domingo, 2 de março de 2025

UMA VIAGEM NO TEMPO, OS MATRAQUILHOS

 Uma peça do Público de hoje deixou-me surpreendido e, simultaneamente, levou-me numa viagem no tempo que, como sabem, é uma tentação frequente dos mais velhos.

Li que a campeã mundial de matraquilhos é portuguesa, Ângela Silva, da Covilhã, sendo que existem outros praticantes de alto nível.

Na verdade, desconhecia a existência desta modalidade enquanto tal e o desempenho notável alguns praticantes. Aqui fica a felicitação.

Por outro lado, andei muito para trás no tempo, a entrada na adolescência quando os matraquilhos era uma actividade muito comum para muitos de nós.

Não tínhamos telemóveis, computadores e mesmo os brinquedos mais sofisticados estavam longe das bolsas de muitos pais, incluindo os meus.

Os matraquilhos eram uma tentação, mas também era preciso ter a moedinha. Muitas vezes fazíamos viagens a pé de casa para Almada ou volta para poder jogar aos “matrecos”.

Lembro-me de em Almada jogar no café Ver Cruz e ter a sorte de ter um parceiro, o Zé Miguel, cigano, que era uma máquina a jogar à frente e eu desenrascava-me na defesa. Muitos lanches tivemos à conta da habilidade ofensiva do Zé Miguel e, claro, da minha solidez defensiva.

Também na minha terra, Feijó, nome muito referido diariamente nas rádios de devido às filas de trânsito para a ponte 25 de Abril que estão muitas vezes perto das pontes do Feijó, jogávamos matraquilhos na Tasca do Manel.

Recordo ainda os matraquilhos porque, ainda miúdo, conseguíamos tirar, por assim dizer, uma bola para, imaginem, jogar hóquei em patins, modalidade em alta naquele tempo.

Claro que ninguém de nós tinha patins nem sticks. Recorríamos a uns talos de couve com uma curva que pudesse fazer de stick ou construíamos em madeira, solução mais frágil.

Eram tempos outros. Quando conto estas histórias aos meus netos fico com a sensação de que estão a ouvir (imaginar) ficção científica ao contrário.

Que a Ângela Silva e todos os praticantes sejam bem-sucedidos.

HISTÓRIAS DO SIMÃO - 3 - A VOLTA DOS ESPARGOS

Aproveitando as férias de Carnaval eu e o meu irmão viemos estar estes dias no monte dos meus avós no Alentejo.

Na sexta-feira a minha avó foi de comboio de Vila Nova da Baronia a Almada e voltou com a gente. Gostamos muito de fazer esta viagem de comboio.

Hoje, como não estava a chover de manhã, eu, o meu avô e o um irmão fizemos a voltinha dos espargos que é dar uma volta ao monte a apanhar os espargos.

Agora há muitos e são muito bons mexidos com ovos e em cima de uma fatia de pão torrado com azeite.

Às vezes é difícil apanhar porque os espargueiros têm muitos picos. Levamos luvas de cabedal, um sacho e um saco para trazer.

Às vezes alguns espargos dão trabalho a apanhar porque estão no meio de espargueiros grandes.

Agora que está a chover vamos ficar em casa e ler o livro que vou apresentar num trabalho da escola. 



sábado, 1 de março de 2025

AS CONTAS QUE NUNCA DÃO CERTO

 Afinal, as contas não estavam certas.  No recentemente divulgado o estudo do Edulog, “Necessidade de Professores: Deficit ou ineficiência na gestão da oferta de ensino?”, era referida a existência de 40% de escolas do 1.º ciclo com menos de 15 alunos, número que parecia não corresponder à realidade, como diferentes directores escolares referiram.

Ao que agora é afirmado pelo Prof. David Justino, coordenador do estudo, terá havido “um problema na extracção dos dados” que motivou sobreposições na contagem das escolas.

De acordo com a leitura do Movimento Escola Pública, também os dados relativos ao ensino profissional não corresponderão ao cenário real.

É notável que numa área como a educação e seja qual for a matéria em análise, as contas quase nunca batam certo, tal como as realidades descritas nem sempre coincidem com as realidades observadas. Embora o erro possa acontecer, a justificação que me ocorre para tantos episódios é …, não pode ser, seria mau demais.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

A QUE VELOCIDADE LÊS?

 Zé, a que velocidade é que lês?

Não sei, pai.

Vamos ficar a saber.

O IAVE vai promover uma prova a realizar pelos alunos do 2.º ano designada por Diagnóstico da Fluência Leitora. Decorrerá de 9 a 20 de Junho em todas as escolas do 1.º ciclo, públicas e privadas, em colaboração com a Rede de Bibliotecas Escolares.

Pretende-se avaliar a fluência da leitura dos alunos do 2.º ano O objectivo é avaliar a fluência da leitura dos alunos do 2.º ano.

Ao que se lê na imprensa os alunos disporão de um minuto para ler um número mínimo de palavras e a avaliação estará focada na velocidade e precisão.

Dada a importância da leitura na globalidade das aprendizagens, os resultados permitirão, afirma-se, ajustar estratégias para o 3.º ano.

Costumo dizer que no fim de quase cinco décadas a trabalhar no mundo da educação, mais os anos de estudante, poucas coisas me surpreendem, mas senhores, uma prova de velocidade da leitura?!!!

É óbvia a importância e o impacto da leitura no conjunto das aprendizagens, mas avaliar a competência de leitura na rapidez de leitura de palavras é pouco e esquece dimensões essenciais como compreensão e prosódia.

Quantas vezes, pesar de sermos leitores competentes e experientes precisamos de diminuir o ritmo de leitura para tornar mais sólida a compreensão do que estamos a ler. Por outro lado, a experiência diz-nos que ler mais devagar pode prejudicar num teste de velocidade e não significar menor competência de leitura.

Quem acompanha o escrevo e afirmo, sabe que os dispositivos de avaliação na sua diferente tipologia, formativa, sumativa, diagnóstica, interna ou externa, são ferramentas imprescindíveis a processos educativos de qualidade.

Dito isto, também é entendo que medir muitas vezes a febre não faz com que ela baixe ainda que necessitemos de saber se existe febre e tratá-la, esta sim a grande questão, como melhorar os resultados e com que recursos.

Insisto, a qualidade promove-se, é certo, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, naturalmente, mas também com a avaliação do trabalho dos professores, com a definição de currículos e metodologias adequadas, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados de organização e funcionamento das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.,

Gostava que não lessem este texto de forma demasiado rápida para que possa ficar mais claro o que pretendi reflectir.


quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

OS CONSUMOS DE ADOLESCENTES E JOVENS

 Foi divulgado pelo Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências o relatório anual relativo ao consumo de drogas e toxicodependências e álcool referente a 2023.

Lê-se no DN que, analisando dados de 2022 e 2023, ““verificaram-se agravamentos ao nível das idades de início dos consumos, das prevalências do consumo recente e actual, das de embriaguez severa e dos consumos de risco elevado/nocivo e da dependência", o que reforça "a tendência de aumento da dependência desde 2012, que quase quadruplicou em dez anos"”.

Mais preocupante é sabermos que estes indicadores estão longe de reflectir o consumo de álcool nestas idades.

Trata-se, de facto, de um cenário que merece atenção e retomo algumas notas envolvendo os consumos de adolescentes e jovens.

O consumo de diferentes substâncias, em quantidade e em grupo por adolescentes e jovens, sobretudo ao fim-de-semana, é muitas vezes entendido e sentido como o factor de pertença ao grupo, potenciando a escalada desse consumo. Juntos bebemos ou fumamos mais do que estando sós, como é óbvio, e o "estado" que se atinge é sentido como um "facilitador" relacional.

Por outro lado, a acessibilidade aos diferentes produtos não é complicada, antes pelo contrário, processa-se com a maior das facilidades apesar de algumas alterações legais. Muitos adolescentes ou jovens, ouvidos em estudos nesta matéria, referem ainda a ausência de regulação dos pais sobre os gastos, sobre os consumos ou sobre as horas de entrada em casa, que muitas vezes tem que ser discreta e directa ao quarto devido ao “mau estado” do protagonista.

Como é evidente, já muitas vezes aqui o tenho referido com base na experiência de contacto com pais de adolescentes, não estamos a falar de pais negligentes. Podem acontecer situações de negligência, mas, na maioria dos casos, trata-se de pais que sabem o que se passa, “apenas fingem” não perceber desejando que o tempo “cure” porque se sentem tremendamente assustados, sem saber muito bem o que fazer e como lidar com a questão.

De fora parece fácil produzir discursos sobre soluções, mas para os pais que estão “por dentro” a situação é muitas vezes sentida como maior que eles.

É preciso que a comunidade esteja atenta a estes adolescentes que, por vezes ainda antes dos 13 ou 14 anos começam a “aceder” às “litrosas”, aos shots, a qualquer outro produto para fumar ou consumir e também aos seus pais que estão tão perdidos quanto eles.

