior, ele já ficava triste e choroso. Um dia, os pais foram, mais uma vez, à escola procurar ajuda. Enquanto esperavam, cruzaram-se com o Professor Velho, aquele que está na biblioteca e fala com os livros. O Velho reconheceu-os e perguntou-lhes pelo Assustado. Ouviu o seu relato sobre as dificuldades. O Professor Velho achou que poderia ser interessante conversar e, ao intervalo, procurou o Assustado que estava triste num canto, só, a brincar com alguma coisa que guardou.
Olá Assustado, queres ouvir uma história? Uma vez um rapaz pequeno foi para uma escola que era muito bonita, gostou de ir para lá mas, aos poucos, começou a ficar sem vontade de ir mais. As pessoas não percebiam muito bem porquê mas ele contou a um amigo dele que achava a escola difícil e tinha medo de não conseguir aprender.
Eu também sou assim Velho, nos primeiros dias eu sabia fazer as coisas todas que a professora dizia para fazer. Mas depois ela começou a ensinar coisas que eu não sei. E se eu não sou capaz de aprender?
Estavas a brincar com quê, quando eu apareci?
Com um jogo.
Achas que eu sou capaz de aprender a jogar com esse jogo?
Claro Velho, toda a gente é capaz.
Eu também acho. Assustado, vais fazer uma coisa, vais para a sala de aula espreitas que jogo é que a professora está a ensinar hoje, aprende a jogar, toda a gente é capaz, e amanhã ensinas-me. Combinado?
Combinado, Velho.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

EXPLICAÇÕES, FINALMENTE UMA ACTIVIDADE DE SUCESSO

A propósito do trabalho apresentado no Público sobre a questão do recurso às “explicações” em que referencia o trabalho de investigação em desenvolvimento na Universidade de Aveiro retomo algumas notas antigas. Quando se aborda esta questão parece importante sublinhar o aumento significativo da procura, elucidativo da necessidade sentida pelos alunos de apoio escolar acrescido à sua actividade normal quando, é sabido, os alunos portugueses são dos que mais tempo passam na escola, ao que parece sem resultados positivos. Merece também registo que, de acordo com as leis do mercado, neste nicho de negócios, a oferta passou a ser extremamente diferenciada, adaptando-se não só às necessidades dos alunos mas, fundamentalmente às disponibilidades económicas das famílias. É possível obter, desde a explicação individual ao domicílio, até às mais económicas e despersonalizadas sessões de revisões em grupo, desde o curso intensivo à aula temática avulsa, desde o pagamento por hora à compra de pacotes de horas, certamente com algum desconto, etc. Segundo dados de 2006 já revelados pela equipa de investigação da Universidade de Aveiro, nas famílias consideradas no estudo verificou-se um gasto médio de 250 € em explicações.
Esta situação serve-me de pretexto para, mais uma vez e sempre, enfatizar que a melhor forma de não fazer depender o sucesso escolar dos alunos da capacidade económica dos pais é investir na qualidade e exigência da escola pública. Defender como alguns, de forma ignorante da realidade portuguesa, demagógica, ou pouco séria, que a equidade entre os alunos se estabelece pela promoção do acesso ao ensino privado, através de dispositivos como o cheque educação, por exemplo, é a desistência e o desinvestimento na escola pública, cuja qualidade e rigor são a marca de água dos países desenvolvidos.

PS – Preparem-se. Amanhã teremos mais um belo conjunto de festinhas espalhadas pelo país. Desta vez o pretexto é o início da entrega dos Magalhães. Lá vamos, teclando e rindo. Onde é que eu já ouvi algo parecido?

SAUDADE

(Foto de Carlos Alberto Franco)

Saudade é a palavra mais simples que temos para dar nome à memória do que amamos.

domingo, 21 de setembro de 2008

CRIANÇAS INSTITUCIONALIZADAS E CULTURAS INSTITUCIONAIS

O Relatório de Caracterização das Crianças e Jovens em Situação de Acolhimento em 2007, em divulgação, permite verificar que, apesar do abaixamento do número de crianças e jovens até aos 21 anos que estão institucionalizadas, a situação é ainda preocupante. Os dados disponibilizados, pela sua diversidade, são susceptíveis de múltiplas leituras. Neste cantinho quero sublinhar dois aspectos que me parecem relevantes.
O primeiro, é o tempo de permanência em instituição, metade das crianças e jovens institucionalizadas experimentam essa situação há mais de quatro anos. O segundo aspecto a merecer registo é o facto de que cerca de metade das crianças e jovens institucionalizadas não tem projecto de vida definido, ou seja, não existe nenhuma perspectiva consistente sobre o seu futuro.
Estes dois aspectos, interdependentes, sustentam algo que, de há muito, é minha convicção. Podemos tentar melhorar processos e agilizar o quadro normativo facilitador de colocação alternativa à institucionalização, é necessário e é importante. Mas a questão central, do meu ponto de vista, remete para a cultura ainda muito presente em instituições que acolhem crianças e jovens, que sobrevaloriza o papel da instituição até como forma, implícita, de justificação da sua existência. Dito de outra maneira, uma instituição, ao receber uma criança ou jovem, deve assumir, simultaneamente, duas preocupações fundamentais, como recebê-la e acolhê-la o melhor possível e, na mesma hora, começar a trabalhar no sentido de que a criança saia, o mais rapidamente possível, com um projecto de vida viável. Muitas instituições, assumem, basicamente, a primeira preocupação, como acolher bem, “esquecendo” a segunda, sai quando, para onde. O incentivo às instituições que promovessem mais e melhor nível de “desinstitucionalização” poderia ser um contributo para a mudança desta cultura institucional.

CHEIRA A OUTONO NO MEU ALENTEJO

Já cheira a Outono no meu Alentejo. As noites, mais frescas, carregam umas branduras que de manhã ainda se notam nas folhas. De acordo com o saber dos velhos, na altura da Feira de Ferreira do Alentejo, este fim-de-semana, ou na Festa da Sra. D’Aires em Viana, no próximo, é certo que temos chuva e é verdade, chegaram as primeiras águas que deixam na terra um inconfundível cheiro que, como diz o Mestre Almada, nos reanimam depois de tanto tempo de seca e calor. O fim do Verão traz também outras tarefas, começámos a colher as nozes que, depois de apanharem sol e secar, se partem à lareira nas noites de inverno, fazendo companhia a uma bela aguardente. Colhemos também uma poucachinha de azeitona que, depois de pisada ficou na água que o Velho Marrafa ficou de mudar durante a semana, levará o tempero e… será uma delícia com um queijinho de ovelha, uma côdea de pão, um tinto e umas lérias lá no monte. A lenha que esteve a secar durante o Verão, já ficou arrumada no casão à espera do frio do Inverno. Tive sorte, acabei de a arrumar mesmo antes de começar a chover. A batata que se comerá no Natal, bem novinha, já está a despontar na terra e esta água foi uma bênção, os nabos já estão no criador, enfim, o tempo sempre novo, sempre velho do meu Alentejo.

