terça-feira, 9 de agosto de 2022

A PEGADA ÉTICA

 Um dos eixos dos Planos de Recuperação e Resiliência a desenvolver pelos países da UE para os anos pós-pandemia, é a transição ambiental, na qual, aliás, Portugal tem ainda um longo caminho a percorrer, ainda que não esteja sozinho.

A verdade é que apesar da lentidão da mudança o despertar das consciências para as questões do ambiente e da qualidade de vida colocou na agenda a questão das pegadas, das marcas, que imprimimos no mundo através dos nossos comportamentos. Este novo sentido dado às pegadas tornou secundárias e ultrapassadas as míticas pegadas dos dinossauros e as românticas pegadas que os pares de namorados deixam na areia da praia.

Fomo-nos habituando a ouvir referências às várias pegadas que produzimos com nomes e sentidos mais próximos ou mais distantes, mas, sobretudo, tem-se acentuado a grande preocupação com a diminuição do seu peso, isto é, do impacto das nossas pegadas. Conhecemos a pegada ecológica numa perspectiva mais global ou, em entendimentos mais direccionados, a pegada hídrica, a pegada energética, a pegada verde, a pegada do papel, a pegada do carbono, etc.

No entanto, do meu ponto de vista e também preocupado com o ambiente, com a qualidade de vida e com a herança que deixaremos a quem nos continuar, vejo poucas referências e muito menos inquietações sérias com a pegada ética, isso mesmo, a pegada ética.

Os comportamentos, discursos e valores que genericamente mobilizamos têm, obviamente, uma consequência na qualidade ética da nossa vida que não é despicienda. Os maus-tratos e negligência que dedicamos aos princípios éticos mais substantivos provocam um empobrecimento e degradação do ambiente e da qualidade de vida das quais cada vez parece mais difícil recuperar.

As lideranças, as várias lideranças de diferentes áreas, hipotecando a sua condição de promotores de mudanças positivas são fortemente responsáveis pelo peso e impacto que esta pegada ética está a assumir. Não passa semana que não tenhamos mais um episódio ilustrativo desta pantanosa pátria nossa amada.

Nas sociedades democráticas é exigido que os quadros legais sejam protectores e promotores dos direitos dos cidadãos. No entanto, tanto ou mais do que a “qualidade” do quadro legal importa a robustez ética da cidadania, em particular dos cidadãos com funções mais relevantes nas diferentes áreas de funcionamento das comunidades.

Os sucessivos episódios, comportamentos e discursos a que recorrentemente assistimos são a prova da imperiosa necessidade de reconfigurar padrões éticos.

Vai sendo tempo de incluir a pegada ética no universo da luta pelo ambiente, pela qualidade de vida, pela sustentabilidade do planeta ou pelo futuro, o que quiserem.

Em termos mais pragmáticos e face aos numerosos e despudorados incidentes que regularmente surgem, talvez fosse de considerar a instalação urgente de uma ETAR – Estação de Tratamento do Ambiente da República.

Gostava de acreditar que ainda estaremos a tempo de recuperar o ambiente da República.

Haverá ETAR que responda? Sim, nós.

 PS – Estas notas não têm rigorosamente a ver com o episódio da contratação de Sérgio Figueiredo pelo Ministro Fernando Medina para “prestar serviços de consultoria no desenho, implementação e acompanhamento de políticas públicas, incluindo a auscultação de partes interessadas na economia portuguesa e a avaliação e monitorização dessas mesmas políticas.” O currículo do consultor e a solidez ética do processo são robustas pelo que, como sempre nada pesará na consciência dos envolvidos na decisão. Faltará certamente um consultor em políticas ético-ambientais que lhes explique, primeiro, que não somos parvos, segundo, o que significa consciência.

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