Apesar das alterações na legislação de natureza proibicionista, parecem-me imprescindíveis, evidentemente, a adequada fiscalização e, sobretudo a criação de programas envolvendo pais e aos adolescentes que minimizem o risco do consumo excessivo das diferentes substâncias.

É mais uma das áreas, comportamentos e saúde, que podem ser abordadas nas escolas com todos os alunos e sem que tenham de se constituir como “disciplinas” apesar de manifestos e discursos insustentáveis face a indicadores desta natureza.

Acresce que a proibição, como sempre, não basta e se prevenir e cuidar é caro que se façam as contas aos resultados do descuidar.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

DO BULLYING

Foram divulgados alguns dados do trabalho produzido pelo Grupo de Trabalho criado pela Ministério da Juventude e Modernização com o objectivo de combater e prevenir o bullying. O trabalho é coordenado por Manuela Veríssimo do ISPA – Instituto Universitário, a minha casa de formação e de trabalho nas últimas décadas.

Em inquérito que envolveu 31133 participantes entre os 11 e os 18 anos, 5,9%, 1837, referiram já ter sido vítimas de bullying. Também sem surpresa, a maioria das vítimas são raparigas e a maioria dos agressores são rapazes

Apesar de já não me sentir muito optimista face ao real impacto do que resulta dos Grupos de Trabalho, que algo possa acontecer, espero que este seja uma mais-valia face ao contexto actual em que o bullying é fonte de sofrimento e mal-estar para muitas crianças, adolescentes e jovens. A ver vamos.

Relativamente ao fenómeno do bullying e em particular do cyberbullying, não há muito de novo a dizer, continua a ser fonte de sofrimento para muitas crianças e jovens e, naturalmente, uma fonte de preocupação para famílias, professores e técnicos. Recordo que no ano lectivo 22/23 a GNR registou 140 crimes de bullying e cyberbullying no ano lectivo 22/23. No entanto, esta será apenas uma parte pequena do volume de episódios, muitos dos quais sem divulgação.

Importa insistir nesta questão e retomo algumas notas.

Um relatório da Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia divulgado em Maio afirmava que cerca de 66% dos alunos portugueses da comunidade LGBTIQ sofreram bullying ou foram humilhados na escola algo que também é perceptível nos dados agora conhecidos.

Um trabalho que aqui referi, “Global estimates of violence against children with disabilities: an updated systematic review and meta-analysis”, divulgado em  2022 na The Lancet Child & Adolescent Health, mostrou com indicadores alarmantes, mas, lamentavelmente, não surpreendentes. Cerca de uma em cada três crianças ou adolescentes com deficiência é vítima de algum tipo de violência, física, emocional, sexual ou negligência. No caso mais particular do bullying verifica-se um significativo nível de vitimização, cerca de 40% das crianças com deficiência terá sido alvo deste tipo de comportamento. O bullying presencial, violência física, verbal ou social como bater, pontapear, insultar, ameaçar ou excluir é mais comum, 37%, do que o cyberbullying (23%) que está a aumentar com a presença esmagadora do digital.

O estudo recorreu a dados relativos a mais de 16 milhões de crianças de 25 países, recorrendo ao tratamento de 98 estudos, realizados entre 1990 e 2020, de que 75 respeitam a países de mais elevados rendimentos e 23 relativos a sete países de baixo ou médio rendimento.

Os dados conhecidos no que respeita ao bullying e considerando que não correspondem ao universo de ocorrências, mostram a necessidade de uma séria reflexão e intervenção nos contextos educativos que chegue a todos os alunos e que promova a qualidade das relações interpessoais, a empatia, solidariedade e inteligência emocional, etc.

O cyberbullying parece ser actualmente a variante de bullying mais preocupante. Contrariamente ao bullying presencial o cyberbullying não tem “intervalos”, normalmente os fins-de-semana, pois ocorrem predominantemente nos espaços escolares. Não sendo presencial o(s) agressor(es) não tem, ou não têm, uma percepção clara do nível de sofrimento infringido o que em algumas circunstâncias pode funcionar como “travão” e inibir o comportamento agressivo. Esta situação é potenciada quando se junta a um menor nível de empatia pelo outro o que ficou muito claro no primeiro trabalho citado acima e que merece leitura.

Também por estas razões é fundamental uma atitude ajustada face a este tipo de comportamentos.

Em termos globais e como já referi, a ocorrência de situações de bullying é bem superior ao número de casos que são relatados. Uma das características do fenómeno, nas suas diferentes formas, incluindo o cyberbullying, é justamente o medo e a ameaça de represálias a vítimas e assistentes que, evidentemente, inibem a queixa pelo que ainda mais se justifica a atenção proactiva e preventiva de adultos, pais, professores, técnicos ou funcionários.

Este cenário determinaria, só por si, um empenhado investimento em recursos e dispositivos que procurassem minimizar o volume de incidências, algumas das quais de gravidade severa.

Neste contexto e dada a gravidade e frequência com que ocorrem estes episódios, é imprescindível que lhes dediquemos atenção ajustada a sinais dados por crianças e adolescentes, nem sobrevalorizando, nem tudo é bullying, o que promove insegurança e ansiedade, nem desvalorizando, o que pode negligenciar riscos e sofrimento.

Neste universo e mais uma vez importa considerar dois eixos fundamentais de intervenção por demais conhecidos, a prevenção e a intervenção depois dos problemas ocorrerem. Esta intervenção pode, por sua vez e de forma simplista, assumir uma componente mais de apoio e correcção ou repressão e punição, sendo que podem coexistir. Com alguma demagogia e ligeireza a propósito do bullying, as vozes a clamar por castigo têm do meu ponto de vista falado mais alto que as vozes que reclamam por dispositivos de prevenção, intervenção e apoio para além da óbvia punição, quando for caso disso.

Esta utilização mostra a necessidade de dispositivos de apoio e orientação absolutamente fundamentais para que pais, professores e alunos possam obter informação e suporte. Entretanto estão criados vários portais e estão disponíveis alguns canais de denúncia e procura de orientação e suporte dirigido a pais, professores, técnicos e, naturalmente, alunos.

Lamentavelmente, parte significativa das entidades e iniciativas de apoio e suporte é exterior às escolas e ilustra a falta de resposta estruturada e global do sistema educativo, para além das insuficiências de recursos e na formação de técnicos e de professores sobre esta complexa questão, desde logo para o seu reconhecimento e identificação.

A existência de dispositivos de apoio sediados nas escolas, com recursos qualificados e suficientes, designadamente no que respeita aos assistentes operacionais com funções de supervisão dos espaços escolares, é uma tarefa urgente.

Do meu ponto de vista, o argumento custos não é aceitável porque as consequências de não mudar ou não fazer são incomparavelmente mais caras. Depois das ocorrências torna-se sempre mais fácil dizer qualquer coisa, mas é necessário. Muitas crianças e adolescentes evidenciam no seu dia-a-dia sinais de mal-estar e sofrimento a que, por vezes, não damos ou não conseguimos dar atenção, seja em casa, ou na escola.

Estes sinais não devem ser ignorados ou desvalorizados. O resultado pode ser trágico.

Esperemos que este Grupo de Trabalho seja ponto de partida num caminho adequado, minimizar o risco de sofrimento para muitas crianças, adolescentes e jovens.


terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

HISTÓRIAS DO SIMÃO - 2 - QUANDO ANDEI NO JUDO

 Nesta história vou falar do tempo em que pratiquei judo.

Quando tinha 8 anos, e como um primo fazia judo e gostava muito, os meus pais lembraram-se que talvez eu também gostasse.

Eu quis experimentar e fui para o Judo Clube do Pragal, em Almada.

Nos primeiros dias estranhei porque nunca tinha praticado, mas fui bem acolhido pelos meus novos colegas e pelo Mestre Nelson Trindade. Depois comecei a gostar muito dos treinos

Mesmo quando era ainda cinto branco, o primeiro cinto, comecei a participar em torneios com colegas de outros clubes. Fui a torneios em muitos sítios, tais como Alvito, Setúbal, Palmela, Lisboa, Pinhal Novo, Barreiro ou Seixal e Almada.

Fiquei muito contente de ir e algumas vezes até fiquei em primeiro no meu escalão.

Ao princípio, como não sabia bem as regras conversava e estava distraído no treino e tinha um castigo.

No ano passado fui às férias do judo e gostei imenso porque era judo, mas também fazíamos outras actividades.

Neste ano lectivo tive de parar porque os treinos já eram mais tarde e era difícil.

Gostei muito de andar no judo e pode ser que um dia volte.

EM CONTRAMÃO

 A divulgação do estudo ”Necessidade de Professores: Deficit ou ineficiência na gestão da oferta de ensino?", coordenado por David Justino e realizado pelo Edulog, um think tank da Educação da Fundação Belmiro de Azevedo, fez-me pensar na velha história de alguém que viaja tranquilamente em contramão e ao olhar para os viajantes com que se cruza e para o seu ar inquieto, pensa. "Esta gente anda toda em contramão, que descuidados".