sábado, 20 de setembro de 2008

OS MEUS PASSEIOS

Detesto passear com ele quando está com pressa, esquece-se que eu tenho o meu ritmo e gosto de andar com calma, vendo tudo muito bem visto ao longo do passeio. É verdade que é um caminho que conheço bem, mas há sempre alguma coisa nova a que dar atenção.
Quando temos tempo é que eu gosto mesmo de sair. Encontro uns amigos, trocamos uns cumprimentos e, quando calha, ficamos à conversa e a brincar até ele me chamar. Gostava de sair mais vezes, até porque, há uns dias, começou a aparecer no parque uma companheira nova, aqui para nós, lindíssima. Acho que se chama Tita, creio que foi o que ouvi chamar-lhe. Quero conhecê-la e um dia destes, assim de mansinho, quando ela lá estiver, aproximo-me e meto conversa. Oxalá ele não comece a chamar-me ou apareça outro que a Tita ache mais interessante que eu. Também gosto de sair para ver as brincadeiras das pessoas lá no parque. Quando era pequeno corria por todo o lado e brincava com a bola. Agora, mais velho, prefiro ficar a ver e a conversar.
Bom, ele já está a chamar-me, temos que voltar para casa. É a parte do passeio que mais detesto. Põe-me a trela curta para atravessarmos as ruas, como se eu fosse um cão descuidado. Sou um cão, chamo-me Faísca, mas sei muito bem atravessar as ruas como deve ser.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

IMPOTENTES OU INCOMPETENTES

Não acompanho suficientemente de perto a situação noutros países para ter uma perspectiva comparativa, mas existe uma espécie de síndrome em Portugal que afecta a classe política com experiência de poder. Este síndrome, a que poderemos chamar “sei muito bem o que deveria ser feito, mas quando fui ministro esqueci-me” é patente em muitíssimos ex-governantes oriundos dos partidos que já assumiram responsabilidades de governo. O último exemplo é de Correia de Campos, ministro da saúde em dois períodos distintos. Em entrevista ao Público e no livro que lançará em breve, de que já se conhecem excertos, o Sr. Ex-ministro apresenta uma visão clara sobre os males e constrangimentos do sector, bem como, com a clarividência de quem tudo sabe, as necessárias soluções. A pergunta, certamente estúpida e demasiado óbvia, que me ocorre face a este tipo de discursos é “então porque não fez, quando teve poder para tal?” Podemos, com alguma habilidade, tentar encontrar respostas. Acabaremos, creio, por definir, inevitavelmente, duas hipóteses básicas, não puderam ou não souberam, qual delas a mais animadora.
Na primeira, não puderam, dá para questionar qual o poder, de facto, detido pelo ministro relativamente às políticas do sector que tutela, ou seja, qual o verdadeiro nível de responsabilidade de quem detém o poder. Na segunda, não souberam, dá para entender que a competência não abundará o que não me parece menos inquietante.
Em todo o caso, algum pudor e humildade não fariam mal.

A CONSCIÊNCIA TAMBÉM TEM DONO, O PARTIDO

No grupo parlamentar do PS está instalada uma acesa discussão sobre a determinação da disciplina de voto relativamente à próxima votação sobre a aceitação legal do casamento entre pessoas do mesmo sexo. É uma situação que não é nova nem exclusiva ao PS, atravessa a generalidade das formações partidárias. Do meu ponto de vista é um exemplo sério da doença da democracia. Posso entender que em aspectos de definição política, por exemplo a aprovação do Orçamento Geral do Estado, se coloque em discussão a liberdade individual do deputado em matéria de voto. Dificilmente serei convencido da bondade de sindicalizar os votos, mas posso perceber a natureza da argumentação. No entanto, quando estão em discussão matérias que, embora com impacto político importante e óbvio, envolvem fundamentalmente valores e convicções, acho profundamente inadmissível o princípio de que o partido é dono da consciência e do sistema de valores do deputado. É assim que se alimenta a partidocracia vigente e se aliena e afasta o cidadão da vida política. Pode parece estranho mas ainda há gente que não gosta de só levantar o braço, agora carregar no botão, quando e para o que lhe mandam.

PS – O crime compensa. Na linha do terá acontecido com o empresário Miguel Cintra condenado por “inside trading” a uma multa no valor de metade do que tinha ganho no negócio ilícito, parece que a cartelização descoberta na área do catering e que terá lesado o estado em 172 milhões de euros, pode acabar numa multa de 30 milhões. Está certo, é um pequeno incentivo a estes empreendedores.

UM RAPAZ CHAMADO MAU

Era uma vez um rapaz chamado Mau. Toda a gente, pequenos e mais velhos, achava o Mau o pior dos rapazes daquele bairro e daquela escola. Metia-se com todos, arranjava problemas e até com alguns dos alunos mais velhos, o Mau conseguia que o temessem. Não demonstrava ter medo de nada e procurava assustar quem lhe passava perto. Para alguns colegas, o Mau era o mais popular e admirado, para muitos outros, o Mau era temido e desgostado. Já fora castigado muitas vezes e quase diariamente passava por reprimendas, mas o Mau não parecia incomodado com isso, adoptava sempre o seu estilo de quem não tem medo de nada e se julga superior a todos.
Um dia, o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, cruzou-se com o Mau no recreio e entre duas brigas, interpelou-o, “Tu é que és o Mau?”, o rapaz olhou para ele com aquele habitual ar de desafio, “Ó velho, não se nota que sou o Mau? Que queres, vens dar-me mais uma seca?”. O Velho riu-se e disse-lhe, ”Não, tu querias que eu te desse uma seca, mas eu já não tenho secas para dar, só te queria mostrar isto que tenho aqui no bolso”. Curioso e baralhado, o Mau aproximou-se e o Professor Velho pôs-lhe à frente um espelho. Quando se viu reflectido o Mau recuou apavorado.
O Velho tinha razão, o Mau vivia cheio de medo dele próprio, e espantava o medo para cima dos que estavam à volta. Com a esperança de se livrar dele.
Alguns Maus são assim.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

CRIATIVIDADE POLÍTICA

Depois da inovadora atitude da Dra. Manuela Ferreira Leite, inspirada pelo famoso guru Pacheco Pereira, sustentando que a oposição se faz em silêncio, aparece agora na liderança parlamentar do PSD o extraordinário conceito de “abstenção construtiva”. Este caminho, que o novo PSD está a percorrer, vem ao encontro de um entendimento que subscrevo há muito sobre a necessidade de criatividade na vida política portuguesa. Procurando emprestar um modesto contributo para esta renovação na praxis política sugiro alguns outros conceitos que podem agitar positivamente as nossas águas.
Realização de “greve por concordância”, institucionalização do “voto contra dialogante”, o uso do “voto favorável com distância crítica”, manifestar uma “discordância apoiante”, promoção de uma “coligação discordante” ou de uma “aliança de extremos”, poderia usar-se também a “cooperação estratégica discordante”, etc.
Esta criatividade poderia constituir uma forma de promover a regeneração dos partidos referida pelo inimputável Dr. Alberto João.

UM RAPAZ CHAMADO PORQUÊ

Era uma vez um rapaz chamado Porquê. Não sei se o nome lhe foi posto por castigo, por acaso ou porque lhe ficava bem. Desde pequeno que a tudo o que diziam, pediam, mandavam, etc., ele começava por questionar a razão. Os adultos que o foram conhecendo, primeiro achavam-no curioso, “vivo” e interessado, depois, achavam-no chato e perturbador. Finalmente, ficavam exasperados pela sua arrogância e má educação, diziam. Para os professores, o Porquê tornava-se insuportável. A pouco e pouco tornou-se o centro da inquietação da escola, de todos os professores, e o motivo de todas as conversas. A situação complicou-se porque vários outros alunos, mesmo sem se chamarem Porquê, começaram a comportar-se como ele, sempre a questionar tudo. Devido à proporção dos problemas, os professores decidiram que o Porquê não poderia continuar naquela escola.
Quando lhe comunicaram a decisão, estranhamente e contra todas as expectativas, não ouviram o porquê do Porquê. Foi uma das poucas coisas que disseram ao Porquê que não lhe criou sombra de dúvida, sabia muito bem e há muito tempo que não cabia naquele mundo.
Os professores ficaram mais descansados e foram assistir a uma interessante acção de formação sobre “Despertar a curiosidade nos alunos”.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

