sábado, 31 de agosto de 2024

PSICÓLOGOS(AS), PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO. MAIS UMA VEZ

 Li no CM o MECI autorizou ontem que cerca de dois mil técnicos especializados, psicólogos, terapeutas da fala e assistentes sociais, que hoje terminavam os seus contratos fossem reconduzidos. É que se pode considerar um exemplo de planeamento que, lamentavelmente, não se estranha por parte de sucessivas tutelas das pastas da Educação e das Finanças.

Direccionando mais para a área que melhor conheço, a psicologia, existem ainda múltiplas situações de precariedade na situação dos psicólogos a intervir no sistema educativo.

Considerando o recente Referencial para a Intervenção dos Psicólogos em Contexto Escolar, o estado da arte em matéria de psicologia da educação e de contextos de intervenção carregados de constrangimentos, o empenhamento e a competência dos profissionais pode dar um contributo sólido para a qualidade dos processos educativos de todos os alunos. Para além do trabalho com alunos é crítica a colaboração e intervenção com professores, funcionários, direcções e pais e encarregados de educação, para além de outras respostas na comunidade dirigidas à população em idade escolar.

No entanto, como tantas vezes tenho escrito e afirmado, desde 1991 a presença dos psicólogos em contextos educativos tem vivido entre as declarações dos vários actores, incluindo a tutela, sobre a sua necessidade e importância e a lentidão, insuficiência e precariedade no sentido da sua concretização.

É recorrente a afirmação por parte de sucessivas equipas do ME da prioridade em promover o alargamento do número de técnicos e a estabilidade da sua presença nas comunidades educativa, mas é algo que, como se percebe, tarda em concretizar-se e insisto em notas já por aqui escritas e marcadas pelo óbvio envolvimento pessoal, tenho formação em psicologia da educação.

No entanto, para além da precariedade, o número de psicólogos a desempenhar funções no sistema educativo público está ainda longe do rácio aconselhado para um trabalho mais eficiente.

Temos situações em que existe um psicólogo para um agrupamento com várias escolas e que envolve um universo com mais de 2000 alunos e a deslocação permanente entre várias escolas numa espécie de psicologia em trânsito. Não é uma resposta, é um fingimento de resposta que não serve adequadamente os destinatários, a comunidade educativa, como também, evidentemente, compromete os próprios profissionais.

Temos também inúmeras escolas onde os psicólogos não passam ou têm “meio psicólogo” ou menos e ainda a prestação de apoios especializados de psicologia em “outsourcing” e com a duração de meia hora semanal uma situação inaceitável e que é um atentado científico e profissional e, naturalmente, condenado ao fracasso de que o técnico independentemente do seu esforço e competência será responsabilizado. No entanto, dir-se-á sempre que existe apoio de um profissional de psicologia.

O Referencial orientador da intervenção dos psicólogos nos contextos escolares é um documento positivo, mas corre o risco ser inaplicável em muitas situações face ao alargado espectro de funções e actividades previstas associado ao universo de destinatários.

Neste cenário, a intervenção dos profissionais, apesar do esforço e competência, tem um potencial de impacto aquém do desejável e necessário. Áreas de intervenção como dificuldades ou problemas nas aprendizagens, questões ligadas aos comportamentos nas suas múltiplas variantes, alunos com necessidades especiais, trabalho com professores e pais, trabalho ao nível da prevenção de problemas, etc., exigem recursos e tempo que não estão habitualmente disponíveis.

Acresce que o recurso ao modelo de “outsourcing” ou a descontinuidade do trabalho é um erro em absoluto, é ineficaz, independentemente do esforço e competência dos profissionais envolvidos.

Como é que se pode esperar que alguém de fora da escola, fora da equipa, técnica e docente, fora dos circuitos e processos de envolvimento, planeamento e intervenção desenvolva um trabalho consistente, integrado e bem-sucedido com os alunos e demais elementos da escola?

Das duas uma, ou se entende que os psicólogos sobretudo, mas não só, os que possuem formação na área da psicologia da educação podem ser úteis nas escolas como suporte a dificuldades de alunos, professores e pais em diversos áreas, não substituindo ninguém, mas providenciando contributos específicos para os processos educativos e, portanto, devem fazer parte das equipas das escolas, base evidentemente necessária ao sucesso da sua intervenção, ou então, é uma outra visão, os psicólogos não servem para coisa alguma, só atrapalham e, portanto, não são necessários.

A situação existente parece-me, no mínimo, um enorme equívoco que além de correr sérios riscos de eficácia e ser um, mais um, desperdício (apesar do empenho e competência que os técnicos possam emprestar à sua intervenção), tem ainda o efeito colateral de alimentar uma percepção errada do trabalho dos psicólogos nas escolas.

Cheguei ao fim de uma carreira de 46 anos ligada à psicologia da educação e ainda aguardo que a importância e prioridade sempre atribuídas ao trabalho dos psicólogos em contextos educativos se concretizem de forma suficiente e estável.

sexta-feira, 30 de agosto de 2024

QUE QUERES SER QUANDO FORES VELHO?

 Ontem ao fim da tarde esteve cá no Monte um amigo aqui da vila para ver o que se passava com um aparelho de casa.

Como é costume por aqui, quando há pessoas juntas surgem as lérias. Inevitavelmente para quem tem netos, estes foram tema de conversa e às tantas chegámos a um caminho que não sabíamos andar pensando nos tempos que correm o que irá ser a vida deles quando forem grandes?

Claro que não temos resposta para isso e …

Já depois, lembrei-me de há já alguns anos e a propósito do inevitável “que queres ser quando fores grande” escrevi por aqui uma história em sentido diferente, “que queres ser quando fores velho?”

Dizia assim:

Não, não é engano, é mesmo isso que queria escrever, não era que queres ser quando fores grande. Esta formulação talvez seja a pergunta que mais vezes é feita a miúdos e adolescentes. Acontece que os miúdos e adolescentes chegam a grandes e, boa parte não são o que responderam à inevitável pergunta, mas a partir daí, estranhamente, ninguém mais pergunta ou se inquieta com o que um grande quer ser quando for velho. Acresce que hoje, felizmente, cada vez mais os grandes chegam a velhos.

Já sendo grande há uns bons anos e estando mesmo à beira da velhice, interrogava-me há pouco sobre que quero eu ser quando for velho.

Bom, gostava de ser velho, ou seja, existir enquanto velho, com a minha companheira de sempre e com a qualidade de vida física funcional e com capacidade para a lida ainda que ajustada ao peso dos anos.

Costumo dizer que um dos privilégios da velhice é ter histórias para contar por isso gostava de poder contar histórias. Gostava de contar histórias aos netos e a outra gente mais nova, já não para ensinar, ensinar é tarefa para grandes, pais e professores, não é para velhos, mesmo professores velhos. As histórias dos velhos são para ouvir e conversar, não são para aprender.

Outro privilégio que a velhice traz é assim uma espécie de inimputabilidade, podemos dizer e fazer coisas estranhas que as pessoas aceitam e dizem de forma condescendente, é velho, às vezes até acham graça. Deve ser bom poder dizer e fazer, quase, o que nos vem à cabeça. Quando for velho quero ser assim.

Quando for velho quero ter o tempo, não o tempo do dever, mas o tempo do querer, embora acredite que quando se é velho o tempo parece mais pequeno. Também gostava que os que foram pequenos ao pé de mim fossem permanecendo por perto mesmo que, eventualmente longe.

Não parece assim grande coisa, mas eu acho que os velhos só ligam ao essencial."

Agora que cheguei a velho … estou a ser, até ver, o que gostava de ser quando chegasse a velho. Não, não é perfeito, o mundo está demasiado feio para que não nos inquietemos. Não pensei que com o que vivemos e demos por adquirido os tempos assim seriam.

No entanto e apesar disso, sinto-me um homem, um velho, com sorte.

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

UM SONHO OLÍMPICO

 Iniciaram-se ontem em Paris os Jogos Paralímpicos, a competição olímpica para pessoas com deficiência. Como sabem a competição olímpica para pessoas, por assim dizer … normais, chamam-se Jogos Olímpicos. Portugal estará representado por 27 atletas de 10 modalidades e, certamente por razões de espaço, em nenhuma primeira página de ontem dos jornais desportivos nacionais, perdão jornais futebolísticos nacionais, estava referenciado o evento.

É também por razões como esta que insisto numa das minhas utopias, um dia teremos apenas Jogos Olímpicos. Todas as provas, de todos os desportistas, se realizarão no mesmo espaço de tempo e nos mesmos espaços físicos de acordo, evidentemente, com as exigências específicas.

Não me parece impossível em termos de organização e assim como tenho dificuldade em aceitar que uma piscina pública seja frequentada muitas vezes por um grupo de pessoas com deficiência em “horário próprio” ou com pistas “reservadas” e sem que seja por razões de segurança, também acho que as pessoas, todas as pessoas, podem competir num mesmo evento nas respectivas provas.

Lembro-me sempre da afirmação de Biesta, a história da inclusão é a história da democracia e, do meu ponto de vista, também passa por aqui.

Só depende de nós.