Afinal, fundamentalmente, não temos falta de docentes, o que temos são demasiadas escolas pequenas, um excesso de turmas com um efectivo muito baixo, uma carga horária lectiva demasiado elevada ou excesso de oferta formativa. Corrigindo tudo isto, como alguma cautela, é claro, teríamos quase, quase, resolvido um não problema, a falta de professores. É mesmo uma "ineficiência".

Há sempre alguma forma de “torturar” os números de modo a dizer-nos o que queremos que seja dito.

Sim, eu sei, desculpem, é mesmo um desabafo, já cansa.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

MAS AS CRIANÇAS, SENHORES ...

  A Associação de Apoio à Vítima (APAV) divulgou recentemente dados relativos a violência doméstica dirigida a crianças e jovens durante 2024.

Durante este ano foram registados 3424 crimes, 66 por semana um aumento, (mais 7) relativamente a 2023.

As vítimas têm em média 10 anos e mais de metade são do sexo feminino. A agressão é realizada na maioria dos casos por homens, frequentemente o pai, embora também pela é maioritariamente do sexo masculino, muitas vezes o pai, mas também se registam episódios envolvendo a mãe, padrasto ou madrasta.

Também em 2024 se registou o aumento de crimes sexuais denunciados por familiares e amigos, bem como os pedidos de acompanhamento e de diligência processuais.

Também se verificou o aumento de situações de cibercrime em particular envolvendo crianças e jovens.

Esta realidade não pode deixar de criar um cenário de risco severo no que respeita ao desenvolvimento saudável e ao sucesso educativo destes miúdos e adolescentes e, portanto, à construção de projectos de vida bem-sucedidos.

Como é óbvio, em situações limite que envolvam carência alimentar, abuso, mendicidade, insucesso educativo e abandono escolar, estaremos certamente em presença de dimensões de vulnerabilidade que concorrerão para futuros preocupantes.

É por questões desta natureza que a definição de políticas e prioridades deve obrigatoriamente ser feita com critérios de natureza sectorial e não de uma forma cega e apressada, custe o que custar, naturalmente mais fácil, mas que, entre outras consequências, poderá manter milhares de crianças e adolescentes em situações de fragilidade e risco com implicações muito sérias.

domingo, 23 de fevereiro de 2025

GUARDAS-NOCTURNOS, LEMBRAM-SE?

 Li no JN há dias que a Câmara do Porto considera criar um dispositivo de guarda-nocturno em algumas áreas de três freguesias da cidade.

Esta referência aos guardas-nocturnos deixou-me por um tempinho a passear na memória. As memórias fazem muitas vezes companhia aos mais velhos.

Nos tempos actuais, em que a segurança não sai da agenda, não sei avaliar sobre a justificação da sua existência, mas acredito que pela proximidade pode ter um efeito positivo e óbvio na segurança e, muito importante, no sentimento de segurança sentido pelo cidadão, algo que está a ser objecto diversas e algumas também erradas leituras. Por outro lado, também pode acontecer que seja de considerar a própria segurança dos guardas-nocturnos. Os tempos vão ásperos.

É nesta perspectiva que me lembrei de nos meus tempos de adolescente e jovem, mais de cinquenta anos lá para trás no tempo, e, por assim dizer, com uma vida nocturna alargada. Quase todas as noites eu e a minha tribo nos cruzávamos com o guarda-nocturno da zona.

Mantínhamos uma cavaqueira que nos punha mais próximos, aliviava o tempo e dava-nos a sensação de que na rua andava alguém que conhecia as pessoas que lá moravam e zelava por nós.

Algumas pessoas, sobretudo comerciantes, contribuíam com algo mais para o guarda-nocturno e essas tinham "vigilância privilegiada". O bairro sentia-se mais tranquilo, o Sr. Silva andava por lá, uma espécie de anjo da guarda fardado.

Como disse, mais do que saber o impacto objectivo da presença do guarda-nocturno no abaixamento da delinquência ou vandalismo, tenho a certeza que as pessoas vão sentir-se mais seguras se souberem que o Sr. Silva, enquanto dormimos, anda a olhar pela nossa rua, pelo nosso mundo.

sábado, 22 de fevereiro de 2025

DELINQUÊNCIA EM CONTEXTO ESCOLAR

 A PSP divulgou os dados relativos a ocorrências registadas no âmbito do Programa Escola Segura no ano lectivo 23/24.

O número de situações de crime registadas, 3441, é superior a 22/23 em 10,6%, mais 331 casos. Ainda assim, o total está abaixo da média da última década.

De forma mais específica, as ofensas corporais, 1346 casos, mais 8,8% que em 2022/2023, e as injúrias e ameaças, 946, mais 14,27%, foram as situações mais frequentes.

Registou-se uma diminuição de casos de tráfico de droga, de 28 para 20 registos, e de roubos, 82 para 75. As ofensas sexuais registaram o mesmo número ocorrências, 88.

Em 2023/2024 detectaram-se 39 armas nas escolas, 5 de fogo, mais 4 que no ano anterior.

Foram registados 75 crimes de roubo, 134 situações envolvendo bullying e 30 cyberbullying, um número mais baixo que no ano anterior.

É ainda de referir que cerca de 70% das ocorrências aconteceram dentro das escolas e as restantes nas suas imediações ou no percurso para casa.

Retomo algumas notas que há pouco aqui deixei sobre esta questão que sendo, talvez, mais um sinal dos tempos que vivemos é preocupante.

Uma primeira nota para registar que também noutros países se verifica um trajecto da mesma natureza. No final de Janeiro, o Expresso referia a problemática crescente de violência e delinquência entre jovens associada às novas tecnologias que se verifica em Espanha. Fala-se de novos padrões de delinquência e dimensões como bullying, violência sexual ou mal-estar psicológico são grandes áreas de preocupação.

Como também aqui escrevi, no início de Fevereiro de 2024 o Instituto de Apoio à Criança propôs a criação de um Plano Nacional de Prevenção e Combate a Violência nas escolas.

De facto, trata-se de uma questão que merece séria reflexão e intervenção e recupero outros indicadores.

A UTAD realizou um trabalho relativo à violência escolar divulgado em 2023, desenvolvido entre 2018 e 2022 que envolveu 7139 alunos(as) dos 12 aos 18 anos, de 61 estabelecimentos do 2.º e 3.º ciclo do ensino básico e secundário do Continente e Açores.

Considerando alguns divulgados, 68% dos alunos (4837) revelaram ter sido vítima de algum comportamento de agressão. Num outro olhar, 64%, (4634) assume afirma já ter praticado alguma forma de violência para com um colega.

Deixem-me insistir em duas ou três questões que retomo de reflexões anteriores. Os estilos de vida, as exigências de qualificação têm tornado gradualmente a escola mais presente e durante mais tempo na vida de crianças e adolescentes e, consequentemente, com reflexos na educação em contexto familiar.

Importa também acentuar que fora dos contextos escolares, o padrão relacional entre adultos, de todas as condições, exprime também com demasiada frequência violência e descontrolo de diferente natureza e efeito. O comportamento agressivo, verbal, físico, psicológico, etc., tornou-se quase, um novo normal em múltiplos contextos.

Sabemos também que a ideia de que a “família educa e a escola instrói” já não colhe e espera-se que a escola não forme “apenas” técnicos, mas cidadãos, pessoas, com qualificações ao nível dos conhecimentos em múltiplas áreas.

Um sistema público de educação com qualidade, desde há muito de frequência obrigatória e progressivamente mais extenso, é uma ferramenta fundamental para a promoção de igualdade de oportunidades, de equidade e de inclusão. Uma educação global de qualidade é de uma importância crítica para minimizar o impacto de condições sociais, económicas e familiares mais vulneráveis.

Parece-me importante que as matérias integradas na "Educação para a Cidadania" façam parte do trabalho desenvolvido na educação em contexto escolar o que é também abordado pelo IAC ainda que não tenham que ser “disciplinarizadas”. Com o mesmo objectivo será importante o desenvolvimento de programas de natureza comunitária envolvendo diferentes áreas das políticas públicas. Como tenho referido, precisamos e devemos discutir sempre como fazer, com que recursos e objectivos e promover a autonomia das escolas, também nestas questões. Por outro lado, insisto, não acredito na “disciplinarização” destas matérias, julgo mais interessantes iniciativas integradas, simplificadas e desburocratizadas em matéria de organização e operacionalização.

Acresce que julgo poder dizer que parece germinar em muitos adolescentes uma “disfunção” em termos de empatia, as agressões a colegas são frequentes envolvendo com regularidade mais novos com condições de vulnerabilidade sem que, aparentemente, esta fragilidade imponha contenção.