É A ECONOMIA, ESTÚPIDO

Em termos económicos, o facto mais relevante dos últimos meses talvez tenha sido o aumento exponencial do preço dos combustíveis pelas inúmeras e significativas implicações. Toda a gente que apareceu a explicar o fenómeno referia, parece lógico, o aumento do custo do petróleo, ou como eles costumam dizer, “é o mercado a funcionar”, ou seja, mais procura, produção que não acompanha a procura, maiores custos de produção, produtos mais caros, sobra para o consumidor o aumento do preço final.
Entretanto, começa a descer o preço do petróleo, a queda já vai em 38% e a gasolina apenas baixou 4,4%. O Presidente da GALP, Ferreira de Oliveira, já explicou que “a relação entre o preço do petróleo e o preço dos combustíveis, não é directa nem óbvia”.
Nós já percebemos Sr. Engenheiro, sobretudo quando se trata de descer preços na venda ao público, mas por favor, não nos chame estúpidos. Nós apenas temos de comprar os combustíveis ao preço que os senhores determinam, não temos alternativas sólidas.

PS – Soube que, numa daquelas típicas americanices, o Dr. Portas, o Paulo, foi considerado um dos políticos mais elegantes nos trapinhos que usa. Que querem, também elegeram o Bush.

UM HOMEM E UMA MULHER QUE SE CHAMAVAM PAIS

Era uma vez um homem e uma mulher que se chamavam Pais. Tinham um filho pequeno que era tudo para eles. Gostavam tanto dele que não se afastavam um minuto, nunca. Um deles, Pais, estava sempre ao pé do filho. Acompanhavam-no para todo o lado. Quando não era possível ficar bem junto, ficavam o mais perto possível para estarem atentos e vigilantes. Isto tanto acontecia quando o filho ia para a escola, como quando, mais raramente, brincava no parque, sempre com poucos amigos, mas com Pais bem pertinho. O filho foi crescendo sempre à sombra de Pais, tão próximos estavam, nem um solzinho lhe dava cor à pele. Uma noite, já o filho era mais velho, ouviu-se um barulho que sobressaltou Pais, numa das raríssimas ocasiões em que ambos dormiam. Assustados, correram a ver do filho, claro.
Encontraram a caixa onde o guardavam destapada e, ao lado da tampa, um bilhete, “Pais, preciso de aprender a respirar. Voltarei um dia, não se zanguem”.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

PORTUGAL DOS PEQUENINOS

Um breve olhar pela imprensa, deixando de fora os grandes títulos, constitui um exercício interessante e um indicador do estado da nação, na versão trágico-cómica do Portugal dos Pequeninos. Partilho convosco algumas dos títulos pequenos colectados e relativos a áreas e aspectos bem diferentes.
Alberto João Jardim defende regeneração dos partidos.
Estado indemniza Pinto da Costa.
Erro dos serviços deixa centenas de alunos fora do Ensino Superior.
Absolvição de Fátima Felgueiras trará justiça.
Inspecção Geral de Finanças arrasa gestão urbanística de Matosinhos - prejuízos avultados, irregularidades e desrespeito pelo PDM.
Circular do Ministério das Finanças impede que docentes em gozo de licença de maternidade possam concorrer - são obrigadas a optar de forma exclusiva.
Este tipo de situações, do meu ponto de vista, é tão prejudicial à saúde cívica e à confiança dos portugueses como são inquietantes as notícias sobre os problemas económicos ou a segurança.

A ESCOLA DO JÚLIO

Era uma vez uma escola do 1º ciclo onde andava um rapaz chamado Júlio. O Júlio já tinha uns doze anos mas tinha aprendido pouco, diziam as professoras. Não é que não fosse capaz, o problema é que, depois de em cada ano as aulas começarem, logo nas primeiras semanas, o Júlio deixava de aparecer na escola, acompanhava os pais na venda pelas feiras. No início de mais um ano, uns dias antes de as aulas começarem, uma das professoras da escola encontrou o Júlio e interpelou-o, “Júlio, este ano é que vai ser, tens de vir para a escola e ficar até ao fim”.
Diz o Júlio, do alto dos seus doze anos e com a sabedoria de alguns anos de feira, “Para a escola eu, Professora? Então eu nem sei ler nem escrever, venho para a escola fazer o quê?”.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

O QUE SOBE E O QUE DESCE

De há muitos anos que uma das expressões mais frequentemente ouvidas entre nós é “tudo sobe” nas suas múltiplas derivações. Estas formulações correspondem a uma queixa recorrente sobre dificuldades e que o Primeiro-ministro, com alguma razão, remete para um constante e negativo discurso de “bota-abaixismo”. É verdade, devemos ser justos, nem tudo sobe. Vejamos rapidamente alguns exemplos. Desce o poder de compra (o dos funcionários públicos baixou 7% em 10 anos), desce a natalidade, desce o número de escolas, desce o número de presos em prisão preventiva, descem a generalidade dos indicadores de confiança, descem os indicadores económicos, descem os níveis de popularidade dos políticos, etc. De facto, não dá para entender a razão pela qual as pessoas se queixam, no fundo, tudo se equilibra, o que sobe e o que desce.

PS – Como é frequente dizer-se, no desporto o factor mais positivo é sempre o atleta. Sabe-se, não é de agora, que o chefe da missão olímpica portuguesa em Pequim está, segundo o Público, “envolvido em várias irregularidades na administração de financiamentos do Estado”. O alarido e acusações públicas que se fizeram a propósito da prestação dos atletas, esquecendo que todos trabalharam para lá estar na medida em que só atingindo os mínimos podem participar, deveriam ser destinadas a esta gente que parasita o desporto, isto é, o trabalho dos atletas.

ARRUMAR A CABEÇA

(Foto de luís Caçador)

Quando eu era miúdo, a nossa cabeça era arrumada pelos pais, pela professora da escola primária, a D. Conceição bem se esforçou comigo, e o barbeiro, no meu caso o Sr. Américo, que entre golpes de pente e tesoura, a brilhantina e a navalha mal afiada que me deixava o pescoço a arder, substituía a inexistente televisão caseira e a ficção científica chamada net na informação sobre as notícias do mundo, um mundo bem pequeno naquele tempo.

domingo, 14 de setembro de 2008

O RESPEITINHO É MUITO BONITO

Lamento, mas a música de Madonna não me atrai particularmente e, por isso, estou aqui. O fim-de-semana teve uma série de acontecimentos e notícias a merecerem reflexão. A título de exemplo, o Dr. Portas, o Paulo, fez a sua rentrée em Aveiro, na Praça do Peixe, nome completamente a propósito da ocasião. No meio da nuvem noticiosa, apareceu uma breve referência que já vos conto e que me lembrou uma velha história familiar que sempre achei interessante. Primeiro a história. Um tio da minha mulher, sempre que o pai dele estava por perto, apagava o cigarro, sempre na mão de um fumador inveterado. Nada de especial neste comportamento. O curioso é que isto se passava, quando eu comecei a reparar, já o tio Teixeira tinha mais de 50 anos. E até o pai falecer nunca conseguiu fumar ao pé dele. Agora a notícia que me recordou a história. A Direcção Nacional da PSP tem em projecto um novo código de conduta que pretende determinar, entre outros aspectos, que um elemento “não fuma, não masca pastilha elástica, nem fala ao telemóvel diante de um superior, sem dele obter prévia autorização”. Nem mais. Assim é que é. Já estou a imaginar um elemento da PSP, no interior de uma esquadra a dirigir-se a um superior, “Senhor Comissário, acabei agora de almoçar, ando a tentar deixar de fumar, o Senhor autoriza-me que, ali sentado à secretária e enquanto preencho umas papeladas dumas contra-ordenações, possa colocar uma pastilha na boca e mastigá-la, prometo, com a boca fechada”.
O tio Teixeira tinha razão, o respeitinho é muito bonito.

