sábado, 5 de outubro de 2024

DIA MUNDIAL DO PROFESSOR

 De acordo com o calendário das consciências, o 5 de Outubro é também o Dia Mundial do Professor e como habitualmente algumas notas. Peço desculpa pela repetição, mas a realidade não é a projecção dos nossos desejos contrariamente ao que muita gente parece acreditar.

Não me lembro de nos últimos anos a classe docente estar tão presente na agenda como nos dias que vivemos. Os seus problemas e as consequências a curto e médio prazo, sendo conhecidos de há muito são agora claramente reconhecidos apesar de algumas tentativas de torcer a realidade. São recorrentes as referências à preocupante falta de professores, ao envelhecimento da classe, os níveis de cansaço e de exaustão emocional, a menor atracção dos mais jovens pela profissão associada a modelos de carreira, contratação e valorização pouco motivadores e justos.

As medidas mais recentes a terem algum impacto será ao nível da conjuntura, precisamos de alterações de natureza estrutural em dimensões como carreira, modelo e avaliação, estatuto salarial, formação inicial ou modelo de governança das escolas e agrupamentos.

Os professores passam por dispositivos de avaliação pouco transparentes e competentes que desmotivam, causam mal-estar e climas institucionais pouco amigáveis, para ser simpático na adjectivação.

Poemos ainda correr o risco de um caminho que transformará técnicos em professores, num processo questionável e preocupante de “desprofissionalização”.

Também é de registar que de uma forma geral continuam a merecer a confiança das comunidades.

Este quadro, de um mal-estar reconhecido, não pode deixar de ter impacto. Como muitas vezes afirmo, crianças, enquanto grupo social, e professores, enquanto grupo profissional, constituem dois grupos nucleares nas sociedades contemporâneas. Os mais novos porque são o futuro e os professores porque, naturalmente, o preparam, tudo (quase) passa pela escola e pela educação. Entre nós, este entendimento ainda me parece mais justificado porque, devido a ajustamentos na organização social e familiar e, é minha convicção, devido a políticas públicas sociais e educativas inadequadas, os miúdos passam tempo excessivo na escola, alterando a dinâmica educativa familiar o que sobrevaloriza o papel da escola através dos professores.

Raramente a profissão professor tem estado tanto em foco como nos últimos anos bem como a necessidade de defender a qualidade da escola pública. Os tempos que vivemos sublinham uma questão e outra de forma crítica.

Múltiplas acções e decisões políticas, bem como alguma imprensa e "opinion makers" têm contribuído para degradar a sua função, fragilizar a sua imagem social e comprometer o clima e a qualidade do trabalho desenvolvido nas escolas apesar dos professores continuarem a ser uma das classes profissionais em que os portugueses mais confiam.

A atenção que tem estado centrada nos professores advém de boas e más razões. Não cabe aqui um balanço, e entendo que, tal como os miúdos, os professores não têm sempre razão, os discursos dos seus representantes são, por vezes parte do problema e não parte da solução e também sei que existem alguns professores que o não deviam ser. No entanto, a verdade é que a esmagadora maioria dos docentes são ... Professores, muito bons Professores.

Ser professor no ensino básico e secundário por razões conhecidas e por vezes esquecidas, é hoje uma tarefa de extrema dificuldade e exigência que social e politicamente justifica um reconhecimento e valorização frequentemente negligenciados. Acresce que é uma tarefa desempenhada por uma classe extremamente envelhecida e cansada como tem sido amplamente estudado e divulgado.

Por um momento, pensemos no que é ser professor em algumas escolas que décadas de incompetência na gestão urbanística, nas políticas sociais e consequente guetização social produziram.

Pensemos ainda na forma como milhares de professores cumprem a sua carreira, muitos deles sem a possibilidade de desenharem projectos de vida para si quando são os principais responsáveis por lançar projectos de vida para os miúdos com quem trabalham. Aliás, nos últimos anos, milhares de professores, de bons professores e professores necessários, foram constrangidos à reforma, ao abandono da profissão e muitos ao desemprego por uma política de contabilidade inimiga da educação pública e da qualidade.

Pensemos em como os professores são injustiçados nas apreciações de muita gente que no minuto a seguir a dizer uma qualquer ignorante barbaridade, vai numa espécie de exercício sadomasoquista entregar os filhos nas mãos daqueles que destrata, depreendendo-se assim que, ou quer mal aos filhos ou desconhece os professores e os seus problemas.

Pensemos como é imprescindível que a educação e os problemas dos professores não sejam objecto de luta política baixa e desrespeitadora dos interesses dos miúdos, mesmo por parte dos que se assumem como seus representantes.