Sei que os tempos também não vão de feição em termos de empatia para com os mais vulneráveis, mas não podemos aceitar uma espécie de “normalização” em particular no decurso de processos educativos e formativos no saber e no ser.

Sabemos que a prevenção e programas de natureza comunitária, socioeducativa, têm custos, mas importa ponderar entre o que custa prevenir e os custos posteriores da pobreza, exclusão, delinquência continuada e da insegurança.

Esta é a grande responsabilidade das políticas públicas e os resultados parecem mostrar alguma falência que nos custa caro.

Não é possível que a leitura regular da imprensa escrita, sobretudo nos últimos tempos e no que respeita à educação tenha na terminologia de boa parte dos trabalhos publicados e sem qualquer ordenação de frequência ou preocupação, alunos desmotivados, agressões a professores, agressões a alunos, agressões a funcionários, “bullying”, violência escolar, humilhações, falta de autoridade dos professores, imagem social degradada dos professores, professores desmotivados, famílias incompetentes, pais negligentes, demissão familiar, indisciplina, recusa, contestação, insucesso, facilitismo, burocracia, currículos desajustados, insegurança, medo, receio, etc.

Intencionalmente não referi contexto que tem envolvido os docentes, que também não pode ser dissociado de todo o universo da educação.

No entanto, apesar de reconhecer a gravidade de muitas situações insisto na necessidade de uma palavra de optimismo.

A verdade é que, apesar de todos os constrangimentos e dificuldades bem conhecidas e nem sempre reconhecidas, do que ainda está por fazer e dos incidentes que se registam, o trabalho desenvolvido por professores, técnicos, funcionários e alunos é bem-sucedido na maioria das situações e em termos globais, apesar dos incidentes que se registam e isso deve ser sublinhado. Na sua esmagadora maioria, professores, técnicos, funcionários e alunos fazem a sua parte.

Uma comunidade não pode conviver com o medo diário de deixar os seus filhos sair de casa para a escola, tal como não pode conviver com o mal-estar persistente dos profissionais. Mantendo um realismo lúcido, é preciso que se aborde e converse sobre o tudo da escola e não apenas sobre o mau da escola. A insistência exclusiva neste discurso terá um efeito devastador na confiança e expectativas de alunos, famílias e professores face ao presente e ao futuro.

Sim, não é tudo, mas os miúdos precisam de se sentir seguros.

Tal como os pais.

Tal como os professores.

Tal como os técnicos.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

AGRESSÃO A UMA DOCENTE, ENÉSIMO EPISÓDIO

 Mais um episódio. Desta vez em Portimão, uma docente e uma funcionária de uma escola em Portimão foram agredidas pela mãe de um aluno.

Andam negros os tempos para os professores e, neste caso, também para funcionários, o que também não é raro. Repetindo-me, sempre que escrevo sobre esta questão, agressões ou insultos a professores e dadas as circunstâncias faço-o com regularidade, é sempre com preocupação e mal-estar, mas é preciso insistir pelo que retomo notas já aqui referidas, não me parece necessário encontrar outras palavras para tratar a mesma questão.

As notícias sobre agressões a professores ou funcionários, cometidas por alunos ou encarregados de educação (?!), continuam com demasiada frequência embora nem todos os episódios sejam divulgados. Aliás, são conhecidos casos de direcções que desincentivam as queixas dado o “incómodo” e “publicidade negativa” para a escola que trará a divulgação e ouvem-se discurso de relativização.

Os testemunhos de professores vitimizados são perturbadores e exigem atenção e intervenção.

Cada um dos recorrentes episódios poderá ser um caso de polícia, mas não pode ser “apenas” mais um caso de polícia e julgo que, para além de ser notícia, importaria reflectir nos caminhos que seguimos.

Esta matéria, embora seja objecto de rápidos discursos de natureza populista e securitária, parece-me complexa e de análise pouco compatível com um espaço desta natureza.

Justifica-se uma breve reflexão em torno de três eixos: a imagem social dos professores, a mudança na percepção social dos traços de autoridade e o sentimento de impunidade que me parecem fortemente ligados a este fenómeno.

Já aqui tenho referido que os ataques, intencionais ou não, à imagem dos professores, incluindo parte do discurso de gente dentro do universo da educação que tem, evidentemente, responsabilidades acrescidas e também o discurso que muitos opinadores profissionais, mais ou menos ignorantes ou com agendas implícitas, produzem sobre os professores e a escola, contribuíram para alterações significativas da percepção social de autoridade dos professores, fragilizando-a seriamente aos olhos da comunidade educativa, sobretudo, alunos e pais. Também com demasiada frequência os discursos produzidos pela tutela sobre os professores que são parte do problema e não contributo para a solução.

Esta fragilização tem, do meu ponto de vista, graves e óbvias consequências, na relação dos professores com alunos e pais.

No entanto, importa registar que a classe docente é dos grupos profissionais em que os portugueses mais confiam o que me parece relevante.

Em segundo lugar, tem vindo a mudar significativamente a percepção social do que poderemos chamar de traços de autoridade. Os professores, entre outras profissões, polícias ou profissionais de saúde, por exemplo, eram percebidos, só pela sua condição de professores, como fontes de autoridade. Tal processo alterou-se, o facto de se ser professor, já não confere, só por si, “autoridade” que iniba a utilização de comportamentos de desrespeito ou de agressão. O mesmo se passa, como referi, com outras profissões em que também, por razões deste tipo, aumentam as agressões a profissionais da área da saúde, médicos e enfermeiros.

Finalmente, importa considerar, creio, o sentimento de impunidade instalado em Portugal de que não acontece nada, faça-se o que se fizer. Este sentimento que atravessa toda a nossa sociedade e camadas sociais é devastador do ponto de vista de regulação dos comportamentos, ou seja, podemos fazer qualquer coisa que não acontece nada, a “grandes” e a “pequenos”, mas sobretudo a grandes, o que aumenta a percepção de impunidade dos “pequenos”. Acresce a mansa construção de um clima social em que a violência verbal ou física parecem normalizados.

Considerando este quadro, creio que, independente de dispositivos de formação e apoio, com impacto quer preventivo, quer na actuação em caso de conflito, obviamente úteis, o caminho essencial é a revalorização da função docente e de todos os que estão nas escolas, tarefa que exige o envolvimento de toda a comunidade e a retirada da educação da agenda da partidocracia para a recolocar como prioridade na agenda política.

Definitivamente, a valorização social e profissional dos professores, em diferentes dimensões é uma ferramenta imprescindível a um sistema educativo com mais qualidade sendo esta valorização uma das dimensões identificadas nos sistemas educativos mais bem considerados.

É ainda fundamental que se agilizem, ganhem eficácia e sejam divulgados os processos de avaliação ou julgamento e a punição e responsabilização sérias dos casos verificados, o que contribuirá para combater, justamente, a ideia de impunidade.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

VAI CORRER BEM

 Estão ainda a decorrer as provas-ensaio para preparação das provas de monitorização das aprendizagens (provas ModA) e da prova final do 9.º ano.

Aprecio particularmente a designação de “provas-ensaio”, vai bem com a quase permanente situação de ensaio em que vive a nossa educação.

Sem surpresa, o MECI entende que se têm verificado algumas “dificuldades residuais”, por outro diferentes escolas, professores e organizações têm reportado dificuldades nos equipamentos e procedimentos. O movimento Missão Escola Pública refere algo que parece claro, a realização diferida das provas minimiza riscos e, pelo contrário, a sua realização em simultâneo nos diferentes anos potenciará dificuldades que importa prevenir, sendo certo que, do meu ponto de vista, pelo menos no 4.º ano, nem sequer deveriam ser digitais.

O MECI, refém da deslumbrada transição digital, insiste neste modelo de provas apesar do que a experiência e a evidência vão mostrando relativamente ao impacto da digitalização nos primeiros anos de escolaridade, questão que com frequência aqui tenho referido.

Este cenário e a posição do MECI fazem-me lembrar do “mantra” dos tempos da pandemia “vai correr bem”.

Irá mesmo?

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

UM COMPANHEIRO NO ATENTA INQUIETUDE

 Hoje em conversa com o meu neto Simão veio à baila o Atenta Inquietude. O Simão acha engraçado esta coisa de escrever e divulgar o que se escreve e alguém ler. Para surpresa minha disse-me que era coisa que gostaria de fazer.

Desafiei-o a juntar-se ao blogue quando quisesse e contasse algumas histórias sobre o que achasse por bem.

Fiquei contente com a ideia. Vamos ver como decorre.

 

Sou o Simão e como o meu avô disse, acho que gostaria de escrever algumas coisas no Atenta Inquietude.

Ando no 6.º ano, tenho um irmão, o Tomás, e muitas vezes estamos com os avós. Gosto muito de estar no Alentejo e de fazer projectos. Vou tentar escrever algumas histórias que nos acontecem e as coisas que fazemos e gostamos.