Sim, eu sei, é um sonho olímpico. Será, mas não é seguramente paralímpico.

terça-feira, 27 de agosto de 2024

EM "FUTEBOLÊS", OBRIGADO MISTER

 Partiu um senhor do futebol, Sven-Goran Eriksson que em Portugal treinou a melhor equipa do mundo, o Benfica, com razoável sucesso. Expressou o desejo de ter treinado o Liverpool e também isso conseguiu num evento muito bonito e com emoção.

Foi e será, um exemplo de serenidade e postura desportiva. Num tempo em que tanta gente maltrata o futebol, a começar pelos que dele vivem, faltam figuras desta dimensão.

Recorrendo ao “futebolês”, obrigado Mister.

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

A TERRA ESTÁ ZANGADA

 Durante a noite sentimos a Terra a agitar-se, tremia e parecia fazer um barulho. Devo dizer que assusta.

Está zangada a Terra.

Imagino que a Terra comece a ficar cansada da irresponsabilidade delinquente desta gente que a povoa, sobretudo dos que lideram. Depois de tanta asneira insistem nos maus-tratos e não se entendem sobre a forma de mudar de rumo.

Dão-lhe cabo das entranhas, alteram-lhe o clima, mudam paisagens, esgotam-na, deixam-na estéril e sem sustento.

A minha avó Leonor, mulher de sabedoria, costumava dizer que não era bom a gente meter-se com a Terra, com a natureza, e maltratá-la. A natureza vai ser sempre maior que a gente e não aceita que mandem nela.

domingo, 25 de agosto de 2024

AGORA NO SUPERIOR, BOA VIAGEM

 

Foram divulgados os resultados da candidatura ao acesso ao ensino superior num ano em que em que se regista um ligeiro abaixamento número de candidatos. Foram colocados quase 50 000 candidatos, uma taxa de colocação, 85,7%, um pouco mais alta que em 2023.

Nesta fase, 56,1% dos alunos foram colocados na primeira opção e 87,8% numa das três primeiras escolhas.

Uma nota positiva para sublinhar a continuação da subida, 8%, do número de alunos colocados nas licenciaturas em Educação Básica que permitem o acesso aos mestrados em ensino para o 1.º e 2.º ciclos.

Uma nota preocupante para a descida do número de alunos carenciados colocados nesta fase, de 2800 em 2023 para 1655. Como é conhecido, a frequência do superior é cara, sobretudo quando obriga a deslocação e procura de alojamento. Mantém-se um quadro de desigualdade de oportunidades no acesso à formação de nível superior.

A colocação e as escolhas de curso assentam, naturalmente, nas motivações dos candidatos e das suas expectativas face ao futuro e nos constrangimentos e enviesamentos da oferta. Para os alunos não colocados nas primeiras escolhas teremos um risco acrescido de frustração que pode levar à desistência e desmotivação, esperemos que corra bem.

Umas notas breves em linha com o que aqui já tenho escrito.

Sou dos que entendem que cada um de nós deve poder escrever, tanto quanto as circunstâncias o permitirem, a sua narrativa, cumprir o seu sonho. Por outro lado, a vida também nos ensina que é preciso estar atento aos contextos e às condições que os influenciam, sabendo ainda a volatilidade e rapidez com que neste tempo a vida acontece.

Assim, parece-me importante que um jovem, sabendo o que a sua escolha representa, ou pode representar nas actuais, sublinho actuais, condições do mercado de trabalho, faça a sua escolha assente na sua motivação ou no projecto de vida que gostava de viver e, então, informar-se sobre opções, sobre as escolas e respectivos níveis de qualidade.

Por outro lado, é esta questão que quero sublinhar, boa parte da questão da empregabilidade, mesmo em situações de maior constrangimento, relativiza-se à competência, este é o ponto fulcral e não pode, não deve, ser esquecido.

Na verdade, o que frequentemente me inquieta é a ligeireza com que algumas pessoas parecem encarar a sua formação superior, assumindo uma atitude pouco "profissional", cumprem-se os serviços mínimos e depois logo se vê. Têm sido mediatizados casos que elucidam este entendimento, a formação significa a aquisição de um sólido conjunto de saberes e competências, não é um título que se cola ao nome. A experiência faz-me contactar regularmente com atitudes desta natureza.

Mesmo em áreas de mais baixa empregabilidade, ou assim entendida, continuo a acreditar que, apesar dos maus exemplos que todos conhecemos, a competência e a qualidade da formação e preparação para o desempenho profissional, são a melhor ferramenta para entrar nesse "longínquo" mercado de trabalho. Dito de outra maneira, maus profissionais terão sempre mais dificuldades, esteja o mercado mais aberto ou mais fechado.

Assim sendo, importa que o investimento, a preocupação com a aprendizagem e a aquisição de conhecimentos, competências e de princípios éticos e deontológicos se estabeleçam como desígnio. Este entendimento pode e deve coexistir com o desenvolvimento de uma vida académica socialmente rica, divertida e fonte de bem-estar e satisfação. É desejável resistir à tentação do facilitismo, do passar não importa como, da fraude académica que constitui actualmente uma séria preocupação, da competição desenfreada que inibem partilha, cooperação e apoio para momentos menos bons.

O futuro vai começar dentro de momentos.

Boa sorte e boa viagem para todos os que vão iniciar agora esta fase fundamental nas suas vidas.

sábado, 24 de agosto de 2024

A AGRESSÃO A PROFESSORES

 Numa peça do JN aborda-se a questão da agressão a professores. De acordo com dados da GNR e de organizações dos professores os dados evidenciam uma subida do volume de episódios. Este ano lectivo, a Guarda registou 32 queixas e identificou 39 pessoas por agressões a professores, quase o dobro das 18 queixas e 18 pessoas do que se verificou o ano anterior. Ao que se lê o MECI informou estar em preparação uma proposta de lei sobre a matéria envolvendo vários Ministérios e a ser oportunamente enviada à Assembleia da República.

Andam negros os tempos para os professores. Repetindo-me, sempre que escrevo sobre esta questão, agressões ou insultos a professores e dadas as circunstâncias faço-o com regularidade, é sempre com preocupação e mal-estar, mas é preciso insistir pelo que retomo notas já aqui referidas, não me parece necessário encontrar outras palavras para tratar a mesma questão.

As notícias sobre agressões a professores, cometidas por alunos ou encarregados de educação, continuam com demasiada frequência embora nem todos os episódios sejam divulgados. Aliás, são conhecidos casos de direcções que desincentivam as queixas dado o “incómodo” e “publicidade negativa” para a escola que trará a divulgação e ouvem-se discurso de relativização. Aliás, na peça do JN é referida esta questão.

Os testemunhos de professores vitimizados são perturbadores e exigem atenção e intervenção.

Cada um dos recorrentes episódios poderá ser um caso de polícia, mas não pode ser “apenas” mais um caso de polícia e julgo que, para além de ser notícia, importaria reflectir nos caminhos que seguimos.

Esta matéria, embora seja objecto de rápidos discursos de natureza populista e securitária, parece-me complexa e de análise pouco compatível com um espaço desta natureza.

Justifica-se uma breve reflexão em torno de três eixos: a imagem social dos professores, a mudança na percepção social dos traços de autoridade e o sentimento de impunidade que me parecem fortemente ligados a este fenómeno.

Já aqui tenho referido que os ataques, intencionais ou não, à imagem dos professores, incluindo parte do discurso de gente dentro do universo da educação que tem, evidentemente, responsabilidades acrescidas e também o discurso que muitos opinadores profissionais, mais ou menos ignorantes ou com agendas implícitas, produzem sobre os professores e a escola, contribuíram para alterações significativas da percepção social de autoridade dos professores, fragilizando-a seriamente aos olhos da comunidade educativa, sobretudo, alunos e pais. Também com demasiada frequência os discursos produzidos pela tutela sobre os professores que são parte do problema e não contributo para a solução.

Esta fragilização tem, do meu ponto de vista, graves e óbvias consequências, na relação dos professores com alunos e pais.

No entanto, importa registar que a classe docente é dos grupos profissionais em que os portugueses mais confiam o que me parece relevante.

Em segundo lugar, tem vindo a mudar significativamente a percepção social do que poderemos chamar de traços de autoridade. Os professores, entre outras profissões, polícias ou profissionais de saúde, por exemplo, eram percebidos, só pela sua condição de professores, como fontes de autoridade. Tal processo alterou-se, o facto de se ser professor, já não confere, só por si, “autoridade” que iniba a utilização de comportamentos de desrespeito ou de agressão. O mesmo se passa, como referi, com outras profissões em que também, por razões deste tipo, aumentam as agressões a profissionais da área da saúde, médicos e enfermeiros.

Finalmente, importa considerar, creio, o sentimento de impunidade instalado em Portugal de que não acontece nada, faça-se o que se fizer. Este sentimento que atravessa toda a nossa sociedade e camadas sociais é devastador do ponto de vista de regulação dos comportamentos, ou seja, podemos fazer qualquer coisa que não acontece nada, a “grandes” e a “pequenos”, mas sobretudo a grandes, o que aumenta a percepção de impunidade dos “pequenos”.

Considerando este quadro, creio que, independente de dispositivos de formação e apoio, com impacto quer preventivo, quer na actuação em caso de conflito, obviamente úteis, o caminho essencial é a revalorização da função docente tarefa que exige o envolvimento de toda a comunidade e a retirada da educação da agenda da partidocracia para a recolocar como prioridade na agenda política.