sábado, 13 de setembro de 2008

NÃO VOS PERDOAREI, NUNCA

Moraes Sarmento, Manuela Ferreira Leite e Marcelo Rebelo de Sousa terão sido sondados por Durão Barroso para lhe suceder quando da sua deserção para Bruxelas. Esta informação foi disponibilizada por Moraes Sarmento em entrevista hoje publicada no Expresso. Recusaram e como tivemos ocasião de constatar, o resultado foi o Menino Guerreiro, Santana Lopes, chegar a Primeiro-ministro. Não vos perdoarei nunca, Santana Lopes, chefe do governo, não merecíamos, embora baixinha, temos auto-estima. É certo que não somos, habitualmente, muito exigentes com a qualidade dos políticos, mas Santana Lopes foi demais.
Poderíamos ter tido Moraes Sarmento com aquele seu toque de sofisticação, patente na fotografia da 1ª página do Expresso. Poderíamos ter o Professor, um excelente entertainer, hiperactivo, que quando começasse a governar ninguém pararia, nem a nós. Poderíamos ter tido Ferreira Leite, certamente estaríamos ainda à espera do programa do governo e de uma boa oportunidade para a ouvir. Qualquer destas hipóteses seria estimulante e animadora, mas não tivemos oportunidade de experimentar. Repito, não vos perdoo. Já agora, o Expresso também refere que o líder do PSD/Lisboa pondera lançar Santana Lopes para a Câmara. Acorda Marquês de Pombal, pode vir a ser preciso reconstruir a cidade.

FALAR COM OS LIVROS

A Joana vai começar o ano numa escola nova. Saiu da escolinha do 1º ciclo onde andou quatro anos e passou para a escola grande do 2º e 3º ciclo. Como o Manel, lá do prédio, já anda no 6º ano, combinou ir com ele no primeiro dia, sempre ia acompanhada para um sítio que não conhecia muito bem. Não havendo ainda aulas o tempo todo, o Manel foi mostrar a escola à Joana.
Depois de visitar várias salas entraram na biblioteca da escola, uma sala grande cheia de livros. Despertou a atenção da Joana um velho que estava no fundo a arrumar livros e, isso é que era estranho, parecia que falava com eles. O Manel esclareceu, "é o Professor Velho, já não dá aulas, está sempre na biblioteca e fala com os livros". A Joana não ficou muito convencida. O Professor Velho viu-os e cumprimentou, “Olá Manel, que tal as férias? Trazes uma amiga nova?”. “As férias foram boas e é a Joana, vem para a nossa escola, andamos a vê-la para ela a conhecer” “Olá Joana”, cumprimentou o Professor Velho.
A Joana não conteve a curiosidade, “Professor Velho, é verdade que falas com os livros?”. “Joana, durante a minha vida, já comprida, quando ensinava os miúdos, eles faziam perguntas que eu, às vezes, não sabia bem como responder. Então vinha para aqui, pensava nas perguntas que me tinham feito e os livros ajudavam-me a encontrar as respostas. Como ainda há muitas coisas que não sei, continuo a fazer-lhes perguntas e eles continuam a ajudar-me. É por isso que falo com os livros”. “Isso é giro, Velho, quando não souber algumas coisas posso vir aqui fazer perguntas aos livros?”. “Claro Joana, eu ajudo-te, conheço todos muito bem”.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

GOVERNANTES VÃO À ESCOLA, NOVAS OPORTUNIDADES

Quando se inicia cada ano lectivo, uma das afirmações mais ouvidas ao Ministro em funções, é “o ano lectivo está iniciar-se com toda a normalidade”, mesmo quando não há grandes razões para acreditar na “normalidade”. Certamente para celebrar a normalidade do ano em curso, o Primeiro-ministro, nove ministros e treze secretários de estado vão estar nas escolas de todo o país. Esta operação, de uma demagogia e provincianismo embaraçante, que envolve a distribuição de diplomas e prémios aos melhores alunos, não terá sido organizada pelo famoso e antigo SNI – Secretariado Nacional de Informação com o apoio do Movimento Nacional de Feminino, para assegurar a parte dos bolinhos e dos sumos, mas oferece o mesmo triste e deprimente espectáculo.
Como sou um optimista e não acredito que o Governo queira passar um atestado de imbecilidade aos portugueses, oferecendo-lhes este número, presumo que o Chefe, ao mandar tantos “colaboradores” para a escola, pretenda, ao abrigo do Programa Novas Oportunidades, promover competências e certificá-las, no seu pessoal. Então já acho a ideia genial. Imaginem o Eng. Mário Lino com o seu Magalhães debaixo do braço a aprender a fazer as contas do aeroporto, ou Ministro Manuel Pinho a navegar na net e a ver no Google Earth o All Garve. Um dia na escola, levam um diploma, ficam com competências certificadas e mais preparados para Novas Oportunidades, embora possam passar com cinco negativas porque o colega, o Sr. Lemos, acha normal.
Tirem-me daqui.

UM HOMEM CHAMADO TEMPO

Era uma vez um homem chamado Tempo. Era um tipo curioso, activo, nunca estava parado, sempre em movimento de um lado para o outro e, ainda por cima, tudo naquela terra parecia depender do Tempo, por uma razão ou por outra. As pessoas estavam sempre a olhar para o Tempo. Umas achavam que ele andava muito depressa e ficavam ansiosas. Outras, pelo contrário, entendiam que o Tempo andava muito devagar e exasperavam-se. Poucas se entendiam com o Tempo.
As dificuldades das pessoas em lidar com o Tempo foram crescendo e a situação estava cada vez mais difícil. Começaram então a pensar como se poderia resolver o problema do Tempo. Uns, mais corajosos ou sem escrúpulos, ofereceram-se para uma atitude radical, matar o Tempo. Depois de muita discussão e considerando o estado desesperado a que muitas pessoas tinham chegado na sua relação com o Tempo, a proposta foi aceite. Assim, um dia, com um tiro mataram o Tempo.
Desde esse dia, daquele minuto, nada se mexeu mais naquela terra. Ficaram livres do Tempo mas tudo e todos ficaram exactamente como estavam quando o Tempo morreu. Parados pelo Tempo que deixaram de ter.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

CALMA, ESTÃO TODOS SINALIZADOS E CONTABILIZADOS

O Professor Miranda Correia, da Universidade do Minho, realizando um exercício relativamente simples, aplicar ao universo da população escolar portuguesa, 1,4 milhões de alunos, as taxas internacionalmente aceites de prevalência de problemas com impacto educativo, entre 8 e 12%, identifica um grupo potencialmente necessitado de ajuda educativa que andará entre os 100 000 e os 150 000 alunos. Considerando os números fornecidos pelo Ministério relativos a crianças em apoio, é óbvio, qualquer pessoa conhecedora do mundo das escolas o sabe, que existem milhares de crianças que necessitariam de apoio educativo e não o obtêm.
Pois a equipa do ME, Ministra, Sr. Lemos, Comissário Capucha e assessores, resolvem torcer a realidade e dizem às escolas que não podem encontrar mais do que 2,2% da população com problemas, idealmente, até nem devem passar dos 1,8%. Esta gente, por incompetência e economicismo, define Portugal como um território onde não se passa aquilo que todos os países aceitam como realidade.
Finalmente, se bem repararem, a Senhora Ministra não nega a existência de meninos sem apoio. Num exercício de habilidade manhosa, diz que estão todos “ sinalizados e contabilizados” e não passam de 55 000. Que porra é esta? O que mais existem é crianças sinalizadas e a morrer de maus-tratos, crianças sinalizadas e institucionalizadas para sempre.
Sejam sérios, os putos não precisam de sinalização, precisam de apoio para as suas dificuldades. TODOS E SEJAM ELAS QUAIS FOREM.