Histórias do Simão -1 – Dias do Alentejo

Eu gosto de ir para o Alentejo com os meus avós porque eles precisam de ajuda pois já não são muito novos.

Há algum tempo, estive lá no monte e ajudei a cortar a erva que já estava muito alta.

Antes de eu nascer houve um incêndio que queimou uma oliveira e os meus avós achavam que ia secar, mas a oliveira recuperou porque a madeira é das mais resistentes.

Também gosto de fazer coisas na oficina mais o meu irmão Tomás que é mais novo e por isso, às vezes, é um pouco irritante, mas eu gosto dele.


SE HOUVERA QUEM ME ENSINARA ...

 No DN encontrei uma peça sobre o trabalho que a ONG “Teach for Portugal” desenvolve em Portugal desde 2019 e que aqui já tenho referido.

Durante estes cinco anos a Teach for Portugal já envolveu mais de 30 mil alunos em 91 escolas de norte a sul do país.

De acordo com uma responsável da organização, “Comparados os resultados dos alunos com mentores e dos alunos sem mentores, verifica-se uma redução de 26% das negativas entre o primeiro e o terceiro período nas turmas em que o programa está ativo”. A intervenção da organização realiza-se sobretudo em escolas em escolas em que a percentagem de alunos apoiados pela Ação Social Escolar é superior a 50%,

Na peça refere-se que a “Teach for Portugal contrata jovens licenciados por dois anos lectivos, pagando cerca de 28 mil euros, para assumirem um compromisso de envolvimento e liderança. Depois de selecionados, têm 350 a 400 horas de formação intensiva, normalmente no período do verão, antes do ano letivo, em metodologias diversas para dinamizar grupos. Em cinco anos a organização já formou 200 mentores e estão atualmente ativos mais de 100. Acabam por ter um horário semanal de 40 horas, sendo que uma parte do horário é destinado à recuperação de aprendizagens a matemática, português e inglês, as disciplinas nucleares.”

A organização tem um conjunto de parcerias envolvendo o Estado, com financiamento enquadrado pelo PT2030, e entidades privadas e municípios. Entre os parceiros privados estão, por exemplo, a Fundação Santander e a Fundação BPI – La Caixa.

Algumas notas no sentido em que algumas vezes já aqui referi sobre este projecto.

Como é evidente, registo todas as iniciativas que possam contribuir para minimizar ou erradicar problemas, mas já me falta convicção no impacto do modelo mais habitualmente seguido.

Para cada constrangimento ou dificuldade percebida nas e pelas escolas e com regularidade, aparece vindo de fora ou gerido de fora, um Plano, um Projecto, um Programa, uma Iniciativa, as combinações são múltiplas, destinado a essa problemática.

Durante as últimas décadas, perco a conta a planos, projectos, programas, experiências inovadoras, que chegaram e chegam às escolas para combater o insucesso ou, pela positiva, promover o sucesso, promover a leitura e escrita, promover a matemática, promover a educação científica, promover a educação inclusiva, a aprendizagem emocional, erradicar ou minimizar o bullying, a relação entre escola e pais e encarregados de educação, promover a expressão artística e a criatividade, promover comportamentos saudáveis e actividades desportivas, literacia financeira, promover a inovação e as novas tecnologias, para não falar de iniciativas mais "alternativas", por assim dizer, e que têm poderes mágicos, parece. A lista enunciada é apenas exemplificativa e não está em causa a pertinência ou juízo sobre as dimensões citadas, trata-se do modelo de abordagem.

Com demasiada frequência muitos destes projectos vêm de fora das escolas, as origens são variadas, não chegam a envolver a gente das escolas, esmagada pelo trabalho, burocracia e outros constrangimentos como, por exemplo, assegurar da melhor forma possível o dia-a-dia do trabalho educativo que tem de ser realizado. Importa ainda não esquecer as dificuldades severas que muitos agrupamentos e escolas têm vindo a sentir com a falta de recursos humanos, professores, técnicos e auxiliares actualmente.

Também com demasiada frequência muitos destes projectos morrem de “morta matada” ou de “morte morrida”, não são avaliados de forma robusta e dão umas fotografias ou vídeos que compõem o portfólio dos organizadores e proporcionam uma experiência que se deseja positiva aos intervenientes no tempo que durou, mas sem mais impacto.

 Todavia, preciso de afirmar que alguns destes Planos, Projectos, Inovações, etc. dão origem a trabalhos notáveis que, também com frequência, não têm a divulgação e reconhecimento que todos os envolvidos mereceriam.

Também demasiadas vezes estas iniciativas consomem recursos com baixo retorno e ao serviço de múltiplas agendas.

Ponto.

Tenho para mim, que não podendo a escola responder a todas as questões que afectam quem nelas passa o dia poderia, ainda assim, fazer mais se os investimentos feitos no mundo à volta da escola e que lhe vem bater à porta com propostas fossem canalizados para as escolas.

Com real autonomia, com mais recursos e com modelos organizativos mais adequados as escolas poderiam fazer certamente mais e melhor que quem vem de fora numa passagem transitória, mais ou menos longa, mas transitória. Sim, tudo isto deveria ser objecto de escrutínio, regulação e avaliação também externa, naturalmente.

Escolas com mais auxiliares, auxiliares informados e formados podem ter um papel importante em diferentes domínios.

Directores de turma com mais tempo para os alunos e menos burocracia poderiam desenvolver trabalho útil em múltiplos aspectos do comportamento e da aprendizagem.

Psicólogos e outros técnicos em número mais adequado, o que se verifica é inaceitável, poderiam acompanhar, promover e desenvolver múltiplas acções de apoio a alunos, professores, técnicos e pais.

Mediadores que promovessem iniciativas no âmbito da relação entre escola, pais e comunidade seriam, a experiência mostra-o, um investimento com retorno.

São apenas alguns exemplos de respostas com resultados potenciais com um custo que talvez não seja superior aos custos de tantos Projectos, Planos, Programas ou Iniciativas Inovadoras destinadas a múltiplas matérias e com custos associados de “produção” que já me têm embaraçado, mas a verdade é que as agendas e o marketing têm custos.

Ainda este propósito, ficar embaraçado, volto a contar uma experiência pessoal.

Há largos anos estava na altura na Direcção-Geral do Ensino Básico e foi-me pedido que apresentasse numa escola do 1º ciclo um Projecto em desenvolvimento pela Direcção-Geral destinado ao ensino de português a crianças de famílias oriundas dos PALOP que aprendiam em português na escola e falavam crioulo em casa. Apresentei o Projecto o melhor que fui capaz aos professores da escola e no fim alguém me disse de uma forma muito simpática, “Colega, o Projecto é muito interessante, mas sabe, já temos 24 Projectos na escola, não podemos fazer mais.”

Na verdade, a Projectite, sobretudo vinda de fora, é uma opção com pouco potencial apesar, insisto, das boas experiências que também se conhecem.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

SÓ FALTAVA A TERRA TREMER

 A terra tremeu ontem nesta área do país. Recordei-me da minha Avó Leonor, mulher sábia, que nos alertava sempre para que deveríamos ouvir e estar atentos à natureza. Ela também se zanga.

Os tempos vão complicados. Muita gente, demasiada, vive uma vida tremida. A esperança no futuro treme para muitos jovens.

Os discursos, o comportamento e as decisões e as decisões de quem manda ou quer mandar no mundo causam um forte estremecimento de inquietação, que também se sente com as tragédias de diferente natureza que acontecem pelo mundo.

Só faltava tremer a terra. Felizmente, desta vez, apenas assustou as pessoas.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

DOS ASSISTENTES OPERACIONAIS, PERDÃO, DOS AUXILIARES DE EDUCAÇÃO (outra vez)

 Leio no Público que a Associação de Pais e Encarregados de Educação da Escola Secundária de Camões, em Lisboa, lançou uma petição dirigida à Assembleia da República e ao Governo no sentido de se proceder à revisão do quadro legal que regula os rácios de afectação e a formação deste importante grupo profissional. A este propósito e dada sua pertinência, retomo algumas notas.

Quando na imprensa surgem referências aos auxiliares de educação, não gosto da designação por “assistentes operacionais”, são quase sempre e sem ordenar por frequência, porque não existem em número suficiente nas escolas apesar de alguma mudança, porque estão em greve ou por que se verificou mais um episódio de agressão a estes profissionais das escolas.

São bem mais raros os trabalhos centrados na importância da sua função nas escolas. Já aqui referi em várias circunstâncias essa relevância e insisto em alguns aspectos.

Nunca é demais sublinhar a relevância deste grupo profissional e a necessidade de efectivos adequados, qualificação, segurança e carreira que minimizem problemas que têm vindo a ser regularmente colocados por pais, professores e directores.

É recorrente a referência por directores, professores ou pais a insuficiência do número de profissionais por escola, a importância de formação para a tarefa que desempenham e os riscos da situação actual, insegurança para alunos e docentes, por exemplo e aspecto também sublinhado quando se refere o volume de ocorrências envolvendo o bullying.