Pensemos que a forma como os miúdos, pequenos e maiores, vêem e se relacionam com os professores está directamente ligada à forma como os adultos os vêem e os discursos que fazem.

Pensemos finalmente nos professores que nos ajudaram a chegar ao que hoje cada um de nós é, aqueles que carregamos bem guardadinhos na memória, pelas coisas boas, mas também pelas más, tudo contribuiu para sermos o que somos.

A valorização social e profissional dos professores em diferentes dimensões é uma ferramenta imprescindível a um sistema educativo com mais qualidade. A valorização e reconhecimento passa também pela necessidade de modelos de avaliação justos e transparentes que sustentem, reconheçam e promovam competência e empenho.

Gostava ainda de relembrar uma ideia do enorme João dos Santos, “O Professor João, foi meu professor porque foi meu amigo” e uma convicção pessoal que a idade cada vez mais cimenta, qualquer professor ou educador, tanto ou mais do que aquilo que sabe, ensina aquilo que é. É da relação que tudo nasce numa sala de aula, qualquer que seja a configuração.

A verdade é que de todos os professores que connosco se cruzaram, os que mais nos marcaram positivamente foi sobretudo pelo que eram e menos pelo que nos ensinaram, por mais importante que seja.

Que os 5 de Outubro que hão-de vir nos tragam outras palavras e outro clima.

sexta-feira, 4 de outubro de 2024

ALTERAÇÃO DO MODELO DE GOVERNANÇA DAS ESCOLAS. SERÁ?

 Li no CM e, estranhamente, não encontrei mais nenhuma referência, que o MECI informou na reunião com sindicatos de professores que irá desencadear uma alteração no modelo de gestão das escolas. As negociações iniciar-se-ão a 21 de Outubro e estarão concluídas no primeiro trimestre de 2025. Mais se lê que “Em cima da mesa estará a forma de eleição dos directores, o grau de autonomia das escolas e outros temas”.

Apesar de muitas vezes aqui ter referi a necessidade de rever o modelo de governança das escolas fiquei surpreendido, mas naturalmente agradado, com a divulgação. Como tem acontecido em recentes medidas do MECI espero que “fazer a coisa certa” seja também “fazer certa a coisa”. A ver vamos.

São recorrentes a divulgação e o conhecimento por parte de quem se move neste universo de inúmeras situações negativas envolvendo a direcção de escolas e agrupamentos como, também devemos registar, situações que correm de forma positiva dentro do que se pode esperar num universo tão complexo como a educação.

Retomo algumas notas sobre a direcção de escolas e agrupamentos. O modelo de direcção unipessoal das escolas e agrupamentos e a forma como é desempenhado volta com regularidade à agenda incluindo o questionar do próprio modelo face a uma direcção colegial. Têm existido estudos de opinião e tomadas de posição individuais ou manifestos que alimentam a discussão ou mesmo a necessidade de alterar o modelo de direcção.

Como já tenho afirmado a propósito de outras matérias, talvez fruto do ambiente de fortíssima tensão que nos últimos anos envolve a educação, os debates e as ideias também tendem a ser crispados, com opiniões definitivas e sem margem de entendimento e, frequentemente, com agendas menos explícitas. O modelo de gestão das escolas será apenas mais um exemplo deste cenário.

Com o atrevimento de quem não vive por dentro o quotidiano das escolas, mas que nas últimas décadas tem, como profissional e como cidadão, acompanhado de forma atenta o universo da educação, recupero algumas reflexões que já aqui deixei e que continuam actuais.

Conforme tenho dito, sempre me pareceu claro que a transformação da direcção de escolas e agrupamentos num modelo unipessoal e a sua forma de eleição através dos conselhos gerais, acompanhada por uma política de mega-agrupamentos diminuindo substancialmente o número de unidades orgânicas, gosto desta designação, se inscreveu na sempre presente tentação de controlo político do sistema. A experiência tem vindo a evidenciar essa situação.

São conhecidos casos, alguns chegam à imprensa, de processos de eleição de direcções escolares que mais não são do que formas de colocar pessoas com o alinhamento certo na função. Aliás, o próprio funcionamento dos Conselhos Gerais é, em algumas situações, um exemplo disto mesmo. Assim sendo, o modelo de gestão unipessoal e a forma de eleição dos directores não são garantias de “mais democracia” ou “melhor democracia” nas escolas.

Dado um pecado estrutural do nosso sistema educativo, a ausência ao longo de décadas de dispositivos eficientes de regulação, coexistem boas experiências e práticas em situações de direcção unipessoal com situações bem negativas.

Por outro lado, importa recordar que, em muitas circunstâncias, também a “gestão democrática", de democrática não tinha assim tanto e também se verificavam casos gritantes de menor competência.

