terça-feira, 10 de janeiro de 2023

EM CONTRAMÃO

 Li com atenção o texto do Ministro da Educação no Público, “Da transformação na escola pública portuguesa” que surge em resposta ao artigo de Sampaio da Nóvoa também no Público, “Obrigado, professores”. A torrente de números e o que os números não dizem fizeram-me pensar na velha história de alguém que viaja tranquilamente em contramão e ao olhar para os viajantes com que se cruza e para o seu ar inquieto, pensa. "Esta gente anda toda em contramão, que descuidados".

É verdade que sempre me anima e não esqueço o que de positivo diariamente acontece nas escolas, mas ao fim de umas décadas, o cansaço é grande. Sim Senhor Ministro, temos caminhado positivamente em alguns sentidos, mas estamos longe do que ainda precisamos de caminhar.

O desenvolvimento das sociedades, os períodos críticos pelos quais passamos, a enorme desigualdade que ainda se verifica, o climas nas escolas, a situação dos professores, levantam desafios gigantes a alunos, professores e famílias e o "Rolls-Royce" não transporta todos.

Não gosto de me sentir o Waldorf ou o Statler, os velhos dos Marretas que estão sempre na crítica, até porque, de novo, muita coisa de bom acontece, mas … a verdade é que julgo que só afirmar a mudança, ainda que num caminho ajustado, só por si, não significa … que a mudança aconteça generalizadamente.

Décadas de trabalho neste universo não me deixam acreditar na chegada dos amanhãs que cantam. Não queria repetir porque, sim, existem muitas coisas muito bonitas, mas … nem tudo vai bem. Não torturemos a realidade que ela não vai confessar. Na verdade, nem sempre conseguimos perceber os “Rolls-Royce” que nos dizem existir.

A realidade fala-nos da manutenção de um modelo de carreira, recrutamento e colocação de professores ineficiente e produtor de injustiça, um modelo de avaliação também injusto, incompetente e pouco transparente, a desvalorização salarial e social que se associam a uma baixa atractividade pela carreira de professor, o previsível e não acautelado envelhecimento dos professores e o consequente abandono, o cansaço e desânimo sentido pelos docentes e sublinhado em muitos estudos, o modelo de governança de agrupamento e escolas que se liga, embora não como única variável, ao clima que se vive em muitas comunidades escolares, um caminho de “descentralização”/municipalização” cheio de dúvidas e pouco claro, ou a burocracia excessiva que leva a uma “agitação improdutiva” e, pior, cansativa e ineficaz.

Este contexto acaba, naturalmente, por se tornar mais pesado e doloroso para os que gostam, escolheram e querem ser e continuar a ser professores, a maioria dos docentes apesar dos discursos de cansaço e desencanto que regularmente se ouvem e que agora sustentam a robusta reacção dos professores.

Como já escrevi, desejo que todos, designadamente quem decide em matéria de políticas públicas, saibamos que aquilo que é necessário é demasiado importante para que não seja feito e se devolva, tanto quanto possível, a tranquilidade aos professores, às escolas, às comunidades educativas.

A história não vos absolverá.

1 comentário:

Miguel Gameiro disse...

Não obstante as medidas positivas lançadas pelo governo, estas são uma gota no oceano Educação.