Seria desejável que a gestão desta matéria considerasse as especificidades das comunidades educativas e não se seguissem critérios cegos de natureza administrativa que são parte do problema e não parte da solução. A passagem de tutela para as autarquias não aparenta ter introduzido mudanças substantivas.

Para além da variável óbvia, número de alunos, é necessário que se contemplem critérios como tipologia das escolas, ou seja, o número de pavilhões, a existência de cantinas, bares e bibliotecas e a extensão dos recreios ou a frequência de alunos com necessidades especiais.

Mais uma vez, os auxiliares de educação, insisto na designação, desempenham e devem desempenhar um importante papel educativo para além das funções de outra natureza que também assumem e que exige a adequação do seu efectivo, formação e reconhecimento. No caso mais particular de alunos com necessidades educativas especiais e em algumas situações serão mesmo uma figura central no seu bem-estar educativo, ou seja, são efectivamente auxiliares de acção educativa. O cenário actual é, em muitas situações, preocupante.

A excessiva concentração de alunos em centros educativos ou escolas de maiores dimensões não tem sido acompanhada pela adequação do número de auxiliares de educação. Aliás, é justamente, também por isto, poupança nos recursos humanos, que a reorganização da rede, ainda que necessária, tem sido feita com sobressaltos e com a criação de problemas.

Os auxiliares educativos cumprem por várias razões um papel fundamental nas comunidades educativas que nem sempre é valorizado incluindo na estabilidade da sua contratação e formação situação de precariedade descontinuidade no exercício profissional.

Com alguma frequência são elementos da comunidade próxima das escolas o que lhes permite o desempenho informal de mediação entre famílias e escola, têm uma informação útil nos processos educativos e uma proximidade com os alunos que pode ser capitalizada importando que a sua acção seja orientada, recebam formação e orientação e que se sintam úteis, valorizados e respeitados.

Os estudos mostram também que é nos recreios e noutros espaços fora da sala de aula que se regista um número muito significativo de episódios de bullying e de outros comportamentos socialmente desadequados. Neste contexto, a existência de recursos suficientes para que a supervisão e vigilância destes espaços seja presente e eficaz. Recordo que com muita frequência temos a coexistir nos mesmos espaços educativos alunos com idades bem diferentes o que pode constituir um factor de risco que a proximidade de auxiliares de educação minimizará.

Considerando tudo isto parece essencial o contributo dos auxiliares de educação para a qualidade dos processos educativos. Assim, é imprescindível a sua presença em número suficiente, que se mantenham nas escolas com estabilidade e que sejam formados, orientados e valorizados na sua importante acção educativa. Nos tempos que vivemos é ainda mais importante.

Qual será a parte que não se compreende?

A falta de auxiliares de educação e o apoio ao seu trabalho, evidentemente.

domingo, 16 de fevereiro de 2025

CARLOS PAREDES

 Assinala-se o hoje o centenário do nascimento de Carlos Paredes falecido em 2004.

Carlos Paredes é certamente umas das figuras que, lembrando Camões, se vão da lei da morte libertando, como pessoa e cidadão, como compositor e como intérprete da guitarra portuguesa.

Desde jovem, a música de Carlos Paredes tem feito e continuará a fazer parte muito querida da banda sonora da minha vida.

É inevitável, "Verdes Anos".



sábado, 15 de fevereiro de 2025

A PROIBIÇÃO NÃO É EFICAZ (sem telemóvel na escola, compenso em casa)

 Há uns dias o Público divulgou um trabalho publicado pela The Lancet relativo a uma investigação realizada Universidade de Birmingham envolvendo mais de mil alunos de 30 escolas secundárias. O estudo teve como objectivo avaliar o impacto da proibição de utilização de telemóveis nas escolas no comportamento dos estudantes, na saúde mental e no desempenho escolar ou até mesmo o desempenho académico.

Os resultados “sugerem que as políticas escolares restritivas actuais não influenciam significativamente a utilização do telemóvel e das redes sociais nem se traduzem em melhores resultados ao nível dos domínios mentais, físicos e cognitivos”,

Verifica-se ainda não diminui o tempo de exposição a ecrãs, boa parte dos alunos “compensam” a restrição da escola com mais tempo em casa.

Muitas vezes aqui tenho abordado esta questão como a abordei em muitas sessões de trabalho com pais com filhos de diferentes idades e tenho sustentado que, ainda que se possam compreender as razões que sustentam as proibições, o uso excessivo e desregulado, as decisões de proibição não me parecem consensuais. Aliás, também não tenho a convicção de que uma estratégia de proibição, só por si, devolva crianças e adolescentes à interacção pessoal e a outros hábitos comportamentais mais interessantes embora, obviamente, seja imprescindível a regulação do seu uso o que não significará, necessariamente, uma “lei seca” para telemóveis.

Por outro lado, também não é rara a utilização de telemóveis associada a actividades de aprendizagem.

Do meu ponto de vista seria importante também colocar a questão a montante, a utilização que todos damos a estes dispositivos. Seria muito interessante e desejável que se discutisse a sério (incluindo crianças e jovens) nas comunidades educativas a regulação dos comportamentos e definição de regras e limites, sem “superpais”, sem “superfilhos” ou “superprofessores”. No entanto, esta discussão tem de ser acompanhada pela nossa, adultos, pais e/ou profissionais, regulação da sua utilização. Se olharmos para muitas famílias em “convívio” ou para muitos contextos profissionais em “reunião” verificaremos os ecrãs que muitos terão à sua frente e perceberemos o que está por fazer, comportamento gera comportamento.

Como também tenho referido, creio que este movimento deve ser enquadrado na mudança que felizmente também parece estar a emergir refreando o deslumbramento pela “transição digital” que, enquadrando de forma ajustada a inevitabilidade de incorporar estas ferramentas nos processos educativos, também volta a defender a importância de abordagens metodológicas ou didácticas “antigas”, “conservadoras”, tais como escrever à mão, desenhar, brincar na rua, ler em suporte papel, interagir presencialmente ou promover relações afectivas literalmente mais próximas, tudo ferramentas importantes de desenvolvimento e aprendizagem.

A ver vamos com a coisa evoluirá por cá, as escolas podem decidir pela “proibição” mas continuamos submersos por um tsunami de transição digital e, claro, de inovação e capacitação.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

DIA DE SÃO VALENTIM, O LADO B

 Hoje é inevitável a chuva de referências ao Dia de São Valentim, Dia dos Namorados. Para além de tudo o que se refere, do romantismo do namoro à menos romântica dimensão de negócio(s), existe um inquietante lado B das relações de namoro, a violência nas suas diferentes formas.

No Público encontra-se a referência a um estudo hoje apresentado produzido pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto em colaboração com a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género no âmbito do Projecto “ART’THEMIS+UMAR Jovens.

Alguns dados, 66% (2978) dos jovens que já namoraram referiram ter sofrido, pelo menos, uma das 15 formas de violência definidas e questionadas.

Num outro trabalho realizado pela UMAR com financiamento da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género divulgado em 2024 e envolvendo 6152 jovens entre o 7.º e o 12.º considerando duas dimensões, legitimação e prevalência dos indicadores de violência, também se encontram dados inquietantes.

É significativo que 68,1% dos inquiridos legitimam pelo menos um tipo de violência, sendo que controlo (54,6%) e violência psicológica (33,5%) são os mais referidos sendo ainda que 27,9% dos jovens consideram normal ser insultado numa discussão.

No que respeita a tipos de violência a que foram sujeitos, 63% dos jovens referem que já estiveram numa relação em que passaram pelo menos por um tipo de violência.

Assim, 43% refere a proibição de estar ou falar com alguma pessoa, 39,9% viveram pelo menos uma forma de violência psicológica, 20,4% de perseguição, e 18,4% de alguma forma de violência sexual, nomeadamente serem obrigados a beijar, e 11% sofreram violência física.

São indicadores suficientes para que nos sintamos apreensivos, são jovens que nos dizem isto.

O que torna a situação ainda mais complexa é a manutenção sem grandes alterações destes indicadores ao longo dos anos, incluindo trabalhos com estudantes do ensino superior, o que talvez ajude a perceber como a violência doméstica parece indomesticável.

Os dados convergem no indiciar do que está por fazer em matéria de valores e comportamentos sociais. Acresce que, como referi, boa parte das situações de abuso não são objecto de queixa.

Este conjunto de dados é preocupante, gostar não é compatível com maltratar, mas creio que não é surpreendente, lamentavelmente. Os dados sobre violência doméstica em adultos que permanece indomesticável deixam perceber a existência de um trajecto pessoal anterior que suporta os dados muitos trabalhos sobre violência no namoro e que se mantêm inquietantes. Aliás, nos últimos anos a maioria das queixas de violência doméstica registadas pela APAV foram de mulheres jovens embora seja um drama presente em todas as idades.

