terça-feira, 1 de agosto de 2023

O PESADO CADERNO DE ENCARGOS

 Apesar das alterações, pouco relevantes sublinhe-se, da legislação face ao veto do PR ao diploma relativo à carreira docente, para Setembro não se antecipam alterações significativas no clima das escolas alimentando uma insustentável situação em nome com base em argumentos insustentáveis igualizando o que é diferente e um estranho entendimento de justiça.

Entretanto, foram divulgados alguns dados de um inquérito realizado pela FNE no início de Julho envolvendo 3482 docentes, 80% dos quais com entre 50-59 anos.

Não conhecendo a ficha metodológica do trabalho e admitindo alguma fragilidade, ainda assim os indicadores recolhidos mostram informação relevante ainda que não inesperada.

Recuperemos alguns indicadores.

O volume de trabalho administrativo (burocracia) 30%, a avaliação de desempenho (25,24%), o número de alunos por turma (11,8%), indisciplina (10,8%).

Considerando o que serão as 3 principais razões de preocupação com actividade profissional temos, excesso de trabalho administrativo (burocracia) (60,3%), saúde mental e bem-estar (52,9%), comportamento dos alunos (34,4%) e salário (16,5%).

Sobre a intenção de continuar a actividade lectiva nos próximos cinco anos, sim (45,5%), aposentação (12,7%), antecipar a aposentação (14,5%), continuar porque não tem alternativa (10%).

Inquiridos sobre mudanças desejadas, 32,4% referem menos burocracia, 24% desejam respeito pelo horário de trabalho e 18,4% menos alunos.

Parece-me relevante a resposta relativamente ao modelo de gestão de escolas e agrupamentos, 66,35 dos inquiridos prefere o modelo colegial.

Também me parece de recuperar que num estudo promovido pelo ME, “Saúde Psicológica e Bem-estar” realizado pelo Observatório de Saúde Psiocológica e Bem-estar Social com uma amostra de 1457 professores durante 2022 e 2023 encontrou níveis elevados de tristeza, nervosismo, perturbações do sono, alterações do humor, depressão, ansiedade e stresse. Na altura divulguei alguns dos dados deste trabalho.

A realidade que aqui se evidencia não surpreenderá quem minimamente conhece a realidade das escolas. Nem mesmo tudólogos como Miguel Sousa Tavares a desconhecerão, apenas a negam ou omitem por desonestidade intelectual. Não são ignorantes reais, embora demasiadas vezes saibam pouco do tudo de que falam, caso do mundo da escola e dos professores.

Esta realidade não emergiu agora, é a consequência de muitos anos de políticas públicas inadequadas, designadamente de educação, e são muitos os responsáveis incluindo os mais recentes titulares.

Em qualquer circunstância sempre enjeitarão responsabilidades ou afirmarão estar de “consciência tranquila” o que evidentemente mostra que para este pessoal consciência não terá o significado habitual.

Também não é raro, ultimamente tem sido muito utilizado ou um comportamento mais observável em crianças pequenas, a realidade é o que eu digo que é a realidade. Dito de outra forma, recorrem a um modelo de pensamento mágico transformando a realidade na projecção dos seus desejos.

Como é óbvio o resultado é que a realidade continua o que conhecemos e assusta pensar que o próximo ano lectivo se inicie neste clima, com estes protagonistas neste mal-estar.

Sei que a complexidade das situações não permite que tudo se altere num instante, mas urge um caminho de mudança em diferentes aspectos.

Sem esgotar, dimensões como uma real autonomia, com mais recursos e com modelos organizativos mais adequados e processos menos burocratizados, as escolas poderiam fazer certamente mais e melhor e de forma mais tranquila.

Escolas com mais auxiliares, auxiliares informados e formados podem ter um papel importante em diferentes domínios do funcionamento e clima da escola.

Directores de turma com mais tempo para os alunos e menos burocracia poderiam desenvolver trabalho útil em múltiplos aspectos do comportamento e da aprendizagem.

Psicólogos e outros técnicos em número mais adequado, o que se verifica poderiam acompanhar, promover e desenvolver múltiplas acções de apoio a alunos, professores, técnicos e pais.

Mediadores que promovessem iniciativas no âmbito da relação entre escola, pais e comunidade seriam, a experiência mostra-o, um investimento com retorno.

Finalmente, no que respeita aos professores e como já tenho escrito, sendo claro e conhecido de há muito o problema da falta de docentes e da baixa atractividade pela carreira, só mudanças integradas e não quase que exclusivamente na formação podem sustentar a atractividade, a estabilidade e, naturalmente, a qualidade da profissão docente.

É urgente adequar aspectos como o modelo de carreira, modelo de avaliação e progressão, a valorização do estatuto salarial dos docentes, a promoção da sua valorização profissional e social ou a desburocratização do trabalho dos professores, fonte importante do seu mal-estar são algumas dimensões a exigir alterações sérias.

Este conjunto de matérias será, por assim dizer, boa parte do caderno de encargos que os responsáveis pelas políticas públicas de educação não podem esquecer.

A história e as gerações que estão e entrarão na escola, o país, não lhes perdoarão. 

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