Existem matérias que apesar de muitas vezes abordadas não podem sair da agenda das preocupações e da urgência e prioridade nas medidas e recursos. É preciso insistir.
Lê-se no Expresso que, de acordo
com dados da Pordata, a taxa de risco de pobreza subiu pela primeira vez em
sete anos, 16,4% em 2021 para 17% em 2022.
Acresce que é no grupo de
crianças e jovens e na s famílias com crianças dependentes que se verifica
maior agravamento. Também se regista "o maior aumento da taxa de
intensidade de pobreza da última década".
Recordo que dados do Eurostat que
aqui referi em Junho, em Portugal, no final de 2023 viviam 339 mil crianças em
risco de pobreza ou de exclusão social, cerca de 22,6% da população com menos
de 18 anos. Relativamente a 2022 verifica-se um aumento de 1,9%. Se
considerarmos a primeira infância, até aos 6 anos, a taxa de risco é de 21,6%,
um aumento de 4%, mais 25 mil crianças.
Parece, assim, que estamos longe
de conseguir minimizar os riscos de pobreza e exclusão.
Sabemos que a educação tem um
papel crítico neste processo. No entanto, recupero o relatório “Portugal,
Balanço Social 2023”, realizado pela Nova SBE Economics for Policy. De acordo
com o trabalho, 82% das crianças pobres com três anos ou menos não frequentam
pelo menos 30h de creche. Também no intervalo entre 4 e 7 anos são também as
crianças mais pobres que não frequentam educação pré-escolar.
Apesar da gratuitidade da
frequência da creche em 2022, a insuficiência de vagas dificulta o acesso das
famílias de menor rendimento apesar de alguns efeitos decorrentes do Programa
Creche Feliz.
Está bem estudada a relação entre
a situação económica, laboral e nível de literacia familiar no trajecto
pessoal.
Também sabemos que a pobreza tem
claramente uma dimensão estrutural e intergeracional, as crianças de famílias
pobres demorarão até cinco gerações a aceder a rendimentos médios, um indicador
acima da média europeia.
A escola é certamente uma
ferramenta poderosa de promoção de mobilidade social, mas, por si só,
dificilmente funciona como elevador social.
O impacto das circunstâncias de
vida no bem-estar das crianças e em aspectos mais particulares como o
rendimento escolar ou o comportamento é por demais conhecido e essas
circunstâncias constituem, aliás, um dos mais potentes preditores de insucesso
e abandono quando são particularmente negativas, como é o caso de carências
significativas ao nível das necessidades básicas.
Quando penso nestas matérias não
resisto a recuperar uma história que conto muitas vezes, coisas de velho como
sabem, e que foi umas das maiores e mais bonitas lições sobre educação que já
recebi. Aqui fica outra vez e não será a última.
Aconteceu há já uns anos em
Inhambane, Moçambique, também conhecida por Terra da Boa Gente. Num início de
manhã, eu o Velho Carlos Bata, um homem velho e sem cursos, meu anjo da guarda
durante as semanas que lá estive em trabalho, íamos a passar por uma escola
para gaiatos pequenos e o Velho Bata, parou a olhar. Não estranhei, era um
homem que não conhecia o significado de pressa.
Um tempinho depois disse-me que
se tivesse “poderes de mandar” traria um camião de batata-doce para aquela
escola. Perante a minha estranheza, explicou que aqueles miúdos teriam de comer
até se rir, “só aprende quem se ri”, rematou o Velho Bata.
Pois é Velho, miúdos com fome e
que passam mal não aprendem e vão continuar pobres. E infelizes, não se riem.
Ontem, hoje e amanhã. Não podemos
falhar.
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