O PRIMEIRO DIA DO RESTO DA VIDA DELES

No texto anterior, escrito ontem à noite, referia-me ao facto de, a propósito do arranque do ano lectivo e das incidências da educação, se ouvir toda a gente menos os miúdos. Pois o Público de hoje foi justamente ouvir miúdos que vão começar o seu primeiro ano de escolaridade. Fiquei satisfeito de os ler. Como afirmei no texto, a experiência diz-nos que a esmagadora maioria das crianças e jovens, independentemente até do maior ou menor sucesso do seu trajecto educativo, têm ideias relativamente claras sobre a escola, a sua função e a sua importância, como aliás se evidencia no trabalho do Público. Por isso se torna imprescindível que o começo seja positivo. Reparem. Quando uma experiência afectiva corre mal, podemos recomeçar e tentar uma nova experiência que nos torne mais felizes. Quando uma experiência profissional não corre bem, podemos sempre tentar alterar a situação profissional e procurar noutro contexto a nossa realização. Quando nos desgosta a nossa habitação, podemos tentar, se pudermos, trocar a habitação e procurar aquela casa que nos satisfaz. Isto para dizer que em variadíssimos aspectos importantes da nossa vida, quando algo começa ou está mal, podemos sempre recomeçar e tentar uma experiência positiva.
Pois bem, a entrada na escola é das poucas coisas irrepetíveis, ou seja, quando corre mal o processo de entrada na vida escolar, não podemos dizer, vais experimentar entrar de novo na escola que agora vai correr bem. A experiência anterior fica registada, as crianças reagirão de forma diferente, mas fica claramente comprometida a possibilidade do sucesso.
Nesta perspectiva, relembrando o Sérgio Godinho, sendo hoje o primeiro dia do resto da vida deles, temos todos, a enorme responsabilidade de fazermos tudo para que comecem bem.

ENTÃO E NÓS, OS ALUNOS

As aulas vão começar e, como é habitual, todos os dias os jornais e a televisão falam muito da abertura da escola. A gente percebe que é uma coisa importante.
Vem a Ministra da Educação falar do trabalho das escolas, do trabalho dos professores e do nosso. Diz que há menos chumbos, parece que é verdade, lá na minha escola também há menos, mas não sei se a gente sabe mais e toda a gente discute os resultados. Como se não bastasse a Ministra, falam também os Secretários de Estado e até o Primeiro-ministro e dizem todos a mesma coisa. Na imprensa, aparecem também os professores a falar de como vai ser o ano lectivo e dos problemas que têm. Falam os professores dos Conselhos Executivos e não acrescentam grande coisa. Falam os tipos dos sindicatos dos professores e dizem que há professores que não vão ter trabalho, que as listas dos professores não saíram e que não estão de acordo com a política do Ministério, que não estão de acordo com a avaliação e por aí. Falam pais das Associações de Pais e dizem que estão preocupados com a gente e com as escolas, e com a segurança, etc. Fala-se também dos manuais e dos custos do material e dos computadores para as escolas, na minha escola há uma data deles que estão muito tempo parados porque muitos professores nem sabem o que fazer com eles. Também falam muito daquele Programa Novas Oportunidades que é porreiro para muita malta que nunca estudou nada e depois, em meses, ficam com as equivalências e com certificados dumas competências que têm e que a gente não sabe quais são. É como aquela cena que a gente não entende de haver colegas que passam com muitas negativas.
O problema é que no meio desta cena toda raramente falam com a gente, os alunos. A gente também tem muita coisa a dizer sobre a escola, os professores, os manuais, os computadores, os programas, as ajudas de que precisamos, os horários, as avaliações, as dificuldades, sei lá, tanta coisa. Não percebo porque não falam connosco. Têm medo ou já sabem tudo? Medo não devem ter e saber tudo não sabem de certeza, basta ver o estado em que isto está.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

PÚBLICO? PRIVADO? PÚBLICO-PRIVADO? ENTENDAM-SE

Embora sem o impacto mediático das cenas de tiros, da turbulência no PSD ou da milagrosa actuação do Governo em todas as áreas, as águas agitaram-se um pouco com a notícia de que na Estradas de Portugal alguns quadros superiores tinham interesses importantes em empresas clientes ou prestadoras de serviços à EP, designadamente, em áreas como topografia, segurança e saúde no trabalho e arqueologia e ambiente.
De uma vez por todas entendam-se para que o cidadão perceba como o país funciona ou deve funcionar. Querem-nos convencer que a virtude e o desenvolvimento estão no estabelecimento de parcerias público/privado, por exemplo, na área da saúde. Produzem-se discursos sobre a presença excessiva do estado em muitas áreas e a necessidade de a reduzir, sobre as vantagens do estabelecimento de sinergias público-privado como o Ministro Rui Pereira sugere na concertação entre dispositivos de segurança privada e as forças de segurança pública a propósito dos roubos nas gasolineiras. Com isto tudo na cabeça, uma rapaziada de topo na EP, dando seguimento a práticas, ao que parece, já do tempo da JAE – Junta Autónoma de Estradas, cria umas empresas para prestar serviços que eles próprios contratam e decidem e depois ainda são incomodados com processos e inquéritos como se estivessem a fazer algo de errado. O que vale é que estes inquéritos e processos nunca dão nada. É certo que eles ganharão uns cobres que complementam os seus magros salários, mas seria de uma enorme injustiça que, gente empreendedora e actualizada nas perspectivas de desenvolvimento preconizadas pelo discurso oficial, ainda fosse penalizada. Merecem é um prémio, alinhem-se e esperem.

ALGUMA BRINCADEIRA

Um grupo de miúdos brinca activamente num jogo que envolve alguma gritaria de excitação, alguma confusão, alguns empurrões e um movimento que não tem fim.
Passam alguns pais que pensam, os miúdos hoje em dia são todos hiperactivos.
Passam alguns professores que pensam, como é que se acalmam estes miúdos numa sala de aula de modo a que fiquem quietos, calados e sentadinhos a trabalhar.
Passam alguns pediatras que pensam, a dose de Ritalina terá que ser revista.
Passam alguns psicólogos que pensam, são as tarefas de desenvolvimento que lhes exigem esta actividade mas é fundamental que integrem modelos de regulação dos comportamentos de interacção social.
Passam alguns outros miúdos que pensam, brincadeira fixe bué.
Passam alguns avós que dizem aos miúdos, brinquem à vontade mas não digam aos vossos pais que foi a gente que disse.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

EDUCAÇÃO DE QUALIDADE PARA TODOS

Apesar dos milagres conseguidos pela PEC, Política Educativa em Curso, que transformou desqualificados em qualificados via Novas Oportunidades a uma velocidade estonteante e, como se soube hoje, multiplicou o sucesso escolar, embora seja fundamental que se estude a qualidade dos resultados apresentados e não apenas os números disponibilizados, continuamos com uma batalha enorme pela frente.
Relativamente a 2006 e de acordo com a OCDE, considerando 27 países ocidentais, Portugal tem 60% dos seus trabalhadores sem formação específica, apenas à frente da Turquia com 64%. No que respeita à existência de mão-de-obra especializada, Portugal também é penúltimo com 28%, também à frente da Turquia.
É por nos confrontarmos com estes números que, contrariamente aos arautos do liberalismo agressivo que defendem que a escola é para formar as elites e que nem toda a gente pode caber na escola, pelo que esta deve seleccionar os alunos, que se torna absolutamente fundamental não abdicar dos princípios de uma educação inclusiva, ou seja, DE QUALIDADE PARA TODOS.