Definitivamente, a valorização social e profissional dos professores, em diferentes dimensões é uma ferramenta imprescindível a um sistema educativo com mais qualidade sendo esta valorização uma das dimensões identificadas nos sistemas educativos mais bem considerados.

É ainda fundamental que se agilizem, ganhem eficácia e sejam divulgados os processos de avaliação ou julgamento e a punição e responsabilização sérias dos casos verificados, o que contribuirá para combater, justamente, a ideia de impunidade.

sexta-feira, 23 de agosto de 2024

DA FALTA DE DOCENTES

 Às medidas já anunciadas no âmbito do “Plano + Aulas, + Sucesso” tentando cativar para a função docente estudantes dos mestrados de educação, bolseiros de doutoramento, docentes em fim de carreira que a queiram prolongar e docentes já aposentados que queiram regressar à sala de aula, o MECI acrescentou duas novas iniciativas, subsídio de deslocação aos professores e a realização de um concurso extraordinário de vinculação.

Apesar de não parecer muito feliz, talvez a campanha de marketing realizada possa vir a conhecer algum sucesso tal como estas medidas que, sendo positivas, também no caso do subsídio de deslocação criará certamente algum mal-estar pois muitos professores realizam deslocações superiores às previstas nas medidas sem que tenham qualquer tipo de apoio.

Continuo a pensar que, apesar de compreender a urgência da situação e a forte probabilidade de continuarmos a ter muitos alunos sem aulas gerando, a necessidade de em muito curto prazo minimizar os problemas, só uma abordagem estrutural pode ter potencial de mudança sustentada.

Nesta perspectiva, julgo absolutamente necessário que as políticas públicas de educação assumissem como um eixo nuclear a valorização da carreira docente, dos professores.

É claro que mudanças estruturais têm custos e relembro a necessidade de investimento sério em educação, 6% do Produto Interno Bruto o que está definido pela UNESCO como meta para 2030.

Só a sua valorização pode tornar a carreira docente atractiva e com um potencial de retenção e satisfação dos que nela se integram.

Esta valorização passa, evidentemente, pela valorização salarial, mas importa considerar também dimensões como a definição de modelos de carreira e de avaliação justos, simplificados e transparentes e promotores de estabilidade.

Importa que a valorização dos professores resista ao risco de “deskilling” ou “desprofissionalização” através de mudanças nas exigências da habilitação para a docência.

Importa que se definam dispositivos de apoio ao exercício profissional em contextos mais exigentes.

É crítico que se desburocratize o exercício da docência com gastos brutais de tempo e esforço sem retorno pertinente.

Conhecendo o que acontece em muitos territórios educativos talvez seja de começar a reflectir sobre o modelo de governança das escolas e agrupamentos que parece excessivamente dependente da competência de cada direcção criando assimetrias profissionais e climas institucionais menos favoráveis ao trabalho de alunos, professores e técnicos. Sucessivas equipas do ME não consideram esta questão e percebe-se a razão, a gestão política do sistema.

Julgo claro que mudanças neste sentido não são fáceis e que será sempre difícil um caminho de concordância generalizado, mas também tenho a convicção de que medidas conjunturais, mais positivas ou menos ajustadas, concebidas por ciclos políticos continuarão, apesar, de alguns ajustamentos, a “mexer” na conjuntura e a não alterar substantivamente a estrutura que alimenta … as conjunturas.

quinta-feira, 22 de agosto de 2024

A LER, "PAIS, MÃES E A PREVENÇÃO E COMBATE DO BULLYING E CYBERBULLYING"

 Merece leitura, reflexão e, sobretudo, acção, o texto de Luís Fernandes no Público, “Pais, mães e a prevenção e combate do bullying e cyberbullying”.

Muitas vezes aqui tenho abordado esta questão, mas a gravidade e frequência com que ocorrem estes episódios torna imprescindível que lhes dediquemos atenção ajustada considerando os sinais dados por crianças e adolescentes, nem sobrevalorizando, nem tudo é bullying, o que promove insegurança e ansiedade, nem desvalorizando, o que pode negligenciar riscos e sofrimento.

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

OS DIAS DO ALENTEJO

 Por estes dias o Monte está mais frequentado e animado, estão por cá os netos e a azáfama é grande, entre trabalhos na oficina, bicicleta nos trilhos, mergulhos no tanque da nascente, a lida agrícola da época, a rega e o mais que a imaginação permite. É curioso que os vizinhos da herdade próxima me encontram na vila e me dizem a sorrir, estão cá os netos, já os ouvimos. É, ouvem-se à distância.

Hoje, antes do Sol ficar mais áspero o Tomás, oito anos de genica, desafia-me para uma volta ao Monte, ele na "bina" e eu a pé. Generosamente, avisa-me que vai devagar porque sabe que eu já não corro. Obrigado, Tomás.

Às tantas diz que já está calor afirmando eu que ainda ficaria mais quando fosse mais tarde.

Pois, responde, são aí umas dez horas.

Confirmo que sim, faltam poucos minutos.

Compondo o ar seguro de quem sabe, explica-me que vê as horas pelo Sol. Divide o céu em partes, cada uma de uma hora, e vai contando.

Comentei que estava certo, mostrando alguma admiração.

Remata com a confiança de quem "sabe", “já sei há muito tempo, aprendi na pré” e acelera a pedalar na "bina". 

Para além da história, e é só uma história, fiquei a pensar como tão frequentemente esquecemos que os miúdos, todos os miúdos, sabem sempre mais do que imaginamos ou do que medimos.

E são também assim os dias do Alentejo

terça-feira, 20 de agosto de 2024

OS FARDOS

 Há uns dias aqui no Monte, para fugir à abafura madrugámos e tratámos arrancar as cebolas, a rama já estava a secar e pediam para sair da terra. Vão ficar uns dias a secar e depois fazer molhos e pendurar esperando que durem até às próximas.

É impossível não nos lembrarmos de vez em quando do nosso querido Mestre Zé Marrafa, esta era uma tarefa que quase sem realizava com ele.

Um dia, depois de termos acabado sentámo-nos na sombra da pimenteira para umas minis e ao comentar como o trabalho fica mais pesado quando o calor é bravo, o Velho Marrafa contou-me, ele gosta de contar histórias, de uma empreitada em que ele a mulher e o sogro se envolveram quando ainda tinha casado há pouco tempo e procurava "jogar-se" ao que podia para fazer uns amanhos na casita.

O trabalho era carregar fados que estavam numa herdade lá para os lados de Torre dos Coelheiros. A herdade tão tinha tractor que içasse os fardos para cima da "rolota" (o atrelado de carga do tractor) e o Velho Marrafa tomou conta da empreitada de carregar os fardos todos para serem armazenados. A mulher e o sogro estavam em cima da "rolota" e iam arrumando os fardos que o Velho Marrafa levantava do chão com um forcado, uma forquilha de duas pontas, para cima do atrelado.

Esta empreitada veio à conversa porque sendo pagos ao fardo, que tinha por volta de 50 kg cada, saíam de casa ainda de noite e trabalhavam até ficar escuro. Faziam umas quatro carradas de 200 fardos cada. Acresce que este trabalho se fez, foi essa a lembrança, com um calor que até no Alentejo se estranhava ou, como dizia o Velho Marrafa, estava mesmo áspero.

No fim, da história e da cerveja, o Velho Marrafa, com o ar de sempre dizia, "Sr. Zé, sem trabalho nada se faz, nada se tem. Amanhei a casa, sem a empreitada dos fardos não conseguia".

Mas esta é uma história antiga, do tempo em que os fardos eram mais pesados de carregar.

Depois de tanta lida, o Mestre Zé não merecia este último fardo que a vida lhe trouxe.

segunda-feira, 19 de agosto de 2024

AS NOVAS FAMÍLIAS

 No JN encontra-se uma peça interessante sobre as múltiplas configurações das actuais famílias.

Em termos sintéticos, aumenta o número de famílias multinucleares, monoparentais e reconstituídas, aumenta o número de famílias homoparentais como também sobe o número de pessoas que vivem sós.

É frequente na imprensa as referências às emergentes e diferentes dinâmicas de constituição, organização e funcionamento dos “novos” agregados familiares. No entanto, do meu ponto de vista, quase sempre me parece que as diferentes abordagens não valorizam, por vezes nem referem, um aspecto que entendo relevante e que considero dos mais complexos desafios sociais que actualmente enfrentamos, a educação familiar, ou seja, o que é, o que deve ou pode ser a educação familiar em contextos altamente diferenciados e em mudanças permanentes.

Esta minha questão releva do entendimento de que independentemente da configuração a família, a educação familiar, é um bem de primeira necessidade para todas as crianças pelo que as enormes alterações que temos vindo a constatar no universo das famílias solicitam uma séria reflexão sobre as suas implicações e impacto na educação familiar. O paradigma clássico, a família educativa e a escola instrutiva, mudou substantivamente o que não significa, obviamente, a alienação do papel educativo da família, mas sim atentar nas novas qualidades que esse papel vai assumindo, parafraseando Camões.

Desde logo porque, por questões de logística e funcionalidade, o tempo familiar para as crianças encolheu de forma dramática, os miúdos passam tempos infindos na escola sob um princípio a que até o então MEC se lembrou de chamar de forma infeliz, “Escola a tempo inteiro”.