Dito isto, parece-me que tanto quanto ou mais do que o modelo de direcção, unipessoal ou colegial, julgo de reflectir na forma de eleição, participam todos os docentes ou um pequeno grupo que “representa” o corpo docente no conselho geral, o mesmo se passando com os funcionários.

Por outro lado, também me parece que deve existir um claro reforço do papel dos Conselhos Pedagógicos no funcionamento de escolas e agrupamentos. Parece-me também clara a vantagem da presidência do Pedagógico ser claramente independente da direcção da escola, sobretudo num modelo de direcção unipessoal.

Importa também que a reflexão sobre a direcção de escolas e agrupamentos seja acompanhada de uma verdadeira reflexão sobre o quadro de autonomia nas suas várias dimensões e equilíbrios. Qual o efeito da municipalização ou “proximidade”, como também lhe chamam, na autonomia e funcionamento de escolas e agrupamentos.

É claro que quanto mais sólido for o modelo de autonomia das escolas mais importante se torna o papel e função da direcção, independentemente do modelo. Esta é do meu ponto de vista a questão central.

Muitos estudos e a experiência mostram que nas organizações, incluindo escolas, a qualidade das lideranças tem um impacto forte no desempenho, em diferentes dimensões, das instituições e também de todos os que nela funcionam. Boas lideranças escolares traduzem-se em melhores e mais estáveis climas de trabalho, maior nível de colaboração entre os profissionais, menor absentismo, melhores resultados ou menos incidentes de natureza disciplinar, ambientes escolares mais amigáveis em termos de educação inclusiva, melhor relação com pais e comunidade, entre outros aspectos. Como exemplo, em 2019 um estudo realizado pela Universidade do Porto da Universidade do Porto sugeria que o estilo de liderança dos directores das escolas tem um impacto importante na motivação dos professores pois existe uma “correlação significativa entre a forma como são geridos os estabelecimentos de ensino e a relação que os docentes têm com a sua profissão.  Creio que o cenário não se terá alterado.

Camões já afirmava que um “fraco Rei faz fraca a forte gente” o que numa actualização republicana poderá entender-se como a defesa de lideranças competentes, com uma gestão participada, com mecanismos de eleição alargados, transparentes, escrutinados e com, insisto, mecanismos de regulação que previnam excessos e abusos.

Alguns episódios na contratação de docentes ou de funcionários e nos processos que envolvem técnicos e docentes, são exemplos em ter em conta pela forma negativa como foram geridos ou desencadeados por algumas direcções de escolas de escolas e agrupamentos.

Vamos ver como e quando conseguiremos a estabilidade imprescindível ao trabalho de todos os envolvidos nas comunidades escolares.

quinta-feira, 3 de outubro de 2024

OUTRO DIÁLOGO IMPROVÁVEL - O RECOMEÇO

 Pai, as férias já acabaram há algum tempo, temos o trabalho e gostava que desses alguma atenção a umas coisas que te quero dizer.

Lá vem seca, João, estou mesmo a ver.

Não comeces Pai, não se trata de seca, é para teu bem. Era bom que o ano corresse bem.

Mas os anos têm corrido bem João.

Não tem sido muito mal, mas algumas coisas não devem acontecer e deverias ter algum cuidado.

Não entendo João.

Pai, como sabes deste algumas faltas no teu emprego com desculpas falsas. Disseste uma vez que estiveste doente e foste ver o Benfica ao estrangeiro e lembro-me também de dizeres que precisavas de ir comigo ao médico várias vezes.

João, essas coisas são normais.

Vocês são muito engraçados quando chegam a pais, dizem-nos que não se deve mentir, que não de deve faltar à escola, etc. e na volta ... Olha Pai, também era importante que não arranjasses problemas com os teus colegas, especialmente com os tais Mário e Jaime de que estás sempre a falar e queixar-te.

Mas eles são parvos, chateiam-me e depois passo-me.

Pois é Pai, já te tenho avisado que tens de ter cabeça, saber controlar-te e não responderes para não te prejudicares. Outra coisa, quando houver alguma dificuldade deverias ser capaz de falar com o teu chefe, não tenho tempo para ir ao teu emprego sempre que se passa qualquer coisinha. Tens de ser tu a tratar dos teus assuntos.

Bolas, ainda agora começou o ano e já estou a levar uma seca.

Como sabes, alguém tem de te dizer estas coisas. A vida não está fácil e é preciso que as coisas corram bem para que não tenhas problemas, podem mandar-te embora.

Não podem João. Já estou lá há muitos anos.