LIVRO EM BRANCO

Na minha terra, e creio que não só, os mais velhos, quando nos queriam estimular a assumir a responsabilidade de construirmos o nosso futuro, diziam-nos que a vida era um livro em branco onde poderíamos escrever o que quiséssemos ou conseguíssemos. Era assim uma espécie de versão sofisticada do mais popular entendimento de que nos deitaremos na cama que fizermos. O meu pai traduzia isto tudo insistindo com a ideia de que deveria estudar para ser um homenzinho.
Estes discursos, bem ingénuos, ainda informam de forma discreta teses actuais remodeladas na forma e contidas nos discursos liberais que nos procuram convencer de que qualquer pessoa tem a hipótese de construir o futuro que quiser, o mito do “self made man” democratizado. Convém ser realista numa altura em que muitos milhares de crianças vão começar a sua escolaridade formal. As pessoas não têm, de todo, a mesma possibilidade e oportunidade de construir o futuro. As assimetrias e exclusão são devastadoras, os direitos individuais mais básicos estão por cumprir, mesmo em sociedades consideradas desenvolvidas, e existe muita gente que nasce condenada à luta pela sobrevivência sem expectativas positivas.
Contrariamente ao que os mais velhos, ingenuamente, nos queriam fazer acreditar, a vida, para demasiadas pessoas, é um livro já escrito, sem páginas em branco, e com um fim bem negro.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

A LUZ E AS LETRAS

Por pouco esquecia-me. O calendário das consciências manda que hoje estejamos a atentos ao analfabetismo, regista o Dia Mundial da Alfabetização. A taxa de analfabetismo em Portugal ainda ronda uns inaceitáveis 9% apesar de alguma recuperação que lentamente, demasiado lentamente, tem vindo a observar-se. Por isso, relembrando a cultura popular através do cancioneiro alentejano, é importante não esquecer que:

É tão triste não saber ler
Como é triste não ter pão
Quem não conhece uma letra
Vive numa escuridão

FALAR, NÃO FALAR

Isto anda engraçado. A Dra. Ferreira Leite falou. O PS diz que a senhora não disse nada. O Sr. Jerónimo Sousa falou, na Festa do Avante. O PS diz que disse o costume. O Dr. Portas, o Paulo calou-se. Como nunca se cala, estranharam, ele disse que falava depois. O Dr. Louçã esqueceu-se de falar. Mas ainda o vamos ouvir. Falta o Dr. Santana Lopes, o Pedro, que deve andar por aí, mas vai falar, é o destino. O “Action Man” Menezes, depois de experimentar andar naqueles aviões da Red Bull Race, vai passar a ver a política de cima, em “looping”, e disse que há políticos que não voam. Pois.
Sobre esta coisa de se falar ou não, a propósito do “silêncio” da Chefe do PSD uma das melhores análises veio de um dos maiores bluffs da política portuguesa o Dr. Pacheco Pereira, bom investigador em história, e de resto um produto da comunicação social, cujos meandros e procedimentos bem conhece e bem usa. Diz então o Dr. Iluminado que a líder da oposição deve “falar por excepção e não por regra”. Boa, então é assim, o Governo, enquanto poder executivo, realiza políticas, à oposição, não realizando políticas, resta-lhe o quê? Comentar, analisar, fiscalizar, propor alternativas, etc. às políticas do Governo. Como é que isto se faz? Intervindo, comunicando, falando. Com contenção e sem espectáculo? Certamente, ganha-se credibilidade. Mas em silêncio? Intervindo excepcionalmente? O Dr. Pacheco Pereira, cheio de inveja dos elementos próximos do PS que têm estado na Quadratura do Círculo, Jorge Coelho por exemplo, que conseguem defender o indefensável só porque vem do PS, agora que já tem uma Chefe em quem apenas vê virtudes, que raramente tem dúvidas e nunca se engana, como ele próprio, aliás, sai-se com estas análises. Não há pachorra.

UM HOMEM CHAMADO EU

Era uma vez um homem chamado Eu. Nada na sua vida era mais importante que ele próprio. Qualquer pessoa que tentasse conversar com ele, sobre qualquer assunto, acabava, invariavelmente, a ouvir o Eu a falar de si e de como tudo o que lhe dizia respeito era interessante e superlativo. Todos à sua volta desempenhavam papéis secundários. Era o melhor e mais imprescindível membro da sua família, sendo que todos os outros eram apenas alguém que tinha o privilégio de com ele partilhar os dias. O Eu considerava-se, naturalmente, mais competente que qualquer dos seus colegas a quem, aliás, não atribuía particular importância devido à sua, assim entendia, mediocridade. Qualquer coisa que alguém realizasse ou conseguisse, era, certamente, fruto do acaso, e ele, o Eu, obviamente faria melhor, se tal fosse necessário, é claro.
Um dia, subitamente, o Eu morreu. Causa da morte, solidão inultrapassável.

domingo, 7 de setembro de 2008

O DISCURSO

Finalmente ouvimos a Dra. Ferreira Leite no mais aguardado discurso da política portuguesa nos últimos anos. A senhora não dizia nada em público desde Julho, embora o guru Pacheco Pereira achasse que esta ideia do silêncio da chefe, de que toda a gente falava, dentro e fora do partido, fosse uma invenção da imprensa controlada pelo governo, típica da “silly season”. E que disse a senhora que nos ajude a repensar e mudar o mundo. Pois que quando for governo faz uma política económica “diametralmente oposta” não percebendo eu em quê, uma vez que, se a senhora disse, não entendi. Esquece que o PSD tem anos e anos de governo e deve assumir a sua co-responsabilidade pelo estado, triste, a que o País chegou. Pois que o Governo montou uma “máquina” que “gere favores”, “persegue” e “simplesmente demite”. Esqueceu-se certamente de agrupar a esta política o inimputável Alberto João, ou seja, o PSD a gerir a Madeira. Pois ainda disse que existe corrupção, pois que existe insegurança, tudo obviamente por exclusiva responsabilidade do Governo e que com o PSD no poder tudo mudaria, A tese “nova” da promessa do oásis. Pois falou do peso dos grupos económicos na vida do estado, como sabeis um problema completamente novo em Portugal. De resto, as banalidades do costume sobre investimento reprodutivo, obras públicas, a propaganda, etc. num despudorado branqueamento das práticas governativas do PSD e no inócuo, demagógico e descredibilizante discurso do “contrismo”, isto é, se veio do Governo está mal, como é óbvio.
Como os políticos costumam dizer, na minha modesta opinião, o discurso foi um excelente contributo para a decisão que me baila na cabeça. Contra muitas das coisas em que acredito em termos de cidadania política, as próximas legislativas, muito provavelmente, acompanhá-las-ei de casa.