As famílias expressam uma enorme dificuldade em compatibilizar o que ainda entendem ser o seu papel educativo com a pressa e o pouco tempo que assumem ter para o realizar. Tenho conhecido dezenas de pais que se sentem culpados e fragilizados por entenderem que não têm a disponibilidade de tempo e atitude que julgam necessária para os filhos. Esta culpa e fragilidade é, com frequência, a base inconsciente que impede alguns pais de serem consistentes e firmes na definição de regras e limites imprescindíveis às crianças, pois “temem estragar” o pouco tempo que têm com elas devido a um eventual conflito.

Por outro lado, no caso de famílias monoparentais, cujo número está em crescimento, também é frequentemente referida a dificuldade acrescida no contexto da educação familiar.

Uma outra questão prende-se com o modo e a dificuldade que muitos pais me referem sentir quando lidam com as crianças em situação de “duas famílias” mesmo em separações não litigiosas e com níveis de agressividade por vezes inquietantes. Mais uma vez, as inseguranças e algum sentimento de culpa estão presentes e contribuem para embaraços que levam os pais a pedir alguma ajuda. Como sempre digo, é preferível uma boa separação a uma má família, mas alguns pais sentem-se inseguros para construir cenários de educação familiar com qualidade quando têm a guarda das crianças repartida.

Tem vindo a crescer o número de situações de casais que apesar de separados continuam a coabitar o mesmo espaço ou que nem sequer assumem a separação o que pode causar alguma perplexidade e mal-estar nas crianças sobre a forma de lidar com um contexto em que aparentemente existe uma família, quando na verdade já são duas com uma ou mais crianças entre elas. Na mesma configuração temos também a situação de pais "casados por fora" e "descasados por dentro" vivendo como que um fingimento” familiar, frequentemente com a desculpa dos filhos. As crianças são inteligentes e é preferível uma “boa separação” a uma “má família”, as crianças são resilientes e acomodam melhor eventuais dificuldades quando estão com adultos que delas cuidam e lhes dedicam afecto.

A experiência mostra, como referi acima, que a educação familiar se constitui como uma área extremamente complexa, não existem dois contextos familiares iguais sendo que, para além de tudo, se trata de um universo extremamente sensível a valores e convicções.

Assim sendo, importa estarmos atentos e procurar disponibilizar apoios e orientações nas situações em que os pais revelam e exprimem mais insegurança e dificuldades e que muitas vezes são fonte de grande sofrimento para todos os envolvidos. Estas situações são bem mais frequentes e graves do que julgamos.

E envolvem famílias de diferentes configurações, umas mais “velhas” outras mais “novas”.

domingo, 18 de agosto de 2024

A MICRO-HISTÓRIA DO FARDO

 Esta é a micro-história de um fardo.

Era uma vez um fardo. Tinha uma vida complicada como seria de prever. Poucas pessoas gostam de fardos, acham-nos pesados, atrapalham a sua vida.

Em qualquer sítio que o fardo estivesse, ninguém se aproximava muito. Não era estranho, os fardos são quase sempre difíceis de lidar.

Mas o fardo não percebia muito bem tudo isto. Ele não tinha pedido para nascer e, muito menos, para ser diferente dos outros miúdos.

sábado, 17 de agosto de 2024

DA QUESTÃO DO CURRÍCULO

 No âmbito dos Projectos-Piloto de Inovação Pedagógica, sempre a inovação, o MECI convida (?!) sete estabelecimentos de ensino a criarem já para o próximo ano no ensino secundário uma nova disciplina “Literacias” de carácter obrigatório.

O objectivo será permitir alguma diferenciação na escolha dos alunos relativamente à formação que adquirem no secundário. Embora perceba A intenção tenho sérias dúvidas que a multiplicação de disciplinas seja o caminho mais indicado.

Acresce que, do meu ponto de vista, as múltiplas literacias fazem parte da formação dos alunos, escolar e não escolar, desde a infância podendo, naturalmente, ser desenvolvidas de formas diferentes e não necessariamente com criação de disciplinas.

Algumas notas.

De há uns anos para cá tem vindo a engordar, a engordar, e regularmente continuam a surgir iniciativas e projectos com impacto curricular para desenvolver, claro, na escola.

É verdade que os alunos, passam, muitos deles, oito, dez horas, por vezes mais, na escola cumprindo o equívoco de uma Escola a Tempo Inteiro. Em resposta às necessidades das famílias de guarda das crianças em horário laboral parece mais fácil alongar o tempo escolar.

Não está, evidentemente, em discussão a importância de que a educação de crianças e jovens envolva as diversas questões presentes na vida das comunidades, antes pelo contrário. A questão é que haver uma tendência que suscita reservas de que a escola ensina e resolve. Não, não a escola não resolve tudo.

Em diversas ocasiões tenho manifestado a minha reserva face ao entendimento de que tudo o que de alguma forma possa envolver os mais novos e a sua formação deva ser ensinado/trabalhado na escola. Esta visão obesa da escola não funciona, nem tudo pode ou deve ser transformado em disciplinas, conteúdos escolares, projectos, … para além de que a escola tem um conjunto de funções incontornáveis que tornam finita a sua capacidade de responder. Sabemos, aliás, as dificuldades que a escolas e os professores sentem no cumprimento dessas funções.

Sabemos que, independentemente das opções e visões ideológicas, uma das questões que no universo da educação estarão sempre em aberto é a que envolve os conteúdos e organização curricular. De facto, a velocidade de produção e acesso ao conhecimento e ao desenvolvimento, as mudanças nos sistemas e no quadro de valores das comunidades determinam a regular reflexão e ajustamento sobre o que a escola deve ensinar e trabalhar, sobretudo durante a escolaridade obrigatória.

Por outro lado, o tempo da escola e a competência da escola são finitos, isto é, a escola não tem tempo nem pode ou deve ensinar tudo. Lembram-se certamente das discussões sobre se matérias como educação sexual, educação cívica, literacia económica e financeira, educação para a saúde, para citar apenas alguns exemplos, deverão, ou não, constituir-se como "disciplinas", conteúdos ou mesmo se devem integrar os currículos escolares.

E acontece que perdemos a conta de planos, projectos, programas, experiências inovadoras que chegam às escolas para a educação científica, aprendizagem emocional, promover a expressão artística e a criatividade, promover comportamentos saudáveis e actividades desportivas, literacia financeira e também a mediática, promover a inovação e as novas tecnologias, aprender a andar de bicicleta, para não falar de iniciativas mais "alternativas", por assim dizer, e que têm poderes mágicos, parece. A lista enunciada é apenas exemplificativa.

Em princípio, independentemente de os conteúdos poderem ser mais ou menos pertinentes, vejo sempre com alguma reserva as propostas de introdução de mais uma disciplina, mais conteúdos, mais um manual, mais umas orientações, mais um programa de formação, perdão, de capacitação, de professores, como se a escola, o currículo escolar, os conteúdos, as suas competências, pudessem continuar a engordar indefinidamente. E não se trata de um problema de recursos ainda, actualmente, seja uma questão muito séria.

Como é evidente, pode dizer-se sempre que muitas destas questões podem integrar o trabalho escolar considerando até que os alunos passam um tempo imenso, diria excessivo, nas escolas. Aliás, tal acontece em muitas escolas e agrupamentos.

A questão central, do meu ponto de vista, é que as competências da escola, os conteúdos que nela são trabalhados, integrando ou não formalmente os currículos, não podem mesmo aumentar continuamente. Urge uma reflexão serena, participada e com tempo sobre o ajustamento dos conteúdos, a sua integração e organização, a forma como podem acomodar a diversidade dos alunos e a necessidade de diferenciação dos professores, a formação global dos alunos e não exclusivamente a promoção de competências instrumentais, etc.

Somar conteúdos e competências à escola sem ajustamento dos conteúdos e organização existentes, pode promover problemas e não soluções, de tanto que lhe exigem corre risco de não providenciar o que lhe compete.

Na verdade, nem tudo o que pode ser interessante ou importante saber ou conhecer terá de caber numa disciplina ou num conteúdo escolar e nem tudo o que se pode saber e conhecer se aprende na escola.

Tenho uma visão da escola centrada no TODO do aluno, mas não no "ensino" do TUDO que o aluno deve saber ou conhecer.

A questão é que os alunos estão muito tempo na escola e a tentação é óbvia e grande, a escola que faça.

sexta-feira, 16 de agosto de 2024

QUEM QUER SER PROFESSOR?

 Dando sequência ao que já tinha sido anunciado pelo MECI a DGAE lançou uma campanha de marketing com o objectivo de minimizar a quase certa falta de docentes.

A campanha tem como grupos-alvo estudantes dos mestrados de educação, bolseiros de doutoramento, docentes em fim de carreira que a queiram prolongar e docentes já aposentados que queiram regressar à sala de aula.

Não sei qual o efeito que terá, mas as reacções que se vão conhecendo não permitem grande optimismo. A própria campanha e o seu suporte não parecem também a melhor das soluções, não me parece que a docência se “venda” assim em termos de publicidade.

Embora se perceba urgência da situação, portanto, a tentativa de em muito curto prazo minimizar os problemas só uma abordagem estrutural pode ter potencial de mudança sustentada.

