sexta-feira, 3 de setembro de 2021

O EQUÍVOCO DO MINISTRO

 Numa entrevista ao DN o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, ao abordar a questão dos eventuais novos cursos de medicina e da formação dos médicos sugeriu a necessidade de a repensar afirmando que “para formar um médico de família experiente não é preciso, se calhar, ter o mesmo nível, a mesma duração de formação, que um especialista em oncologia ou um especialista em doenças mentais”.

Como seria de esperar até pela regularidade das suas posições corporativas, estruturas representativas dos médicos reagiram negativamente em particular a Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar.

Não é a minha área, mas, contrariamente à reacção da Associação que fala em “declarações desrespeitosas”, julgo que se trata de ignorância e mais um exemplo dos equívocos sobre a formação em diferentes áreas.

Em primeiro lugar, a medicina geral e familiar é uma especialidade médica adquirida durante quatro anos.

Provavelmente, a designação medicina geral  e familiar introduzirá no pensamento do Ministro, como de muitas pessoas e também noutros campos científicos, a ideia da “generalidade” do saber. Não senhor Ministro, um médico de medicina geral e familiar não é generalista, não é “um tipo que sabe umas merdas de tudo”, um médico de medicina geral e familiar requer uma formação altamente exigente e não “superficial” em matéria de saúde e que, portanto, talvez possa ser mais rápida, seria um enorme risco.

Da mesma forma, um “especialista” também não é um “tipo que está condenado a saber cada vez mais sobre cada vez menos”.

Como é óbvio, a complexidade das problemáticas na saúde, como em outras áreas, exigem evidentemente abordagens diferenciadas, mas que decorrem de formações exigentes e adequadas e não hierarquizadas pela ligeireza ou duração.

Médicos competentes de medicina geral e familiar ou de qualquer outra especialidade estarão em formação ao longo da sua carreira profissional, não existem formações mais simples ou mais complexas, existem formações adequadas à promoção da competência para a função exigente que desempenham, todos.

1 comentário:

Horacio Covita disse...

O ministro devia ser menos incontinente e, pela sua posição, devia informar-se e não replicar um viés de "conversa de café", ainda presente... mesmo entre os médicos! Parece que não tem médico de família ou... desdenha esse direito!...
O ministro deveria saber que os cuidados de saúde primários, onde o médico de família intervém, são, pela sua natureza holística, centrados na prevenção e, mais que tratar e curar doentes - práticas e protocolos que também integram - focam-se em práticas e estilos saudáveis dirigidos não a "doentes" ou a "utentes", mas a cidadãos, famílias e comunidades que estudam e conhecem como muito poucos...
No início da especialidade de medicina geral e familiar, há umas 3 dezenas de anos, era comum esta especialidade ser a 2ª ou 3ª escolha dos médicos internos.
Acompanho e participo na formação de Orientadores de Internato Médico e em programas de desenvolvimento de Internos MGF há largos anos e esse "estigma" de 2ª ou 3ª escolha não me parece visível... antes pelo contrário!