segunda-feira, 18 de julho de 2022

DESPEDIDA

 No CM lê-se que desde o início do ano já se aposentaram 1416 professores e até Dezembro serão mais de dois mil docentes, o maior número nos últimos 9 anos.

Uma história.

 

Colegas, desculpem, só mais um minuto antes de acabar a reunião. Como alguns sabem, embora me falte algum tempo de carreira, decidi pedir para aceder à situação de reforma e creio que esta será última reunião que farei convosco.

Gostava de vos dizer que a magia que me trouxe à profissão, contribuir para que os miúdos se façam gente e ir assistindo a essa narrativa, se manteve desde o primeiro até ao último dia. Descobri essa magia há muitos anos com a minha professora da primária que me fez querer ter esta missão como forma de vida. Foi um privilégio. Agradeço aos miúdos com quem me cruzei o caminho que fizeram comigo, Não fui bem-sucedida com todos, mas com todos tentei ser bem-sucedida. Vou tranquila.

Devo dizer-vos também que a sombra e abrigo que encontrei em muitos colegas ao longo destes anos foram alento e incentivo para que essa magia e encanto se mantivessem. Por isso agradeço também às companhias, muitas, que comigo foram fazendo esta estrada.

Finalmente, embora leve a magia do que vos falei, também carrego o desencanto que apressou a partida.

Sei que os tempos são difíceis e são diferentes, mas o desencanto foi-se instalando de mansinho e não derivado dos problemas novos que os miúdos trazem, esses a gente tem que pensar que para problemas novos, soluções novas.

Decidiram que os papéis e as plataformas são mais importantes que os miúdos e têm vindo a encharcar a escola e os professores com burocracia, legislação e orientações que apenas atrapalham e retiram qualidade e disponibilidade. Depois de décadas sem uma avaliação que discriminasse o mérito e combatesse a mediocridade, voltam-nos uns contra os outros de uma forma inexplicável que arruinou o clima de trabalho em muitas escolas.

A escolas foram-se transformando em espaços privilegiados para o confronto de interesses outros que não os dos miúdos. Assistimos a discursos de gente responsável que denigre de forma leviana a imagem dos professores. Comecei a sentir que o meu bem mais precioso, a dignidade, estava ameaçado e nesse bem não deixo que toquem. Por isso, decidi partir.

Queria só pedir-vos que, se por acaso, alguns dos miúdos perguntarem por mim no próximo ano, digam-lhes que hei-de aparecer. Os professores nunca se reformam.

E eu sou uma professora. Até um dia destes.

1 comentário:

Anónimo disse...

..e eu outra!!@