Nesta perspectiva, julgo absolutamente necessário que as políticas públicas de educação assumissem como um eixo nuclear a valorização da carreira docente, dos professores.

É claro que mudanças estruturais têm custos pelo que será de considerar a necessidade de investimento sério em educação, 6% do Produto Interno Bruto o que está definido pela UNESCO como meta para 2030.

Só esta valorização pode tornar a carreira docente atractiva e com um potencial de retenção e satisfação dos que nela se integram

Esta valorização passa, evidentemente, pela valorização salarial, mas importa considerar também dimensões como a definição de modelos de carreira e de avaliação justos, simplificados e transparentes e promotores de estabilidade. Não é concebível, por exemplo, alimentar situações como, ”és um excelente professor, mas não podes ser “excelente”, já não cabes”.

Importa que a valorização dos professores resista ao risco de “deskilling” ou “desprofissionalização” através de mudanças nas exigências da habilitação para a docência.

Importa que se definam dispositivas de apoio ao exercício profissional em contextos mais exigentes.

Importa que se desburocratize o exercício da docência com gastos brutais de tempo e esforça sem retorno pertinente. Sim eu sei, como dizia João dos Santos, que “mais difícil em educação é trabalhar de uma forma simples”, mas desburocratizar não é promover “facilitismo” é uma medida com impacto positivo em termo profissionais e pessoais.

Considerando o que acontece em muitos territórios educativos talvez seja de começar a olhar (reflectir) sobre o modelo de governança das escolas e agrupamentos que parece excessivamente dependente da competência de cada direcção criando assimetrias profissionais e climas institucionais menos favoráveis ao trabalho de alunos, professores e técnicos.

Julgo claro que mudanças neste sentido não são fáceis e que será sempre difícil um caminho de concordância generalizado, mas também tenho a convicção de que medidas conjunturais, mais positivas ou menos ajustadas, concebidas por ciclos políticos continuarão, apesar, de alguns ajustamentos, a “mexer” na conjuntura e a não alterar substantivamente a estrutura que alimenta … as conjunturas. 

quinta-feira, 15 de agosto de 2024

SER PEQUENO

 Dado o inexorável movimento dos dias cumpro hoje mais um marco de uma estrada que já vai longa. Há algum tempo passei a integrar a tribo dos “seniores” ou dos “idosos”. Depois associei-me à dos “reformados” ou “aposentados” apesar de manter alguma actividade. Hoje, chegam os 70, o conceito passará a ser “jubilado”. Vou ter de me habituar, felizmente, para além de uma necessária carreira profissional em que me senti muito bem, gozei uma paixão que sempre viverá, a psicologia, a educação e o mundo dos miúdos.

Como já tenho dito, não sei o que é uma vida de sonho, mas tenho tido uma vida com que nunca sonhei. Sou um homem com sorte.

Na minha terra era costume, creio que ainda é muito frequente em Portugal, referir que quando se celebra um aniversário, se é "pequeno". Assim sendo, hoje sou "pequeno", coisa que não é nada fácil imaginar e muito menos conseguir, mas é mais amigável que “idoso” ou “reformado”.

Embalado por essa ideia lembrei-me de quando era mesmo pequeno, tentação que parece inevitável cada vez que ficamos mais velhos. Lembrei-me de como brincava, ao que brincava e com quem brincava, quase sempre na rua. Ainda há dias falava destas brincadeiras com os meus netos e o Simão, do alto dos seus onze anos e a viver o hoje, mostrava dificuldade e estranheza face às brincadeiras e aos materiais que tínhamos para brincar. Não eram fáceis aqueles tempos.

Depois lembrei-me de como brincava com o meu filho, quando ele era pequeno, grandes viagens em grandes brincadeiras.

Agora brinco com os meus netos, são eles os pequenos. Muito a gente se diverte. E havemos de nos divertir ainda mais a brincar. Há sempre “projectos” ou “sistemas” para fazer, em particular no Alentejo. E assim há-de ser enquanto puder. Palavra de avô.

A este propósito e como já vos tenho dito e, certamente, alguns estranharão, acho que por estes dias os miúdos brincam pouco.

Eu sei que os tempos são diferentes e os estilos de vida mudaram significativamente. No entanto, não me parece que sejam razões suficientes. A questão é, creio, de outra natureza.

As brincadeiras já não brincadeiras, passaram a chamar-se actividades. E os miúdos têm muito pouco tempo para brincar, é quase todo destinado a actividades, muitas actividades, que, dizem, são fantásticas, fazem bem a tudo e mais alguma coisa, promovem competências extraordinárias e é preciso ser excelente.

Deixem os miúdos brincar, faz-lhes bem, é mesmo a coisa mais séria que fazem e, como sabem, é importante lidar desde pequeno com coisas sérias.

Acho que por estes dias ainda nos vamos divertir mais. nas brincadeiras com os meus netos.

É que hoje … hoje sou pequeno, ainda melhor nos entendemos.

quarta-feira, 14 de agosto de 2024

TAREFAS ESCOLARES E FÉRIAS

 Ao estarmos em período de férias é recorrente nos últimos anos, talvez sinais dos tempos, a questão da realização de tarefas de natureza escolar em tempo de férias surgir na imprensa. Dito de outra forma, estamos a falar de TPC para férias.  Ontem a Sábado pediu-me uma pequena colaboração para uma peça sobre esta matéria.

Desde há muito que entendo que a sua utilização durante os períodos de férias deveria ser repensada e tenho-o expressado em espaços profissionais, no contacto com pais e em colaborações na imprensa.

No caso dos alunos dos primeiros anos de escolaridade, o trabalho realizado na escola deveria dispensar o TPC incluindo no período de férias. É uma questão de saúde e qualidade de vida se considerarmos a quantidade de tempo que a Escola a Tempo Inteiro permite estar nas escolas durante o período escolar.

Em muitas famílias e como se afirma em múltiplos trabalhos os TPC clássicos têm ainda o problema de colocar com frequência os pais em situações embaraçosas, querem ajudar os filhos, mas não possuem habilitações conhecimento sobre actual escola e os seus programas para tal. Recordo um trabalho de 2014 da OCDE, “Does homework perpetuate inequities in education?" em que entre outros dados interessantes se referia que os alunos com famílias de meios sociais e económicos mais favorecidos gastam mais 2 horas em trabalhos de casa que os seus colegas com famílias de estatuto mais baixo o que, sublinhava a OCDE, poderá alimentar a falta de equidade.

O recurso ao TPC deveria avaliar se o aluno, cada aluno, tem capacidade e competência para o realizar autonomamente, por exemplo, para exercício de competências adquiridas. Na verdade, porque milagre ou mistério, uma criança que tem dificuldade em realizar os seus trabalhos na sala de aula, onde poderá ter apoio de professores e colegas, será capaz de os realizar em casa de forma autónoma? Naturalmente, tal só acontecerá com a ajuda dos pais ou, eventualmente, de "explicadores" a que muitas famílias, sabemos quais, não conseguem aceder.

Por outro lado, voltando às férias, estas devem ser isso mesmo, férias, férias sem as mesmas rotinas e os mesmo trabalhos do tempo escolar.

Actividades como leitura, jogos de diferente natureza que solicitem e envolvam competências e capacidades diversas, brincar e interagir actividades de exterior, por exemplo, não são um TPC, um dever a cumprir, é algo que se deve incentivar e promotor de bem-estar e desenvolvimento. A leitura é só um exemplo e particularmente relevante.

Importa sublinhar a importância das actividades no exterior e o aproveitamento da curta janela de bom tempo que o nosso clima tem uma vez que, como sabemos, temos Invernos prolongados e rigorosos.

Neste sentido e mantendo a referência "trabalho", creio que deve distinguir-se com clareza o Trabalho Para Casa e o Trabalho Em Casa. O TPC é trabalho da escola feito em casa, o trabalho em casa será o que as crianças podem fazer em casa que, não sendo tarefas de natureza escolar, pode ser um bom contributo para as aprendizagens e desenvolvimento dos miúdos. O que pode acontecer é termos mais Trabalhos Para Casa e não Trabalho Em Casa.

Torna-se, pois, necessário que professores e escolas se entendam sobre esta matéria, diferenciando trabalho de casa, igual ao da escola, de trabalho em casa, trabalho em que qualquer pai ou os irmãos e amigos podem, devem, envolver-se e também é útil ao trabalho que se realiza na escola.

No entanto, do meu ponto de vista, sobretudo nas idades mais baixas, o bom trabalho na escola deveria dispensar o TPC. Como já disse, ler um texto do manual e preencher uma ficha é uma actividade escolar, ler um livro, brincar livre e activamente, o envolvimento em jogos que solicitem leitura ou operações matemáticas podem ser actividades compatíveis e interessantes em situação de férias tanto quanto em tempos escolares. Talvez também seja uma forma de manter os mais novos mais afastados dos ecrãs.

A propósito desta matéria deixem-me recordar uma história real. Ouvi uma mãe que estava muito aborrecida com o Atelier de Tempos Livres em que o filho, gaiato de uns 10 anos, passa boa parte das férias, porque os técnicos responsáveis “dão poucas actividades às crianças e depois elas põem-se a brincar umas com as outras”. Esta mãe, com uma formação superior, não será a única que assim pensa.