Vê-se mesmo que não andas informado. Falam em que se pode despedir as pessoas com mais facilidade, tens de ter atenção com o que fazes e não ter descuidos. Pai, promete-me que te vais esforçar. Dou-te uma prenda no fim do ano.

quarta-feira, 2 de outubro de 2024

O LUISITO E O PEDRITO DEVEM SER AMIGUINHOS

 O Luisito e o Pedrito andam na mesma turma daquela escola para miúdos pequenos. O Luisito foi escolhido pelos outros miúdos (alguns) para delegado de turma.

Mas a coisa não tem corrido bem, o Luisito acha que é melhor ter uns brinquedos e o Pedrito quer que a sala tenha outros brinquedos. Ninguém se entende e os miúdos da sala fazem grupos. O Pedrito é o chefe de um desses grupos, um grande assim como o do Luisito, e quer ser ele a mandar na sala. Uns miúdos acham bem, outros miúdos acham mal e a coisa parece não ter grande solução. Se calhar terão que escolher outra vez.

Mesmo o director da escola e outros que já foram directores, andam a dizer que o Luisito e o Pedrito têm de ser amiguinhos, é mais bonito e a sala funcionaria melhor.

Eles não querem, mas como muitos dos outros miúdos já estão fartos de não ter brinquedos também acham que eles deviam ser amiguinhos.

O Luisito, assim com um ar de amiguinho, às vezes parece dizer pois, se tiver que ser e tal, mas o Pedrito como é mais novo e tem que se armar em forte diz que não quer ser amiguinho do Luisito, uma espécie de birra, própria da idade dos dois.

E a coisa anda assim na sala desta escola.

Tudo isto seria um jogo, mal jogado é certo, se não estivesse em causa os brinquedos da maioria dos miúdos, os que não têm dinheiro para os comprar e os que precisam desesperadamente de brincar.

Daí este meu cansaço.

terça-feira, 1 de outubro de 2024

O SOZINHISMO

 A GNR iniciou a Operação Censos Sénior que decorre até 15 de Novembro com o objectivo de sinalizar idosos que vivam sozinhos e, ou, isolados.

No ano anterior foram identificadas mais de 44000 situações que, naturalmente, são uma amostra de uma realidade bem mais pesada.

Segundo dados divulgados pela Pordata, Portugal e a Itália, no âmbito da UE, têm a maior percentagem de população idosa, por cada jovem temos quase dois idosos. Acresce que cerca de um milhão de pessoas vivem sozinhas sendo que mais de 500 000 são idosos.

Num tempo em que toda a gente parece integrar uma ou várias redes sociais parece estranha a referência à solidão que, como sabemos, se pode tornar numa condição de alto risco. Muitos trabalhos identificam consequências sérias da solidão, quer na saúde física, quer na saúde mental.

De facto, a solidão, o sozinhismo, é uma condição que afecta imensa gente de várias idades, mesmo nos mais novos, mas que atinge com particular incidência os mais velhos e tem vindo a acentuar-se na sequência da alteração dos estilos de vida e dos valores que tecem a vida das comunidades nas quais se vai perdendo as relações de vizinhança.

No entanto a questão agrava-se com os muitos que, para além de viverem sós, vivem isolados. São sobretudo estes que o sozinhismo ataca.

De facto, algumas pessoas, por condições económicas, dignidade e preservação da autonomia vivem sós, mas não estão isolados. Outros acumulam, vivem sós e isolados, por impotência, falta de recursos ou de família.

Apesar do que consta nas certidões de óbito, especialmente nos tempos do frio, estou convencido que a verdadeira causa da morte de muitos velhos é o sozinhismo, a doença que ataca os que vivem sós, isolados, que perderam o amparo. Ataca especialmente os velhos, mas não só os velhos.

Trata-se de uma doença moderna, cujas causas são conhecidas, cujo terapia também está encontrada, mas que parece difícil combater. Estão em queda as relações de vizinhança e a vivência comunitária, fontes privilegiadas de protecção dos mais velhos.

Quem não vive só, isolado, mais facilmente resiste às mazelas de diferente natureza que a idade traz quase sempre. As pessoas são, espera-se, fonte de saúde e calor. E o frio que está a chegar aumenta a necessidade desse calor.

Reafirmo que, embora tenha referido mais em particular a situação dos velhos, o sozinhismo também ataca crianças e jovens com consequências por vezes devastadoras.

Na verdade, o sozinhismo poderá ser verdadeiramente a causa ou o gatilho de problemas para muita gente.

No entanto e como sempre, para além das necessárias políticas sociais emergentes do estado e das instituições privadas de solidariedade impõe-se a percepção pelas comunidades, designadamente pelas famílias, do drama da solidão e do isolamento.

É sempre questão de redes sociais, mas não das virtuais.

Lamentavelmente, boa parte dos velhos, sofreu para chegar a velho e sofre a velhice.

Este país não estando a ser para jovens vai ter de ser para velhos.