Os sistemas de valores pessoais alteram-se a um ritmo bem mais lento do que desejamos e estão, também e obviamente, ligados aos valores sociais presentes em cada época. De facto, e reportando-nos apenas aos dados mais gerais, é criticamente relevante a percentagem de jovens, incluindo estudantes universitários, que afirmam um entendimento de normalidade face a diferentes comportamentos que evidentemente significam relações de abuso e maus-tratos.

Como todos os comportamentos fortemente ligados à camada mais funda do nosso sistema de valores, crenças e convicções, os nossos padrões sobre o que devem ser as relações interpessoais, mesmo as de natureza mais íntima, são de mudança demorada. Esta circunstância, torna ainda mais necessária a existência de dispositivos ao nível da formação e educação de crianças e jovens; de uma abordagem séria persistente nos meios de comunicação social; de um enquadramento jurídico dos comportamentos e limites numa perspectiva preventiva e punitiva e, finalmente, de dispositivos eficazes de protecção e apoio a eventuais vítimas.

Só uma aposta muito forte na educação, escolar e familiar, pode promover mudanças sustentadas nesta matéria. É uma aposta que urge e tão importante e sublinha a necessidade óbvia de matérias desta natureza serem objecto de abordagem na educação escolar sendo que não terão de o ser de uma forma “disciplinarizada”. Não me parece que haja outro caminho.

Entretanto e enquanto não muda, "só faço isto, porque gosto de ti, acreditas não acreditas?". Não, não se pode acreditar.

Retomo como iniciei. Apesar dos dias inquietantes que vivemos e para os quais não estávamos preparados, talvez seja de não esquecer questões como estas que devastam o quotidiano de muita gente.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

CASAMENTO FORÇADO

 Existem situações que, apesar de sabermos que acontecem, permanecem demasiado na sombra, só quando são notícia damos conta da sua existência. É o caso do casamento forçado de menores.

No Expresso encontra-se uma peça sobre este universo que, de facto, é merecedor de atenção e, sobretudo, acção.

De acordo com os dados conhecidos e que incluem apenas os casamentos que legalmente são permitidos, com 16 ou 17 anos, verifica-se um aumento de situações. Dados do INE mostra que em 2023 se registaram 176 casamentos. Trata-se do valor mais alto desde 2010 com 190 casos. Neste período registaram-se 1097, uma média de nove por mês.

Entretanto, em Janeiro foi aprovado no Parlamento que a idade mínima para o casamento será os 18 anos.

Acresce que os  valores referidos são abaixo que se estima ser a dimensão desta realidade para além de também se saber que existem muitas uniões entre menores de 18 anos.

Sem surpresa, os pais são “os maiores incentivadores” destas uniões. As justificações para a existência deste abuso são diferenciadas, e, obviamente, inaceitáveis e não acontecem apenas por razões culturais específicas

Os menores envolvidos vêem os seus direitos e bem-estar fortemente ameaçados e com consequências graves de diferente natureza incluindo, em muitas situações. insucesso e abandono escolar.

Os pais não são donos dos filhos e estes não podem ser maltratados em nome seja do que for. E sim, é também uma questão de cidadania e desenvolvimento.

Parece de recordar a ideia atribuída a Mandela, a educação e o ensino são as mais poderosas armas para mudar o mundo.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

EMPATIA REVISTA EM BAIXA

 Vão-se sucedendo os casos de agressão entre alunos com contornos sérios e inquietantes pela tipologia de violência empregue. Agora em Alcobaça, uma aluna terá sido vitimizada de forma violenta por duas colegas adolescentes nas imediações da escola. Há poucos dias escrevi sobre a mesma questão a propósito de um outro grave episódio e retomo o que escrevi.

Lamentavelmente não é surpresa, dados divulgados pela PSP relativos ao Programa Escola Segura, no último ano lectivo foram registadas 4044 ocorrências, mais 5,5% que no ano anterior, sendo que 2915 são de natureza criminal e 1129 não criminais. A subida está em linha com o aumento registado em 22/23, 9%.

A maioria dos casos reportados, 2873, ocorreram no interior do espaço escolar e maioritariamente fora da sala de aula.

Mantém-se o perfil já verificado em anos anteriores em termos de maior prevalência, ofensas à integridade física (1332), injúrias/ameaças (937) e furtos (468).

Uma primeira nota para registar que também noutros países se verifica um trajecto da mesma natureza. Há algum tempo o Expresso publicou uma peça abordando a problemática crescente de violência e delinquência entre jovens associada às novas tecnologias que se verifica em Espanha. Fala-se de novos padrões de delinquência e dimensões como bullying, violência sexual ou mal-estar psicológico são grandes áreas de preocupação.

Como também aqui escrevi, no início de Fevereiro de 2024 o Instituto de Apoio à Criança propôs a criação de um Plano Nacional de Prevenção e Combate a Violência nas escolas.

De facto, trata-se de uma questão que merece séria reflexão e intervenção e recupero outros indicadores.

A UTAD realizou um trabalho relativo à violência escolar divulgado em 2023, desenvolvido entre 2018 e 2022 que envolveu 7139 alunos(as) dos 12 aos 18 anos, de 61 estabelecimentos do 2.º e 3.º ciclo do ensino básico e secundário do Continente e Açores.

Considerando alguns divulgados, 68% dos alunos (4837) revelaram ter sido vítima de algum comportamento de agressão. Num outro olhar, 64%, (4634) assume afirma já ter praticado alguma forma de violência para com um colega.

Deixem-me insistir em duas ou três questões que retomo de reflexões anteriores. Os estilos de vida, as exigências de qualificação têm tornado gradualmente a escola mais presente e durante mais tempo na vida de crianças e adolescentes e, consequentemente, com reflexos na educação em contexto familiar.

Importa também acentuar que fora dos contextos escolares, o padrão relacional entre adultos, de todas as condições, exprime também com demasiada frequência violência e descontrolo de diferente natureza e efeito. O comportamento agressivo, verbal, físico, psicológico, etc., tornou-se quase, um novo normal em múltiplos contextos. A empatia é um bem com escassa utilização.

Sabemos também que a ideia de que a “família educa e a escola instrói” já não colhe e espera-se que a escola não forme “apenas” técnicos, mas cidadãos, pessoas, com qualificações ao nível dos conhecimentos em múltiplas áreas.

Um sistema público de educação com qualidade, desde há muito de frequência obrigatória e progressivamente mais extenso, é uma ferramenta fundamental para a promoção de igualdade de oportunidades, de equidade e de inclusão. Uma educação global de qualidade é de uma importância crítica para minimizar o impacto de condições sociais, económicas e familiares mais vulneráveis.

Parece-me importante que as matérias integradas na "Educação para a Cidadania" façam parte do trabalho desenvolvido na educação em contexto escolar o que é também abordado pelo IAC ainda que não tenham de ser “disciplinarizadas”. Com o mesmo objectivo será importante o desenvolvimento de programas de natureza comunitária envolvendo diferentes áreas das políticas públicas. Como tenho referido, precisamos e devemos discutir sempre como fazer, com que recursos e objectivos e promover a autonomia das escolas, também nestas questões. Por outro lado, insisto, não acredito na “disciplinarização” destas matérias, julgo mais interessantes iniciativas integradas, simplificadas e desburocratizadas em matéria de organização e operacionalização.

Acresce que julgo poder dizer que parece germinar em muitos adolescentes uma “disfunção” em termos de empatia, as agressões a colegas são frequentes envolvendo com regularidade mais novos com condições de vulnerabilidade sem que, aparentemente, esta fragilidade imponha contenção.

Sei que os tempos também não vão de feição em termos de empatia para com os mais vulneráveis, mas não podemos aceitar uma espécie de “normalização” em particular no decurso de processos educativos e formativos no saber e no ser.

Sabemos que a prevenção e programas de natureza comunitária, socioeducativa, têm custos, mas importa ponderar entre o que custa prevenir e os custos posteriores da pobreza, exclusão, delinquência continuada e da insegurança.

Esta é a grande responsabilidade das políticas públicas e os resultados parecem mostrar alguma falência que nos custa caro.

Não é possível que a leitura regular da imprensa escrita, sobretudo nos últimos tempos e no que respeita à educação tenha na terminologia de boa parte dos trabalhos publicados e sem qualquer ordenação de frequência ou preocupação, alunos desmotivados, agressões a professores, agressões a alunos, agressões a funcionários, “bullying”, violência escolar, humilhações, falta de autoridade dos professores, imagem social degradada dos professores, professores desmotivados, famílias incompetentes, pais negligentes, demissão familiar, indisciplina, recusa, contestação, insucesso, facilitismo, burocracia, currículos desajustados, insegurança, medo, receio, etc.

Intencionalmente não referi a onda de informação relativa à situação vivida pelos professores que, também, não pode ser dissociada de todo o universo da educação.

No entanto, apesar de reconhecer a gravidade de muitas situações insisto na necessidade de uma palavra de optimismo.