Boas férias para todos, alunos pais, técnicos e professores.

terça-feira, 13 de agosto de 2024

OS DIAS DOS PÉS DE BURRO

 A vida por aqui no monte envolve um conjunto de rotinas ao longo ao ano. Por esta altura e até ao início de Setembro, é altura da limpeza dos “pés de burro” das oliveiras, os rebentos que surgem na base do troco e à sua volta. Com uma enxada ou sacho forte e tesoura de podar o trabalho faz-se. Depois é carregar e triturar para compostagem ou queimar os sobrantes quando for possível.

As oliveiras que considero as árvores mais bonitas do nosso património ficam ainda mais bonitas quando limpas e com a vantagem de ser mais fácil estender os panos para colher a azeitona lá mais para a frente.

Sendo as oliveiras umas árvores tão bonitas, é para mim uma visão triste um olival de oliveiras velhas sem estarem limpas, cheias de “mato” à volta. Mas cada vez é mais difícil cuidar e manter um olival tradicional.

Sempre que olho para as oliveiras, especialmente aquelas com muitos séculos como algumas aqui do Monte admiro a sua generosidade.

Começam por dar as azeitonas que se comem em três variantes, pisadas, retalhadas e de conserva, qual delas a mais saborosa. Toda a gente tem uma arte de as temperar e, claro, nós também já temos os segredos, aprendemos com o Mestre Marrafa.

As azeitonas vão para o lagar e virá o azeite, a alma do comer bom, e como tem alma o azeite do Meu Alentejo.

Para além da azeitona e do azeite, a oliveira ainda é a mais calorosa das árvores, sempre a aquecer-nos. Aquece-nos quando maldosamente lhe batemos, varejamos, para nos dar a azeitona, aquece-nos quando a limpamos de pés de burro e cortamos os ramos e troncos para assegurar a sua renovação, aquece-nos quando rachamos e arrumamos a lenha que nos deu e, finalmente, ainda nos aquece quando nas noites longas e frias do Inverno arde na salamandra.

Como bondade final, esta generosa capacidade de dar vive numa escala incomensurável para nós, dura séculos.

São tão bonitas e generosas as oliveiras.

E são assim os dias do Alentejo que, curiosamente, o de hoje já incluiu uma conversa simpática com uma jornalista sobre a realização de trabalhos escolares durante as férias.

segunda-feira, 12 de agosto de 2024

E-SONHO DE UM DIA DE VERÃO

 O sonho será porventura a actividade mais democratizada e acessível da espécie humana. Parece acessível a todos os estatutos e condições. É certo que já me cruzei com pessoas que me impressionaram pela atitude de nada esperar da espécie de vida que têm e por não parecerem sequer capazes de comprar um sonho. Apesar da eventual discordância de alguns psicólogos, o sonho tem ainda a vantagem de permitir o acesso a tudo, não tem aparentemente limites, é completamente aberto, cada um pode sonhar o seu sonho, seja ele qual for.

Não é muito frequente recordar-me dos meus sonhos, dos bons ou dos maus. É bastante mais usual sonhar quando estou acordado, bem acordado. E nestas ocasiões, como é de esperar, quase só me acontecem sonhos bons e sem limites.

Como este que de acordo com os tempos que correm, de transição digital, é um e-sonho de um dia de Verão, mais um dia muito quente por aqui no monte.

Um dia, os miúdos terão pela frente uma banda larga onde caiba o seu projecto de vida.

Um dia, os miúdos estarão ligados a redes sociais que os protejam.

Um dia, os miúdos poderão navegar sem problemas a caminho do futuro.

Um dia, os miúdos não estarão, quase que exclusivamente, acompanhados por um ecrã.

Um dia, os miúdos apenas receberão e enviarão sms com boas notícias.

Um dia, conseguiremos que a felicidade não seja, para muitos miúdos, apenas realidade virtual.

Um dia, os miúdos poderão realizar downloads e uploads de afecto.

Um dia, haverá um GPS capaz de evitar que algum miúdo se perca.

Um dia, o mundo terá um ambiente mais amigável para os miúdos.

Um dia, os miúdos terão um antivírus eficaz no combate ao conhecido vírus “maus-tratos”.

Um dia, não teremos conflitos de software, os programas de apoio aos miúdos serão compatíveis com as suas necessidades.

Um dia, o bem-estar será portátil e acessível, qualquer miúdo o pode usar.

Um dia, os miúdos poderão chumbar pais ou professores que não correspondam ao que deles se espera.

Um dia, não precisaremos de bater sempre na mesma tecla, “Lembrem-se dos miúdos, de todos os miúdos”.

Um dia ...

domingo, 11 de agosto de 2024

A ABAFURA

 Por aqui no Alentejo, mas creio que por todo o país, em particular no interior, o calor aperta.

Como é muito frequente, sobretudo quando estou no monte, lembrei-me do nosso querido Mestre Zé  Marrafa que continua numa situação que não merecia, o seu Deus não o protegeu “levando-o”, peço desculpa pela frieza, mas o sofrimento é sempre … sofrimento, para todos. E aqui nós gostamos muito do Mestre Zé, quase trinta anos de lida e de lérias e sempre de aprendizagem e afecto.

E lembrei-me porque mais uma vez em Agosto se fala do tempo quente no Alentejo e dos alertas que o anunciam.

Sempre nos ríamos, quando o Mestre Zé dizia, a rir com os olhos pequeninos, deviam mandar alertas é se viesse frio, agora calor em Agosto, queriam que viesse quando, é o Alentejo.

É verdade Mestre Zé, no Verão o Alentejo é calor, é assim que é o Alentejo e é assim que gostamos do Alentejo no Verão.

Mas sabe Mestre Zé, o calor em demasia está cada vez mais frequente, e não só nos mais habituais meses de Julho e Agosto. A natureza não perdoa a quem a maltrata, traz a seca, uma seca grande e malina. A seca come o nosso Alentejo.

Não adianta pintá-lo de verde com as culturas superintensivas de olival ou amendoal que irresponsavelmente e criminosamente vão aumentando, a terra por baixo vai morrendo e a seguir irá morrer por cima.

Se não atalharmos caminho, ainda estamos a tempo assim queiram os homens, vamos ficar com o deserto, com uma terra nua por cada vez mais tempo. E nessa altura que terão os nossos netos?

Desculpem lá o desabafo pouco optimista, se calhar foi por causa do calor, mas … o Alentejo é sempre lindo, tem com o amarelo e castanho do tempo desta abafura, como por aqui se fala.

Não quero imaginá-lo um deserto.

sábado, 10 de agosto de 2024

PRUDÊNCIA NA TRANSIÇÃO DIGITAL NO 1º CICLO

 Lê-se no Público que o MECI decidiu não alargar no próximo ano a mais turmas do 1º ciclo e do secundário o projecto piloto da utilização de manuais digitais. Mantém o programa que envolve turmas do 2º e 3º ciclo que será avaliado para sustentação de decisões posteriores.

Anda bem o Ministério ao não estender no 1º ciclo o recurso a manuais digitais. Repetindo-me, continuo cada vez mais convencido da necessidade de reflexão sobre esta questão. Será certamente interessante o acesso a um Relatório de 2023 da Unesco, “Technology in education: A tool on whose terms?”. Também se registam iniciativas e análises em diferentes sistemas educativos que pretendem repensar a utilização dos recursos digitais casos da Noruega e Suécia.

Também começa a existir alguma evidência robusta que sugere a maior prudência na utilização dos recursos digitais nos primeiros anos de aprendizagem considerando o seu impacto na aprendizagem e desenvolvimento de competências em leitura, escrita e matemática e também em termos sociais e comportamentais.

A verdade é que, apesar do seu enorme potencial as ferramentas digitais não são a poção mágica para o ensino e aprendizagem. Os computadores ou tablets na sala de aula, os smart boards, não promovem sucesso só pela sua existência. A forma como são utilizados por professores e alunos é que pode potenciar a qualidade e os resultados desse trabalho. Aliás, o mesmo se pode dizer de qualquer outro recurso ou actividade no âmbito dos processos de aprendizagem.

É certo que múltiplos estudos e experiências valorizam estes recursos nos processos de ensino e aprendizagem pelo que é importante garantir o acesso pela generalidade dos alunos, mas, não podem passar a ser o tudo no trabalho escolar.

Neste contexto e como já tenho afirmado, com base no que se sabe em matéria de desenvolvimento das crianças e adolescentes, dos processos de ensino e aprendizagem e da sua complexa teia de variáveis, das experiências e dos estudos neste universo, mesmo quando aparentemente contraditórios:

1 – O contacto precoce com as tecnologias digitais é, por princípio, uma experiência positiva para os alunos, para todos os alunos, se considerarmos o mundo em que vivemos e no qual eles se estão a preparar para viver. Nós adultos ainda estamos a pagar um preço elevado pela iliteracia, os nossos miúdos não devem correr o risco da iliteracia informática. Os tempos da pandemia mostraram isso mesmo.

2 – O computador/tablet, kits robóticos, smart boards, etc., na sala de aula são mais uma ferramenta, não são A ferramenta, não substituem a escrita manual e a leitura em papel, não substituem a aprendizagem do cálculo, não substituem coisa nenhuma, são “apenas” mais um meio, muito potente sem dúvida, ao dispor de alunos e professores para ensinar e aprender e agilizar o acesso a informação e conhecimento. Reafirmo a importância atribuída à leitura em papel e à escrita manual em termos de desenvolvimento e aprendizagem.