SAUDADE

(Foto de Mico)

António, parece que foi ontem. Nós, novos, bonitos, ali em baixo na rua, a passear. Primeiro afastados, a olhar um para o outro, os tempos eram diferentes. Depois, já casados, gostávamos de passear de mão dada, sempre. As pessoas diziam que éramos doidos. Se calhar sim, só um bocadinho. Quando partiste fiquei zangada. De todas as promessas que me fizeste, foi a única que não cumpriste. Disseste que não me deixarias só, nunca.
Mas tu sabes, António, quando nos encontrarmos vamos, de novo, passear de mão dada, em qualquer rua. Mesmo que ainda nos chamem doidos.

sábado, 6 de setembro de 2008

HÁ MALES QUE VÊM POR BEM

Na cultura popular costuma dizer-se que “há males que vêm por bem”. Esta situação parece ilustrar esse entendimento. De acordo com o JN, no primeiro semestre deste ano, aumentou significativamente a utilização dos transportes públicos, designadamente, comboio e metro, nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, o que é uma boa notícia. Estes dados são ainda confirmados com a diminuição da utilização das auto-estradas, dados da Brisa, e das receitas de portagem das Pontes Vasco da Gama e 25 de Abril. O período em análise coincide com a impressionante escalada do preço dos combustíveis. Talvez fosse a altura para que tutela e operadores entendessem definitivamente a necessidade de construir uma rede de transportes públicos de qualidade e eficaz e nós, consumidores, entendermos que com transportes públicos de qualidade e eficazes, a utilização do transporte individual é uma má opção em termos de custos directos, combustível, desgaste e parqueamento e indirectos, tempo, por exemplo, para além, obviamente, dos custos ambientais.
Uma má notícia, à medida do Portugal dos Pequeninos, é que o deputado João Rebelo do CDS-PP, acha “perfeitamente aceitável” que o Dr. Portas, o Paulo, esconda dos seus colegas de direcção, durante um ano, o pedido de demissão de um vice-presidente do partido. O meu cão, o Faísca, tem uma postura mais independente e autónoma, nem sempre obedece ao que lhe digo, mas também não é deputado.

PS – O país continua suspenso do anunciado, para amanhã, discurso da Dra. Ferreira Leite. Consta que se centrará no desenvolvimento da trave mestra da sua arquitectura ideológica, a “família tem por objectivo a procriação”. A seguir com atenção.

UM HOMEM CHAMADO DISTRAÍDO

Era uma vez um homem, chamava-se Distraído e, naturalmente, era assim que toda a gente o tratava. Desde sempre. Em pequeno, na escola, a toda a hora lhe diziam que não estava atento. De início até dizia que estava atento, mas a outras coisas. Quando percebeu que se zangavam com a resposta começou a ficar mais calado. Apesar das suas viagens cumpriu a tarefa de aprender o que a escola decidiu ensinar-lhe. Cresceu e escolheu viver só para poder viajar quando e onde lhe apetecesse sem alguém lhe dizer, lá está o Distraído. Como sempre gostou de não se esquecer das suas viagens e do que lá via, começou a escrever e a desenhar, conseguindo que alguns trabalhos fossem publicados. Logo que pôde, arranjou uma casa no sítio mais bonito que já tinha visto em qualquer das viagens que fazia de pequeno sem sair do lugar. Pouca gente era capaz de ir ao sítio onde ele construiu o seu espaço para viver. É certo que alguns invejavam, mas não se atreviam. Muitos achavam-no bonito mas interrogavam-se como era possível que alguém vivesse sempre ali. O Distraído, nas poucas vezes que dava atenção ao que diziam, pensava para consigo que nunca dali sairia.
O Distraído vivia nas Nuvens, um sítio lindíssimo, a caminho da Lua.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

ENSINO BÁSICO UNIVERSAL, OBRIGATÓRIO E GRATUITO

A Constituição da República estabelece no Artigo 74 que “Compete ao Estado assegurar o Ensino Básico universal, obrigatório e gratuito”.
Segundo a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros os manuais obrigatórios representam um encargo de 80 milhões de euros para as famílias de 1,4 milhões de alunos que vão iniciar as aulas. Embora se preveja um aumento substantivo dos alunos objecto de apoio social, torna-se óbvio o custo extremamente significativo da vida escolar. Naturalmente que ao custo com os manuais se deve acrescentar o encargo com material escolar e livros de apoio sempre “sugeridos” pelas escolas e que determinam, de acordo com o INE, que as famílias portuguesas gastem mais que a média europeia em educação. É também conhecido que muitas famílias, nesta altura, recorrem ao crédito ou ao adiantamento do subsídio de Natal para enfrentar estes encargos. É neste quadro que se desenha a questão da equidade, igualdade de oportunidades e exclusão. Tal como a Constituição determina, estamos a falar de Direitos, não de privilégios, ninguém o deve esquecer.

PS – É já no Domingo que a Dra. Ferreira Leite nos tirará da angústia de desconhecermos o seu pensamento.

COISAS DO MUNDO

São coisas do mundo, só se podem ver ao longe, diziam os Heróis do Mar num velho tema, o Fado, que estou a ouvir numa onda de revivalismo. Agora, tempo em que as coisas do mundo, todas as coisas, estão perto, demasiado perto, a ideia faz ainda mais sentido.
As coisas demasiado perto invadem-nos, ocupam-nos, esmagam-nos, empurrando-nos umas vezes para cima, empurrando-nos outras vezes para baixo, mas sempre roubando a lucidez do olhar e do pensar.
Deixamos, então, de entender as coisas do mundo.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

SÓ APRENDE QUEM SE RI

O apoio social escolar vai abranger o triplo dos alunos que dele beneficiava. É uma medida importante e um trágico sinal das dificuldades que muitas famílias atravessam. Faz-me lembrar uma história que me aconteceu numa viagem profissional a Moçambique, há já alguns anos. Em Inhambane fiquei alojado numa casa, só, e tinha um homem espantoso, o Sr. Bata, a zelar por mim. Um dia, cedo, descíamos a rua e ao passar ao pé de uma escola primária diz-me o Sr. Bata, “se eu mandasse, trazia um camião de batata-doce (acho que foi isto que disse) para estes miúdos”. Estranhei a ideia e interpelei-o, “batata-doce, Sr. Carlos?”. O velho olhou para mim e com o ar mais tranquilo do mundo explica, “sim, estes miúdos haviam de comer batata-doce até se rirem, só aprende quem se ri”.
O velho Bata tem razão, mesmo contra umas vozes, ignorantes e arrogantes, que por aí andam combatendo a relação entre estar bem e aprender bem, “só aprende quem se ri”.

PS – Só faltam 4 dias para, finalmente, ouvirmos a voz da Dr. Ferreira Leite, que sofrimento é a espera.

PORTA DA RUA

Era uma vez um homem, chamava-se Perdido. Era de uma terra chamada Nada, onde, praticamente, já ninguém vivia. Ele também partiu. O Perdido passou por muitas terras e achou todas parecidas com Nada. Foi seguindo a estrada que crescia dos pés e tudo, sempre, lhe parecia Nada. Um dia entrou numa terra que, finalmente, não se parecia com Nada. Ruas, árvores, casas, tudo bonito e arranjado, mas era estranho, não se via ninguém. Começou a bater às portas das casas e acontecia uma coisa misteriosa. A cada porta que batia, ela abria-se e, ao entrar, ficava imediatamente na rua. Em todas se verificou tal estranheza. Devia ser a razão pela qual aquela terra estava deserta. Perplexo, interrogou os pés e retomou o caminho para algures.
Há vidas assim, como a do Perdido, por mais portas que cruzem nunca se sai da rua.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

PORTUGAL DOS PEQUENINOS

Não queria acreditar no que estava a ouvir. No jornal das 13 na RTP1, à saída de uma reunião com as entidades representantes das gasolineiras destinada a analisar o problema de segurança face ao número de assaltos, o Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna, o conhecido papagaio José Magalhães, afirmava que “os criminosos têm que perceber que o assalto a gasolineiras não compensa, tem um risco muito elevado e os proveitos são baixos, é um crime sem rendimento mínimo garantido” (sublinhado meu). Notável exemplo de bom gosto e substância política. José Magalhães deveria ter ido mais longe, aconselhando os criminosos sobre as opções mais rentáveis e com menor risco, era mais tranquilo e eficaz para todos. Melhor andou um representante das gasolineiras que aconselhou os criminosos a trabalhar em vez de roubar. Em todo o caso será importante ouvir José Magalhães sobre segurança no trabalho (os riscos) e salários (os rendimentos) para ver se compensa a opção.

