sábado, 30 de abril de 2022

PELAS RUAS DA INCLUSÃO

 Não vale a pena tentar tapar o sol com uma peneira ou acreditar que a realidade é a projecção dos nossos desejos. O relatório da Inspecção-Geral de Educação e Ciência, Organização do ano lectivo 2020-2021 mostra que os anunciados amanhãs que cantam talvez fossem prematuros no que respeita à resposta educativa à diversidade dos alunos, também conhecida por educação inclusiva, termo tão desgastado que até dá cobertura à … exclusão

Alguns indicadores constantes no trabalho da IGEC que merecem referência.

Considerando um universo de 97 escolas ou agrupamentos avaliados existiriam 498 alunos beneficiários da Acção Social Escolar que deveriam usufruir de aulas presenciais nas escolas em período de confinamento. No entanto, 60,6% destes alunos não tiveram acesso a esta situação.

O mesmo aconteceu a alunos com necessidades educativas especiais e a alunos referenciados pela Comissões de Protecção de Menores.

Considerando os alunos referenciados para medidas de apoio às aprendizagens através de “apoio tutorial específico”, apenas cerca de 60% acedeu a este dispositivo de apoio.

Nas situações em que as turmas integram alunos com necessidades educativas especiais não devem ter um efectivo superior a 20 alunos e não mais do que dois com necessidades especiais. A avaliação mostrou que em 30,8% das turmas de 5º ano com alunos com relatório técnico-pedagógico as disposições não eram cumpridas. Também 12,4% das escolas avaliadas não conseguem operacionalizar todas as medidas de apoio definidas nos relatórios técnico-pedagógicos. As direcções referem a insuficiência de recursos humanos adequados.

Por último, um dado relativo aos professores. Em 14426, 4,1% leccionam oito ou mais turmas, algo como 173 alunos por professor.

Volto ao que muitas vezes aqui escrevi e tenho afirmado.

Quando em Maio de 2015 li no Programa do PS que seria realizada “A aposta educativa numa escola inclusiva de 2ª geração que deverá intervir no âmbito da educação especial e da organização dos apoios educativos às crianças e aos jovens que deles necessitam” tentei perceber o que seria uma escola inclusiva de 2º geração. mas não consegui entender.

Acompanhei com esperança e expectativa a mais do que necessária, reafirmo, mudança legislativa desencadeada no âmbito da Educação Inclusiva que se traduziu no DL 54/2018 ele próprio associado a todo um quadro de mudança envolvendo, designadamente a definição do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, das Aprendizagens Essenciais ou o Decreto-Lei n.º 55/2018 relativamente ao currículo. Todo este edifício potenciaria a inovação, a mudança de paradigma, de vários paradigmas aliás, e alguns falavam mesmo da revolução que estava em marcha.

Com confiança em algumas virtudes do novo quadro aguardei expectante pela revelação da escola inclusiva de 2ª geração. No entanto, para meu desconforto e cansaço, o que fui conhecendo e vai sendo divulgado não me ajudou a perceber o que seria.

Continuo a verificar que tal como aconteceu com o velho 319/91 (nesta altura eu já trabalhava neste universo há 15 anos), quer com o 3/2008 e agora com o 54/2018 existiam e existem professores e escolas a realizar trabalhos notáveis que devem ser conhecidos e reconhecidos.

A avaliação das crianças, a definição dos apoios nas diferentes tipologias (já usadas como categorização uma vez que a outra categorização já não existe), o funcionamento das Equipas, os recursos disponíveis, a organização da intervenção, os papéis ou a articulação dos intervenientes está a criar nas escolas inúmeros sobressaltos. Recebo muitos testemunhos e dados mais robustos conhecidos não são particularmente animadores. O relatório da IGEC é mais uma peça elucidativa.

A tudo isto não terá sido alheio o discutível processo de operacionalização da mudança como também disse na altura.

Como já escrevi há algum tempo, o cansaço é muito embora sempre me anime quando conheço situações muito positivas que felizmente acontecem todos os dias em tantas escolas.

Não quero fazer o papel do miúdo que diz que o “rei vai nu”, primeiro porque já não tenho idade para isso e, segundo, porque não seria de todo justo.

Também não gosto de me sentir o Waldorf ou o Statler, os velhos dos Marretas que estão sempre na crítica, até porque, de novo, muita coisa de bom acontece, mas … a verdade é que julgo que só mudar, ainda que num caminho ajustado não significa … mudar.

Não queria repetir, sei existem muitas coisas muito bonitas, mas … nem tudo vai bem. Não torturem a realidade que ela não vai confessar.

Aliás, devo acrescentar que não acredito em escolas inclusivas. Não me batam, tento explicar.

Como disse Biesta, a história da inclusão é a história da democracia. Olhando para os tempos actuais e apesar de confiar no poder transformador da escola, a inevitável ligação entre a sociedade e a escola e sociedade leva a que também nesta se reflictam estes tempos e Portugal não é excepção.

Acredito sim em escolas e professores, a maioria, que com visão, competência e esforço assentes em princípios de educação inclusiva procuram diariamente combater os riscos e as situações de exclusão que muitas crianças pelas mais variadas razões correm ou vivem.

Quadros legislativos mais adequados são essenciais ... mas não são mágicos por mais que num exercício de "wishful thinking" os queiramos entender e vender como tal. As políticas públicas de educação exigem mais do que isto.

Daí este meu cansaço.

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