sábado, 19 de agosto de 2017

O REGIME LEGAL DA INCLUSÃO ESCOLAR. ALGUMAS NOTAS

O Público de ontem dedica um espaço significativo ao Regime Legal da Inclusão Escolar, proposta legislativa que substituirá o DL 3/2008 como quadro legal para a resposta educativa à diversidade entre os alunos e que se encontra em discussão pública. Fui solicitado a dar uma pequena colaboração na peça que dada a natureza do trabalho surje com alguma dispersão.
Apesar da limitação deste espaço aproveito a circunstância para deixar algumas notas telegráficas sobre a proposta reafirmando o desejo de que a sua discussão seja ela própria inclusiva, isto é, envolva toda a comunidade educativa e não fundamentalmente, como é mais habitual, os docentes, técnicos e pais mais ligados ao universo de crianças, adolescentes e jovens com necessidades especiais. Este cenário é, aliás, uma das dificuldades para o desenvolvimento mais sólido e partilhado dos princípios e práticas de educação inclusiva.
Assim, em forma de pontos, sem hierarquização e não sendo exaustivo, alguns aspectos globais.
.Em comparação com o 3/2008 a proposta parece bem mais actual do ponto de vista conceptual e inscrita nas orientações e vidência mais divulgadas em diferentes sistemas educativas que sustentem uma visão de educação para todos e capaz de acomodar a diversidade dos alunos.
. Neste sentido parece positivo a defesa de uma abordagem multinível.
. Registo o reforço da ideia de diversidade dos alunos e não apenas do universo dos “alunos com necessidades educativas especiais”.
. Parece-me importante o desaparecimento do “conceito” de elegibilidade, “o pecado original” do 3/2008 e que sustentava o recurso à CIF. A questão nunca foi a CIF em si mesma, mas sim querer estabelecer em educação algo de impossível e indefensável, “a elegibilidade”, quando a própria CIF é uma ferramenta de classificação e não de avaliação educativa.
. Minimiza a “categorização”. Definir a intervenção através da categorização é sempre arriscado na medida em que crianças da mesma “categoria” serão sempre diferentes e exigem uma avaliação adequada e competente. Reforçar este entendimento e mais ajustado que entender que definida a “categoria” de problemas já “saberemos” qual a resposta necessária.
. Reforço de princípios de equidade, participação, pertença e diferenciação. Parece presente a ideia de minimizar o acantonamento de alunos em espaços físicos ou curriculares “categorizados”. A definição dos “Centros de apoio à aprendizagem” (a que voltaremos) não elimina a possibilidade de ter respostas educativas ou tempos de trabalho fora da sala de aula quando necessários, por vezes são, dadas as características dos alunos e da avaliação de necessidades. O quadro actual até permitia algo de extraordinário do ponto de vista conceptual “a inclusão ao contrário”, bem como experiências que de inclusão têm nada apesar de também acomodar boas práticas, não esqueço.
No entanto, esta apreciação global positiva do ponto de vista conceptual e de orientações definidas não invalida, antes pelo contrário, a identificação de alguns aspectos que suscitam dúvidas.
. Pensando em termos de operacionalização na realidade que temos coloca-se de imediato a questão dos recursos, docentes e técnicos e auxiliares. Não existem em número adequado e quando existem nem sempre estão bem distribuídos.
. A questão da formação relativamente a alguma redefinição da intervenção designadamente no que respeita à avaliação, o aspecto mais crítico para intervir correctamente em educação.
. A “cultura” existente em algumas escolas no que respeita às actuais “unidades” que temo ver replicada mesmo com o modelo agora em discussão.
. Está omisso um aspecto central, a ausência da referência a dispositivos de regulação, a inspecção não tem este papel). Neste aspecto o sistema educativo é verdadeiramente inclusivo, acomoda a excelência e mediocridade, por vezes na mesma escola/agrupamento sem um sobressalto.
. Como já referi a existência dos “Centros de Apoio à Aprendizagem” parece-me uma boa hipótese de trabalho. No entanto, qual o enquadramento, operacionalização, orientações, recursos e regulação do seu funcionamento num quadro de verdadeira autonomia das escolas/agrupamentos?
. Que orientações para a construção da rede de escolas de referência de forma a impedir as deslocações diárias demasiado extensas de alguns alunos. Será também que todos os alunos com um determinado tipo de problemáticas precisam de frequentar uma “escola de referência? Não creio, volto a colocar o problema dos riscos da categorização.
. A abordagem multinível em matéria de organização curricular refere, “acomodações curriculares“, “adaptações curriculares não significativas” e “adaptações curriculares significativas”, levanta do meu ponto de vista problemas significativos de operacionalização. Sendo a organização e conteúdos curriculares uma questão crítica em matéria de educação inclusiva é essencial que sejam claras as orientações e a regulação dentro de um quadro de real autonomia. Conhecemos todos alunos que que desempenham actividades e têm objectivos curriculares definidos que são eles próprios um factor de debilização e exclusão.
. Dada a extensão apenas uma nota final relativa aos Centros de Recursos para a Inclusão. A referência à função e modelo de trabalho comas escolas/agrupamentos é claramente insuficiente. Mais uma vez, existem excelentes experiências e outras de verdadeira exclusão, em que ficamos, qual o modelo? Com que orientações e distribuição de responsabilidades? Que regulação do que é realizado?
Existem, naturalmente, mais alguns aspectos que merecerão discussão em textos futuros.

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