DA CAMA ABAIXO

Isto não se aguenta. O povo anda assustado porque apareceu por aí uma onda de criminalidade, ao que parece, por culpa … claro, dos criminosos que em vez de estarem quietinhos à espera de um subsídio, desataram por aí a assaltar e a atirar sem se importar com os estragos que isto faz na imagem do governo. É certo que os números parecem não corresponder ao sentimento e discursos produzidos e há também gente da política que, irresponsavelmente, lança gasolina (ao preço a que está, ainda por cima) na fogueira. Mas é um facto que se instalou um clima negativo e de receio.
Como se isto não bastasse, vem agora o Infarmed, Autoridade Nacional do Medicamento, informar que as camas dos serviços de pediatria dos hospitais são perigosas para as crianças devido à sua errada concepção, designadamente, na largura entre barras, susceptível de causar acidentes, que aliás, se têm verificado.
Mas como é? As nossas criancinhas vão ao hospital para receber cuidados de saúde e correm riscos de acidentes, logo na cama, local último de tranquilidade e repouso. Por isso é que o Dr. Santana Lopes, um visionário, antecipava este problema no famoso discurso da incubadora e, na altura, ninguém o compreendeu. Caminhas novas, já.

PS – Faltam 5 dias para que a Dra. Ferreira Leite fale e o país enfim respire de alívio, ela fala.

À ESQUINA

(Foto de Rui Lebreiro)

A vida cumpre-se de esquina em esquina. Há esquinas bonitas e esquinas feias.
Numa qualquer esquina nos perdemos e numa qualquer esquina nos encontramos. É nas esquinas que nos magoamos e no dobrar das esquinas que somos.
Às vezes, tudo acontece ao virar da esquina. Outras vezes, uma esquina esconde outra esquina que esconde outra esquina.
Há esquinas que nos assustam, outras que ansiamos, outras ainda que nem imaginamos.
E, muitas vezes, é à esquina que ficamos.
À esquina.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

TRANSPARÊNCIA

Uma das características e condições exigidas a sociedades que se pretendem democráticas é a transparência, isto é, devem ser conhecidas pelo cidadão as circunstâncias e dados inerentes às instituições públicas e os processos pelos quais se regem as privadas. Dois bons exemplos de como precisamos de ser mais consistentes em matéria de transparência, o que nos tornará mais exigentes, são hoje divulgados. No CDS-PP, a quinta do Dr. Portas, o Paulo, soube-se que o tio Luís, o Nobre Guedes, tinha pedido a demissão de vice-presidente há um ano, sim um ano, e que só agora foi conhecida a situação. O Dr. Portas deve uma explicação sobre este “segredo” que surpreendeu, não percebo porquê, os militantes do CDS-PP. Como é hábito, virá de dedinho em riste explicar o inexplicável e logo a seguir largar mais um inócuo “soundbyte” com um frémito no olhar.
Segunda nota. A Carris acumulou um passivo que chegaria para comprar uma frota de 3000 (leram bem, 3000) autocarros novos. Eu que pago impostos e sei que são praticados preços sociais sem relação com os custos reais de exploração, gostava de perceber se isto é uma fatalidade que eu tenho de pagar (mais), ou se se trata de uma gestão incompetente que temos de continuar a suportar.

PS – Faltam 6 dias para o discurso dos discursos, o da Dra. Ferreira Leite em Castelo de Vide, ai que nervos.

SONHO

Ele ouvia-os tranquilamente. Na posição em que estava não podia ver muito bem as caras mas algumas vozes até identificava. Era um gajo porreiro, dizia o Silva para o Lopes que acrescentou, mesmo simpático. O João, pareceu-lhe pela voz, dizia, não percebeu a quem, colega como ele nunca tive. E tão divertido que era, dizia a D. Júlia, ninguém ficava aborrecido ao pé dele. Era um exemplo de trabalhador disse alguém que ele não conhecia. Uma senhora com ar inspectivo olhou para ele e comentou para uma outra que a acompanhava, era um homem novo e bem-parecido. O Chefe, que também apareceu, contava para o Lopes e para a D. Júlia como eram animadas as conversas que tinha com ele, para além do serviço. Conseguiu ainda perceber a voz do Manel, o cunhado, com quem sempre discutia, a afirmar para alguém, éramos como irmãos. Até o Francisco, um tipo que ele não via há anos, comentava os tempos de convívio que tinham passado juntos e de que ele não se lembrava. Entretanto, devagarinho, as vozes foram ficando mais longe, imperceptíveis e ele adormeceu.
Sonhou que ainda estava vivo.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

TOMARA QUE CHEGUE DOMINGO

Faltam apenas 7 dias para o dia D. No final da mais famosa e mediática das Universidades Portuguesas, a Universidade de Verão do PSD, a decorrer desde hoje em Castelo de Vide, surgirá o mais aguardado e bem guardado discurso da política portuguesa dos últimos anos. A Dra. Ferreira Leite vai finalmente falar. Acho bonita a decisão de guardar as suas ideias para os meninos, projectos de políticos, que frequentam a Universidade de Verão para se prepararem para uma carreirazinha partidária que isto cá por fora anda mau de empregos. A Dra. Ferreira Leite, mais conhecida por Fiat 600, Menezes dixit, irá certamente surpreender o País e tranquilizar o desassossego do Professor, o Marcelo. O seu discurso será proferido envolto numa espécie de nevoeiro, fruto dos efeitos especiais preparados por essa tutelar figura da comunicação política chamada Pacheco Pereira, que zelará para que as dezenas de câmaras de televisão não mostrem primeiros planos da chefe com a criminosa intenção de lhe prejudicarem a imagem, como fizeram aquando da entrevista com a Judite de Sousa na RTP que, como sabem, está ao serviço do Governo. Estou farto de pensar e nem imagino de que falará a Dra. Ferreira Leite. Este tempo de espera pelo discurso salvador e orientador dos destinos da pátria é angustiante. Antes Santana Lopes e Menezes que, dizendo nada, estavam sempre a falar, estávamos habituados, não era este desatino. Tomara que chegue Domingo.

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Currículo académico
. Licenciatura em Opiniões Gerais
. Mestrado em Lobbying , especialidade Comunicação Social
. Doutoramento em Produção e Manipulação de Informação Política
Formação Profissional
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. Curso de Técnica Avançada de Elaboração de Discursos
Currículo Profissional
. Experiência de Deputado representando dois partidos e dois ciclos eleitorais diferentes
. Assessor de Administração de Empresas Públicas de áreas diversas e sob administrações políticas diferentes
. Comentador residente em dois canais televisivos
. Analista político e cronista em três jornais
. Vasta experiência como autarca em representação de diferentes formações políticas, em concelhos de regiões diversas

Procuro emprego/empregos compatível. Ofereço qualidade, rigor, experiência e fidelidade. Aproximando-se um ano de eleições julgo constituir uma mais-valia importante para uma instituição ambiciosa e bem implantada no mercado. Condições remuneratórias a discutir, considerando-se a hipótese de aceitar parte em espécie.