sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

OCDE DIZ QUE ESCOLAS PODEM ESTAR A MANIPULAR NÚMEROS DOS ALUNOS COM NECESSIDADES ESPECIAIS. UMA HISTÓRIA MAL CONTADA


Foi ontem divulgado mais um Relatório da OCDE sobre o nosso sistema educativo, “Reviews of School Resources: Portugal 2018”. A informação é vasta e justifica reflexão. Alguma imprensa divulgou uma referência à “manipulação” por parte das escolas do número de alunos com necessidades especiais para diminuir o número de alunos por turma conforme o quadro normativo. Na página 107 do Relatório encontra-se:


Aliás, esta prática de “gaming” (cito do relatório) justificará o aumento do número de alunos considerados com necessidades especiais nos últimos anos (DGEEC, DGE e DGESTE).


Trata-se, do meu ponto de vista, de uma história mal contada.
É óbvio o aumento de número de alunos considerados como tendo necessidades especiais mas o eventual  “gaming” não resultou da acção das escolas, resultou da acção da tutela a partir da publicação do DL 3/2008 o anterior enquadramento legislativo relativo a esta questão.
De facto, por efeito de filtros de uma natureza discutível na disponibilização de apoios e recursos a alunos que evidenciam dificuldades, com determinação sem bases sólidas de tectos na percentagem de alunos com necessidades especiais que as escolas poderiam apoiar e que eram validados por Comissões que no seu superior entendimento redefiniam em visistas ás escolas o número de alunos apoiados.
Isto acontecia porque o DL 3/2008 previa uma figura inaceitável, a “elegibilidade” dos alunos para apoio. Os que não eram elegíveis apesar das dificuldades percebidas por professores, técnicos e pais não teriam apoio no âmbito da chamada educação especial. Aliás, na maioria das vezes os “não elegíveis” não tinham qualquer tipo de apoio.
Deste cenário resultou que o número de alunos com apoio educativo era muito menor do que o número de alunos que dele necessitavam e das estimativas de necessidades com base em critérios internacionalmente aceites. Esta recorrente situação foi recorrente objecto de análise quer pela Inspecção-Geral de Educação, quer pelo Conselho Nacional de Educação como tantas vezes aqui referi e mostra como nos anos imediatamente a seguir a 2008 o número de alunos em apoio é bastante menor que nos anteriores. Vejamos agora porque subiu.
Por pressão dos professores e pais confrontados com muitos alunos a necessitar de ajuda começou a verificar-se progressivamente que, mesmo com os normativos desfavoráveis que filtravam o acesso a apoios, as escolas foram tentando com os recursos disponíveis providenciar algum tipo de ajuda o que contribui para esta subida fortíssima de alunos com NEE em apoio nas escolas portuguesas. Dito de outra forma, muitas escolas para poderem garantir algum tipo de apoio aos alunos que dele necessitavam “assumiram” que tinham necessidades especiais o que produziu um aumento ao longo dos últimos anos dado que também o “policiamento” se atenuou.
No entanto, este aumento não significou, não conheço estudos que o suportem, uma alteração com o mesmo grau de significado no padrão e quadros de necessidades dos alunos no que se refere, sublinho, a situações de NEE apesar da confusa e pouco sólida definição e conceitos que os normativos utilizam. A estranha diferença entre o carácter permanente ou “transitório(!)” das NEE que um aluno possa evidenciar é apenas um exemplo do que estava no quadro normativo.
Por outro lado, um sistema educativo que se tornou altamente “normalizado” (currículos extensos, prescritivos, assentes em centenas de metas curriculares por disciplinas), competitivo, selectivo (“darwinista”), assente em filtros sucessivos, os exames, os rankings, os incentivos às escolas com sobrevalorização da avaliação externa dos alunos, etc. acaba, necessariamente, por se tornar incapaz de acomodar as diferenças entre os alunos, nem sequer estou a falar de NEE, e induz um aumento do número de alunos que podem sentir dificuldade em acompanhar o “ritmo” do trabalho.
Mais uma vez, por inexistência de recursos de outra natureza, muitas escolas providenciam alguns apoios a esta franja de alunos através dos dispositivos de educação especial o que também contribui para o aumento do número de alunos apoiados considerados como apresentando NEE.
Tudo isto considerado surge o que considero a questão central, que apoios e recursos estão a ser disponibilizados a alunos, professores e pais? Serão suficientes, quer em docentes (apesar do aumento verificado), técnicos (terapeutas e psicólogos, por exemplo viram reduzido o seu número) ou assistentes operacionais? Serão adequados? Contribuem para o sucesso real dos alunos considerando todas as suas capacidades e competências? São informadas por princípios de educação inclusiva cujo critério fundamental é a participação, tanto quanto possível, nas actividades comuns das comunidades escolares?
Actualmente, temos um novo quadro, o DL 54/2018, relativo à educação inclusiva e que, do meu ponto de vista bem, admite que qualquer aluno pode ter algum tipo de necessidade e, portanto, algum tipo de apoio.
Assim e genericamente, não há “manipulação" ou “gaming” das escolas, existiu incompetência e manipulação por parte da tutela. A inquietação de professores e pais é como responder de forma adequada e exigente, sim devemos ser exigentes, às necessidades e dificuldades educativas ou escolares de todos os alunos que em qualquer circunstância as possam evidenciar, independentemente da sua natureza. Aliás, a necessidade de uma avaliação educativa sólida e competente das reais necessidades ou dificuldades é o primeiro passo para uma resposta adequada.

1 comentário:

Unknown disse...

Na minha humilde opinião, não chegam nem recursos nem professores...
Como podemos pensar o ensino sem os devidos apoios? Para os alunos? Com a entrada em vigor deste decreto, que diz o que diz, não é exequível o que se pretende, não há forma de o fazer sem recursos, tanto técnicos como pedagógicos... estamos habituados a fazer de uma forma, formatados desde sempre para um fim... agora mudam as regras, não concordo nem discordo, mas a operacionalização é confusa, nem todos a compreendem... muito mais teria a dizer...