3 - O que dá qualidade e eficácia aos materiais e instrumentos que se utilizam na sala de aula não é a tanto a sua natureza, mas, sobretudo, a sua utilização, ou seja, incontornavelmente, o trabalho dos professores é uma variável determinante. Posso ter um computador para fazer todos os dias a mesma tarefa, da mesma maneira, sobre o mesmo tema, etc. Rapidamente se atinge a desmotivação e ineficácia, é a utilização adequada que potencia o efeito as capacidades dos materiais e dispositivos.

4 - Para alguns alunos com necessidades especiais o computador pode ser mesmo a sua mais eficiente ferramenta e apoio para acesso ao currículo.

5 – Para além de garantir o acesso dos miúdos aos materiais é obviamente imprescindível promover o acesso a formação e apoio ajustados aos professores sem os quais se compromete a qualidade do trabalho a desenvolver bem como, evidentemente, assegurar as condições exigidas para que o material possa ser rentabilizado. São por demais conhecidas as dificuldades sentidas nas escolas com os recursos e acessibilidade.

6 – Finalmente, como em todo o trabalho educativo, são essenciais os dispositivos de regulação e avaliação do trabalho de alunos, professores e escolas. Estes dispositivos devem incluir avaliação externa.

Como referi acima, não existem poções mágicas em educação por mais desejável que possa parecer a sua existência. Não deixemos que o fascínio deslumbrado pelo que se julga ser as "salas de aula do futuro" faça esquecer os problemas das salas de aula do presente.

sexta-feira, 9 de agosto de 2024

LADO A E LADO B

 O Ministro da Educação divulgou hoje que no próximo ano lectivo teremos mais cerca de 20000 alunos a frequentar o básico e secundário.

É daquelas notícias com Lado A e Lado B.

Comecemos pelo lado A, o lado positivo. É muito bom que tenhamos mais crianças e adolescentes a escola é um sinal de que pode atenuar-se o inverno demográfico que temos vindo a atravessar. Aliás, a baixa do número de alunos, também alimentou a narrativa dos professores a mais e também se percebeu que o desafio seria contratar a demografia criando desenvolvimento e condições para que as famílias assumissem projectos de parentalidade. Esperemos que se mantenha a tendência.

O lado B. Mais alunos nas actuais circunstância significará muito provavelmente maiores dificuldades em assegurar que todos possam aquilo que é substantivo na frequência da escola, aulas.

Como tenho dito, pode e deve-se recorrer a medidas de natureza conjuntural que atenuem tanto quanto possível este problema que ameaça seriamente o desempenho escolar e sucesso educativo.

No entanto, só medidas de natureza estrutural podem desencadear efeitos sólidos e duradores.

Recupero o que ainda já pouco escrevi sobre estas mudanças, assumindo desde logo que têm custos sendo de considerar a necessidade de investimento sério em educação, 6% do Produto Interno Bruto o que está definido pela UNESCO como meta para 2030.

Sem hierarquizar, julgo absolutamente necessário que as políticas públicas de educação assumissem como um eixo nuclear a valorização da carreira docente, dos professores.

Só esta valorização pode tornar a carreira docente atractiva e com um potencial de retenção e satisfação dos que nela se integram.

Esta valorização passa, evidentemente, pela valorização salarial, mas importa considerar também dimensões como a definição de modelos de carreira e de avaliação justos, simplificados e transparentes e promotores de estabilidade.

Importa que a valorização dos professores resista ao risco de “deskilling” ou desprofissionalização através de mudanças nas exigências da habilitação para a docência.

Importa que se definam dispositivas de apoio ao exercício profissional em contextos mais exigentes.

Importa que se desburocratize o exercício da docência com gastos brutais de tempo e esforço sem retorno pertinente. Sim eu sei, como dizia João dos Santos, que “mais difícil em educação é trabalhar de uma forma simples”, mas desburocratizar não é promover “facilitismo” é uma medida com impacto positivo em termos profissionais e pessoais.

Importa reflectir sobre modelos de governança das escolas mais adequados, competentes, regulados e participados.

Com real autonomia, com mais recursos e com modelos organizativos mais adequados e desburocratizados as escolas poderiam certamente fazer mais e melhor. que quem vem de fora numa passagem transitória, mais ou menos longa, mas transitória. Sim, tudo isto deveria ser objecto de escrutínio, regulação e avaliação também externa, naturalmente.

Escolas com mais auxiliares, auxiliares informados e formados podem ter um papel importante em diferentes domínios.

Directores de turma com mais tempo para os alunos e professores com menos alunos poderiam desenvolver trabalho útil em múltiplos aspectos do comportamento e da aprendizagem.

Psicólogos e outros técnicos em número mais adequado poderiam acompanhar, promover e desenvolver múltiplas acções de apoio a alunos, professores, técnicos e pais.

Mediadores que promovessem iniciativas no âmbito da relação entre escola, pais e comunidade seriam, a experiência mostra-o, um investimento com retorno.

Repetindo e sintetizando, os professores sabem como avaliar e identificar as dificuldades dos alunos. O que verdadeiramente é imprescindível é dotar as escolas de forma continua e estável dos recursos necessários para minimizar tanto e tão rápido quanto possível as dificuldades que identificam. Recursos suficientes para recorrer a apoios tutoriais ou ao trabalho com grupos de alunos de menor dimensão, apoios específicos a alunos mais vulneráveis, técnicos, psicólogos, por exemplo, num rácio que possibilite um trabalho multidimensionado como é exigido, etc., são essenciais e serão sempre essenciais. Torna-se também necessária a existência de dispositivos de regulação que sustentem o trabalho desenvolvido e de processos desburocratizados.

Julgo claro que mudanças neste sentido não são fáceis e que será sempre difícil um caminho de concordância generalizado, mas também tenho a convicção de que medidas conjunturais, mais positivas ou menos ajustadas, concebidas por ciclos políticos continuarão, apesar, de alguns ajustamentos, a “mexer” na conjuntura e a não alterar substantivamente a estrutura que alimenta … as conjunturas.

quinta-feira, 8 de agosto de 2024

QUANTO TEMPO É QUE TE FALTA?

 De acordo com a imprensa de hoje, o número de docentes que se aposentarão até Setembro será de 2756, menos 765 que o total de 3521 verificado durante 2023. Segundo a informação da CGA em Setembro sairão 458 docentes. O MECI prevê que até final do ano o total de docentes aposentados possa chegar a 4700.

É certo que não é um problema exclusivo do nosso sistema educativo, mas como tantas vezes tem sido afirmado, este cenário estava estudado e previsto há já alguns anos, mas as políticas públicas negligentes ou incompetentes seguidas de há uns anos para cá contribuem para o actual quadro. Não esqueço os discursos sobre “professores a mais”, ou sugestões para emigrar a docentes em início de carreira, como também não esqueço tempos severo de desvalorização dos professores em termos sociais, modelo de carreira e salarial com impacto severo na atractividade da carreira por gente jovem que a rejuvenescesse e alimentasse.

Aliás, as políticas seguidas em matéria de educação também contribuíram para o cansaço e mal-estar, desencanto e desejo de abandono da profissão que se foi instalando em muitos docentes. e a baixa atractividade que inibiu a motivação pela carreira, única forma de a rejuvenescer.

A propósito, relembro que, há já uns anos largos, uma professora, na altura minha aluna de doutoramento, me perguntava, com um ar meio sério, meio a brincar, se podia desenvolver a sua tese a partir de uma questão que considerava a mais ouvida nas salas de professores, quando no meio da burocracia e das actividades ainda havia tempo para passar na sala de professores, “quanto tempo é que te falta?”. A sua ideia não foi para a frente enquanto doutoramento, mas o que lhe está subjacente é bem claro e bem preocupante. O resultado está à vista.

Na verdade, ser professor é uma das funções mais bonitas do mundo, ver e ajudar os miúdos a ser gente, mas é seguramente uma das mais difíceis e que mais valorização nas diferentes dimensões e apoio deveria merecer. Do seu trabalho competente e valorizado depende o nosso futuro, (quase) tudo passa pela educação e pela escola.

Qual é parte que não se percebe?

quarta-feira, 7 de agosto de 2024

E A BUROCRACIA? E A GOVERNANÇA DAS ESCOLAS?

 O Guião para a “Organização do Ano Lectivo 24/25”, divulgado junto das escolas pelo MECI, estabelece como prioridade o assegurar aulas para todos os alunos, ou seja, o que parece ser um dado adquirido de qualquer sistema educativo, aulas para todos os alunos, estabelece-se como objectivo, mas sinais dos tempos e o de muitos anos de políticas públicas de educação negligentes e, ou, incompetentes. Lembramo-nos dos “professores a mais” ou do convite à emigração, como também sabemos da desvalorização social e salarial da carreira docente e do impacto na atractividade da profissão docente.

Para além de outras orientações com objectivo de garantir as aulas, é estabelecido que “Na distribuição de serviço para o ano lectivo 2024/2025, a leccionação da componente curricular tem absoluta prioridade, em todas as situações, em detrimento de qualquer outro serviço”,

Esta determinação reflecte-se no envolvimento dos docentes em projectos ou actividades que não seja leccionar um grupo de alunos.