A verdade é que, apesar de todos os constrangimentos e dificuldades bem conhecidas e nem sempre reconhecidas, do que ainda está por fazer e dos incidentes que se registam, o trabalho desenvolvido por professores, técnicos, funcionários e alunos é bem-sucedido na maioria das situações e em termos globais, apesar dos incidentes que se registam e isso deve ser sublinhado. Na sua esmagadora maioria, professores, técnicos, funcionários e alunos fazem a sua parte.

Uma comunidade não pode conviver com o medo diário de deixar os seus filhos sair de casa para a escola, tal como não pode conviver com o mal-estar persistente dos profissionais. Mantendo um realismo lúcido, é preciso que se aborde e converse sobre o tudo da escola e não apenas sobre o mau da escola. A insistência exclusiva neste discurso terá um efeito devastador na confiança e expectativas de alunos, famílias e professores face ao presente e ao futuro.

Sim, não é tudo, mas os miúdos precisam de se sentir seguros.

Tal como os pais.

Tal como os professores.

Tal como os técnicos.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

A QUEDA DE UM ANJO, OUTRA VEZ

 Desta vez em Vila Franca de Xira. Um menino de seis anos faleceu em consequência da queda de um 4.º andar.

O povo costuma dizer que “ao menino e ao borracho, põe Deus a mão por baixo". Desta vez não, a tragédia foi definitiva. Dada a regularidade destes episódios, algumas notas, de novo.

De acordo com a Associação para a Promoção da Segurança Infantil, as quedas são a quarta causa de morte acidental e a primeira razão para recurso ao número de emergência 112 e necessidade de internamentos. Num relatório produzido pela APSI em 2022 referia-se que em Portugal, entre 1992 e 2020, mais de 6500 crianças e jovens morreram na sequência de um traumatismo e lesão não intencional ou acidente. Acresce que, entre 2000 e 2021, quase 150 mil crianças e jovens foram internados na sequência de um acidente. Realizaram-se cerca de 200 mil chamadas de emergência por causa de acidentes nesse mesmo período.

Continuamos a ser um dos países europeus em que acontecem maior número de acidentes domésticos com crianças. Nas mais das vezes verifica-se alguma negligência ou excesso de confiança da nossa parte, adultos, na vigilância dos miúdos a que se junta a inexperiência e o à-vontade próprios dos mais pequenos. Também as piscinas continuam anualmente a ser palco de acidentes com alguma gravidade ou fatais.

No caso particular das varandas é inaceitável a quantidade de varandas que se continuam a ver com gradeamentos construídos na horizontal, uma escada convidativa para a escalada de crianças pequenas como acontece com qualquer aparelho de um parque infantil. Não pode continuar como é referido na peça do Público. Importa uma regulação mais eficiente (e cumprida) da construção, em particular no que respeita a varandas e gradeamentos

A dor e a culpa que alguém pode carregar depois de episódios desta natureza serão, creio, suficientemente fortes para que deixemos de lado o aspecto da culpabilização que aqui nada acrescenta.

O que me parece importante sublinhar é que num tempo em que os discursos e as práticas sobre a protecção da criança estão sempre presentes, também se verifica um número altíssimo de acidentes, por vezes mortais, o que parece paradoxal. Por um lado, protegemos as crianças de forma e em circunstâncias que, do meu ponto de vista, me parecem excessivas e, por outro lado, em muitas situações adoptamos atitudes e comportamentos altamente negligentes e facilitadoras de acidentes que, frequentemente, têm consequências trágicas.

E não adianta pensar que só acontece aos outros.

domingo, 9 de fevereiro de 2025

MAYDAY, MAYDAY

 Não é a primeira vez que o faço, recupero este título de um artigo histórico de um dos meus Mestres, o Professor Joaquim Bairrão Ruivo, e que também o usou com o sentido que tem na aviação, alerta para a gravidade extrema de uma situação que exige socorro urgente e adequado. É o caso da situação e clima vivenciado por muitos professores em muitas escolas.

Foi divulgado o resultado de um inquérito realizado pela Missão Escola Pública a que responderam 2529 professores.

Os indicadores, sem surpresa são preocupantes, vejamos alguns.

Dos inquiridos, 59% refere ter sido vítima de bullying em contexto escolar, sublinhando o mal-estar causado. Na tipologia dos comportamentos são referidas agressões verbais e ameaças, 47% referindo 9,5% dos docentes ter sido vítima de agressão física. É particularmente relevante que mais de metade destes episódios, 53,5% tem origem no comportamento de pais e encarregados de educação.

Um outro indicador de relevo e a exigir reflexão, 43% dos docentes inquiridos referem ter sido vítimas de coacção, 59% das circunstâncias, por acção das direcções escolares.

Andam negros os tempos para os professores. Repetindo-me, sempre que escrevo sobre esta questão, agressões ou insultos a professores e dadas as circunstâncias faço-o com regularidade, é sempre com preocupação e mal-estar, mas é preciso insistir pelo que retomo notas já aqui referidas, não me parece necessário encontrar outras palavras para tratar a mesma questão.

As notícias sobre agressões a professores, cometidas por alunos ou encarregados de educação, continuam com demasiada frequência embora nem todos os episódios sejam divulgados. Aliás, são conhecidos casos de direcções que desincentivam as queixas dado o “incómodo” e “publicidade negativa” para a escola que trará a divulgação e ouvem-se discurso de relativização.

Os testemunhos de professores vitimizados são perturbadores e exigem atenção e intervenção.

Cada um dos recorrentes episódios poderá ser um caso de polícia, mas não pode ser “apenas” mais um caso de polícia e julgo que, para além de ser notícia, importaria reflectir nos caminhos que seguimos.

Esta matéria, embora seja objecto de rápidos discursos de natureza populista e securitária, parece-me complexa e de análise pouco compatível com um espaço desta natureza.

Justifica-se uma breve reflexão em torno de três eixos: a imagem social dos professores, a mudança na percepção social dos traços de autoridade e o sentimento de impunidade que me parecem fortemente ligados a este fenómeno.

Já aqui tenho referido que os ataques, intencionais ou não, à imagem dos professores, incluindo parte do discurso de gente dentro do universo da educação que tem, evidentemente, responsabilidades acrescidas e também o discurso que muitos opinadores profissionais, mais ou menos ignorantes ou com agendas implícitas, produzem sobre os professores e a escola, contribuíram para alterações significativas da percepção social de autoridade dos professores, fragilizando-a seriamente aos olhos da comunidade educativa, sobretudo, alunos e pais. Também com demasiada frequência os discursos produzidos pela tutela sobre os professores que são parte do problema e não contributo para a solução.

Esta fragilização tem, do meu ponto de vista, graves e óbvias consequências, na relação dos professores com alunos e pais e ajudarão a entender os dados que este inquérito mostrou.

No entanto, importa registar que a classe docente é dos grupos profissionais em que os portugueses mais confiam o que me parece relevante.

Em segundo lugar, tem vindo a mudar significativamente a percepção social do que poderemos chamar de traços de autoridade. Os professores, entre outras profissões, polícias ou profissionais de saúde, por exemplo, eram percebidos, só pela sua condição de professores, como fontes de autoridade. Tal processo alterou-se, o facto de se ser professor, já não confere, só por si, “autoridade” que iniba a utilização de comportamentos de desrespeito ou de agressão. O mesmo se passa com outras profissões em que também, por razões deste tipo, aumentam as agressões a profissionais da área da saúde, médicos e enfermeiros.

Finalmente, importa considerar, creio, o sentimento de impunidade instalado em Portugal de que não acontece nada, faça-se o que se fizer. Este sentimento que atravessa toda a nossa sociedade e camadas sociais é devastador do ponto de vista de regulação dos comportamentos, ou seja, podemos fazer qualquer coisa que não acontece nada, a “grandes” e a “pequenos”, mas sobretudo a grandes, o que aumenta a percepção de impunidade dos “pequenos”.

Considerando este quadro, creio que, independente de dispositivos de formação e apoio, com impacto quer preventivo, quer na actuação em caso de conflito, obviamente úteis, o caminho essencial é a revalorização da função docente tarefa que exige o envolvimento de toda a comunidade e a retirada da educação da agenda da partidocracia para a recolocar como prioridade na agenda política.

Importa reflectir sobre modelos de governança das escolas mais adequados, competentes e participados e assumir um trajecto de real autonomia, com mais recursos e com modelos organizativos mais adequados e desburocratizados.

Definitivamente, a valorização social e profissional dos professores, em diferentes dimensões é uma ferramenta imprescindível a um sistema educativo com mais qualidade sendo esta valorização uma das dimensões identificadas nos sistemas educativos mais bem considerados.

É ainda fundamental que se agilizem, ganhem eficácia e sejam divulgados os processos de avaliação ou julgamento e a punição e responsabilização sérias dos casos verificados, o que contribuirá para combater, justamente, a ideia de impunidade.