Percebe-se a decisão, ainda que se possa discordar de algumas dimensões que poderão ter efeitos cuja ponderação deveria ser acautelada.

Por outro lado, julgo que muito provavelmente um esforço sério e competente de alterar carga de burocracia asfixiante e pesadíssima que atormenta o quotidiano de professores e escolas teria um impacto significativo na disponibilidade e bem-estar dos professores como diferentes estudos sugerem.

É verdade que é mais fácil determinar a “prioridade absoluta da componente curricular”, mas desburocratizar o trabalho de professores e escolas e ajustar o seu modelo de governança e funcionamento são prioridades absolutas.

terça-feira, 6 de agosto de 2024

MIÚDOS E PAIS EM SOFRIMENTO

 No Público de há alguns dias, encontra-se uma entrevista com Rosário Farmhouse que termina o seu mandato como presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens. Na entrevista indicou o conflito parental bem como a violência doméstica as situações mais ameaçadoras para o bem-estar das crianças. É também interessante e inquietante a informação contida no Relatório de Actividades da Comissão relativo a 2023 e que já aqui comentei.

A questão dos conflitos parentais surge também com contexto de conflitos entre os pais em processos de separação e considerando a regulação parental. Em 2021 chegaram aos tribunais de família e menores 31 181 processos cíveis relativos das responsabilidades parentais, sendo que 11 356 (36,4%) foram por incumprimento. Foram registados 12 790 (41%) pedidos de regulação.

Trata-se de uma situação potencialmente causadora de enorme sofrimento em todos os envolvidos independentemente das responsabilidades que cada um dos elementos possa ter em todo o processo.

É uma situação também muito complexa no que respeita à intervenção e regulação. Recordo que em 2017 o Instituto de Segurança Social lançou em 2017 dois manuais, “Manual da Audição da Criança” e o “Manual de Audição Técnica Especializada”, uma ferramenta de apoio aos técnicos envolvidos em processos conflituosos de separação parental em que estão crianças e não raras vezes em processo de sofrimento significativo, tal como, aliás, os adultos.

É verdade, felizmente, que existem múltiplos casos de reconstrução bem-sucedida de famílias após situações de divórcio em que adultos e crianças encontraram forma de viverem situações de bem-estar depois de quebrar relações anteriores. Seria esta a situação desejável em caso de separação.

No entanto, existem muitas circunstâncias em que os processos de separação são de grande tensão e conflito nos quais crianças e adultos entram em processos de sofrimento muito elevados como a peça ilustra de forma inquietante.

Os riscos que a separação dos pais pode implicar para os filhos são alvo de recorrentes abordagens na imprensa e no âmbito da minha experiência são também objecto de frequentes pedidos de ajuda, orientação ou apenas inquietação.

Na maioria das situações as coisas correm bem e é sempre preferível uma boa separação a uma má família, mas existem separações familiares extremamente conflituosas desencadeando níveis elevados de sofrimento e o arrastar dos processos de regulação parental com custos emocionais muito elevados, designadamente para as crianças, mas também para os adultos.

Neste quadro, podem emergir nos adultos, ou num deles, situações de sofrimento, dor e/ou raiva, que “exigem” reparação e ajuda. Muitos pais lidam sós com estes sentimentos pelo que os filhos surgem frequentemente como “tudo o que ficou” e o que “não posso e tenho medo de também perder”. Poderemos assistir então a comportamentos de diabolização da figura do outro progenitor, manipulação das crianças tentando comprá-las (o seu afecto), ou, mais pesado, a utilização dos filhos como forma de agredir o outro.

Nestes cenários mais graves podem emergir quadros do designado Síndrome de Alienação Parental que, apesar de alguma prudência requerida na sua análise, nem a utilização como conceito parece consensual em termos clínicos e jurídicos, são susceptíveis de causar graves transtornos nas crianças, daí, naturalmente, a necessidade de suporte e ajuda.

É obviamente imprescindível proteger o bem-estar das crianças em situações de separação, mas não devemos esquecer que, em muitos casos, existem também adultos em enorme sofrimento e que a sua eventual condenação, sem mais, não será seguramente a melhor forma de os ajudar. Ajudando-os, os miúdos serão ajudados.

Assim sendo, importa estar atento e a experiência diz-me serem frequentes as situações de separação em que os adultos sentem insegurança e ansiedade e até exprimem a necessidade de ajuda. Acresce que as questões relativas à família, às novas famílias, são ainda objecto de discursos muito contaminados pelos sistemas de valores éticos, morais, religiosos e culturais.

O volume de opiniões sobre estas situações é extenso, oscilando entre considerações de natureza moral e/ou ética e um entendimento mais científico sobre a forma como as famílias e sobretudo as crianças e jovens lidam ou devem lidar com as circunstâncias. Por mim, creio “apenas” que o(s) ambiente(s) familiar(es) deve ser suficientemente saudável para que a criança se organize também saudavelmente e faça o seu caminho sem uma excessiva preocupação geradora de ansiedade e insegurança em todos os envolvidos, miúdos e crescidos.

No entanto, como sempre afirmo, há que estar atento e perceber os sinais que sobretudo as crianças mostram e, na verdade, com alguma frequência, os pais estão tão centrados no seu próprio processo que podem negligenciar não intencionalmente a atenção aos miúdos e à forma como estes vivem a situação. Pode ser necessário alguma forma de apoio externo, mas sempre encarado de uma forma que se deseja serena e não culpabilizante.

segunda-feira, 5 de agosto de 2024

DA "INDOMESTICÁVEL" VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. É PRECISO INSISTIR

 É preciso insistir e vou repetir-me. De acordo com dados divulgados pela PSP, as queixas por violência doméstica aumentaram 1,8% no primeiro semestre do ano relativamente ao mesmo período de 2023. Registaram-se 7.706 denúncias e foram realizadas 460 detenções.

Recupero ainda indicadores da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género. Entre Janeiro e Setembro de 2023 se registaram 18 mortes em contexto de violência doméstica, 14 mulheres, três homens e uma criança. Também aumentou de forma significativa o número de pessoas colocadas com medidas de coacção.  O número de pessoas em situação de teleassistência, 5110 é o mais elevado desde que existem registos e também se registou um aumento do número de reclusos por violência doméstica, 1322 com 998 em prisão efectiva e 324 em prisão preventiva.

Acresce que o mundo da violência doméstica é bem mais denso e grave do que a realidade que conhecemos, ou seja, aquilo que se conhece, apesar de recorrentemente termos notícias de casos extremos, é "apenas" a parte que fica visível de um mundo escuro que esconde muitas mais situações que diariamente ocorrem numa casa perto de nós.

Por outro lado, para além da gravidade e frequência com que continuam a acontecer episódios trágicos de violência doméstica e como recorrentemente aqui refiro, é ainda inquietante o facto de que alguns estudos realizados em Portugal evidenciam um elevado índice de violência presente nas relações amorosas entre gente mais nova mesmo quando mais qualificada. Muitos dos intervenientes remetem para um perturbador entendimento de normalidade o recurso a comportamentos que claramente configuram agressividade e abuso ou mesmo violência.

Importa ainda combater de forma mais eficaz o sentimento de impunidade instalado, as condenações são bastante menos que os casos reportados e comprovados, bem como alguma “resignação” ou “tolerância” das vítimas face à situação de dependência que sentem relativamente ao parceiro, à percepção de eventual vazio de alternativas à separação ou a uma falsa ideia de protecção dos filhos que as mantém num espaço de tortura e sofrimento. Felizmente este cenário parece estar em mudança, mas demasiado lentamente. Os sistemas de valores pessoais alteram-se a um ritmo bem mais lento do que desejamos e estão, também e obviamente, ligados aos valores sociais presentes em cada época.

Torna-se ainda necessário que nos processos de educação e formação dos mais novos possamos desenvolver esforços que ajustem quadros de valores, de cultura e de comportamentos nas relações interpessoais que minimizem o cenário negro de violência doméstica em que vivemos. A educação e o desenvolvimento que sustenta constituem a ferramenta de mudança mais potente de que dispomos.

É uma aposta que urge e tão importante como os conhecimentos curriculares. Percebe-se também por estas questões a importância da abordagem do universo da “Cidadania e Desenvolvimento” na educação escolar e para todos os alunos.

Entretanto, torna-se fundamental a existência de dispositivos de avaliação de risco e de apoio como instituições de acolhimento suficientes e acessíveis para casos mais graves, um sistema de protecção e apoio eficiente aos menores envolvidos ou testemunhas destes episódios, e, naturalmente, um sistema de justiça eficaz e célere.

A omissão ou desvalorização desta mudança é a alimentação de um sistema de valores que ainda “legitima” a violência nas relações amorosas, que a entende como “normal”.

Tudo isto tem como efeito a continuidade dos graves episódios de violência que regularmente se conhecem, muitos deles com fim trágico.

Apesar da natureza estranha e complexa dos dias que vivemos, é fundamental não esquecer questões como estas que devastam o quotidiano ou a vida de muita gente.

Neste contexto, é também de registar a iniciativa há tempo divulgada de criar um primeiro instrumento legal de âmbito europeu para combater a violência doméstica e contra as mulheres.